SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número35Marcelo Caetano e a Origem do Exercício ALCORA40 Anos de Independências: Migrações forçadas e regimes de asilo nos PALOP (1975-2013) índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Cadernos de Estudos Africanos

versão impressa ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.35 Lisboa jan. 2018

https://doi.org/10.4000/cea.2605 

DOSSIÊ

 

Quatro décadas de independência, das “mudanças” à indeterminação das vidas em São Tomé e Príncipe [1]

 

Four decades of independence, from ‘changes' to the uncertainty of lives in Sao Tome and Principe

 

 

Augusto Nascimento

Universidade de Lisboa, Centro de História, Alameda da Universidade, 1600-214 Lisboa, Portugal, anascimento2000@yahoo.com

 

 


RESUMO

Este texto revê as quatro décadas de independência de São Tomé e Príncipe, ensaiando realçar as continuidades sob a aparente mudança política e as mudanças impensadas que tornaram o país assaz diverso, quando não antagónico, às idealizações da independência, em 1975, e da democracia, em 1990. Cita-se a crescente deliquescência institucional e o esvaziamento de ideologias em razão da crescente personalização do poder e da competição política, por ora contida no quadro institucional e com suporte dos partidos que, todavia, ganham características clientelares. A polarização de tais identificações políticas revela-se avessa à coesão social, prejudicando o desenvolvimento económico. Este clima político mina a confiança social e rarefaz o nacionalismo sedimentado por quatro décadas de institucionalização do sentimento de apego à terra.

Palavras-chave: São Tomé e Príncipe, monopartidarismo, democracia


ABSTRACT

This text reviews the four decades of Sao Tome and Principe's independence, trying to highlight the continuities under the apparent political change and the unthinking changes that made the country so diverse, if not antagonistic, to the idealizations of independence in 1975 and democracy in 1990. The growing institutional deliquescence and the emptying of ideologies due to the growing personalization of political power, for the time being contained in the institutional framework and supported by the parties, which, however, gain clientelistic characteristics. The polarization of such political identifications turns out to be averse to social cohesion, harming economic development. This political climate undermines social trust and rarefies nationalism sedimented by four decades of institutionalization of the feeling of attachment to the land.

Keywords: Sao Tome and Principe, single-party regime, democracy


 

 

Como escrever sobre as décadas de independência de São Tomé e Príncipe sem cair num moralismo desproporcionado e, ao mesmo tempo, sem incorrer num condescendente (e conveniente) relativismo político e moral[2]? Delinear um balanço – por vezes, uma demanda social e, nalguma medida, uma tentação do estudioso – não é exactamente a arte do historiador. Seja como for, o conhecimento histórico propicia a análise crítica dos processos políticos e sociais porquanto a integração do factor tempo é fulcral para a avaliação das trajectórias políticas e sociais.

Aliás, a definição de um lapso temporal é importante, pois que, tal como a sócio-espacial, a proximidade temporal pode toldar a compreensão de inércias e de dinâmicas políticas e sociais relevantes. Se apegados ao epifenómeno, podemos tomar certos eventos como inflexões de monta e, contudo, subsistirem continuidades relevantes no curso das sociedades e na vida das pessoas. Por exemplo, apesar de a independência de São Tomé e Príncipe ter parecido uma mudança radical, determinadas facetas da vida política e social da era colonial como que se replicaram no pós-independência[3]. E, todavia, tal mimetismo pode ter passado despercebido em função dos novos referentes simbólicos. No caso de São Tomé e Príncipe, tomar a substituição de símbolos como mudança profunda de instituições, cujos fins e desempenhos se assemelhavam aos da era colonial, pode ter resultado, ao menos em parte, do facto de certas práticas/instituições serem entendidas (e talvez inconfessadamente desejadas) pelos ilhéus como esteios da vida social, independentemente das colorações dos regimes políticos. Afinal, aceitava-se que a toda a sociedade deveria subjazer uma ordem e um mandante.

Se, em tese, o lapso temporal desde a independência se pode revelar escasso para a apreensão das mutações e das permanências na sociedade são-tomense, a verdade é que quatro décadas correspondem a uma vida – que, em 1975, decerto se imaginou muito diferente – e que, pouco depois de 1975, os são-tomenses já não hesitavam em tecer um balanço, comparando, à boca pequena, o que a independência lhes trouxera com a vida no tempo colonial.

No caso, independentemente da substância das comparações, esse balanço traduzia uma percepção do irremediável da situação em que tinham caído. E se o sentimento de logro não era completo, tal devia-se ao facto de entenderem, à luz da nova leitura do mundo, que, ao invés da propaganda, o colonialismo era uma realidade e que, afinal, era insustentável. Efémera, a equação de uma possível relação com Portugal, que não a colonial, viria não muito depois… mas a destempo.

Se é igualmente vero que se deve atentar nos limites de tal comparação[4], ela não deixava de ser significativa para os ilhéus já então assolados pelo empobrecimento impensado aquando da euforia da independência. E, sendo significativa para os são-tomenses, porque não o deverá ser para os estudiosos? Também é certo que nos anos seguintes os sentimentos políticos dos são-tomenses – quer os de teor nacionalista, quer os relativos aos regimes de governo – mudaram e voltaram a mudar, como que dando razão à prudência da escolha de um lapso temporal mais dilatado para fazer um balanço, ou seja, uma apreciação crítica que só a história permite.

A maioria dos são-tomenses de hoje já não viveu o colonialismo, nem tem memória do regime de partido único. Não lhes foi dado escolher a sociedade em que vivem, ao passo que os seus avós, há quarenta, e os pais, há vinte e cinco anos, supostamente tiveram possibilidades de decisão. Quais, afinal, os resultados dessas supostas escolhas?

Actualmente, os juízos sobre o passado não deixam de estar presentes, tal como o estiveram implicitamente em sucessivas promessas, desde a do El Dorado em África até à do recém-prometido novo Dubai[5]. Mesmo se primários ou reactivos, tais juízos não são negligenciáveis para o historiador. Considerá-los ajuda a evitar que a compreensão e a análise fiquem condicionadas por desfechos sabidos posteriormente, entendidos, além disso, como uma sorte de necessidade histórica, tal importaria num enviesamento, diga-se, não incomum há décadas. No caso, tal viés resultaria da valorização de intenções dos dirigentes independentistas, creditadas pela sua mera enunciação, sobrevalorizadas face às consequências porventura não deliberadas, em todo o caso impostas ao comum dos são-tomenses. Esquecer a dimensão volitiva da política equivale a considerar como único caminho o forçosamente trilhado, como se ninguém tivesse pugnado por outras soluções políticas, económicas e sociais para o arquipélago.

No fim, a história revela-se mais pelos factos inesperados do que por objectivos alcançados. Em 1975 ou em 1990, alguém imaginava um país como o actualmente desenhado? Com isto se prende a questão de saber por onde traçar a periodização. Cabe perguntar, traçar uma periodização implicará considerar os desígnios que, ao menos implicitamente, animaram as acções dos líderes e das pessoas? Ou implicará considerar especialmente as mudanças inesperadas e que alteraram, não raro ao arrepio dos que se sentiram donos da história, não só o rumo como o fabrico do conteúdo das relações sociais entre os ilhéus?

Numa cedência ao que o saber histórico (nem sempre involuntariamente) comporta de comemorativo, o costumeiro marco da periodização na história de São Tomé e Príncipe é o da independência em 12 de Julho de 1975[6], não por acaso data do terceiro aniversário do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (doravante, MLSTP). Mas esta data trouxe uma profunda mudança com as consequências desejadas pelos ilhéus? Porventura, mais do que em independências precedentes, os dirigentes do MLSTP, escorados no triunfo dos “Cinco” sobre o colono, asseverariam possuir um guião infalível para evitar a repetição de dramas e fracassos entrementes observados no continente. Ao tempo, quem rebateria a ideia de que eles e o povo são-tomense estavam a fazer história?

À semelhança do sentimento que se apossa de quem chega às ilhas oriundo de realidades supostamente mais complexas, em 1975 talvez também os independentistas não tenham duvidado da sua capacidade de transformar a sua terra num país melhor. Sabemo-lo hoje, as bases de tal convicção eram débeis, mas, ao tempo, ela era poderosamente atractiva para quem imputasse a pobreza e os desequilíbrios sociais ao nefando colonialismo. Para os independentistas, a sua ideologia perfilava-se como instrumento bastante para moldar os “nacionais”, a mudança parecia ao alcance da mera vontade e, acima de tudo, a expulsão dos colonos sem as riquezas de que anos a fio eles se tinham apropriado indevidamente fundavam a crença num São Tomé e Príncipe mais próspero e justo. Sumariamente delineada, a mudança parecia atingível, uma vez o país posto em consonância com a marcha histórica da humanidade. Tudo se passou de forma diversa.

 

As continuidades após a independência

Em 1975, a independência conduziu a um regime monopartidário, de inspiração socialista, que, todavia, tinha algo em comum com o colonialismo. Com laivos de totalitarismo[7], o regime viveu também do acatamento da autoridade decantado nas precedentes décadas do colonialismo (Nascimento, 2013a). Não raro, as mudanças foram ditadas contra os presumíveis anseios das pessoas. Mais, tentou impor-se o dever do trabalho em termos que já ninguém se atreveria a ditar no ocaso do colonialismo. Os dirigentes terão pensado que, num contexto não colonial, os seus conterrâneos abraçariam o trabalho por fervor ideológico ou em razão do mero incentivo verbal dos dirigentes, como se este substituísse a remuneração devida. Depois, recusar-se-iam a constatar que a retribuição do trabalho era mais importante do que a supostamente gratificante realização pessoal, um atributo que os dirigentes, isentos de trabalhar como os conterrâneos, tentavam colar ao trabalho destes, acenando com a posse colectiva dos meios de produção e a realização do bem comum. Ainda que não meramente instrumental, a adesão à ideologia não se desdobrava numa nova concepção do mundo, menos ainda numa nova atitude face ao trabalho[8].

