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Cadernos de Estudos Africanos

Print version ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.35 Lisboa Jan. 2018

 

DOSSIÊ

 

Introdução

 

 

Aurora Almada e Santos1; Vasco Martins1

1Instituto de História Contemporânea, Universidade Nova de Lisboa, Avenida de Berna, 26 C, 1069-061 Lisboa, Portugal, auroraalmada@yahoo.com.br
2Projeto CROME, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Colégio de S. Jerónimo, Largo D. Dinis, Apartado 3087, 3000-995 Coimbra, Portugal, vascomnsm@gmail.com

 

Em novembro de 2015, o Centro de Estudos Internacionais-Instituto Universitário de Lisboa, o Centro de Estudos Sociais-Universidade de Coimbra, a Fundação Mário Soares e o Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa associaram-se na realização da conferência Quarenta Anos das Independências. Destinada a analisar a trajetória da descolonização portuguesa e as transformações nos territórios que, entretanto, se tornaram independentes, a conferência constituiu um testemunho da vitalidade e sofisticação intelectual de áreas de estudo que têm experimentado um grande crescimento. Dada a inevitável limitação temporal das comunicações orais dos participantes, e na tentativa de capturar a qualidade das mesmas de forma menos efémera, entendeu-se organizar uma publicação reunindo alguns contributos que são apresentados no presente número da revista Cadernos de Estudos Africanos.

Ao proporem os temas apresentados, os autores que colaboram no dossiê temático “Da Resistência Colonial aos Desafios da Contemporaneidade: 40 anos de independência das colónias portuguesas” abordam um leque variado de questões. Aurora Almada e Santos procura compreender o relacionamento entre a Organização das Nações Unidas (ONU) e o governo português no período entre 1961-1975, centrando a sua atenção na influência que o debate sobre a questão colonial portuguesa teve para o desenvolvimento da ideia de autodeterminação. A autora argumenta que a iniciativa da ONU quanto à política colonial portuguesa pode ser entendida como parte de um processo lento e por vezes contraditório de consolidação da interpretação do conceito de autodeterminação enquanto sinónimo de independência. A narrativa apresentada tem a vantagem acrescida de permitir perceber como a independência das colónias portuguesas esteve intimamente relacionada com outros fenómenos, desde a diversificação dos atores internacionais, ao desenvolvimento das organizações intergovernamentais e ao movimento de descolonização mais amplo no pós-II Guerra Mundial.

O artigo de Luís Barroso também se reporta ao período anterior à independência, incidindo sobre um tema que ultimamente tem atraído algum escrutínio: o exercício ALCORA, que envolveu Portugal, a Rodésia do Sul e a África do Sul. Pretendendo descortinar as origens do exercício, Luís Barroso interpreta-o como uma tentativa por parte da África do Sul em desenvolver uma estratégia global de contrassubversão na África Austral, uma vez que considerava Angola, Moçambique e a Rodésia do Sul como as suas linhas de defesa avançada contra o “avanço do comunismo”. Tendo em conta que o relacionamento entre Portugal e a África do Sul em matéria de defesa datava da década de 1950, o autor defende que a formalização do exercício em 1970 ocorreu no seguimento de uma mudança de atitude a partir de 1968, devido, entre outras razões, às desconfianças sul-africanas quanto à capacidade portuguesa para conter a guerra no sul de Angola e aos receios que a nomeação de Marcelo Caetano como presidente do Conselho de Ministros suscitou em Pretória.

Num outro registo, Augusto Nascimento examina as continuidades e as transformações vivenciadas em São Tomé e Príncipe desde a independência. Considerando que em 1975 se partilharam grandes esperanças de mudança, Nascimento observa que a realidade não correspondeu às aspirações dos habitantes das ilhas no momento da independência. Pelo contrário, refere que algumas facetas da vida político-social do período colonial foram retomadas no pós-independência, nomeadamente no que se refere ao relacionamento com o trabalho. A análise do autor foca-se nas dificuldades sentidas pelo país nos planos económico e político-institucional, concluindo que o processo de democratização não extinguiu este contraste entre a realidade e ambição da sociedade são-tomense. A atualidade merece igualmente destaque, propondo-se como solução para os problemas a melhoria do funcionamento das instituições e a criação de um desígnio económico-social.

