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Cadernos de Estudos Africanos

Print version ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.35 Lisboa Jan. 2018

https://doi.org/10.4000/cea.2853 

ARTIGO ORIGINAL

 

Planos e Programas e os Serviços de Extensão Rural em Moçambique: Solução ao hiato existente entre os eixos orientadores e a prestação dos serviços públicos[1]

 

Plans and programs and rural extension services in Mozambique: Solution to the existing gap between the guidelines and the provision of public services

 

 

José Norberto Muniz1; Inácio T. Nhancale2; João Carlos Reis Soub3; Otávia Travençolo Muniz Sala4

1Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal de Viçosa, Avenida Peter Henry Rolfs, s/n, Campus Universitário, Viçosa, Minas Gerais, 36570-900, Brasil, nmuniz@ufv.br
2Divisão de Extensão Rural, Direcção Nacional de Extensão Agrária, Ministério da Agricultura, Rua da Resistência, 1746, Maputo, Moçambique, inhancale@gmail.com
3Agência Brasileira de Cooperação/MRE, SAF/Sul Quadra 2, Lote 2, Bloco B, Brasília, DF, 70070-600, Brasil, joao.soub@abc.gov.br
4Departamento de Administração, UniSEB/Ribeirão Preto, Rua Abrahão Issa Halach, 980 - Ribeirânia, Ribeirão Preto - SP, 14096-160, Brasil, otaviat@gmail.com

 

 


RESUMO

O artigo analisa a reorganização institucional e metodológica da extensão rural constantes dos planos e programas introduzidos pela Direção Nacional de Extensão Agrária no Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar. Nesta análise identifica-se o hiato entre as proposições e as suas implementações, consequência das pressuposições assumidas sobre as capacitações institucionais e dos técnicos na apreensão e na implementação daquelas proposições. Desta forma, propõe-se formas de intervenção e de conteúdos de capacitações visando a superação do hiato existente, sugerindo que a reorganização da extensão rural pode ocorrer sob os princípios de um sistema nacional de extensão rural. Para tanto, novas funções ocupacionais e papéis organizacionais são sugeridos, além das intervenções estruturadas visando o alcance das mudanças socioeconômicas integradas aos programas de desenvolvimento agrário.

Palavras-chave: extensão rural, sistema de extensão rural, planos, programas, DNEA, Moçambique


ABSTRACT

The article analyzes the institutional and methodological reorganization of agricultural extension introduced by the National Agricultural Extension Directorate in the Ministry of Agriculture and Food Security. This analysis identifies the gap between proposals and implementations, consequence of the assumptions taken on the institutional and technical capacities in the apprehension and implementation of those proposals. Thus, it is proposed forms of intervention and training content aimed at overcoming the gap, establishing the reorganization of the extension under the principles of a national extension system. For this, new occupational functions and organizational roles are suggested, in addition to structured interventions aimed at achieving socioeconomic changes integrated into the agricultural development programs.

Keywords: rural extension, rural extension system, plans, programs, DNEA, Mozambique


 

 

A trajetória da extensão rural em Moçambique, que não é diferente da dos países em desenvolvimento, é direcionada por organismos internacionais de cooperação técnica e/ou financeira. Sem entrar em detalhes sobre a trajetória em si, pois não é o objetivo da presente análise, esta influência abrange a reorganização institucional, propiciando a participação de diferentes prestadores de serviços de extensão rural, a estruturação das intervenções por planos e programas e a inserção de metodologias participativas, fundamentadas pelos vários propósitos de reorganização social da produção, conforme pode-se constatar nas proposições sugeridas pela New Partnership for Africa's Development (NEPAD, 2002).

Evidentemente, os conteúdos de cada proposição, a despeito de interligadas entre si, se constituem em objetos de análises e interpretações isoladas. Deste modo, entre essas abordagens, o objetivo deste artigo está na compreensão da estruturação das intervenções por planos e programas e a prestação dos serviços em extensão rural pela Direção Nacional de Extensão Agrária (DNEA)[2]. A questão é que entre os eixos orientadores e a prestação de serviços há um hiato operacional que requer solução. Se, por um lado, o conceitual, expresso pelos eixos orientadores dos documentos, requer compreensão, por outro, o prático requer a reestruturação da forma como a intervenção ocorre.

Mais especificamente, a dimensão conceitual é abordada sob o propósito de criar capacidades individuais e de equipes interdisciplinares em extensão rural no país e o prático se manifesta pelos projetos estruturantes, como alternativa às formas de intervenção da extensão rural e na construção de indicadores de mudança socioeconômica, e não apenas indicadores que revelam como os planos e programas estão sendo implementados. Estes conteúdos são aqui identificados, mas serão explicitados ao longo do desenvolvimento do artigo, que é fundamentado em dados secundários. A conclusão é que o hiato apresentado se constitui num “vazio” instrumental, o qual pode ser superado pelas novas capacidades requeridas da extensão rural em articular e coordenar os eixos orientadores de desenvolvimento rural[3] e de implementar intervenções estruturantes para alcançar os objetivos daqueles eixos. Sob esta orientação admite-se a necessidade de se formar um novo profissional para atuar como agente de desenvolvimento rural, com habilidades além da competência técnica, conforme admitem Swanson e Rajalahti (2010), pois o desenvolvimento de capacidades decorrente apenas da transposição de modelos coloca em dúvidas as estratégias de desenvolvimento agrário apresentadas nos programas governamentais.

De forma geral, é interessante ressaltar que esta proposta decorre das falácias identificadas nas recorrentes proposições de intervenções apresentadas, ao longo dos anos, aos países em desenvolvimento. Apenas para ilustração, dentre as falácias, este artigo apresenta argumentos para superar as seguintes: a) há a transposição de eixos orientadores para a reorganização da extensão rural, mas a implementação dos planos e programas é por atividades isoladas, com a introdução da monitoria e da avaliação, mas centradas na execução das atividades e não no alcance dos objetivos dos eixos orientadores; b) o papel do produtor rural, seja isolado ou agregado, é superdimensionado, não havendo articulações e coordenações institucionais da extensão rural que permitam que os produtores rurais assimilem, introduzam e se beneficiem do processo de mudança; c) o foco da mudança é as atividades produtivas e não a família e o contexto socioeconômico e cultural local; por sua vez, as metodologias participativas podem ser necessárias, mas não são suficientes para alcançar os objetivos dos eixos orientadores de mudança; e d) as instituições intervenientes nos processos de mudança socioeconômica e cultural atuam de forma isolada e não de forma integrada, não visam o alcance dos propósitos transdisciplinares dos eixos orientadores de desenvolvimento rural que constam dos programas.