Orçamentos de Estado anos a fio financiados pela ajuda internacional, esperanças sucessivas em soluções salvíficas oriundas do exterior e fracos desempenhos económicos são analiticamente dissociáveis. Mas, no arquipélago, compõem um conglomerado quase constante desde a independência, a seguir à qual o mote do empenho produtivo esteve amiúde presente nos discursos dos governantes. Pergunta-se, pois, onde radicar a demissão do trabalho e qual o impacto na desestruturação institucional e social? Apesar do argumentário acerca da perniciosa influência da memória das condições odiosas do trabalho na era colonial, cedo os dirigentes se confrontaram com um paradoxo: afinal, os colonos não estariam tão distantes da verdade quando – erradamente, sublinhe-se – apontavam a preguiça como traço congénito dos ilhéus[9]. A inconfessada rendição ao preconceito do colono era mascarada por um repetitivo discurso ideológico enaltecedor do trabalho como fundamento da vida. Este discurso era enfunado pela agressividade contra aqueles que, devendo ser encarados como vítimas da alienação colonial, eram culpados por não se libertarem dela, malgrado se lhes repetir que tinham finalmente a possibilidade de trabalhar para o bem colectivo. Contudo, o individualismo de séculos parecia sobrepujar tal desígnio.

Tal raciocínio sobre a natureza dos seus conterrâneos indiciava que os dirigentes não eram capazes de pensar em termos diversos do dos colonos a questão do trabalho – e a sua posição face ao trabalho era comparável à dos colonos, talvez até ostentando maior distância face aos subordinados – ou que, diferentemente, o voluntarismo, mesmo se provava mal, era crucial para, justificados pela sua ideologia que aparentemente conferia um novo sentido para a vida dos homens[10], se manterem no poder.

A atribuição do absentismo no trabalho à escravatura passada – como o fizeram os dirigentes, supostamente perplexos com a recusa da sua autoridade, que, a seu ver, devia concitar maior adesão do que a do “branco” – foi um artifício retórico acolhido por um ambiente modelado pelo unanimismo forçado e pela duplicidade, quando não também pela indigência intelectual. Indubitavelmente, as condições de trabalho no tempo colonial foram amiúde ignominiosas, levando os ilhéus a rejeitar trabalhar em troca de parca remuneração para viverem de forma independente mesmo que mais pobremente. Porém, daí não decorreria a falta de discernimento no tocante às vantagens do trabalho quando a remuneração compensasse. Ora, em contraponto aos privilégios dos dirigentes, o comum da população comparava o empobrecimento no pós-independência com a melhoria dos padrões de vida nos derradeiros anos do colonialismo. Não espanta que, em meados da década de 80, o “homem novo”, que se quisera educado pela ideologia e a viver para o trabalho, já estivesse morto.

Presumamo-lo, os dirigentes não se surpreenderam com a desobediência e a contestação que, ademais, sabiam ser o timbre da evolução desde as independências africanas. Também por isso, e à luz do juízo próprio das suas intenções, sentiram-se legitimados para sufocar ou, no mínimo, conter a tendência de contestação surda. Apesar de o regime ter beneficiado do efeito de acatamento da autoridade instilado no período colonial, à medida que falhava o provimento de bens essenciais, a ideologia perdia força e algum do élan inicial do socialismo, também devido a ter sido um elemento de identificação com os dirigentes independentistas, desvanecia-se. Enquanto isso, retrocedia o medo da autoridade – nos primeiros anos de independência, resultante da discricionariedade e de constantes barragens de fogo ideológico respeitante a ladrões e a preguiçosos espoliadores do povo – e, na medida em que se intuía o decréscimo do ímpeto repressivo do regime de partido único, cresciam, por força de várias circunstâncias, a desobediência e a omissão. De resto, a força moral dos lemas ideológicos decaía rapidamente com a percepção de que, por exemplo, as campanhas de rectificação visavam cuidadosamente os caídos em desgraça, nunca responsabilizando os dirigentes que, aos olhos dos ilhéus, eram os principais responsáveis pela falência económica e pela desagregação social.

Em meados da década de 1980, confrontado com as consequências adversas da crise económica, conjugadas com os efeitos simbólicos de uma inusitada seca em 1983-1984, o país caiu num impasse[11] nos planos económico e político-institucional, reflectido na progressiva lassidão nas relações hierárquicas e na duplicidade no trato social e na política. Por algum tempo, a duplicidade ainda impelia a falar daquilo em que já poucos creriam, a igualdade e o socialismo, de que os ilhéus se tinham apartado por não almejarem a igualdade baseada na privação.

Após a adesão inicial em 1975, o regime granjeara o apoio dos que beneficiaram de ganhos materiais e simbólicos, mormente dos que assumiram cargos dirigentes. Subsequentemente, o regime, atravessado por caladas tensões, dissensões e deserções, manteve-se por via de práticas ditatoriais, mormente da inculcação do medo.

Sob a alegação de que o Estado era um soft state (Branco & Varela, 1998, pp. 42-43) ou de que os laços familiares coibiam maior discricionariedade, não faltará quem advogue que a ditadura foi branda, mas tal afirmação só se sustenta se não se considerarem os primeiros anos, pautados por um crescendo de inusitada agressividade, traduzida em prisões, incluindo de dirigentes, suficientemente infundadas e arbitrárias para incutir medo[12]. Essa agressividade decaiu a partir de 1982, após as prisões inconsequentes dos implicados nos motins na Ilha do Príncipe de final de 1981[13]. Seja como for, para as vítimas da repressão – entre outros, Agnelo Salvaterra, Maria do Carmo, Albertino Neto e Miguel Trovoada[14], para além de Lereno da Mata, assassinado na prisão, e dos populares maltratados após os motins de Agosto de 1979[15] –, a ditadura teve pouco de branda, também por a repressão ser conduzida por cubanos sem as baias da relação com a terra. Ademais, o facto de poder ser considerada branda não significa que não tivesse instilado o medo, de que o principal resultado era a inacção ou, em alternativa, a deserção dos que se sentiam ameaçados.

Durante anos, a vida social e pessoal foi regida por interdições de actividades, inclusive das banais e politicamente insignificantes, interdições por vezes ditadas de forma velada e sem justificação aparente. Daqui resultava, além de frustração, um acúmulo de ressentimento que não deixava de existir apenas pelo facto de se interditar a sua expressão.

Ao invés de lazer, demandava-se trabalho e militância paulatinamente esvaziada de sentido. Para o comum dos são-tomenses, a instigação de uma ordem unida contra a alegada ameaça neo-colonialista e neo-imperialista – na realidade, contra os são-tomenses politicamente dissonantes – confirmaria a intuição relativa à impossibilidade de lutar. O ímpeto dessa instigação abrandou pela falta de convicção, derivada, não da menor crença de quem aludia às ameaças externas, mas das dificuldades do dia-a-dia. Com a base de apoio crescentemente esboroada, o regime e Pinto da Costa passaram a estar seguros pelo suporte das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola estacionadas no país para supostamente o defender da ameaça externa. Entrementes, os são-tomenses voltavam às preocupações do dia-a-dia, até porque o empobrecimento tornava a procura de meios de subsistência uma premente e árdua tarefa quotidiana.

Na esteira de anos de progressiva lassidão nas relações políticas e institucionais e medidas avulsas de liberalização económica[16], e conquanto relacionável com influências externas, a democracia chegou por iniciativa do chefe[17]. Este dado é menosprezado pelos adversários que sublinham a faceta de ditador, epíteto que lhe colaram quando da mudança de regime, na qual Pinto da Costa, independentemente de eventuais intenções de permanecer no poder, teve um papel não negligenciável. Essa iniciativa política ter-lhe-á custado censuras e críticas dos seus congéneres dos “Cinco”.

Ele terá deparado com resistências de correligionários, os apodados de conservadores, reticentes, por exemplo, à reintegração do ex-ministro Carlos Graça. Curiosamente, Pinto da Costa terá dobrado tais resistências graças à verticalização das relações de poder no MLSTP[18].

Sem o patrocínio de Pinto da Costa, o impulso democratizante da facção dos renovadores não teria vingado ou, pelo menos, demoraria mais tempo a levar de vencida as resistências dos ortodoxos, quiçá menos movidos por um desígnio político consistente do que pelo provável desejo de preservação dos privilégios e pelo receio das incertezas advindas da mudança política e da eventual revanche dos anteriormente perseguidos.

Em 1990, a democracia foi referendada pela esmagadora maioria dos ilhéus. Dir-se-ia que, para além da exaustão derivada das sucessivas privações e da comparação com outros tipos de governação, a democracia se coadunava com um substrato cultural europeizado – pautado, por exemplo, pela religiosidade católica e pelo individualismo –, durante anos como que sufocado pelo voluntarismo de coloração socialista mas que terá estado na base da rejeição massiva do regime de partido único.