O artigo de Paulo Manuel Costa e Lúcio Sousa apresenta-nos um quadro sobre as migrações forçadas e os regimes de asilo nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Os autores abarcam os anos de 1975-2013, explorando o conceito de migrações forçadas, em cuja categoria integram uma variedade de situações. Num primeiro momento, contextualizam as migrações forçadas no continente africano, especificando os instrumentos normativos existentes. De seguida, os PALOP são objeto de consideração, ressaltando-se a ligação entre o período colonial e o pós-colonial. Centrando-se no pós-independência, na última parte do artigo, os mesmos países são analisados enquanto origem de migrações forçadas e na qualidade de outorgantes de asilo. No essencial, os autores concluem que os PALOP assistiram à diminuição do número de migrantes forçados e que, pelo contrário, os pedidos de asilo recebidos aumentaram, registando-se uma diversificação na proveniência das pessoas exiladas.

Por fim, Ana Silva Fernandes e Augusto Nascimento abordam a expansão urbana nos países africanos de expressão portuguesa. Procurando refletir sobre o “direito à cidade” nas capitais dos PALOP, os autores indicam que a herança colonial teve impactos profundos na estruturação territorial e social, que ainda fazem sentir a sua influência na atualidade. Quanto às transformações ocorridas a partir da independência, é referido que o crescimento urbano não tem sido homogéneo, constituindo um caso paradigmático de expansão acelerada. Não obstante as ressalvas quanto à complexidade e à diversidade de cada território, entende-se que na generalidade verifica-se uma dificuldade das políticas urbanísticas acompanharem o crescimento urbano, conduzindo à reprodução social e espacial da pobreza. Os autores apelam à necessidade de uma discussão sobre o “direito à cidade”, envolvendo diversos atores sociais, como forma de assegurar um acesso efetivo e equitativo aos recursos comuns.

Apesar de incidirem sobre um conjunto bastante heterogéneo de questões – o que poderá suscitar interrogações sobre os elementos que conferem unidade a este número temático – os artigos apresentam aspetos comuns quanto à metodologia, ao uso das fontes e à relação com o debate académico. Metodologicamente, permitem cruzar e confrontar correntes teóricas das disciplinas de História, Relações Internacionais, Sociologia ou Antropologia. A título de exemplo, no que se refere às correntes historiográficas, colocam em destaque as ferramentas da História Internacional, da História Global e Transnacional, da História das Ideias, da História Comparada, da História das Migrações ou da História Urbana. Em resultado desta conjugação de diferentes pressupostos metodológicos, os artigos possibilitam uma melhor compreensão da dimensão local, regional e internacional da luta contra o colonialismo português e dos processos de construção dos Estados pós-coloniais.

No seu todo, os artigos exploram uma diversidade de fontes primárias e secundárias, produzidas por Portugal, África do Sul ou Estados Unidos da América, e por organizações como a ONU e suas agências especializadas. Os autores recorrem à interpretação de tais fontes, baseando-se numa pesquisa multi-arquivo para efetuar o cruzamento da informação recolhida. Ainda assim, os artigos demonstram a dificuldade que ainda existe em aceder a arquivos no continente africano, inclusivamente aos dos PALOP e de países com os quais têm fronteiras, que dispõem de espólios sobre a guerra colonial e os desenvolvimentos após a independência.

Uma característica adicional dos artigos é o facto de proporcionarem o diálogo com outras publicações. A bibliografia citada em cada um dos artigos permite-nos apreender esta dimensão, demonstrando que em alguns casos os autores apresentam-nos interpretações sobre temas pouco estudados. Em outras situações, revelam um envolvimento, por vezes longo, com problemáticas que interessam igualmente a outros investigadores. De qualquer forma, espera-se que os artigos sirvam como ponto de partida para novas abordagens e que contribuam para que se continuem a registar avanços quanto às pesquisas sobre o processo que conduziu à independência das colónias portuguesas e à formação dos novos Estados africanos de língua portuguesa.

 

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