Para desenvolver o conjunto das proposições introduzidas, o artigo segue com a delimitação dos procedimentos metodológicos, a apresentação de planos e programas como documentos orientadores das proposições e das intervenções da extensão rural em Moçambique. Posteriormente, há a identificação do hiato operacional, com a apresentação das alternativas, o que implicará no último item, que consiste nas possíveis inferências nas conclusões.

 

Procedimentos metodológicos

Por procedimentos metodológicos subentende-se a descrição das referências empíricas e das formas de coleta de dados e informações que se constituem em fundamentos para a exposição e interpretação das análises sobre o hiato entre os eixos orientadores dos planos e programas e a prestação dos serviços públicos em extensão rural pela Direção Nacional de Extensão Agrária (DNEA). Conforme Babbie (1995), é uma pesquisa descritiva, a qual requer diferentes fontes e estratégias para a coleta de dados.

Deste modo, a referência empírica inicial foi estruturada pela pesquisa documental. Para Bardin (2011), a pesquisa documental se fundamenta na análise de conteúdos, os quais são delineados a partir dos objetivos da investigação. Como o objetivo é compreender a vinculação da prestação dos serviços públicos em extensão rural e o quadro de referência que estrutura a concepção e as intervenções dos planos e programas, não há o emprego de procedimento amostral na seleção dos documentos e nem dos seus conteúdos. Portanto, os procedimentos para a seleção dos mesmos estão na sua vinculação à concepção orientadora existente nos documentos e delimitações de suas intervenções, conforme sugere Richardson (2011). Neste sentido, os seguintes documentos foram considerados para a análise:

Comprehensive Africa Agriculture Development Programme. New Partnership for Africa's Development (NEPAD). November 2002.
Plano Director de Extensão Agrária, 2007-2016. Direcção Nacional de Extensão Agrária. Ministério da Agricultura. Maputo, 2007.
Programa Integrado de Transferência Tecnológica Agrária. Direcção Nacional de Extensão Agrária. Ministério da Agricultura. Maputo, 2010.
Plano Estratégico de Desenvolvimento do Sector Agrário, 2011-2020. Ministério da Agricultura. Maputo, 2011.
Projecto de Apoio ao PRONEA (PSP). Missão de Supervisão. Aide Mémorie. Direcção Nacional de Extensão Agrária. Ministério da Agricultura. Maputo, 2012.
XIX Reunião Anual de Extensão Agrária, Segurança Alimentar e Geração de Riqueza. Nampula, de 30 de setembro a 2 de outubro. Direcção Nacional de Extensão Agrária. Ministério da Agricultura. Maputo, 2013.
Plano Operacional para o Desenvolvimento Agrário (PODA), 2015-2019. Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar. Maputo, 2015.
Reunião Periódica de Revisão Tecnológica (REPETE), realizada em novembro de 2016, no Instituto Médio Técnico Profissional São Francisco de Assis, localizado em Marracuene, Direcção Nacional de Extensão Agrária.

Em relação aos conteúdos, os identificados para as análises nos documentos foram delimitados a partir de sua associação à extensão rural como instituição e como prestação de serviços públicos. Assim, os seguintes termos, com os seus respectivos significados, foram considerados: planos e programas, extensão rural, extensão agrária, desenvolvimento rural, desenvolvimento agrário, objetivos da extensão rural, pressupostos e fundamentos da extensão, metodologias de extensão rural, eixos orientadores do desenvolvimento, eixos orientadores da extensão rural, plano de atividades do extensionista, metas e indicadores e organização institucional da extensão rural.

Além da análise de conteúdo dos documentos, ocorreu a realização de entrevistas com os diretores, supervisores, oficiais de tecnologias e extensionistas, considerando as posições funcionais na Direção Nacional de Extensão Agrária. Se, por um lado, houve a orientação em entrevistar esses participantes na XIX Reunião Anual de Extensão Agrária, Segurança Alimentar e Geração de Riqueza (2013), por outro, as indicações dos entrevistados, no total de 22, dependeu da disponibilidade dos mesmos durante a realização do evento. Evidentemente, associada às entrevistas ocorreu a observação participante no evento, permitindo registrar dados e informações que poderiam se constituir em fundamentos para a análise dos dados.

Esse mesmo procedimento ocorreu na realização da Reunião Nacional denominada de Revisão Periódica de Tecnologia (REPETE), conforme citado anteriormente. Essa reunião ocorre uma vez por ano, em diferentes localidades, visando demostrar as demandas por tecnologias e as validações das inovações tecnológicas, o que tem motivado as participações de investigadores, extensionistas, produtores rurais, ONGs e os fornecedores de inputs para o setor agrícola (Alage & Nhancale, 2010). A participação, como observador, nessa reunião foi fundamental para comparar e consolidar os dados coletados na XIX Reunião Anual, realizada em 2013.

 

Os planos e programas e as intervenções em extensão rural

As tendências em direcionar a organização institucional, as concepções, as funções e os serviços de extensão rural para os países em desenvolvimento podem ser agregadas em duas abordagens: a primeira, pelas proposições de órgãos e entidades internacionais estruturadas em planos, programas e estratégias, e a segunda, pelas questões práticas decorrentes das consequências das trajetórias do desenvolvimento rural e agrário[4] instituídas nos países em desenvolvimento. Em Moçambique, em especial, essas duas tendências ocorrem sob formas explícitas.

Para ilustrar essas tendências, a referência inicial é o conjunto de proposições apresentadas pela NEPAD (2002), onde os serviços de extensão devem passar pelos processos de descentralização, de terceirização e da partilha dos custos na prestação dos serviços de extensão, além da introdução da monitoria e da avaliação como critérios de gestão das intervenções. Como referência institucional, essas proposições se fortalecem ao serem introduzidas na elaboração dos novos planos e programas que estruturam as intervenções na área rural, visando a introdução de metodologias para alcançar os múltiplos objetivos do desenvolvimento agrário, definidos em conformidade com os organismos da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO, 2005).