Em ambos os momentos, 1975 e 1990, poucos antecipariam o devir da sociedade são-tomense. Um possível elemento de balanço atém-se às inflexões que distanciaram muito o país da trajectória imaginada não só pelos independentistas como do comum dos ilhéus em 1975 e em 1990. Se, em 1975, poucos julgariam que a independência traria a privação da liberdade – que já tinham vivido no tempo colonial, mas que seria tão ou mais sufocante após a independência –, em 1990, menos ainda preveriam que a democracia traria, não o imaginado retorno a um ambiente político mais consentâneo com os “nossos valores” e com uma matriz cultural algo europeizada, mas um aprofundar da africanização. Para muitos ilhéus, São Tomé e Príncipe não é mais uma terra privilegiada, é, antes, a sua terra cuja evolução lhes inspira a sensação de perda de capacidade de determinação do futuro.

Assim, 1975 e 1990 têm de ser pensados não só pelo que pareceram significar quanto também pelas mudanças a que abriram as portas. Presentemente, a sociedade são-tomense é muito menos similar à do pós-independência do que esta, não obstante a mudança de soberania ocorrida em 1975, era relativamente à do tempo colonial.

 

Da troca das liberdades pela satisfação das necessidades à trajectória de perda política e social

Por contraposição ao colonialismo moralmente insanável, em 1975 pareceu avultar o ganho da liberdade. Porém, a liberdade – em abstracto, um valor indiscutível – foi decomposta entre a liberdade de um povo e, para os dirigentes, a antagónica liberdade dos indivíduos. O lema da verdadeira libertação serviu de desculpa, enviesada, para os erros e, mais relevante, para a dominação, como se a liberdade de um povo valesse mais do que a dos indivíduos.

Para ser efectiva, a liberdade deveria ter tradução no quotidiano, através, por exemplo, de uma margem de decisão individual. Porém, escorados no voluntarismo ideológico, os dirigentes presumiram que os indivíduos ditos “nacionais” e tornados como que uma pertença do Estado, trocariam as liberdades consideradas ociosas e decadentes pela satisfação das suas necessidades e, mais relevante, por um bem-estar futuro. Obviamente, mascarava-se a circunstância de tal equação laborar a favor da sua perpetuação no poder.

O regime ditatorial não foi uma escolha dos são-tomenses, foi o que, entre a injunção dos condicionalismos externos, a inebriação da vindoura independência e a coacção difusa, em 1974-1975 os ilhéus permitiram que os exilados, mais tarde mandantes, apontassem a luta, isto é, a ditadura, como a sua escolha (Nascimento, 2015a).

Ainda que a via autoritária possa ser atribuída à falta de hábitos democráticos na era colonial, tal asserção comporta uma justificação dos decisores políticos através da condescendência com que, para lá do razoável, se ajuizou as intenções dos dirigentes pela propaganda política. Afinal, mal disfarçadas pelas alusões à unidade dos são-tomenses, lavravam a exclusão dos que pensavam noutra independência e a arregimentação mais ou menos compelida dos cépticos.

Se alguma influência o colonialismo ditatorial teve na implantação da ditadura em 1975, não foi a de um constrangimento intelectual que ataria as decisões dos dirigentes a uma ponderação limitada e propícia à réplica do autoritarismo. Foi, sim, a de, em 1974, ter tornado emocionalmente poderosa a ideia da liberdade de um povo contra um colonizador relativamente ao qual existia uma dissociação aparentemente inultrapassável, a racial. Tal permitiu aos independentistas passar à “verdadeira libertação”, que rasurou as liberdades dos indivíduos. Ao arrepio da condescendência ideológica da época, diga-se que a ditadura no pós-independência foi uma escolha de alguns que, muito facilitada por factores conjunturais, vingou face à rendição de muitos, não sendo linearmente imputável a liames da ditadura colonial. A ditadura foi uma escolha de dirigentes que, beneficiando da conjuntura política, desconfiavam do povo em nome do qual pretextavam falar.

Todavia, a faceta volitiva da política no pós-independência não deve fazer esquecer que, a somar à usura desmedida da mão-de-obra africana, o maior pecado do colonialismo foi a falta de promoção de massa crítica e do saber, agravada pelo facto de a insularidade permitir controlar facilmente o fluxo de informações e condicionar possíveis escolhas. Nas ilhas, tal favorecia a ditadura, que, no ocaso do colonialismo, até aparentava não o ser, porquanto se baseava mais na contenção do que na repressão.

A estabelecer um veio de continuidade com o passado colonial, talvez se deva relacionar a falta de debate nesse tempo com idêntica característica da vida colectiva desde 1975, relacionável com a esperança em soluções chegadas de fora, desde o MLSTP a Patrice Trovoada (Nascimento, 2013b). Existiu, pois, responsabilidade colonial pela não criação de uma dinâmica política e cultural, facto que contribuiu para a incapacidade de gerar soluções na terra. Note-se, com a ritualização da política no pós-independência esvaziou-se o debate público da política e, já em democracia, acentuou-se o crescendo de crenças em soluções aparentemente salvíficas mas apenas conducentes ao acúmulo de poder personalizado. Porém, com a progressiva fulanização da política, o dinheiro insinua-se e substitui-se ao saber e ao debate das ideias políticas. As hipóteses de uma inflexão desta trajectória, conducente, por exemplo, à construção de um espaço público são escassas porque, dada a fulanização da política, não sobra espaço para a incorporação nem de novos actores, nem do saber, mau grado os recentes avanços na qualificação de parte dos jovens são-tomenses e na acessibilidade a plataformas de informação e de opinião.

Actualmente, prevalecem os lemas de há anos, mas não se traça um desígnio económico e social. A cruel realidade da pobreza e da dura sobrevivência não permite discutir sequer o conteúdo das relações laborais ou a responsabilidade de cada actor no crescimento económico e na promoção social. No meio da privação, acentua-se a deliquescência das instituições, processo não inócuo na situação económica e social.

O pano de fundo da situação económica e social é o do acelerado crescimento demográfico, contrastante com estruturas económicas aparentemente incapazes de criar emprego. Entretanto, ao invés do socialismo, chegaram o capitalismo informacional, a globalização e outras dinâmicas, que não só negaram a linearidade do caminho a percorrer, como evidenciam o crescente fosso do arquipélago face, não mais a um desígnio vago e ideologizado, mas a patamares de inovação e de transformação de que também a periferização o ajuda a distanciar.

Dada a pluralidade de percursos após 1975, será porventura exagero dizer que se regrediu, mas inquestionavelmente alguns grupos viram-se numa trajectória de perda, em particular os ex-serviçais das roças, que, depois de nacionalizadas, faliram na década de 1980. Coeva da perda do preço do cacau, a distribuição de terra aos trabalhadores não bastou para reverter a privação em que muitos, já idosos, se acharam. A pobreza disseminou-se, conquanto as possibilidades de angariar a sobrevivência no dia-a-dia pareçam hoje maiores do que na era do partido único.

Paralelamente ao acentuado empobrecimento, vincado na década de 90, degradou-se o acesso aos cuidados de saúde e, subsequentemente, a mortalidade aumentou. Num contexto ecológico propenso à elevada morbilidade, onde nem sempre se acede à água potável e onde as condições de salubridade dos aglomerados habitacionais são precárias, a progressiva corrosão do sistema de saúde, dado o défice em recursos humanos e materiais, e a pobreza de parte significativa da população vêm contribuindo para a perda de São Tomé e Príncipe num domínio em que esteve à frente de vários países africanos.

Também no tocante à escolarização, os índices indiciam retrocesso. Após 1975, ao invés do que a propaganda deixava pressupor, a escolarização massiva não correspondia a uma ruptura face a opções dos derradeiros anos do colonialismo. Em todo o caso, realce-se o esforço do governo para promover a alfabetização e persistir na massificação do ensino. Esta escolha, para além de conforme a consensos inatacáveis, estribados na correlação entre instrução e desenvolvimento, tinha motivações ideológicas, porquanto se acreditava que a instrução e a compreensão do mundo propiciariam a adesão aos propósitos do governo.

Ora, desde os primórdios da independência que problemas irresolúveis no ensino se perfilaram no horizonte. O país não tinha professores para sustentar a massificação do ensino, pelo que se recorreu a soluções de remedeio. A precariedade dos desempenhos lectivos e a deficiente qualificação dos professores tornaram-se crónicos. Ao cabo de poucos anos, a baixa qualidade do ensino – favorecida pela assessoria cubana empenhada em validar através de aprovações em massa a sua pedagogia ideologizada, instrumentalizada para provar a caminhada do mundo para o socialismo – tornou-se dramática. Durante anos, o governo do MLSTP, enredado em alegações sobre a impossibilidade de outros procedimentos, foi negando o abaixamento da qualidade do ensino. Ao cabo de poucos anos, tornou-se dificílimo inverter uma tendência que segue até aos dias de hoje, malgrado a existência de estabelecimentos de ensino superior.

Outro problema associado à escolarização massiva era o da aspiração de ascensão social que tornava a futura mão-de-obra imprestável para o trabalho nas roças. Do ponto de vista ideológico e civilizacional, era imperioso prosseguir na senda da massificação do ensino. Mas do alargamento da visão do mundo não resultava uma ética laboral de “homem novo”, antes, sim, um desejo de ascensão económica que o trabalho não garantia. Ao mesmo tempo, a estrutura económica assente no trabalho desqualificado (e, crescentemente, informal) já parecia não demandar mão-de-obra instruída. Assim, desde há décadas que a escola deixou de induzir a ascensão social, ao mesmo tempo que os elevadores sociais parecem resumidos aos da política. Fora desta, algumas trajectórias singulares, não replicáveis, começam no sector informal e acabam por se entrelaçar com a política.

No plano económico, considerem-se os escolhos da periferização e da escala, afora a falta de quadros[19], que, em parte, explicam as dificuldades económicas pós-independência. Outras advieram de apostas erradas, sucessivamente determinadas por idealizações de cariz socialista, por injunções internacionais relativas à economia de mercado e, mais recentemente, por opções casuísticas, quando não erráticas, ditadas pela prevalência de interesses privados sobre os do Estado.

Em 1975, a diversificação económica, mormente na agricultura[20], foi recusada em prol da politicamente emblemática nacionalização das roças[21]. Acreditava-se na maior produtividade resultante da planificação económica, na verdade, da intensificação do esforço braçal na cultura cacaueira. Mas a preterição da diversificação económica também advinha do fito de circunscrever a mobilidade social assente na actividade económica independente. O desígnio centralizador da economia requeria braços para a agricultura de exportação, preferencialmente os dos ex-serviçais e seus descendentes. Relegada para segundo plano, a agricultura de subsistência só foi incentivada depois da seca e da fome de 1983-1984 (Seibert, 2001, p. 175). Também noutros domínios, a prestação empresarial do Estado se revelou desastrosa[22].

Ainda antes do fim do partido único encetou-se uma liberalização económica, que redundaria, após anos de um processo decisório tortuoso, na divisão da terra, nacionalizada em 1975. Ex-trabalhadores receberam pequenos lotes de terra, alguns deles abandonados quase de imediato. Já a entrega de importantes tractos de terra a elementos da nomenclatura padecia da equivocada presunção acerca do interesse destes pela agricultura. Demandando um empenho exigente com rendimento incerto[23], esta actividade não atrai o comum da população e, menos ainda, os política e socialmente diferenciados, que tendem a ver nas roças somente a possibilidade de uma futura renda.

A par da imperiosa melhoria do funcionamento das instituições (Espírito Santo, A., 2008, p. 106), falta um desígnio económico e social para o país, que alguns crêem ter vantagens comparativas no sector terciário, sugerindo a transição da agricultura para a economia de serviço (ver, por exemplo, Espírito Santo, A., 2008, pp. 72 e 106). Em vez da mirífica zona franca[24], alude-se agora ao turismo, tido como gerador de receitas e indutor de outras actividades. Em todo o caso, tal transição também é morosa, não sendo poucos os óbices, conquanto bem menos relevantes do que os apostos à melhoria de desempenho das instituições.

A hipótese de desenvolvimento do turismo foi arredada após a independência, ao tempo por razões ideológicas ligadas ao desiderato de construção do homem novo são-tomense, a preservar do decadentismo capitalista inevitavelmente veiculado pelos turistas[25]. Hoje, aventa-se que, enquanto pequeno Estado insular, o arquipélago tem no turismo uma alternativa de desenvolvimento[26]. Contudo, afora a morfologia do território, as aludidas periferização e ausência de economias de escala são um entrave ao turismo, acerca do qual lavram ilusões, entre elas, a de que se logra uma procura turística celeremente e só pela oferta de um património paisagístico julgado ímpar. O isolamento ajuda a criar esta expectativa enganadora, porquanto os fluxos turísticos internacionais levam tempo a cimentar, além de que o país carece de estruturas e de uma cultura de turismo.

Aos óbices em matéria de fornecimento de água e de energia, acresce a degradação do meio ambiental. A construção civil suscitou a extracção de inertes das praias, prejudicando o seu uso. Aliás, o turismo de massas – incluindo o dos são-tomenses – não deixa de danificar as praias[27], algumas das quais entrementes vedadas por habitações de ilhéus endinheirados. O turismo ecológico perfila-se como uma possibilidade, conquanto não se o deva conceber como fonte de réditos significativos.

Após a “descoberta” de petróleo, que muito ajudou a silenciar as vozes que lembravam o quanto teria sido vantajoso para o arquipélago ter permanecido como uma região autónoma de Portugal, o país envolveu-se em acordos bilaterais de aparente razoabilidade, caso do acordo com a Nigéria, e em negociações de direitos de exploração consideradas ruinosas[28]. Em caso de acesso a receitas do petróleo, escasseiam as estruturas económicas para absorver os influxos de capitais que, não sendo investidos em actividades produtivas, causarão a dutch disease.

O regime de partido único quis limitar a iniciativa individual mas suscitou o esquema ou candonga, o mercado negro e a informalidade, a que as pessoas recorreram para compensar a perda de rendimento e para obter bens de primeira necessidade. Se não favoreceu, a política monolítica no mínimo permitiu a constituição de laços de mando social à margem do Estado. A cupidez dos mandantes e as necessidades do comum das pessoas laboraram conjuntamente para diminuir a autoridade do Estado, ignorar ordenamentos jurídicos e mudar conteúdos das relações económicas e sociais.

Presentemente, a economia dita informal parece predominar, a ponto de sugerir a reavaliação da noção de informal. Afinal, para lá das actividades informais de actores do mercado formal, a própria distorção do mercado não o torna em parte um mercado informal? Para além destas imbricações sociais, mais de metade das pessoas afectas ao comércio estão-no informalmente, sendo inúmeras as que assim obtêm um rendimento risível (Espírito Santo, A., 2009, pp. 56-57). De outro ângulo, embora ofereça empregos precários e proventos parcos, a actividade informal é encarada como proveitosa por quem nela se empenha. Aceitando-se que, sem economia e sem empresários informais, a pobreza seria maior (Espírito Santo, A., 2013, p. 353), importa duvidar das virtudes da economia informal. Por exemplo, não parece que esta possa ser um ninho de empresários capazes de liderar o desenvolvimento do país e de distribuir riqueza, conquanto proporcione patamares de sobrevivência que, nomeadamente, o regime pós-independência a dado passo deixou de garantir. No plano político e social, não parece que gere lideranças políticas, ao invés, contribuirá para acentuar a dependência pessoal e a atomização dos indivíduos, também empoladas pela pobreza.

Entre 2000 e 2008, 51,6% da população são-tomense estava em situação de pobreza multidimensional, 36,7% com privação de educação, 26,6% com privação de saúde e 74,3% com privação dos padrões de vida (Espírito Santo, A., 2013, p. 283). A pobreza[29] deve ser relacionada quer com os estrangulamentos da economia herdada do colonialismo, quer com a má governação e a corrupção sobrevindas no pós-independência (Espírito Santo, A., 2009, p. 147).

A concomitância da aplicação dos programas de ajustamento estrutural e do aumento da pobreza sugere a conexão causal entre dois processos. Sem negar tal dado, realce-se que o agravamento da pobreza vinha dos anos 80, não sendo então objecto de crítica pela impossibilidade de se abordar tal matéria nos termos em que o foi após 1990. Justamente, após esta data facilmente se imputou a pobreza à inadequação do programa externo. Fosse como fosse, com a aplicação de receitas neo-liberais e monetaristas, eliminou-se a intervenção estatal nos preços dos bens alimentares básicos e ocorreu um aumento assustador da pobreza absoluta, mormente no entorno urbano, onde, mais do que nalgumas zonas recônditas e empobrecidas da Ilha de São Tomé, parecem existir maiores possibilidades de sobrevivência. Apesar da visibilidade da pobreza na cintura periurbana de São Tomé, um ambiente edificado degradado com condições sanitárias deficitárias (Espírito Santo, A., 2008, p. 77), o local de pobreza lancinante é o mato, mormente aquele donde a cidade é inatingível.

A pobreza pode ser aferida tanto pela indisponibilidade de recursos materiais quanto pela negação de oportunidades para ultrapassar a privação por causa de constrangimentos sociais ou até da interiorização da exclusão ditada pelo destino[30], por vontade divina ou por uma fatalidade inelutável[31]. Talvez o pior facto a acompanhar a pobreza seja o sentimento do que ela contém de insuperável – mormente para as mulheres sozinhas com filhos[32] –, dada a perda de confiança social relacionável com a percepção não só do crescendo do fosso entre ricos e desapossados, mas, sobretudo, do desamparo resultante da deliquescência do Estado.

Algo diversamente do ocorrido noutras sociedades, o Estado colonial parecia não ser uma instituição artificialmente incrustada na vida do arquipélago. Apesar de sustentáculo da dominação, o Estado não lidava com uma sociedade apartada de si e dos seus preceitos legais. Após décadas de subordinação aos interesses dos roceiros, nos derradeiros anos do colonialismo crescera o apoio social do Estado. Ademais, a administração colonial instituiu procedimentos que, por entre a burocracia e o formalismo, conferiam uma aparência de fundamento à sua acção e de equidade entre os cidadãos.

Ao tempo da independência, aos ilhéus ainda faltaria traquejo na condução dos serviços, onde, por regra, só tinham ocupado postos subalternos. Após 1975, a teoria do uso do Estado em prol da revolução ajudou ao esboroamento da ética administrativa e à paulatina desagregação institucional. A intrusão da discricionariedade, a coberto dos intentos políticos, ocorreu paralelamente à burocratização através da qual se operava o controlo das pessoas, da sua mobilidade física e da ascensão social, ao tempo ligada ao tirocínio partidário. A submissão do Estado ao MLSTP não só amputou parte da administração – mormente, a local – como condicionou a atitude de agentes que, em teoria, deviam ser independentes, por exemplo, no domínio da justiça.