Por exemplo, a Direção Nacional de Extensão Agrária (DNEA) instituiu o Plano Diretor de Extensão Agrária[5] (PDEA), conforme o Ministério da Agricultura (2007)[6], como referência inicial para estruturar a instituição e a prestação de serviços de extensão. Consonante com este Plano Diretor, a extensão rural é definida como um sistema de provisão de múltiplos serviços, com a desconcentração da prestação do serviço público ao nível distrital. Associadas aos múltiplos serviços há duas linhas de ação: uma delas está na introdução da abordagem participativa, a qual visava a substituição da metodologia de Treinamento e Visita (T&V), que preconizava a transferência tecnológica de forma linear, e a outra induz a proposta de múltiplos prestadores desses serviços, instituindo o sistema pluralístico de prestação de serviços. Sob esta proposição, Gemo e Rivera (2001) destacam os papéis dos setores públicos e privados na prestação dos serviços de extensão rural, os quais são ilustrados pelas análises dos produtores rurais emergentes nas províncias de Nampula e Zambézia[7].

Outro componente do Plano Diretor é o redirecionamento da prestação de serviços, onde as intervenções se estruturam por focos, sendo um deles o da oferta de serviços, outro pela demanda das necessidades dos agricultores, e o último, intermediando a oferta e a demanda, está na provisão de serviços de extensão rural ao nível provincial e distrital. Mais especificamente, o foco da oferta requer a reorientação e o apoio ao setor público e a promoção e o apoio ao setor privado/ONGs. Por sua vez, o foco da demanda visa a capacitação técnica e empresarial dos agricultores e a organização em grupos, em associações e em cooperativas. Em decorrência dessas mudanças, o terceiro foco visa o fortalecimento da extensão agrária nos níveis provinciais e distritais.

Como pode-se notar, as proposições apresentadas no Plano Diretor, como deve ser a construção de um Plano, são gerais, requerendo, na sua operacionalização, intensas mudanças nas diferentes esferas institucionais do governo. Uma delas, por exemplo, está nos próprios constrangimentos econômicos dos serviços de extensão públicos em capacitar os técnicos nos diferentes níveis e, em especial, em capacitar os agricultores. Nesse sentido, Alage e Nhancale (2010) passam a identificar as necessidades correlatas ao Plano Diretor. Entre elas, esses autores fazem referência às seguintes: mecanismos que integram as interações entre produtores rurais, agentes de extensão, investigadores, empresas fornecedoras de matérias-primas, empresas que adquirem os produtos agrícolas e o sistema financeiro para a agricultura. Se, por um lado, há a identificação de mecanismos, por outro, Alage e Nhancale (2010) também reforçam a necessidade de aquisição de habilidades na gestão dos negócios agrícolas, em marketing, na identificação de problemas prioritários, na elaboração do planejamento e na implementação da monitoria e avaliação de projetos e programas.

É interessante destacar que, sob a perspectiva das necessidades de habilidades e capacitações, Gemo e Chilonda (2013), ao investigarem os fatores críticos que interferiram na implementação do PRONEA, de 2007 a 2010, reforçam que a ocorrência da qualificação dos técnicos nos níveis central, provincial e distrital da instituição permaneceu a mesma durante o período de existência do Programa. Comparativamente, se o Plano Diretor, proposto em 2007, revela vulnerabilidade na implementação pela formação dos seus técnicos, conforme análise de Alage e Nhancale em 2010, essa formação ainda deixa de ocorrer pela análise realizada em 2013 por Gemo e Chilonda. Nos termos desses autores, a formação dos técnicos continua sendo um dos fatores críticos na concepção e implementação dos planos e programas. Portanto, a proposição de Eicker (2004) de que “policymakers and donors should shift the debate from the general prescription on downsizing and privatizing public extension to the special case of building a Mozambique model of agricultural extensions”, ao ser retratada em 2004, se evidencia como um fator crítico que ocorre ao longo dos anos na instituição.

Continuando a análise documental, pode-se destacar o Plano Estratégico de Desenvolvimento do Setor Agrário (PEDSA), que, apesar de focalizar o desenvolvimento do setor, de acordo com o Ministério da Agricultura (2011), ele se mostra coerente com o Plano Diretor de Extensão Agrária. Para o PEDSA, o objetivo é contribuir para a segurança alimentar e para a geração de renda dos produtores rurais, de forma competitiva e sustentável, além de assegurar a igualdade social e de gênero. O alcance desses objetivos, deve-se destacar, é estimulado pela ênfase no mercado e no desenvolvimento de cadeias de valor, além do foco da extensão agrária sobre a agroecologia.

Por sua vez, o Plano Diretor de Extensão Agrária propõe o aumento da capacidade dos serviços de extensão voltados para os produtores rurais emergentes e para os pequenos produtores, se estruturando em torno de cinco pilares, quais sejam: produção e produtividade, acesso aos mercados, segurança alimentar e nutricional, uso sustentável dos recursos naturais e desenvolvimento institucional. Sob a dimensão temática dos cinco pilares, destaca-se a extensão agrária com proposições direcionadas aos múltiplos objetivos do desenvolvimento.

Não obstante, essasorientações, como é o caso da referência aos pilares, não são explicitadas como elas podem ou devem estar relacionadas entre si e nem como podem ou devem ser operacionalizadas e implementadas. Sob este vácuo operacional, pode-se inferir que cada pilar pode ser trabalhado isoladamente pela execução de determinadas atividades, evidenciando o que ocorre com as prestações de serviços e a elaboração dos planos de atividades dos extensionistas.

Deste modo, ao prover serviços de extensão de forma isolada, os mesmos podem não atingir os objetivos dos próprios planos e programas, como os do PDEA e o PEDSA. Assim, esses planos apresentam orientações gerais, mas fundamentando apenas na prestação de serviços, sob os propósitos da oferta e demanda dos mesmos. Se, por um lado, há a coerência entre as orientações dos planos, pela prática, por outro, essa coerência simplifica os propósitos dos planos, restritos às atividades executadas.