Enquanto se propalou o desígnio transformador e socialista, não se aludiu à desadaptação do Estado face à (também não invocada) matriz cultural dos ilhéus. Só com a falência do socialismo e com a constatação de que a adopção da democracia não se desdobrava na imediata obtenção de ganhos materiais é que sobrevieram dúvidas acerca da adequação da arquitectura constitucional à (imaginada) matriz cultural dos são-tomenses[33], tal a enviesada equação do défice de desempenho do Estado e, na circunstância, da arquitectura constitucional. O presente pauta-se pela indeterminação: por um lado, embora a deliquescência institucional não seja típica da democracia, a (cada vez maior) incapacidade do Estado tornou-se notória desde há anos; por outro, apesar da sua reconhecida debilidade, ninguém propõe de forma consequente a substituição do Estado.

Atento o facto de o Estado ainda constituir, ao menos simbolicamente, um esteio da organização social, mesmo se para muitos são-tomenses se reduz a um instrumento de enriquecimento indevido de uns poucos, equacione-se a pertinência de se falar de um Estado adaptado em vez de um Estado falhado. A valorizar-se a tentativa de reconstrução social no meio de dificuldades económicas, sopesando-se, por exemplo, as tentativas de providenciar saúde e educação, poderá fazer sentido falar de um Estado adaptado e em mutação, que não tem de ser inapropriadamente comparado com uma norma europeia. Porém, em vista da incapacidade de afirmar as suas leis contra as relações de mando informal, assentes na dependência clientelar, comprometendo, com isso, a legalidade, a equidade e, no limite, o desenvolvimento, é mister pensar num Estado em deliquescência, que subsiste por ser interface das relações com o exterior e, nessa medida, recipiente e distribuidor de ajuda externa.

Noutro plano, falar de um Estado adaptado implicaria considerar uma marca volitiva a presidir ao seu desempenho com vista à consecução de objectivos determinados. Ora, dir-se-á que, aparentando normalidade institucional ao nível das cúpulas, o Estado são-tomense apresenta-se corroído e inoperativo em vários domínios de actuação. Relacionável com a corrosão do Estado, a corrupção atravessa a sociedade[34]. A corrupção obsta ao desenvolvimento, quiçá menos pelo montante dos fundos desviados do que pela instilação da crença de que a ascensão social advém, não da actividade económica, mas da instrumentalização de um qualquer cargo estatal para a obtenção dos proventos as mais das vezes indevidos.

Neste quadro, será expectável que a política favoreça o crescimento económico e promova o bem-estar social?

 

A entropia no curso da política após 1990

As tentativas golpistas de 1995[35] e 2003 foram revertidas pela pressão externa. A aversão internacional à alteração de ordens constitucionais encontra no arquipélago uma rara possibilidade de aplicação. Graças a esta incomum capacidade de intervenção externa, assente na ameaça e na persuasão, a democracia são-tomense até parece enraizada. Diga-se, independentemente das críticas, a arquitectura política tem acomodado um autêntico carrossel de governos[36] sem aparentes distúrbios ou convulsões. Porém, a democracia vai sendo pautada de dinâmicas locais que a distorcem, parecendo, pois, conferir algum fundamento, mesmo se enviesado, à reivindicação de uma democracia adaptada aos padrões culturais locais.

Em vários itens, as liberdades são efectivas, quiçá menos pela protecção institucional do que pela percepção da inutilidade de as tentar cercear arbitrariamente, através da aplicação casuística e discricionária de disposições legais. Vigora a liberdade de imprensa e de expressão[37], mas, a exemplo de outras práticas democráticas, a liberdade de expressão não é algo de adquirido, até porque as instituições politicamente fragilizadas denotam escassa capacidade de protecção dos direitos individuais e de amparo ao fortalecimento da sociedade civil.

Ademais, a liberdade de expressão serve de veículo da agressiva coloquialidade local, que já em tempos enfunou boatos e panfletos anónimos e que preenche até hoje a imprensa onde a sátira plasma a informação. Nestas circunstâncias, apesar da proliferação de opiniões e dichotes, o espaço público é ralo[38] – mais do que nas décadas passadas, o debate é intenso mas preferencialmente dominado pela sátira cáustica, que critica e corrói mas que não oferece alternativa à rotatividade dos políticos alvo de chacota – e não contribui para o fortalecimento das instituições[39].

Com a democracia, os ilhéus obtiveram a possibilidade inédita de eleger os seus governantes. Porém, passados anos, a escolha e a liberdade de voto têm cedido perante a alegada compra das consciências, fenómeno vulgarmente designado de banho”[40]. Nas palavras de um dirigente, o “banho” é “a desgraça que se abateu sobre o país”. O “banho” parece, pois, uma canga para os políticos[41]. Ora, o “banho” foi criado e é da responsabilidade dos políticos, amiúde defraudados por as votações não reflectirem o dinheiro dissipado. Presentemente, malgrado ser um investimento de risco, o “banho” é obrigatório para a obtenção de uma posição de poder.

Para além de compor uma troca racional para os eleitores que o passaram a reclamar nas acções de campanha – porquanto constitui a possibilidade rara de auferir um rendimento extra, nalguns casos de forma gratuita –, o “banho” afigura-se o melhor indicador da descrença no futuro que a avaliação do passado não pode senão confirmar. Décadas de empobrecimento e de crescendo dos fossos sociais não ajudam ao fortalecimento democrático, nem a qualquer sentimento de pertença nacional, um laço rarefeito e espúrio para muitos ilhéus.

A cooptação para a política faz-se pela adesão à rede clientelar em troca de favorecimento, prática que, todavia, deixou de ser totalmente controlada pelos políticos[42]: a partir da avaliação da vantagem do ingresso numa facção, numa iniciativa de baixo para cima, uns insinuam-se, outros perguntam o que se lhes dá para aderirem a um partido, isto é, para se colocarem ao serviço do chefe[43]. Porventura atribuível também à pobreza, tal atitude, enraizada nas práticas clientelísticas locais, poderá entroncar na que foi sustentada no regime de partido único quando o MLSTP redistribuía mordomias e favores (Seibert, 2001, p. 389). Em todo o caso, não só a permuta de favores pela filiação e pelos putativos votos se ampliou, não sendo mais resumível a um expediente de mitigação da pobreza, como se tornou uma premissa de qualquer acção política. Tal impele os partidos à concorrência entre si na procura de militantes por meio de oferendas, com o que se propiciam relações de fidelidade pessoal, que transmudam os militantes dos partidos em clientes dos respectivos chefes. Deste modo, da base para o topo, ratifica-se uma cultura de direitos sobre as pessoas, não raro associada a África e distinta da cultura de direitos sobre os bens[44].

Em 1975, os são-tomenses foram levados a trocar as liberdades por promessas de igualdade e bem-estar. Hoje, a aparente posse de dinheiro de políticos e putativos mandantes tornou-se um crivo de adesão de segmentos da população, mormente de jovens e dos que têm a “rua” como local de trabalho e de vida. Ao cabo de décadas de privações e sem expectativas, muitos indivíduos predispõem-se a secundar quem, aparentando ter posses, prometa manás. Em razão do “banho” e da permuta da filiação partidária ou, mais precisamente, da lealdade pessoal por favores, vinca-se a tendência para os candidatos a políticos serem indivíduos com a aparência de endinheirados.

Sem causas, as agremiações políticas confluíram para uma retórica algo indiferenciada. Paralelamente, aos intentos partidários foi-se sobrepondo a fulanização do poder. As personalidades pesam mais do que os enunciados dos partidos, por regra ideologicamente ralos e, no plano programático, similares no tocante a promessas de melhoria de vida e de erradicação da pobreza assoladora. Em suma, esvaziaram-se as considerações políticas e, com isso, prejudicou-se a elaboração, adversativa mas ponderada, de eventuais cenários de uma futura sociedade são-tomense[45].

Na origem do poder pessoalizado esteve, em vários casos, a esperança num desempenho salvífico. Depois do colonialismo, que já assentava na decisão sediada no exterior, persistiu a valorização de soluções chegadas de fora, de cunho personalizado e sempre com uma auréola salvífica. Invariavelmente, sobreveio a desilusão, apesar do que, na rua, a acrimónia tende a dirigir-se para os governantes do partido histórico da independência.

Ainda que em termos hipotéticos, dir-se-ia que os são-tomenses se deixam dividir, não mais por ideias políticas, mas por lealdades a chefes que se digladiam tendencialmente para preservar ou acumular o seu poder[46]. Nestas circunstâncias, os grupos podem rearranjar-se permanentemente[47]. Mas, dificilmente se criam condições para um debate informado num espaço público consistente e participado.

Mesmo não sendo os regimes comparáveis, assinale-se a pessoalização do poder na era do partido único e em várias fases da democracia, comprovada por processos decisórios à margem das instituições mas com a imprescindível anuência do chefe. Embora sem necessariamente recorrer a procedimentos ostensivamente violentos, os políticos no poder tenderão a açambarcar poder, diminuindo a respectiva partilha com elementos representativos de outros interesses. Resta saber se a tendência para a fulanização do poder não esvaziará a democracia.