Por exemplo, a produção e a produtividade são influenciadas por múltiplas variáveis, como as físicas, as sociais e as econômicas. Por conseguinte, a ênfase dos serviços de extensão sobre a difusão de inovações, a descentralização, a inserção de múltiplos atores, etc., não são suficientes para a inserção dos produtores rurais no mercado competitivo, apesar de serem necessárias. O que se propõe neste artigo é que o desenvolvimento de capacidades para a adequação dos planos e programas aos objetivos da mudança socioeconômica, utilizando de intervenções estruturantes, pode se constituir na alternativa para transformar a provisão dos serviços de extensão mais efetiva. A justificativa, como será demonstrada, é que o desenvolvimento de capacidades inseridas na transposição dos conceitos e de modelos de extensão rural coloca em dúvida as estratégias de desenvolvimento rural e, especificamente, o alcance dos múltiplos objetivos do desenvolvimento agrário.

A princípio, torna-se necessário expor esta alternativa, deixando a sua explicitação para o item seguinte, pois, neste momento, o foco é continuar a apresentação dos documentos que direcionam as intervenções pelos planos e programas. Sob esta tendência, há outro documento, conforme o Ministério da Agricultura (2012), que é o Programa Nacional de Extensão Agrária (PRONEA). Coerente com os documentos anteriores, o PRONEA, de 2007 a 2014, ocorre dentro do quadro de referência do PROAGRI II, concluído em 2007. A partir de 2012, se estendendo até 2017, o PRONEA é operacionalizado pelo Pronea Support Project (PSP) (Ministério da Agricultura, 2012). Esse projeto passa a financiar as atividades de extensão rural, visando atender as demandas técnicas dos produtores rurais isolados ou em associações e cooperativas. Portanto, apesar de o PRONEA estar associado à extensão agrária em sua denominação, o PSP financia atividades específicas de extensão rural nos distritos.

O que se destaca no PRONEA[8] é que ele incorpora as orientações dos dois planos anteriores, realçando as orientações para o mercado, priorizando as commodities, as cadeias de valor agregado, bem como os seus componentes, especialmente a orientação para a formação dos produtores rurais em negócios agrícolas, o fortalecimento das associações e das cooperativas e o suporte aos produtores rurais emergentes. Entretanto, a despeito dessas orientações, é o Programa Integrado de Transferência de Tecnologias Agrárias (PITTA), que se constitui, de acordo com o Ministério da Agricultura (2010), na referência para a introdução, integrando produtores rurais e investigadores, além dos extensionistas, nos serviços de extensão agrária.

Teoricamente, este programa propõe um modelo de extensão centrado no processo de interação entre o extensionista, o pesquisador e o produtor rural, visando adaptar inovações para que possam ser transferidas aos produtores rurais. Não obstante, empiricamente, o modelo é operacionalizado a partir do extensionista, o qual recebe uma área de um hectare, denominada de área modelo, produzindo diretamente pelo emprego de pacotes tecnológicos melhorados pela investigação, adequado à zona geográfica. Assim, o extensionista está sob a orientação do investigador, explorando mais de uma cultura e, quando necessário, deixando uma área para o pousio. Para o Corredor de Nacala, os cultivos a serem trabalhados são o algodão e o caju, orientados para o mercado, e as oleaginosas, o milho (cultura alimentar) e as madeiras.

Deve-se acrescentar que a área modelo é explorada com recursos provenientes do Fundo do Desenvolvimento Agrário do Ministério da Agricultura, os quais são empregados para a aquisição dos pacotes tecnológicos. Como forma de financiar as atividades na área modelo, o técnico que aplicar os recursos nesta área e não obtiver a renda suficiente para cobrir o investimento, deverá devolver ao Fundo os recursos inicialmente recebidos. Sob esse condicionante, o objetivo é demonstrar que o extensionista é um produtor modelo, se constituindo em referência de empreendedorismo para os demais produtores rurais da região. Portanto, a pressuposição é de que os produtores rurais frequentem constantemente a área modelo, pois, como produtor, o extensionista possui dois dias da semana para serem dedicados à assistência aos demais produtores rurais.

Deste modo, considerando os diversos planos e programas, como o PDEA, o PEDSA, o PRONEA e o PITTA, este último é o que tem orientado a execução dos serviços de extensão agrária sob a Direção Nacional de Extensão Agrária. Esta constatação não é apenas conceitual, mas advém das apresentações que constam dos relatórios de atividades da XIX Reunião Anual de Extensão Agrária, Segurança Alimentar e Geração de Riqueza, de acordo com o Ministério da Agricultura (2013).

Pelas referências aos documentos e pelas apresentações constatadas durante a reunião técnica, identificou-se que raramente ocorreram, por parte dos participantes nesta reunião, referências ao Plano Estratégico de Desenvolvimento do Setor Agrário (PEDSA) e ao Programa Nacional de Extensão Agrária (PRONEA), pois as apresentações dos supervisores e dos técnicos ramais em tecnologia, por províncias, seguiam, frequentemente, o mesmo formato, destacando-se os mesmos indicadores de realização de atividades, revelando como o PITTA está sendo implementado. Para ilustração, entre os indicadores de implementação do PITTA, pode-se destacar, como assistência aos produtores, a realização de campos de demonstração de resultados (CDR), o número de pintos nos aviários, vacinações realizadas, a disseminação dos pacotes tecnológicos, a produção de material de comunicação, os recursos utilizados, os obstáculos encontrados, etc. São indicadores das ações realizadas no âmbito da implementação do PITTA, além da referência ao plano Estratégico de Desenvolvimento da Província. O propósito das apresentações era evidenciar que essas ações visavam o aumento da produtividade e da produção agrária, que é um dos pilares do Plano Estratégico do Setor Agrário.