Estas linhas de evolução não autorizam a decretar o fim do Estado pós-colonial[48], em primeiro lugar, porque a europeização deixou sedimentos que, mesmo se residuais, podem ser reactivados por efeito de alterações conjunturais ou de geopolítica. Segundo, porque, na falta de instituições africanas ou de outros ordenadores locais da vida colectiva, a relação simbólica dos são-tomenses com o Estado é relevante, mesmo se em múltiplos domínios ele se mostra inefectivo.

Justamente, uma das consequências mais perturbadoras da inoperância resultante da deliquescência institucional é a violência. Ainda que a criminalidade esteja dentro dos parâmetros do comum das sociedades, banalizou-se a um ponto há anos inimaginável. À violência de índole criminosa opõe-se a que se justifica com a inépcia da justiça e, daí, a necessidade de arbítrio próprio.

Desde há anos, a violência motiva discursos políticos, indício de que começa a ser socialmente pesada, tanto mais quanto a situação actual contrasta com a memória da pacatez dos modos de vida e da confiança de outrora nos conterrâneos (obviamente, ligada a formas de controlo social entrementes esvanecidas). Por exemplo, perguntar-se-á quem há anos imaginaria assaltos a bancos à mão armada? Em todo o caso, dado o ambiente social e político, a memória não constitui base bastante para a indignação, antes dá lugar ao conformismo e à resignação diante da impossibilidade de fazer inverter um crescendo de violência[49] e de condutas disruptivas que, além de surpreender, tolhem os são-tomenses.

Em especial, os mais velhos invocam os “nossos valores”, ou seja, as regras geradas pela socialização do tempo colonial, de que assoma a nostalgia. De outro ângulo, tais valores dos são-tomenses, fundados em relações familiares e de vizinhança de antanho, não servem para gerir as actuais relações nesses círculos de sociabilidade e, menos ainda, para regular o Estado, o poder e a sociedade são-tomenses. Sem prejuízo da aparente bonomia da vida colectiva nas ilhas, a pressuposição de uma ética do povo intocada pela perversão do mundo ali levada pelo colonialismo ou pela globalização constitui um saudosismo, quando não uma mistificação desazada. Pense-se, por exemplo, na prontidão com que desde há anos se propende a castigar, a linchar até, as sozinhas e indefesas idosas que são acusadas de feitiçaria.

Se recuarmos na história, a índole pacífica dos são-tomenses foi fabricada na era colonial pela repressão ou pela contenção em troca da previsibilidade no dia-a-dia, circunstâncias que pareciam conferir a cada indivíduo o seu lugar natural, com o que cada um se conformava. Da mesma forma, o regime pós-independência tentou controlar a mobilidade social e, também, as vidas das pessoas. Porém, falhou na provisão de bens essenciais de vida, suscitando condutas individualistas ao arrepio dos vínculos orgânicos que o desígnio político demandava e a exiguidade da terra parecia sugerir. Refém da respectiva instrumentalização por intentos de acúmulo de poder e riqueza, a democracia aparenta não se bastar enquanto resposta para a falta de perspectivas do grosso dos indivíduos. Ao invés, parecem aumentar as possibilidades de condutas violentas ou, no mínimo, de ostentação da força e da impunidade para forçar o caminho da sobrevivência e, se possível, da afirmação pessoal através da riqueza ou da força.

Ainda que seja difícil destrinçar os vários elos, parece existir um espaço de intersecção entre a raiva que perpassa nalgumas campanhas, a disseminação de actos de violência e a escolha popular de quem aparenta ter o pulso forte. Em vista da tendência para a resolução violenta dos conflitos entre as pessoas, aflora a ideia de que só uma repressão expedita pode introduzir ordem e previsibilidade na sociedade[50], ideia que pode induzir a aceitação de um regime musculado. Por outras palavras, a tentação do “homem grande” avulta. Afinal, conquanto revestida de diferentes colorações políticas e simbólicas, tal tentação esteve presente nos derradeiros decénios do colonialismo, assomou no regime de partido único e perpassa na política são-tomense.

Por empatia com as noções prevalecentes em África acerca da impossibilidade de democracia, por aceitação do “homem grande” como tradição africana e pelo alheamento da política devido à despolitização e à descrença, pode vingar a ideia da impossibilidade de a democracia assentar arraiais. Ademais, preterida pela procura da sobrevivência, a democracia pode, por exemplo, acabar trocada pela noção de “democracia puramente africana”, adiantada por Teodoro Obiang[51], acerca da qual ninguém saberá dizer em que consiste, a não ser que provavelmente comporta a negação da democracia[52]. Como se disse, não sabemos por quanto tempo a personalização do poder não corroerá a democracia.

 

Notas finais. A indeterminação na política no arquipélago

Num tempo de impensadas e céleres mudanças – indiciadas pela privação, pelo assomar da violência ou pela inépcia estatal face à feitiçaria e aos fenómenos de possessão – são vários e contraditórios os vectores da indeterminação da política em São Tomé e Príncipe, desde o primarismo da raiva anti-sistema à rarefacção dos sentimentos nacionalistas, em parte determinada pelas diferenças entre as promessas e os inalcançáveis padrões de vida de outras sociedades, que, há não muito tempo, eram mais pobres. Num contexto de disrupção social, os políticos falham, os indivíduos quedam atomizados e a sociedade civil não medra. A exemplo das dos arrazoados ideológicos de outrora, certas noções do discurso intelectualizado – por exemplo, a de identidade cultural – acabam a mascarar o fabrico político do fosso entre as aspirações e a pobreza da maioria das pessoas.

Para situar o impasse da sociedade e a correlata atomização dos indivíduos, compare-se a dinâmica política de 1974-1975 e a do presente, mormente do ângulo das predisposições da juventude. Em 1974, um grupo de jovens tomou a iniciativa política e, ainda que agisse em nome do MLSTP, a verdade é que os passos tácticos eram decididos na ilha. Hoje, apesar de comporem um contingente não negligenciável seja em termos de presença na rua, seja em termos de potencial pressão social, os jovens parecem arregimentados a chefes. Já o traço comum de visões simplistas de 1974 e de hoje é a imputação da falência e da ruína política aos mais velhos, em 1974 implicitamente acusados de tergiversação perante o colono, hoje de terem arruinado ou deixado arruinar o país por “corruptos” e “ladrões”. Daqui deriva o anseio por uma “mudança” que tem tanto de aliciante, pela promessa de desforra, quanto de indefinida, por manipulável. Apesar de reiteradamente prometida, tal “mudança” parece cada vez mais inalcançável, empurrando um crescente número de indivíduos para uma posição anti-sistema ou para a adesão a propostas redentoras.

Tal ocorre ao mesmo tempo que a mutação na política e nas relações sociais acarreta mudanças no plano cultural e na visão do mundo, por exemplo, com o eventual ressurgimento de traços africanos como ordenadores do quotidiano mas não só. Também devido à actual porosidade da sociedade, os são-tomenses detêm incomparavelmente mais mundo do que sob a tutela colonial ou do partido único. Com a maior amplitude de referências esvaneceu-se a reverência face ao “branco”, a qual, nos anos seguintes à independência, ainda se constatava nas ruas de São Tomé. Embora a imaginada e vivida africanização não seja consensualmente apreciada, os mais novos tendem a prezar a sua condição de africanos ou de negros, também por ser algo que vai ao encontro do apreço pelas performances e da estetização do corpo negro no mercado global de bens simbólicos. Porém, tal orgulho caminha a par do sentimento da reduzida capacidade de determinação do seu destino, com o que não se pode deixar de relacionar o fenómeno do “banho” ou o rasto de desprezo pelos “políticos”, isto é, a predisposição dos desapossados para, no fim, serem contra as instituições, com as quais, diferentemente do que amiúde se passa no continente africano, os ilhéus têm de conviver.

Hoje, ao apego à terra e à memória de vivências passadas acresce a pertença nacional decantada da vivência institucional. O nacionalismo daqui decorrente deveria potenciar um sentimento de segurança nos indivíduos, mas este sentimento e o laço entre os são-tomenses parecem menos densos do que a irmandade que animava à entreajuda no tempo colonial, baseada na oposição ao colono e, ao tempo, na interacção pessoal.

Naturalmente, passados quarenta anos de convivência balizada institucionalmente tendem a sobrepor-se a oscilações no sentimento nacionalista – veja-se, por exemplo, as alusões à boca pequena às vantagens de ser uma região autónoma, depois silenciadas pela descoberta do petróleo que tornou mais africana a identificação dos são-tomenses – que também tem muito de instrumental e queda muito prejudicado pelas vicissitudes da política. A evolução do arquipélago permitirá verificar em que circunstâncias o nacionalismo se relaciona com confiança e esta com a capacidade de compaginar a conflitualidade no seio das instituições e da democracia, separando conflitualidade democrática da violência enquanto sendas distintas de acesso ao poder.

As inesperadas mudanças sociais e derivas políticas, em particular as sobrevindas à democracia, afastaram São Tomé e Príncipe quer da matriz conservadora do colonialismo, quer dos desígnios revolucionários. Resta saber se não arredarão o país dos trilhos democráticos, mesmo se arvorando a bandeira de uma qualquer democracia puramente africana tão espúria quanto a igualdade do socialismo ou a paz do colonialismo.

 

Referências

Branco, R., & Varela, A. (1998). Os caminhos da democracia. Amadora: [s.         [ Links ]n.].