Coerentemente, identifica-se que os objetivos do programa e as ações relatadas na reunião técnica estão associados, mas essa coerência é apenas apresentada de forma unilateral pelos registros realizados pelos extensionistas, como o número de associações assistidas, número de membros dessas associações, a diferenciação entre homens e mulheres, o número de associações camponesas legalizadas, etc. Além dessas constatações, há aquelas que expressam a produção e a produtividade, bem como os recursos gerados. São dados disponibilizados pelos técnicos das áreas modelos, sem referência a um coeficiente numérico que expressa a relação entre as associações assistidas, a forma da assistência, as informações transmitidas, as tecnologias adotadas e as implicações sobre os resultados da produção. O que se infere da coerência aludida anteriormente é que ela decorre das práticas dos extensionistas sob a pressuposição de mudança que a área modelo pode representar, mas que os resultados dessas práticas são demonstrados de forma isolada do contexto dos objetivos do PITTA.

Portanto, a interpretação possível do hiato entre objetivos dos planos e programas e as intervenções realizadas nas comunidades pelos extensionistas não permite revelar resultados que expressam as diferentes dimensões de desenvolvimento naqueles planos e programas. Em outros termos, o foco na execução das ações de prestação de serviços individualizadas delimita a participação do extensionista a um escopo limitado, em contraste com o que se espera desse profissional quando da elaboração dos planos e programas.

Além disso, ao comparar as proposições do PEDSA e do PRONEA com as do PITTA para a realização das atividades dos técnicos provinciais e distritais, se a ênfase está na produção e na produtividade, elas se referem apenas à área modelo explorada pelo extensionista. Se, por um lado, há a valorização do extensionista, por outro, a ênfase da extensão rural pelo PITTA está na difusão de técnicas e de tecnologias restritas às metodologias empregadas, tais como os campos de demonstração de resultados, as unidades demonstrativas, as experiências on farm, as visitas às escolas na machamba, os veículos de comunicação utilizados e as produções de materiais de divulgação. Se, por um lado, o PITTA é implementado pelo princípio do “ensinar fazendo”, por outro, este ensinar fazendo ocorre pela interação entre o investigador e o extensionista, principalmente, visando a organização das áreas modelos de exploração.

Em relação aos demais pilares que constam dos planos e programas identificados anteriormente, por exemplo, houve, nos relatos da XIX Reunião Anual de Extensão Agrária, apenas referências parciais aos pilares relacionados ao mercado, às associações e às escolas. Quanto ao mercado, a apresentação dos técnicos na XIX Reunião Anual identificou o público consumidor e os valores de venda, mas foi um dos produtores participantes do Encontro que fez referência ao mercado institucional. Assim, enquanto a produção na área modelo do extensionista atinge o consumidor e as feiras, a do produtor isolado atinge o mercado institucional, que é constituído de hospitais, penitenciária, centros de saúde e centros de educação.

Por sua vez, a referência dos extensionistas às associações e às escolas nas machambas é indicada pelo número de visitas realizadas. Identifica-se o número delas, o número de instrutores, de alunos, etc. Um dado interessante é que estes números são os indicadores apresentados na XIX Reunião pelos extensionistas que expressam como o PITTA está sendo implementado. Assim, o PITTA direciona as formas de intervenção, via a área modelo, e os indicadores se constituem dos números absolutos que constatam as atividades realizadas pelos extensionistas.

Dentre os demais pilares que constam dos planos e programas analisados, o destaque nas apresentações foi a não referência à agricultura de conservação. Por conseguinte, a sugestão da direção da DNEA para os participantes da XIX Reunião, para as próximas atividades, é que este pilar seja objeto de intervenção. Além da agricultura de conservação, também constatou-se na Reunião a não referência à segurança alimentar e nutricional e ao desenvolvimento institucional. Este desenvolvimento, conforme está definido pelo PEDSA, fica limitado às associações e cooperativas, e não à própria extensão rural como instituição.

Dos documentos analisados, pode-se constatar que a extensão rural implícita no PEDA, PEDSA e PRONEA apresenta conceitos, proposições e pilares do desenvolvimento, mas nem todos foram implementados, conforme se constata no relatório da XIX Reunião para o item denominado de desenvolvimento institucional. Além disso, constatou-se que as intervenções e mudanças propostas nos três documentos analisados são relatadas como atividades isoladas, realizadas pelos extensionistas, não se constituindo em projetos estruturados pelas mudanças propostas no PEDA, PEDSA e PRONEA. Assim, os relatos apresentados no relatório da XIX Reunião seguem, principalmente, as orientações do PITTA, como programa de integração. Como consequência, ao orientar as intervenções por resultados, os mesmos passam a se constituir em indicadores de avaliação dos serviços da extensão rural pública em Moçambique. O que se constata no PEDA, PEDSA e PRONEA, comparado com o PITTA, é a existência do hiato entre a referência conceitual da extensão e a sua prática em níveis dos serviços distritais de extensão rural. Enquanto esse item constata a existência desse hiato, a sua análise se estende no item seguinte, aprofundando a compreensão do mesmo, bem como as suas implicações.

 

O hiato operacional e as alternativas

O termo hiato, inferência correspondente à análise dos documentos, significa que os planos e programas que são referências para a institucionalização da extensão agrária na DNEA não são transformados em mediações operacionais. Por exemplo, o Plano Diretor de Extensão Agrária admite a participação de múltiplos atores na prestação dos serviços de extensão rural no país, devido, fundamentalmente, à complexidade do sistema agrário produtivo e às várias dimensões que afetam o desenvolvimento agrário.

Como referência conceitual, a primeira mediação operacional está na institucionalização das relações de articulações que venham demonstrar a organização do sistema de extensão rural como Sistema Nacional de Extensão Rural (SISNE), conforme apresentado no PDEA[9]. Para tanto, a articulação se constitui de ações na estrutura da DNEA para inserir a extensão rural no conjunto das instituições, organizações e empresas envolvidas com o processo de mudança socioeconômica e cultural da população envolvida com o sistema produtivo agrário. Teoricamente, essas ações podem ser implementadas sob os princípios das ações institucionais coletivas, visando o alcance de objetivos comuns e complementares no processo de mudança. Não obstante, de acordo com Scharpf (1999), “social phenomena are to be explained as the outcome of interactions among actors – individual, collective, or corporate actors, that is – but these interactions are structured, and the outcome shaped, by the characteristics of the institutional settings within which they occur” (p. 1).

Em outros termos, ao identificar a ocorrência dos planos, dos programas e dos projetos de ONGs e de empresas constata-se que a provisão dos múltiplos serviços associados aos processos de descentralização, de terceirização e da partilha dos custos na prestação dos serviços de extensão rural é preconizada apenas institucionalmente. Entretanto, pelo que se infere das entrevistas realizadas com os técnicos em extensão rural, esta pluralidade de intervenções ocorre sob cada estrutura institucional, mas não de forma interativa e articulada, evidenciando apenas as intervenções pelas ofertas de serviços e não pelas demandas. Assim, em conformidade com o Plano Diretor de Extensão Agrária, contempla-se mais o Sistema Unificado em Extensão (SUE) do que, propriamente, o SISNE, conforme é usualmente evidenciado pelas investigações sobre a extensão rural pública[10].

Mais especificamente, os conteúdos das ações de articulações podem ser político, administrativo e técnico. Elas adquirem significados específicos em função da inserção da extensão rural no sistema de conhecimento agrícola, entre os prestadores de serviços de extensão e as empresas privadas do setor rural. Esta identificação expressa, consequentemente, a decisão de instituir a pluralidade dos atores para prover os serviços de extensão rural. Não obstante, em termos de desenvolvimento agrário, elas podem não ser suficientes para tanto, em função dos fatores críticos internos e externos à instituição, como pode ser identificado na análise do PRONEA por Gemo e Chilonda (2013).

O que se apresenta é que sob os propósitos do desenvolvimento agrário, especialmente como delimitado pelos planos e programas aqui analisados, a pluralidade de atores prestadores de serviços requer revisão se os propósitos das intervenções visam alcançar aqueles objetivos. Isto é, outros atores institucionais diretamente envolvidos não apenas com a redução da pobreza, mas com os demais indicadores do desenvolvimento agrário, que são a educação, a nutrição, a saúde humana, a moradia, o transporte e o lazer. Portanto, a pluralidade dos atores institucionais identificada nas orientações dos planos e programas se estende para além da tradicional pluralidade definida apenas pelos prestadores de serviços para a produção, transformação e comercialização dos produtos, como são incorporados no PDEA, PEDSA e PRONEA.

Se há esta complexidade institucional, torna-se necessário institucionalizar esta nova função para a extensão rural, aqui designada como de articulação. Não obstante, ela não ocorre de forma isolada, a ela outra função é identificada, que é a da coordenação na concepção e na implementação do conjunto dos serviços prestados entre os atores pluralísticos, componentes do SISNE, por exemplo. Coordenar não é exercer poder de controle sobre as intervenções. Pelo contrário, é possuir conhecimento e dados suficientes para avaliar a sua necessidade, a natureza da intervenção, a sua abrangência, a sua extensão ao longo do tempo e, principalmente, a complementaridade em relação às demais intervenções e as implicações possíveis, tanto positivas quanto negativas, considerando-se, principalmente, a sua sustentabilidade após a conclusão da intervenção[11].

Deve-se destacar que, ao institucionalizar a articulação e a coordenação como novas funções da extensão rural pública em Moçambique, e não apenas identificar a sua necessidade, há a consolidação de dois objetivos específicos do Plano Diretor de Extensão Agrária, quais sejam: a) aumentar a capacidade de implementação dos programas de extensão sob a orientação pluralística e participativa, e b) aumentar a capacidade técnica e de gestão dos projetos. Sob estas novas funções, a extensão rural pública estende as suas atividades horizontais, com os múltiplos provedores e com os múltiplos planos e programas do governo, expandindo o quadro de referências para as suas intervenções sob o contexto do desenvolvimento agrário[12].

Além dessas atividades horizontais, há também as atividades verticais, as quais envolvem as interações da Direção Nacional de Extensão Agrária com os Serviços Provinciais de Extensão Rural (SPERs) e com os Serviços Distritais de Extensão Rural (SIDAEs). É a interação clássica da extensão rural, caracterizada como a de implementação dos serviços, a qual é prevista pela desconcentração da gestão e da prestação dos serviços nas províncias e nos distritos. Conforme os documentos analisados, esta interação operacionaliza tanto a oferta dos serviços quanto o atendimento das demandas apresentadas pelos diferentes segmentos sociais envolvidos com a produção agrícola. Como consta dos planos de atividades propostos e executados pelos técnicos da DNEA nos diferentes níveis hierárquicos, as intervenções técnicas ocorreram por produtos, conforme orientação derivada das reuniões nacionais denominadas de Revisão Periódica de Tecnologia (REPETE)[13].

Como consequência destas constatações, há a continua sugestão de desenvolvimento institucional, reforçada por duas das recomendações constantes do relatório de avaliação do PRONEA Support Project, conforme o International Fund for Agricultural Development (2012), as quais são as seguintes: a) melhoria da capacidade da DNEA em envolver-se com programas complexos de mudança, especialmente o planejamento, orçamento, monitoramento e avaliação, e b) harmonizar os planos e programas entre si. Entretanto, considerando que essa missão de supervisão ocorreu em 2012, o Plano Quinquenal do Governo – PQG (2015-2019) e o Plano Operacional para o Desenvolvimento Agrário – PODA (2015-2019), apesar de enquadrados nos planos e programas anteriores, não introduzem as sugestões apresentadas pelos avaliadores do PSP. Por exemplo, em relação à extensão rural, o PODA enfatiza, entre outras proposições, a realização de demonstrações e de cinco réplicas através das metodologias do PITTA e das escolas na machamba do produtor.

Há, em função das análises dos referidos planos e programas ao longo dos anos, a constatação de duas tendências: o enquadramento das orientações e concepções sobre a extensão rural e o desenvolvimento rural integrado e a sua operacionalização pelas realizações das atividades, as quais se distanciam dos objetivos de mudança apresentados pelas proposições de desenvolvimento agrário.

O que se destaca é que decorrente dessa dualidade, constata-se a manutenção de sugestões de procedimentos clássicos sobre a extensão rural, visando, de forma geral, reduzir a pobreza e, de forma específica, produzir alimentos. A referência ao desenvolvimento institucional, conforme identificado anteriormente, apesar de constatada no PRONEA, não é operacionalizada.

Portanto, o desafio está não apenas em operacionalizar as proposições clássicas apresentadas nos planos e programas, mas em introduzir esta operacionalização sob novas perspectivas conceituais. Caso contrário, proposições clássicas são introduzidas pelas perspectivas clássicas, como a formação de jovens empreendedores, a incubação de jovens no agronegócio, as informações tecnológicas para a produção agrícola, etc., conforme pode ser identificado pelo Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar (2015). Mais especificamente, as capacitações clássicas são sobre a formação técnica dos extensionistas e dos produtores rurais, as quais ocorrem sob as orientações clássicas do “ensinar fazendo” ou de alternativas participativas receptoras de informações[14]. Se, por um lado, há mudanças gradativas nas metodologias de extensão rural, por outro, as capacitações não são trabalhadas para introduzir formas estruturadas de intervenções, visando a área total explorada, a família, a comunidade e a organização social da produção.

Deve-se destacar que, em relação à organização social da produção, o enfoque tradicional na formação de capacidades em extensão rural é sobre a criação de grupos de produtores, associações e cooperativas, etc., como alternativas necessárias e suficientes para a inserção dos produtores rurais no mercado competitivo[15]. Não obstante essa organização social da produção, deve-se considerar que ela também agrega valores solidários à exploração econômica e não somente os valores competitivos. Isto é, a criação de associações e cooperativas, por exemplo, se fundamenta em valores de solidariedade, de confiança e de responsabilidade coletiva. Assim estruturados, os ambientes econômicos solidários asseguram a sobrevivência, a qualidade de vida e o acesso ao mercado competitivo dos seus atores (Singer, 2002). Em ambos os ambientes, se solidário ou competitivo, a metodologia participativa é usualmente empregada, visando a organização da produção, o armazenamento, a distribuição e a comercialização por atores coletivos. Mais especificamente, se no ambiente competitivo há a proposição de construção de cadeias de valor agregado, o mesmo pode ser aplicado na construção de cadeias solidárias em ambientes de trocas solidárias.

Apesar da relevância desses novos conceitos para a formação das capacidades do extensionista rural na organização social da produção, eles, isoladamente, não são suficientes para intensificar a exploração dos sistemas agrários. Para tanto, há a necessidade de introduzir outros valores, como os que caracterizam a pluriatividade e a multifuncionalidade da agricultura, para que extensionistas e produtores rurais possam explorar esses ambientes econômicos sob os pressupostos solidários e competitivos. Portanto, a formação das capacidades dos extensionistas rurais passa a requerer a apreensão transdisciplinar das dimensões sociocultural, econômica e ambiental dos sistemas produtivos agrários, e não somente a do setor rural.

Por conseguinte, enquanto a formação de capacidades dos técnicos extensionistas provinciais e distritais, além dos produtores rurais isolados e integrados na organização social da produção, é concebida sob novas perspectivas conceituais, os conteúdos das formações para os técnicos gestores requerem abordagens alternativas, como a introdução da articulação e a coordenação das intervenções em extensão rural sob procedimentos diferenciados dos tradicionais. Apenas para ilustração, um dos conteúdos sob a nova perspectiva é a inserção da transdisciplinaridade em processos de desenvolvimento rural.

A questão a ser abordada não está apenas na identificação da integração institucional como necessária, ocorrendo por meio de parcerias, convênios, normas instituídas ou estatutos, mas, como sugerem Gemo e Rivera (2001), pela capacidade do setor público em gerenciar a prestação dos serviços de extensão rural, adicionando a esta gestão a formação de capacidades para coordenar as intervenções das instituições pelos seus objetivos comuns, a despeito dos objetivos específicos. Assim, a integração ocorre pela identificação desses objetivos comuns e as formas de coordenar as intervenções, implementando-as pelas ações institucionais coletivas e não por iniciativas isoladas.

Pelos argumentos e inferências lógicas apresentadas, as exigências de novas capacidades são várias[16] e não é possível, considerando os objetivos deste artigo, a sua enumeração. Entretanto, para fortalecer o propósito deste item, há a necessidade de destacar a formação de capacidades em articulação institucional da extensão rural com o sistema de conhecimento nacional, com as políticas públicas, com os planos, programas e estratégias de desenvolvimento rural e com os provedores dos serviços de extensão rural.

A extensão rural deve assumir novas formas de coordenação, e, para tanto, Leeuwis (2004) sugere “to manage communication in processes that are somehow aimed to bring about new patterns of co-ordination. We will think of such processes mainly in terms of network building, learning and negotiation” (p. 18). O desafio passa a ser, portanto, o de conceber os projetos de formação de capacidades e planejar a sua execução ao longo do tempo, permitindo recuperar, como admite Edgren (2003), a relevância do conhecimento no processo de desenvolvimento rural integrado. Apenas para ilustração, a Cooperação Técnica da Agência Brasileira de Comunicação (ABC) com a Direção Nacional de Extensão Agrária (Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar) visa a formação de capacidades dos técnicos sob o modelo sistêmico, com dados provenientes dos diferentes níveis hierárquicos da instituição, registrando as inovações introduzidas pela agricultura de conservação e transferidas e adotadas pelos produtores rurais, com os impactos sobre o desenvolvimento sustentável. Esses dados e informações são armazenados no Sistema de Recolha e Análise de Dados em Extensão (Plataforma SIRADE), se constituindo em referência para fundamentar os processos de decisão sobre a gestão e coordenação do SISNE e da prestação dos serviços unificados de extensão, o SUE (Agência Brasileira de Cooperação, 2014)[17].

 

Conclusão

A formação de capacidades emerge como alternativa para suprir um obstáculo na implementação dos planos e programas na prestação dos serviços públicos em extensão rural em Moçambique. Diferentemente das formas vagas como o termo é apresentado no ambiente institucional e histórico da extensão rural em Moçambique, ele passa a se referir às capacidades de coordenar, conceber, implementar, monitorar e avaliar planos e programas complexos, que devem ser apreendidos em um aparato institucional em mudança.

Em outros termos, a proposta é que a extensão rural comece a executar novas funções, adicionando atividades além das restritas à produção agrícola, executando apenas ações imediatistas derivadas dos planos e programas. Enquanto ações necessárias à implementação das intervenções, elas não são suficientes para o fortalecimento da extensão rural como indutora do desenvolvimento agrário, pois este desenvolvimento enfatiza objetivos e indicadores diferentes daqueles que visam apenas a produção e a produtividade restritas das áreas exploradas.

Se os planos e programas propõem mudanças de reorganização institucional da extensão rural, as implementações não podem estar apenas restritas à continua realização de atividades que visam redução de despesas, especialmente pela desconcentração das atividades de gestão, e nem pela introdução de metodologias alternativas de extensão rural. Alterações do sistema de T&V para o “ensinar fazendo” e realizações de campos de demonstração de resultados não são suficientes, em função do complexo padrão sociocultural e organizacional das áreas exploradas, para a difusão de tecnologias. Além disso, as metodologias alternativas em extensão rural, se não inseridas nos contextos socioculturais complexos, não são suficientes para alcançar os objetivos de melhoria de qualidade de vida e de segurança alimentar, como são os planos e programas como referências institucionais dos órgãos governamentais.

Como sugestão, há a proposição da implementação estruturada em projetos, que, sob os fundamentos da mudança socioeconômica dos sistemas agrários, passam a requerer, por exemplo, articulações políticas, administrativas e técnicas. Assumindo a integração das funções entre a articulação e a implementação há a de coordenação, que consiste em ordenar as intervenções dos diferentes provedores dos serviços de extensão rural e administrar a desconcentração dos serviços de extensão rural nas províncias e nos distritos. Portanto, nas diferentes dimensões em que ocorrem os serviços de extensão rural pública há a necessidade de formação de novas capacidades, o que recupera a relevância do conhecimento no processo de desenvolvimento agrário, transformando o extensionista rural em agente de desenvolvimento rural.

 

Referências

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Recebido: 25 de junho de 2015

Aceite: 18 de fevereiro de 2018

 

 

Notas

[1] Os autores agradecem as observações e sugestões apresentados pelos referees, mas a responsabilidade pelos conteúdos, argumentos e proposições do artigo são de responsabilidade dos respectivos autores.

[2] Pelos documentos e pela execução dos serviços em extensão, destaca-se o emprego dos termos de extensão rural e extensão agrária com significados idênticos. Enquanto a denominação institucional é extensão agrária, a prestação dos serviços é executada em termos de extensão rural, definida pelos planos de atividades dos extensionistas.

[3] Esses eixos constam dos programas de desenvolvimento rural dos documentos a serem analisados, os quais evidenciam, ao mesmo tempo, a incorporação das múltiplas funções nas atividades a serem executadas pela extensão rural, como será demonstrado nos itens seguintes.

[4] Pelos documentos analisados, esses dois termos expressam diferentes momentos históricos no desenvolvimento do setor rural do país. Um, enfatizando o uso intensivo dos recursos naturais, e o outro, priorizando esses recursos, além dos condicionantes humanos e ambientais.

[5] Este Plano é caracterizado pela denominação de extensão agrária, consonante com a proposta dos objetivos e constrangimentos múltiplos existentes na proposta dos programas de desenvolvimento agrário instituída pelas instituições internacionais. Isto contrasta com a proposição de extensão rural, usualmente enfatizada pela dimensão tecnológica do desenvolvimento rural.

[6] Deve-se notar que este Plano foi instituído em 2007 e que os demais documentos a serem aqui analisados estão diretamente associados aos conteúdos orientadores desse Plano. Portanto, não há procedimento amostral nesta análise documental, mas a seleção dos planos e programas por implicações de conteúdos articulados e complementares entre si.

[7] Deve-se destacar que Gemo e Rivera (2001) identificam as implicações desse sistema pluralístico para o setor público, sendo uma delas a de possuir um novo papel de coordenador, supervisionando o setor privado de prestação de serviços em extensão rural.

[8] Diferente da abordagem de Gemo e Chilonda (2013), que destacam os fatores críticos que interferiram na implementação do PRONEA.

[9] É interessante destacar que o SISNE se refere à concepção da extensão rural como sistema, enquanto o Plano Diretor se estrutura pela noção de extensão agrária. A princípio, pode parecer contraditório, mas não é, uma vez que o SISNE se apresenta como um componente do sistema de extensão agrária com múltiplos provedores de serviços.

[10] Por exemplo, Tomo (2010) investiga as atividades da extensão rural em reduzir a vulnerabilidade da região semiárida em Moçambique à escassez de água.

[11] Para fundamentar a coordenação e o processo de tomada de decisões, a Cooperação Técnica Brasil-Moçambique está construindo um banco de dados denominado de Plataforma SIRADE (Sistema de Recolha e Análise de Dados em Extensão), conforme denominado pelos próprios técnicos da DNEA.

[12] O objetivo dessa proposição é evitar as intervenções isoladas, como pode-se constatar pelo projeto SUSTENTA do Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural. Enquanto visa a gestão integrada da agricultura com os recursos naturais, ela não se encontra articulada com o PITTA/MASA. Disponível em: www.mitader.gov.mz/projecto/projecto-sustenta/

[13] Participando como observador da REPETE de novembro de 2016, no Instituto Médio Técnico Profissional São Francisco de Assis, localizado em Marracuene, identificou-se que as orientações técnicas eram sobre o arroz, a batata reno, o tomate e o frango. Para o ano de 2018, a REPETE deve focalizar a ocorrência da lagarta do funil na plantação do milho.

[14] Sem entrar na polêmica da participação como estratégia da extensão rural, a proposição é que ela não tem se constituído em estratégia individual ou coletiva de mudanças socioeconômicas e culturais, conforme admitem Swanson e Rajalahti (2010).

[15] A esse mercado, o Programa Operacional para o Desenvolvimento Rural identifica-o pela cadeia de valor, como alternativa para a superação da economia de subsistência.

[16] O conjunto das capacitações estão apresentadas em Soub, Muniz e Menezes (2013).

[17] Deve-se acrescentar que essa cooperação ocorre no âmbito do Programa ProSavana-PEM. Neste contexto, ocorreu a concepção do Programa Formação de Capacidades, fundamentado pelos planos e programas aqui analisados, além das sugestões dos técnicos da DNEA, os quais também participam da implementação do mesmo.

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