Cahen, M. (1991). Arquipélagos da alternância: A vitória da oposição nas ilhas de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe. Revista Internacional de Estudos Africanos, 14-15, pp. 113-154.         [ Links ]

Espírito Santo, A. (2008). Economia de S. Tomé e Príncipe entre o regime do partido único e o multipartidarismo. Lisboa: Colibri.         [ Links ]

Espírito Santo, A. (2009). S. Tomé e Príncipe. Problemas e perspectivas para o seu desenvolvimento. Lisboa: Colibri.         [ Links ]

Espírito Santo, A. (2013). Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe. Empresariado como fator de desenvolvimento e transformação social. Outros olhares sobre a economia. Lisboa: Gradiva.         [ Links ]

Espírito Santo, C. (2015). A primeira república (2 vols.). Lisboa: Colibri.         [ Links ]

Eyzaguirre, P. (1986). Small farmers and estates in Sao Tome, West Africa. Tese de doutoramento, Universidade Yale, New Haven,         [ Links ] EUA.

Graça, C. (2011). Memórias políticas de um nacionalista santomense sui generis. Lisboa: UNEAS.         [ Links ]

Mbembe, A. (2013). África insubmissa. Cristianismo, poder e Estado na sociedade pós-colonial. Mangualde: Pedago.         [ Links ]

Nascimento, A. (2004). Escravatura, trabalho forçado e contrato em S. Tomé e Príncipe nos séculos XIX-XX: Sujeição e ética laboral. Africana Studia, 7, pp. 183-217.         [ Links ]

Nascimento, A. (2007). O fim do caminhu longi. Mindelo: Ilhéu.         [ Links ]

Nascimento, A. (2013a). Os dividendos do autoritarismo colonial: O impacto e a manipulação do legado colonial na configuração do pós-independência em São Tomé e Príncipe. In I. Pimentel & M. I. Rezola (Orgs.), Democracia, ditadura. Memória e justiça política (pp. 259-282). Lisboa: Tinta-da-China.         [ Links ]

Nascimento, A. (2013b). As pulsões na política em São Tomé e Príncipe. Africana Studia, 20, pp. 135-152.         [ Links ]

Nascimento, A. (2015a). A inelutável independência ou os (in)esperados ventos de mudança em São Tomé e Príncipe. In F. Rosas, M. Machaqueiro & P. A. Oliveira (Orgs.), O adeus ao império: 40 anos de descolonização portuguesa (pp. 175-190). Lisboa: Nova Vega.         [ Links ]

Seibert, G. (2001). Camaradas, clientes e compadres. Colonialismo, socialismo e democratização em São Tomé e Príncipe. Lisboa: Vega.         [ Links ]

Seibert, G. (2003). Coup d'état in São Tomé and Príncipe: Domestics causes, the role of oil and the former ‘Buffalo' battalion soldiers. Acedido em 25 de janeiro de 2014, de http://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=4&ved=0CD4QFjAD&url=http%3A%2F%2Fmercury.ethz.ch%2Fserviceengine%2FFiles%2FISN%2F137103%2Fipublicationdocument_singledocument%2F73c76c4a-a94a-4bf5-9a05-64bf750fcc8e%2Fen%2FSTOMEOCT03.PDF&ei=O-fjUpjIB7LT7Aa4zoDwDw&usg=AFQjCNGO9S-kGavyDjV-te3OtvkRWs_pbg&sig2=sfExFmX66tYcs4X6G6ghcQ&bvm=bv.59930103,d.ZGU        [ Links ]

Vicente, P. C. (2013). Is vote-buying effective? Evidence from a field experiment in West Africa. Acedido em 7 de Junho de 2013, de http://www.pedrovicente.org/banho.pdf        [ Links ]

Young, C. (2004). The end of the post-colonial state in Africa? Reflections on changing Africa political dynamics. African Affairs, 103(410), 23-49.         [ Links ]

 

 

Recebido: 14 de abril de 2016

Aceite: 17 de julho de 2017

 

 

Notas

[1] Texto escrito de acordo com a grafia antiga da língua portuguesa.

[2] Por vezes, o relativismo moral chega travestido de noções conceptuais. Por exemplo, independentemente de a corrupção em África ser explicada pelo peso das obrigações familiares ou, também, pela falta de confiança nos suportes da sociedade, a verdade é que nem por isso quem procede desse modo deixa de ter a consciência de subtrair recursos colectivos em seu proveito.

[3] Veja-se Nascimento (2013a). Em que medida tal adveio da transição assistida pelo poder colonial demissionário ou de que forma o que sobreveio à independência estava condicionado pelas estruturas sociais, poderia ser uma questão… como o poderia ser também a de saber se a preservação da herança colonial, embora revestida de um novo invólucro ideológico, não pareceu aos novos dirigentes a melhor via para eles preservarem o poder.

[4] Se não fosse possível nenhuma extrapolação, também as comparações sincrónicas (por exemplo, com Cabo Verde) não teriam sentido e a comparação teria de ser arredada da análise, ficando a explicação cingida aos factos focados de uma perspectiva endógena, auto-referenciada e inevitavelmente enviesada.

[5] Amiúde escutei a expressão do desencanto dos que pensavam que a independência faria do arquipélago uma Suíça em África (testemunho pessoal, A. Nascimento); veja-se também http://expresso.sapo.pt/internacional/trovoada-pede-10-anos-para-fazer-de-sao-tome-e-principe-o-dubai-da-africa-ocidental=f888483(acedido em 11 de abril de 2016).

[6] Diga-se, o valor simbólico de 1975 vem sendo relativizado, seja por a comparação com o tempo colonial não ser unânime (aliás, calada e contida, foi sempre plural e amiúde errática e contraditória), seja por, com o tempo, a esmagadora maioria da população comparar a vida nas ilhas com a de outros lugares.

[7] Carlos Graça considerou que o regime foi totalitário e não apenas autoritário, mormente de 1975 a 1985 (Graça, 2011, p. 122). Afinal, quem estava mais próximo do poder, podendo até alardear autoridade e ser reverenciado, sentia mais os constrangimentos do regime.

[8] Ver uma descrição em Espírito Santo, A. (2008, p. 34 e ss.). Veja-se uma enumeração dos factores do desdém pelo trabalho após 1975: promessas de políticos por cumprir, baixos salários nas roças nacionalizadas e atrasos no pagamento, neo-patrimonialismo, aprofundado com a democracia, má governação, corrupção, enorme fosso económico e social (Espírito Santo, A., 2013, p. 207).

[9] Na realidade, à “verdade” dos colonos subjazia um preconceito, corroborado pelo comum dos brancos, e, sobretudo, sustentado por um desígnio oculto dos roceiros interessados no usufruto de mão-de-obra docilizada e barata, importada de outras colónias (Nascimento, 2004).

[10] Veja-se, por exemplo, Mbembe (2013, p. 83).

[11] Consulte-se uma caracterização desse impasse em Cahen (1991, pp. 130-131).

[12] De início, a remoção do colono pareceu bastar enquanto factor de homogeneização social, mas tal ilusão durou pouco, dada a rigidez das relações políticas, onde o mando discricionário, apenas matizado por cumplicidades familiares e outras, avultava em detrimento das garantias formais e materiais da lei.

[13] Para além da demissão do ministro da Segurança, Daniel Daio, os motins no Príncipe tiveram como consequência a revelação da fraqueza moral de um regime incapaz de julgar os implicados nos protestos.

[14] Para uma visão sumária da onda repressiva após a independência, ver Seibert (2001, p. 148 e ss.).

[15] Veja-se Seibert (2001, p. 153 e ss.); Carlos Espírito Santo descreveu com detalhe os eventos e a actuação persecutória das autoridades (2015, pp. II, 88 e ss.).

[16] Acerca das mudanças políticas e económicas operadas na segunda metade da década de 1980, ver Seibert (2001, p. 192 e ss.). Para Branco e Varela, imposta pela necessidade, a liberalização económica, cuja decisão remonta a 1986 e, de forma avulsa, a 1984, precedeu qualquer “condicionalidade democrática” (1998, p. 36) ditada do exterior.

[17] Sem embargo da hipótese plausível de Pinto da Costa querer preservar o poder após a transição para a democracia ou de esta ter sido uma consequência impensada das mudanças no regime de partido único (Seibert, 2001, p. 192), o protagonismo do chefe (ver descrição do seu suporte às mudanças no MLSTP, Seibert, pp. 208-209) foi decisivo. Acerca da passagem para a democracia ver também Branco e Varela (1998, pp. 11-12).

[18] Diga-se, a perda de determinação sobre o futuro da sociedade são-tomense ajuda a relativizar questões que há anos geravam disputas, entre elas a da autoria da passagem para a democracia.

[19] Seibert alude ao impacto negativo da falta de quadros, um óbice ao desenvolvimento, fosse qual fosse o modelo de desenvolvimento. Também salienta a prevalência de “dogmas políticos de acordo com os quais o Estado tinha capacidade para transformar tanto a sociedade como a economia” (2001, p. 172). A dimensão política afigura-se-me mais relevante e, de alguma forma, ela opera até hoje no sentido de depreciar a qualificação de jovens e de a subordinar a interesses políticos.

[20] Hoje, podemos perguntar em que se alicerçaria a convicção de que o crescimento podia assentar na agricultura – mormente na exportação do cacau –, mas tal não só era uma ideia do tempo da independência como a estrutura produtiva não se altera de um momento para o outro.

[21] No tocante às roças, costuma-se valorizar a mudança de titularidade ocorrida com a nacionalização. Porém, a manutenção da estrutura de propriedade da terra permitiu preservar, com algumas diferenças, uma estratificação social similar à do tempo colonial; a este respeito, ver Eyzaguirre (1986).

[22] Por exemplo, ver Seibert (2001, pp. 173-175) e Espírito Santo, A. (2008, p. 52 e ss.). Os empreendimentos industriais ou de serviços do final do regime monopartidário ou do período multipartidário padeceram de males semelhantes, a saber, gestão danosa, inadequação de escala e falta de conhecimento (Espírito Santo, A., 2008, pp. 67-68), a que, sem risco de erro, acrescentaremos a falta de empenho produtivo em virtude de falta de incentivos e de exemplos de liderança.

[23] Para isso também contribuía a fraca produtividade por hectare; ver alguns dados em Seibert (2001, pp. 335, 350, nota 115).

[24] Ao cabo de inúmeras peripécias e de litigâncias com governantes, a ideia de zona franca, mormente no Príncipe, foi abandonada (veja-se Espírito Santo, A., 2009, pp. 83-90; Seibert, 2001, pp. 253-254). Recentemente, a Ilha foi objecto de um investimento do milionário sul-africano Mark Shuttleworth.

[25] Ainda que se sustente que a recusa do turismo após a independência decorreu da aversão à economia de mercado (Espírito Santo, A., 2013, p. 252), opinaria que, facilitada pela quase inexistência dessa actividade no tempo colonial, essa opção foi ditada por motivações políticas, entre elas, o almejado domínio das mentes.

[26] Por exemplo, Espírito Santo, A. (2009, p. 98); para uma recensão dos argumentos a propósito da viabilidade, sustentabilidade e desenvolvimento das pequenas economias insulares, ver Espírito Santo, A. (2009, pp. 151-152).

[27] A degradação do ambiente também se prende com a prevalência da pobreza, que originou a desmatação, a que alguns atribuem a mudança no regime de chuvas e as maiores dificuldades de aprovisionamento de água. Nalguma desmatação pode ter prevalecido a necessidade de suprir carências extremas, indício de que a racionalidade das escolhas económicas demanda meios e expectativas fiáveis. Ora, para os despojados, a carência extrema impõe-se a qualquer amanhã.

[28] Acerca das negociações dos direitos de exploração petrolífera, veja-se Espírito Santo, A. (2008, p. 202 e ss.).

[29] Para complexificar a equação do ascenso da pobreza, notório em meados da década de 1990, diga-se que o programa de distribuição de terras foi diferido e sofreu refracções que distorceram os propósitos e deixaram os resultados abaixo das expectativas, mormente no tocante à produção alimentar. Cf. Espírito Santo, A. (2008, pp. 66, 87 e ss.).

[30] Especialmente vincada no mato, nas antigas roças, entre os ex-serviçais; ver, por exemplo, Nascimento (2007).

[31] Armindo Espírito Santo cita a crença de que a privação é a materialização da vontade de Deus (Espírito Santo, A., 2013, p. 218). Com curso sobretudo entre os mais idosos, essa percepção popular da desgraça como determinação divina nem por isso deixa de apontar a responsabilidade dos políticos.

[32] Entre os grupos vulneráveis, estão as famílias monoparentais chefiadas por mulheres. Segundo o censo de 1991, à cabeça de 32,6% dos 27.449 lares do país estavam mulheres sozinhas (Seibert, 2001, p. 449).

[33] Amiúde, cita-se a origem portuguesa da Constituição. Porém, esse facto será de valia relativa, porquanto o crescendo de conflitualidade levará a considerar qualquer arquitectura política como inapropriada face à índole cultural dos são-tomenses.

[34] Para uma listagem de sucessivos vasos de corrupção vertical, ver Espírito Santo, A. (2008, p. 125 e ss.); também Seibert (2001, p. 275 e ss.).

[35] Acerca da tentativa de golpe de 1995, ver Seibert (2001, p. 259 e ss.).

[36] Por exemplo, oito governos nos primeiros dez anos de democracia sob a presidência de Miguel Trovoada e outros tantos no decénio de presidência de Fradique de Menezes; cf. Espírito Santo, A. (2008, p. 229 e ss.).

[37] Eventualmente imputável aos resultados contraproducentes da tentativa de controlo da informação dada a prevalência do boca-a-boca, a liberdade de expressão tem vingado e assim continuará, pelo menos enquanto a justiça não estiver nas mãos dos políticos. Porém, não sabemos até quando a justiça permanecerá independente dos políticos ou, de outra perspectiva, capaz de se mover contra o mandante de cada momento.

[38] Não há espaço público ou ele é ainda incipiente. Apesar da intensidade do debate nos fóruns mediáticos, mormente na internet, esse debate não contribui para informar decisões. Ao invés, dada a sua feição predominantemente sarcástica, replica a corrosão outrora provocada pelos panfletos anónimos, cujo fito era o ataque pessoal.

[39] Por exemplo, Armindo Espírito Santo considera-as pautadas pela má gestão, desleixo e corrupção (2009, p. 20), a que se pode acrescentar o facto de serem consideradas como que uma propriedade por quem sucessivamente as tutela.

[40] A este respeito, veja-se Vicente (2013); Espírito Santo, A. (2013, p. 213).

[41] Diga-se, a desgraça não é só a do dinheiro a ser distribuído aquando das campanhas eleitorais em troca de votos incertos. Afinal, não só os políticos fomentam tal prática, como se aventa que nalgumas votações no Parlamento se permutou a convicção ou a filiação partidária pela anuência a interesses escusos. Portanto, não fará sentido criticar quem supostamente vende a consciência na hora de votar.

[42] Como salienta Mbembe (2013, p. 133), decorridas décadas sobre as independências, as novas gerações também aspiram a integrar a “clientela”, ou seja, a aceder às redes de alimentação e enriquecimento.

[43] Seibert assinalou o facto de os partidos serem encarados como uma possível fonte de auxílio (2001, pp. 387-388), mormente nos períodos não eleitorais, porquanto nestes abundam as dádivas e as promessas.

[44] A ser assim, tal obriga a pensar na profundidade de condutas enformadas por noções como, por exemplo, a de propriedade individual, que se julgava nortearem os são-tomenses, neste plano considerados distintos dos demais africanos.

[45] Ainda que em tese se possa perfilhar a ideia de que o diálogo e a criação de um desígnio comum poderiam eliminar a componente estéril da conflitualidade política, mormente a das questiúnculas pessoais, tal é uma crença não aplicável ao curso da política no arquipélago.

[46] A confusão entre ordem cronológica e conexão causal poderá levar a ver os conflitos entre, por um lado, Pinto da Costa e, por outro, Patrice Trovoada e, antes dele, seu pai, como a sequela dos conflitos nos primórdios da independência que terminaram com a prisão e o exílio de Miguel Trovoada. Porém, para desventura de São Tomé e Príncipe, a interpretação é enganadora, mormente por não dar conta dos actuais efeitos perniciosos de tal conflito pela hegemonia do Estado em que os actores parecem empenhados, polarizando dramaticamente a sociedade são-tomense.

[47] Diga-se, o constante realinhamento dos actores nos blocos em confronto, presumamo-lo, menos norteado por (inexistentes) afinidades ideológicas ou políticas do que pela oportunidade ditada pela barganha por dividendos ou pelo combate a um inimigo (circunstancialmente) comum, não facilita a confiança e a coesão sociais.

[48] A respeito do fim do Estado pós-colonial, veja-se Young (2004).

[49] Para Seibert, a despeito da disputa pelos dividendos do petróleo, graças ao carácter politicamente pacífico e à cultura política da população são-tomense, a futura competição pelo poder não se tornará necessariamente violenta (2003, p. 10). Não poria tanta fé na cultura política e na idiossincrasia pacíficas dos são-tomenses. Ao invés, valorizaria os constrangimentos internacionais que obstam a golpes. Todavia, tais constrangimentos não detêm o recurso a desforços pessoais. E não descartaria a possibilidade de a prazo se afirmar uma chefia política de pulso forte que, mesmo se arbitrária, nem carecerá de ser violenta atenta a generalizada atomização e a dependência dos indivíduos.

[50] Em parte, tal explica a eleição de Pinto da Costa em 2011; a este respeito, ver Nascimento (2013b).

[51] Numa visita de Pinto da Costa à Guiné Equatorial, Obiang, que por via do petróleo alcançou um ganho de palavra, aludiu à construção de “uma democracia de estilo puramente africano. Não queremos fazer uma democracia copiada no Ocidente, porque vai nos trazer muitos fracassos”, acrescentando que África necessita de “um bom chefe que planifica e executa os programas. Mas se houver diferenças no seio do Governo será difícil executar a política de desenvolvimento” (http://www.telanon.info/politica/2015/08/06/19825/obiang-defende-democracia-puramente-africana-e-da-conselho-aos-dirigentes-de-stp/, acedido em 6 de Agosto de 2015).

[52] Trata-se de uma asserção a um tempo mais vaga mas mais enfática do que a da constatação, de Pinto da Costa em 1996, segundo a qual os países africanos que tinham adoptado a democracia liberal experimentavam dificuldades por não terem levado em conta a sua realidade (Seibert, 2001, p. 411). Apesar de estranhável por vir de quem dera um tal passo na década de 1980, esta afirmação é bem mais comedida e aberta à ponderação do que a afirmação da valia de uma “democracia puramente africana”.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons