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Cadernos de Estudos Africanos

versión impresa ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.34 Lisboa dic. 2017

https://doi.org/10.4000/cea.2293 

DOSSIÊ

 

Evolução do(s) Conceito(s) de Desenvolvimento. Um Roteiro Crítico[1]

 

The evolution of the concept(s) of development. A critical roadmap

 

 

Bárbara Ferreira1;Rita Raposo2

1Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações (SOCIUS/CSG), Lisbon School of Economics Management (ISEG), Universidade de Lisboa, Rua Miguel Lupi, 20, 1249-078 Lisboa, Portugal, bferreira@iseg.ulisboa.pt

2Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações (SOCIUS/CSG), Lisbon School of Economics Management (ISEG), Universidade de Lisboa, Rua Miguel Lupi, 20, 1249-078 Lisboa, Portugal, mariaritaraposo@gmail.com

 

 


RESUMO

Este artigo visa, de forma exploratória, apresentar algumas das questões centrais na evolução do conceito de desenvolvimento. Sem a pretensão de ser uma recensão exaustiva dos principais teorizadores da problemática, procura antes apontar alguns dos principais percursos do conceito ao longo das últimas décadas. Mais especificamente, procura-se distinguir as fases e modelos de desenvolvimento mais disseminados, com especial enfoque na evolução do pensamento desenvolvimentista mainstream e dos desenvolvimentos “alternativos”, que começaram a surgir a partir da década de 1980. Debatem-se ainda algumas das características do desenvolvimento sustentável, assim como os contributos das teorias do pós-desenvolvimento, que se afirmam como uma alternativa ao conceito de desenvolvimento.

Palavras-chave: desenvolvimento, desenvolvimento alternativo, desenvolvimento sustentável, pós-desenvolvimento


ABSTRACT

This article seeks to examine a few of the important questions underlying the evolution of the concept of development. Without aiming to be an exhaustive analysis of its main thinkers, it rather points out some of the trajectories of the concept over the last decades. Specifically, it explores some of its most disseminated phases and models, focusing on the evolution of mainstream development theories and the schools of alternative development which started emerging in the 1980s. The concept of sustainable development is also presented, as well as the insights coming from post-development theories, which are regarded as an alternative to development itself.

Keywords: development, alternative development, sustainable development, post-development


 

 

Este artigo visa enunciar, de forma sintética e exploratória, algumas das questões centrais na evolução do conceito de desenvolvimento. Sem a pretensão de ser uma recensão exaustiva dos principais teorizadores da problemática, procura antes apontar alguns dos principais percursos do conceito, ao longo das últimas décadas. Mais especificamente, procura-se distinguir as fases e os modelos de desenvolvimento mais disseminados, com especial enfoque na evolução do pensamento desenvolvimentista mainstream e dos desenvolvimentos “alternativos” que começaram a surgir a partir da década de 1980. Debatem-se ainda algumas das características do desenvolvimento sustentável, assim como os contributos das teorias do pós-desenvolvimento, que se afirmam como uma alternativa ao conceito de desenvolvimento.

Apesar de largamente difundido, enquanto conceito académico, político e operacional, as acepções do desenvolvimento são múltiplas e até menos claras hoje do que há alguns anos atrás. A sua polissemia radica na variedade de perspectivas e ideologias que lhe subjazem, o que, por um lado, demonstra a sua capacidade mobilizadora e, por outro, a sua flexibilidade ontológica e ideológica. A sua menor clareza conceptual na actualidade prende-se, precisamente, com as diferentes abordagens à questão do desenvolvimento. Se bem que essa diversidade o tenha enriquecido e aprofundado, em termos analíticos e normativos, gerou ao mesmo tempo discursos (e práticas) frequentemente controversos. Diversas circunstâncias e/ou fenómenos têm vindo a reforçar a pertinência de se debaterem os pressupostos, objectivos e métodos do desenvolvimento, com destaque para os seguintes elementos:

A informação científica acumulada, cada vez mais precisa e alarmante, que chama a atenção para a insustentabilidade ecológica dos modelos de desenvolvimento em uso, cujos sinais negativos são cada vez mais evidentes em várias áreas do mundo (e.g. efeito de estufa; alterações climáticas e degelo dos polos; poluição tóxica da atmosfera, rios, mares e subsolo; desflorestação; perda de biodiversidade; esgotamento de recursos naturais não renováveis).

O aumento das desigualdades económicas entre os países do Norte e do Sul, tendência, aliás, que acelerou nas últimas décadas, especialmente a partir de 1980, e que apenas foi atenuada pela emergência de classes médias na China e na Índia (Chang, 2002; Wade, 2004); a par do aprofundamento do fosso entre ricos e pobres em vários países ocidentais, inclusive nos que detêm uma tradição mais igualitária (Alemanha, Suécia e Dinamarca) (Cf. Stiglitz, 2013).

As crises (económica, social e política) que vários países europeus continuam a atravessar, suscitadas pela financeirização global e agravadas pelas respostas neoliberais (contrapartida dos “resgates” financeiros ou programas de ajuda condicional), que resituam geográfica, histórica e socialmente o problema do desenvolvimento (que deixa de ser visto como um problema exclusivo do Sul global).

Face a estas problemáticas globais, suscitadas, em grande medida, pelos modelos de desenvolvimento prosseguidos, é urgente analisar de que forma é que o estudo do(s) desenvolvimento(s) pode contribuir para identificar e ajudar a resolver os problemas e desafios actuais. Nesta medida, este artigo visa enquadrar criticamente algumas das principais vertentes do desenvolvimento do pós-Segunda Guerra Mundial. De modo a demarcar, histórica e politicamente, a evolução do conceito de desenvolvimento, este artigo é composto por três partes ou secções: 1) sob o título “Do desenvolvimento aos desenvolvimentos”, acompanha-se o percurso do desenvolvimento nas abordagens mainstream e analisam-se algumas das principais críticas que lhes foram dirigidas; 2) sob o título “Abordagens alternativas de desenvolvimento (ou de desenvolvimento alternativo)”, apresentam-se dois modelos deste tipo, que têm tido destaque na academia e em iniciativas e organizações de desenvolvimento (governamentais e não governamentais); 3) sob o título “Mainstream, alternativas e o pós(?)-desenvolvimento”, analisam-se algumas das dúvidas e propostas constantes da literatura do pós-desenvolvimento.

 

Do “desenvolvimento” aos “desenvolvimentos”

 

O desenvolvimento mainstream: do pós-Segunda Guerra Mundial à actualidade

A questão do desenvolvimento encontra-se, desde o início, estreitamente ligada ao projecto da modernidade ocidental. A crença oitocentista no progresso ilimitado da Razão, da Ciência e da Técnica, sob os auspícios do paradigma racionalista, individualista e antropocêntrico das Luzes, preparou o caminho para a afirmação do evolucionismo social no século XIX. Segundo Rist, aquele supõe:

que o progresso tem a mesma natureza que a história, que todas as nações percorrem o mesmo caminho e que nem todas caminham à mesma velocidade que a sociedade ocidental, pelo que esta lidera o processo, devido à maior dimensão da sua produção, ao papel dominante que a Razão nela exerce e à escala das suas descobertas científicas e tecnológicas (Rist, 2008, p. 40).

Assim, a “modernização” dos restantes países é entendida à imagem do Ocidente e, portanto, sinónimo de ocidentalização. Esta narrativa da superioridade ocidental e da sua missão “civilizadora” ou “modernizadora” está, precisamente, na base dos argumentos “filantrópicos” utilizados para justificar o colonialismo e, mais tarde, o desenvolvimentismo de meados do século XX[2].

É após a Segunda Guerra Mundial que o desenvolvimento se afirma definitivamente na arena política internacional, com o Plano Marshall e, simbolicamente, com o célebre Ponto 4 do discurso de Truman (1949). O cenário é já o de uma Guerra Fria a emergir, em que os EUA e a URSS procuram, cada um à sua maneira, impor uma agenda de transformação – capitalista e socialista, respectivamente – aos restantes países.

Na primeira geração[3] do desenvolvimento mainstream (ca. 1945-1970), a leitura prevalecente é a de que o desenvolvimento se dá somente através do impulso do crescimento económico, tornando-se frequentemente seu sinónimo (Cf. Amaro, 2004). Por sua vez, o crescimento económico dá-se por via da industrialização que requer, em primeiro lugar, acumulação de capital, especialmente em contextos de excesso de oferta em mão-de-obra[4] (Meier, 2005).

As interpretações estruturalistas da época requeriam, pois, independentemente dos modelos seguidos (sectores duais de Lewis; big push de Rosenstein-Rodan; etapas do crescimento de Rostow; industrialização por substituição de importações, na hipótese de Prebisch-Singer, etc.), uma forte intervenção estatal, em contextos onde as falhas de mercado eram abundantes (Cf. Meier, 2001)[5].

Contudo, ergueram-se várias críticas às falhas de Estado, entretanto reportadas na sequência dos programas e planos intervencionistas, especialmente em relação às distorções de preços por eles provocadas (Meier, 2001; Chang, 2002). Dá-se então o ressurgimento da economia neoclássica, através de Friedman e dos “Chicago Boys”, num contexto político, social e económico marcado pelo fim do sistema de Bretton Woods, pelos choques petrolíferos de 1973 e 1979-1980 e pela transição do sistema de produção fordista para o pós-fordismo.

Esta segunda geração de políticas, de afirmação da microeconomia e da “mão invisível” do mercado, é orientada agora para a industrialização induzida por exportações. Este tornar-se-á o paradigma dominante nas abordagens ao desenvolvimento até à actualidade, embora apresentando (mais recentemente) algumas variantes e um maior hibridismo. A neoliberalização das economias mundiais, através da “estabilização” e dos “ajustamentos estruturais”, ou o que ficou conhecido como o receituário do “Consenso de Washington” (Williamson, 1994), promoveu, entre outras coisas, a desregulação financeira e económica e a privatização das empresas públicas, como resposta para os desafios do desenvolvimento.

Esta lista de prescrições para reformas, do tipo “one size fits all, foi implementada através das condições impostas pela assistência financeira do FMI (sobretudo em países africanos e sul-americanos) e pelos programas de ajustamento do Banco Mundial. Vários dos países receptores que foram alvo destas “terapias de choque” (e.g. Klein, 2007; Rodrik, 2002) como, por exemplo, a Rússia e outras ex-repúblicas soviéticas, países da América do Sul e os “tigres asiáticos” (após a crise de 1997), sofreram processos de acumulação por despossessão (Harvey, 2005): desemprego e pobreza, perda de bens públicos, desigualdades galopantes, novas oligarquias e vários outros problemas sociais e políticos[6].

O desenvolvimento mainstream foi entretanto ampliado, primeiramente com os contributos dos modelos de crescimento endógeno, que atribuíam à questão do conhecimento (i.e. capital humano) um valor explicativo no modelo de crescimento económico de Solow[7].

Confirma-se, de seguida, uma terceira geração de políticas, impulsionada por preocupações com as estruturas institucionais – formais e informais (i.e.as “regras do jogo”) – que se supunha terem um impacto mais directo na performanceeconómica, conforme preconizado pela Nova Economia Institucional (especialmente a inspirada por North, 1991) (Cf. Meier, 2001)[8].

A incorporação de elementos institucionais no paradigma dominante abrangeu ainda os contributos de Putnam (1993) e da sua análise sobre a importância do capital social para os processos de desenvolvimento. As “comunidades cívicas”, que Putnam descreve, são constituídas por redes políticas e sociais (formalizadas ou não) de confiança que, horizontalmente organizadas, valorizam a reciprocidade, a solidariedade e favorecem a resolução colectiva da tragédia dos bens comuns. Por contraste, as “não cívicas” exibem comportamentos de free-riding, clientelismo e subalternidade (Putnam, 1993).

O reconhecimento da importância dos factores socioculturais na economia é assim subordinado às forças do mercado, potencial motivo, aliás, para este conceito ter sido adoptado como promotor retórico da participação da sociedade civil nos processos de desenvolvimento, por algumas instituições financeiras internacionais, designadamente o Banco Mundial (Cf. Hickey Mohan, 2004). Assimiladas estas tendências neo-institucionalistas, a temática da “boa governança” acabou por se afirmar no discurso desenvolvimentista da actualidade, num contexto plenamente pós-fordista, cuja reestruturação implica a promoção da competitividade e a retracção das despesas sociais. Neste contexto, justificam-se variadas formas de interacção, negociação, parcerias e co-governação, entre actores do Estado, mercado e sociedade civil (Cf. Mayer, 1994), mas a preocupação com a governança assenta primordialmente na sujeição e cumprimento dos desígnios do Estado mínimo, guardião das liberdades do mercado capitalista global, e na adopção, generalizada aos outros sectores (nomeadamente ao Estado), dos modelos e dos parâmetros e indicadores de gestão, típicos das empresas capitalistas.

Esta breve incursão pela evolução do pensamento desenvolvimentista dominante demonstra que, apesar de diferenças ideológicas e metodológicas entre a primeira, segunda e terceira geração de políticas e vias seguidas para o desenvolvimento, subsistiram diversas continuidades. Assinaladas por Amaro (2004) como os onze mitos do desenvolvimento, sublinham-se sobretudo os seguintes: economicismo, produtivismo, industrialismo, consumismo, racionalismo[9], antropocentrismo, etnocentrismo (eurocentrismo) e uniformismo. Foi, em larga medida, por reacção a vários destes mitos e às suas aplicações, que variadas críticas e determinadas abordagens alternativas ganharam forma.

 

Críticas ao desenvolvimento mainstream e o surgimento do(s) desenvolvimento(s) alternativo(s)

As críticas dirigidas aos modelos de desenvolvimento atrás descritos – quer às versões estruturalistas e keynesianas, quer às versões microeconómicas e tendencialmente neoliberais – elencam argumentos de ordem económica, social, política, ambiental, cultural e metodológica, muitas das vezes fundindo várias destas dimensões nas suas perspectivas e propostas.

As suas origens foram diversas, geográfica e sociopoliticamente, surgindo das vozes de intelectuais, de movimentos sociais e de organizações ou instituições de desenvolvimento, tanto dos países do Norte como do Sul. Outro aspecto ainda a considerar é a profundidade e radicalidade das críticas, algumas de natureza sistémica e revolucionária, outras tendencialmente mais tópicas (i.e. focando apenas determinados aspectos do sistema capitalista) e de âmbito reformista. Apontam-se de seguida algumas das correntes, por vezes confluentes, que fundamentaram a emergência de propostas de alternativas de desenvolvimento ou de desenvolvimento alternativo.

Uma das principais e precursoras críticas ao desenvolvimento dominante foi a escola da teoria da dependência, que surgiu na segunda metade da década de 1960 na América Latina, e que se estendeu, entretanto, a várias outras regiões do Sul global. Apesar das variantes ideológicas e metodológicas internas, refutava essencialmente a tese de que o “subdesenvolvimento” significa a ausência de desenvolvimento, conforme preconizavam as teorias da modernização.

Pelo contrário, defendiam que o subdesenvolvimento era a outra face da mesma moeda, i.e. do mesmo processo económico[10], o qual agravaria o “desenvolvimento do subdesenvolvimento” (Frank, 1970). Mesmo num contexto de descolonização europeia, as possibilidades de desenvolvimento dos países periféricos eram vistas como sendo limitadas, porquanto assentavam nos moldes capitalistas que obedeciam a um esquema hegemónico de grupos económicos e países centrais (Cf. Santos, 2008). Apesar das óbvias críticas ao capitalismo, esta escola não deixa de ser economicista na sua análise, em parte devido à forte influência do pensamento marxista entre os seus teorizadores.

As suas propostas analíticas e políticas reivindicavam a libertação do jugo imperialista do capitalismo e o direito a um desenvolvimento definido autonomamente, embora empenhado no diálogo Sul-Sul e Sul-Norte. Algumas das influências marcantes desta corrente foi a constituição do Movimento dos Não Alinhados, a tentativa (frustrada) de estabelecimento de uma Nova Ordem Económica Mundial, a Teologia da Libertação e, até certo ponto, as teorias do Sistema-Mundo (Santos, 2008).

Outro aspecto que mereceu ampla condenação foi a abordagem (tecno)burocrática e neocolonialista ao desenvolvimento. Planeados frequentemente de forma centralizada em países do Norte e exportados para o Sul, os programas e projectos de desenvolvimento tinham como pressuposto a agenda política, económica e cultural dos países ocidentais.

A ausência de participação dos “receptores da ajuda” no planeamento do desenvolvimento manifestava-se como uma nova forma de opressão e colonização dos povos, vistos como “subdesenvolvidos”, que veriam as suas culturas e formas de organização política e social alienadas pela imposição do capitalismo e outros quadros ocidentais. Entre as vozes mais corrosivas encontra-se Paulo Freire e a sua “pedagogia do oprimido” (1994), assim como de vários teólogos da libertação, como Leonardo Boff, Clóvis Boff e Carlos Mesters, entre outros.

No terreno, as metodologias de intervenção revelavam-se inapropriadas, ineficientes e ineficazes, o que levou vários actores organizacionais (técnicos de desenvolvimento) a questionarem os métodos que tinham aprendido e procurarem novas soluções, mais participativas e ajustadas à diversidade cultural com que se deparavam (Cf. Amaro, 2004; Silva, 1962; Uphoff, Cohen Goldsmith, 1979). Estes questionamentos, conjugados com as teorias da dependência e com o paradigma territorialista que emergiria entretanto, suscitaram as linhas do desenvolvimento comunitário e local e o desenvolvimento participativo.

Outra crítica fundamental radica na tomada de consciência dos “limites ao crescimento”, reconhecida e divulgada pelo Clube de Roma (1972), no mesmo ano em que a ONU organizara a Conferência de Estocolmo, na qual promulgara diversos princípios normativos, que visavam harmonizar os objectivos do desenvolvimento económico com os da sustentabilidade ambiental.

A esta crítica alia-se também o movimento ecologista crescente nesta época, que reclama uma economia diferente, por vezes formulada através do acrónimo SHE (Sane, Humane, Ecological), por oposição à economia do tipo HE (Hyper-Expansion), orientada para o industrialismo e o crescimento infinito (Vincent, 1995). A óptica redutora que analisa o desenvolvimento como um processo unidimensional (estritamente económico) é outro dos aspectos que mereceu mais denúncias. Isso promoveu um diálogo entre diversas organizações internacionais (sediadas em Nova Iorque – ONU e OIT, principalmente) e académicos, começando a desenhar-se propostas de um desenvolvimento orientado para as pessoas, ou people-centred.

Esta crítica contraria a lógica do desenvolvimento (económico) como fim em si e, portanto, mensurável a partir do crescimento (PIB agregado ou per capita, factor de produtividade total, etc.). Em contrapartida, postula o desenvolvimento enquanto processo multidimensional, cujo objectivo seria a satisfação das “necessidades” do Homem (visão inspirada pela famosa pirâmide de Maslow), ou ainda, noutra formulação, a expansão das liberdades e direitos para realização do seu potencial (Cf. Sen, 1999). Esta última proposta – capabilities approach – tem sido a seguida pela ONU nos seus Relatórios de Desenvolvimento Humano, desde o princípio da década de 1990.

Estas perspectivas contribuíram para o que se veio a designar por desenvolvimento humano e desenvolvimento social, abordagens que não colocam em causa o sistema capitalista, mas antes defendem um quadro normativo e político que garanta determinados direitos sociais.

Várias outras vozes insurgiram-se contra os modelos de desenvolvimento (capitalista) e estão espelhadas hoje em muitos dos movimentos sociais altermundialistas, que intervêm na arena política global e que não foram aqui referidos. Contam-se, entre eles, movimentos sociais urbanos, movimentos feministas, movimentos de povos indígenas (sendo o Movimento/Exército Zapatista um dos seus mais conhecidos exemplos), movimentos de sem terra, movimentos de transição e de ecologia profunda, movimentos de economias alternativas (e.g. economia social e solidária), movimentos anarquistas e de democracia radical, Indignados e Occupiers, entre outros.

Todas estas críticas, de maneiras diferenciadas, é certo, contribuíram para resituar as questões do desenvolvimento, no global e no local (ou glocal[11]). O diálogo entre várias das ideias e actores atrás mencionados enriqueceu o conteúdo e as propostas que foram sendo formuladas para reabilitar o conceito e as práticas do desenvolvimento. Apresentar-se-ão de seguida duas das propostas atrás referidas.

 

Abordagens alternativas de desenvolvimento (ou de desenvolvimento alternativo)

 

O desenvolvimento comunitário e o desenvolvimento local

As raízes do desenvolvimento comunitário são associadas a abordagens muito distintas, nomeadamente aos projectos de desenvolvimento colonialistas (Fragoso, 2005b; Pieterse, 2010) e às lógicas participativas da Era Progressista nos EUA do princípio do século XX, da qual John Dewey é um dos seus principais exemplos (Cf. Nunes, 2010; Hoffman, 2012).

Apesar destas origens (contraditórias), o desenvolvimento comunitário é institucionalmente atribuído à ONU e à sua proposta de definição de 1955:

o método do desenvolvimento comunitário pode ser definido como um processo tendente a criar condições de progresso económico e social para toda a comunidade com a participação activa da sua população e a partir da sua iniciativa (Silva, 1962, p. 32).

Em termos práticos, o desenvolvimento comunitário é um método orientado para identificar as necessidades sentidas por uma determinada população, a qual é envolvida desde o diagnóstico, à prospecção dos recursos locais e possíveis soluções e avaliação final do processo. Pressupõe-se, igualmente, uma visão integrada (i.e. multidisciplinar) dos problemas e um ritmo de transformação idiossincrático em cada comunidade (Cf. Silva, 1962).

Pelo facto de privilegiar as perspectivas das comunidades[12], sobretudo das que vivem em “regiões-problema” (Cf. Silva, 1962), e o seu envolvimento activo na identificação e resolução dos problemas colectivos, identifica-se uma tensão nos processos do desenvolvimento comunitário. Ela consiste nas ambiguidades entre a sua missão radical e conservadora, porque em teoria promove o poder de decisão dos actores locais (ou o seu empowerment[13]), mas na prática raramente altera a distribuição de poder local e o statu quo (Cf. Fragoso, 2005b, p. 24).

Esse aspecto crítico da participação comunitária é referido por diversos motivos. Alguns autores sugerem a frequente limitação da participação às formas de informação e consulta e/ou à vertente técnica do projecto (operacionalização), quando as decisões programáticas mais importantes já foram tomadas (Cf. Bliss Neumann, 2008, p. 56). Outros alegam a colonização das ideias radicais e emancipatórias da participação, associando-lhe a estrita função de ser uma “rede de segurança” de programas neoliberais, para manter a pobreza dentro de limites sociais razoáveis” (Rahman, 2004, p. 28). Outros ainda chamam a atenção para os perigos da “facipulation, por meio da qual os supostos técnicos facilitadores das dinâmicas participativas manipulam o processo (Cf. Hogan, 2007, p. 90).

Em parte devido a estas fragilidades, alguns autores optam por diferenciar o desenvolvimento comunitário da acção comunitária e da organização comunitária, para distinguir os processos que são impulsionados e liderados pelo Estado ou outras instituições públicas (top-down), dos que surgem espontaneamente ou se autonomizam e emancipam desde a base (bottom-up) (Cf. Fragoso, 2005b, p. 32).

Entretanto, a emergência do paradigma territorialista em finais da década de 1970 deu alento a uma outra proposta de desenvolvimento alternativo[14], comummente designado por desenvolvimento local ou desenvolvimento endógeno. O que se revelou mais inovador naquela abordagem foi o facto de ter identificado os efeitos negativos da lógica economicista e dos modelos de desenvolvimento económico fordista e (embrionariamente) pós-fordista na escala dos territórios infra-nacionais[15].

Tratava-se da refutação dos custos e efeitos centrípetos das dinâmicas espontâneas do mercado e/ou das políticas de natureza funcionalista (top-down), na abordagem espacial do desenvolvimento. As assimetrias socioespaciais daí resultantes, acentuadas pela globalização e seus novos padrões de (des)localização, traduziam-se na polarização do acesso a emprego, infraestruturas, equipamentos e serviços (Amaro, 1991). Ou seja, sucedia o contrário do preconizado pelas teses que sustentavam que a concentração espacial da economia produtiva iria “arrastar” as restantes regiões para o desenvolvimento (Amaro, 1991; Pecqueur, 1989).

O desenvolvimento local exprime o processo em que comunidades ou grupos locais, perante ameaças e problemas provocados pelos “desafios globais”, organizam “respostas locais”, ou seja, mobilizam as suas solidariedades e desejo de “autonomia” como “capacidade de reacção à pressão heterónoma” (Pecqueur, 1989, p. 60). Propõe uma abordagem descentralizada ao desenvolvimento (bottom-up), a partir dos territórios (social e culturalmente diferenciados entre si), deixando de ser meramente “receptores da industrialização, mas podendo, pelo contrário, transformar as estratégias de descentralização em estratégias reticulares estruturadas localmente” (Reis, 1992, como citado em Fragoso, 2005b, p. 29). Apesar das diferenças genealógicas, ao nível da história e teorias do desenvolvimento comunitário e do desenvolvimento local, este acabou por incorporar vários dos métodos do primeiro e, actualmente, os conceitos são frequentemente (con)fundidos (Cf. Fragoso, 2005a).

Em suma, o desenvolvimento comunitário/local assenta em processos de mudança protagonizados por actores locais, com vista a melhorar as suas condições de vida e valorizar os recursos locais, através da sua mobilização e participação, de uma visão integrada dos problemas ou desafios, e com o apoio de parcerias locais e exógenas (Cf. Amaro, 2009b; Amaro/BIT, 2003; Fragoso, 2005a e 2005b; Pecqueur, 1989; Silva, 1962). A necessidade de adaptação às culturas e às tradições é um dos aspectos que mais tem preocupado os intelectuais e activistas do desenvolvimento local de países do Sul, que têm procurado articular esses processos de mudança à luz de práticas interculturais (Hogan, 2007; Panikkar et al., 1984).

A disseminação do desenvolvimento e a sua apropriação institucional[16] dá-se principalmente a partir de meados da década de 1990 e associa-se à necessidade de encontrar respostas inovadoras para a resolução dos problemas de desemprego, pobreza e exclusão social e de agravamento das desigualdades, provocados pela sucessão de crises nos anos de 1970 e 1980 e pelos efeitos do neoliberalismo.

Mais recentemente, a crise de 2008 suscitou uma revitalização política do conceito, através do Relatório Barca (Barca, 2009), o qual veio reforçar a importância de políticas públicas sensíveis à dimensão territorial, com o objectivo de conciliar a eficiência económica e a coesão social. Face à complexidade inerente a vários dos “subprocessos” que constam na definição do desenvolvimento comunitário/local atrás enunciada, convém sublinhar a existência de diferentes tipos de desenvolvimento endógeno, o que leva vários autores a “desconfiarem” dele (Cf. Fragoso, 2005b, p. 31).

Daí que seja útil analisar criticamente tais processos à luz dos objectivos perseguidos, os quais variam consoante: as ideologias que os inspiram e as características culturais e assimetrias sócio-territoriais verificadas no diagnóstico inicial; as estratégias de implementação adoptadas; as relações entre o Estado central e local (ou serviços públicos), os actores económicos locais e as comunidades (ou sociedade civil); as relações no seio da própria comunidade, o que implica não somente a questão da participação democrática, mas também das lideranças locais, da sua capacidade de inovação e solidariedade colectiva; e da retroactividade entre as distintas escalas sociogeográficas (desde o global ao local e vice-versa), o que apela à problemática da governança multi-escalar e não apenas local[17].

 

O desenvolvimento sustentável

O desenvolvimento sustentável surge intimamente relacionado com a preocupação gerada pelos impactos que a intervenção do Homem tem na Natureza. Apesar da história fértil em diversos movimentos sociais que articulavam essa preocupação[18], é especialmente a partir da publicação de Limits to Growth (Meadows et al., 1972)[19] que a problemática começa a adquirir destaque científico e político.

A Conferência de Estocolmo (1972) procurou, pela primeira vez na história, unir os Estados-membros das Nações Unidas nesse debate. A partir desse encontro ressaltou um conceito que pode ser considerado precursor do desenvolvimento sustentável – o ecodesenvolvimento, que visa a articulação entre crescimento económico e sustentabilidade ambiental[20].

A deliberação final de Estocolmo exprimia, assim, a necessidade de “qualidade ambiental para garantir o desenvolvimento futuro”, mas a julgar pelas soluções advogadas – mais industrialização no Sul, desindustrialização no Norte – traduzia-se na continuidade da aposta no crescimento económico, especialmente nos países do Sul. Daí que, no confronto entre os “cornucopians” e os “doomsayers”, os primeiros – munidos do “optimismo epistemológico” relativamente à técnica e ao progresso – tenham saído vencedores, de acordo com Sachs (2002, p. 50)[21]. Apesar da crescente consciência pública relativamente às questões ambientais, em parte devido à expansão e criatividade dos novos movimentos sociais ecologistas, os anos seguintes mantiveram-se, em grande medida, sob essa perspectiva optimista em relação ao futuro.

O conceito de “desenvolvimento sustentável” propriamente dito é habitualmente atribuído ao Relatório Our Common Future, elaborado pela Comissão de Brundtland (CMAD - Comissão Mundial de Ambiente e Desenvolvimento), em 1987[22]. Segundo a Comissão de Brundtland (1987, p. 8), o desenvolvimento sustentável é aquele que “satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem igualmente as suas necessidades”. Esta perspectiva tornou-se um marco de referência do desenvolvimento sustentável, porque promove a ideia de solidariedade intergeracional, o que constitui uma inovação conceptual e jurídica[23]. Contudo, não é isenta de aspectos críticos.

Rist argumenta que as “limitações necessárias” para um desenvolvimento sustentável expressas no Relatório são relaxadas, ao promover-se uma nova “era de crescimento económico”, sem esclarecer de que forma esse crescimento se diferencia daquele que coloca em causa a sustentabilidade ambiental (Cf. Rist, 2008, p. 182).

A ideia de promoção de equidade no presente, assente no discurso do Relatório contra a “pobreza endémica” e na garantia das “aspirações a uma vida melhor para todos” é analítica e politicamente negligenciada, na medida em que não se discutem os processos que provocam a pobreza e que ameaçam a justiça social.

A perspectiva do Relatório de Brundtland foca a questão da sustentabilidade com um quadro utilitarista, i.e. focado nas vantagens económicas que a manipulação da Natureza pode fornecer. Esta perspectiva aposta no desenvolvimento económico e tecnológico para promover o exercício de “gestão eficiente” do meio ambiente. Para Sachs, o Relatório conseguiu inverter a óptica de conservação da natureza que se vinha construindo para uma de conservação do crescimento (Cf. Sachs, 1996, p. 22).

Cinco anos depois do Relatório, várias propostas resultaram da Cimeira da Terra, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Este evento foi, porventura, o maior catalisador do reconhecimento político e social do desenvolvimento sustentável, ao ter instituído várias declarações de princípios e tratados internacionais, como a Agenda 21, a Convenção das Alterações Climáticas e a Convenção da Diversidade Biológica.

No entanto, a fractura entre as preocupações contraditórias do Norte e do Sul, que já tinha sido identificada em Estocolmo, ficou espelhada, novamente, na Conferência do Rio. Enquanto determinados países do Norte (essencialmente europeus) pressionavam no sentido da preservação ambiental, os países do Sul advogavam o direito ao crescimento económico para contrariar a pobreza (Cf. Sachs, 1996; Egelston, 2013). Porém, mesmo entre os países do Norte, as preocupações ambientais não eram unânimes, nem levadas às últimas consequências.

Por exemplo: as questões do consumo (assunto sensível para os países mais industrializados) foram elididas da Agenda 21 (Egelston, 2013); a assistência financeira Norte-Sul para apoio na transição para a sustentabilidade foi deixada discricionariamente a cargo do Banco Mundial; a compensação dos países do Norte pela destruição ambiental provocada pelos processos de intensa industrialização permaneceu sempre polémica e indefinida (Cf. Sachs, 1996); e, apesar do conjunto de prescrições e acordos resultantes ou sucessores da Cimeira, a sua ratificação e implementação ficou sujeita ao arbítrio dos governos nacionais[24].

Ao longo da década seguinte, já em plena consolidação da hegemonia norte-americana e de “fim da História”, assistiu-se à progressiva erosão da soberania do Estado-nação, à desregulação económica e à retracção do “welfare state”.

A sustentabilidade ambiental acabou por ser igualmente incorporada nos modelos neoclássicos do crescimento económico, a par do pioneiro capital físico, do capital humano e, posteriormente, do capital social[25], e ainda mais tarde do capital natural. O uso (mais ou menos intensivo) do capital natural passou a ser equacionado juntamente com as restantes variáveis, por forma a gerar o output económico mais eficiente.

Neste contexto, não é de estranhar que se tenha mercantilizado cada vez mais o meio ambiente e que os Estados e instituições internacionais tenham optado por relegar para o mercado alguns problemas ambientais, numa lógica de “internalização das externalidades”. Muitas empresas foram-se assim adaptando às oportunidades de mercado abertas pelo discurso da “sustentabilidade”, incorporando-a nas estratégias de marketing e em algumas das suas práticas[26]. As abordagens “triple bottom line” (ou dos 3 Ps: “people, planet and profits”) começaram a instalar-se no sector privado lucrativo[27].

A Conferência de Joanesburgo (Rio+10) explicita, em grande medida, o acolhimento deste novo modelo. Sinal disso é a ênfase atribuída às Parcerias do Tipo 2, que previam a partilha de responsabilidades ambientais com empresas[28] e organizações não governamentais, para além da adopção selectiva da Agenda 21, por parte de vários Estados-membros (Cf. Egelston, 2013, pp. 18-19; Latouche, 2003).

A Declaração final da Conferência abraça aqueles três “pilares do desenvolvimento sustentável – desenvolvimento económico, desenvolvimento social e protecção ambiental” (United Nations, 2002). O discurso “criativamente ambíguo” (Cf. Blewitt, 2008, p. 52) que integra, uma vez mais, estes três vectores na abordagem à sustentabilidade, é sinal de um (aparente) consenso político-institucional, que visa conciliar crescimento económico e a globalização financeira com justiça social e ambiental intergeracional.

Contudo, permanece por definir de que forma se conseguirá atingir essa quadratura do círculo. Três perspectivas parecem estar em confronto actualmente. Uma delas, apelidada por Sachs (1996) como a “perspectiva da fortaleza”[29], parte da visão de que os recursos naturais são finitos, mas que o crescimento económico alavanca a descoberta de novas tecnologias que, por sua vez, permitirão a contínua progressão do desenvolvimento económico.

Neste discurso, “o Sul é a arena de ajustamento ambiental”, tanto do ponto de vista demográfico como industrial. O seu crescimento populacional deve ser contido, para travar as grandes vagas de imigração para o Norte. E os problemas ambientais por elas provocados devem ser resolvidos com mais capital, expertisetécnica, tecnologia e crescimento económico. As negociações internacionais, neste quadro, passam então a centrar-se mais na redistribuição dos riscos[30] (e nas reduções de emissões) do que na redistribuição da riqueza.

Outra das abordagens descrita por Sachs (1996) consiste na “perspectiva do astronauta”. Ao contrário da perspectiva de tendência securitária e tecno-fetichista atrás referida, a abordagem do astronauta reconhece os limites ecológicos como um problema efectivamente global que, por isso, requer soluções de gestão globais. Propõe, assim, a cooperação global, através de acordos multilaterais entre o Norte e o Sul, para enfrentar os desafios da crise da natureza, sem negligenciar a crise da justiça (social).

Esta posição contrapõe à “exploração máxima da natureza da era dourada do industrialismo, a exploração optimizada da natureza”, através da “revolução da eficiência”. A ideia fundamental é “desacoplar o crescimento económico do aumento do consumo dos recursos naturais” e promover uma espécie de Plano Marshall à escala mundial, para favorecer a integração económica dos países do Sul (Sachs, 1996, p. 30).

A aposta na “economia verde” é uma das faces visíveis desse discurso, bastante “saliente” na Declaração da Conferência Rio+20 (2012)[31]. Note-se, porém, que, nesse documento, foi sempre complementada com a expressão “no contexto de desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza”, o que expressa bem o receio dos países do Sul, de que a formulação isolada de “economia verde” pudesse negligenciar o papel do pilar social na agenda de compromissos da ONU[32] (Cf. Drezhage Murphy, 2010).

Uma terceira abordagem é a “perspectiva de casa”, que une comunidades e movimentos sociais do Sul e do Norte contra o modelo de desenvolvimento capitalista global. Nesta perspectiva, é o Norte que deve sofrer um ajustamento ambiental, para reduzir a sua pegada ecológica. Esta corrente refuta a ideia de redistribuição do desenvolvimento convencional, como forma de enfrentar a crise da justiça e a crise da natureza, porque considera que ambas as crises são o resultado desse mesmo desenvolvimento.

Face aos limites da sustentabilidade ecológica[33], o enfoque deste discurso é na suficiência e não na eficiência, porque considera que os efeitos positivos da poupança de recursos por via da maior eficiência energética serão rapidamente cancelados pelo aumento dos recursos consumidos, se os ritmos de crescimento não abrandarem. Por outras palavras, uma “revolução da eficiência” não vale de nada, se não for acompanhada por uma “revolução da suficiência” (Cf. Sachs, 1996, p. 33).

A perspectiva da “fortaleza” aposta no modelo de desenvolvimento mainstream, ancorado no crescimento e na eficiência económica, e assume a natureza como mais uma forma de capital, cuja exploração deve ser realizada à luz do custo-benefício (económico). A visão do “astronauta” parte da imagem do planeta global, e postula um desenvolvimento ambiental e socialmente mais sustentável, a partir da responsabilidade partilhada entre o Norte e o Sul na governação e redistribuição global, concretizada através de um crescimento menos nocivo para o ambiente. A perspectiva de “casa”, por sua vez, centra-se no bem-estar das comunidades locais, que, tanto no Sul como no Norte, vêem a sua autonomia sociopolítica e qualidade de vida ameaçadas pelos modelos de desenvolvimento expansionistas. O objectivo é, por isso, encontrar alternativas políticas e económicas a esse desenvolvimento. Tal implica a dupla missão de se racionalizarem os meios (produção) e moderarem os fins (consumo), apostando em economias locais descentralizadas e não mais orientadas para a acumulação (Cf. Sachs, 1999).

A partir desta sistematização de discursos que Sachs apresenta, constata-se que, apesar das várias tentativas de gestão multilateral da (in)sustentabilidade ambiental, a perspectiva do “astronauta” não tem logrado atingir muitos dos seus objectivos. Ao longo das últimas décadas acumularam-se falhas na concretização de muitos dos compromissos assumidos pelos governos nacionais e tornaram-se mais visíveis as vulnerabilidades da ONU, enquanto instituição que auspiciava ser um modelo de governação e regulação global.

A realpolitik dos poderes económicos e financeiros globais tem tido a última palavra na problemática do desenvolvimento sustentável, como se depreende pelas soluções promovidas – cada vez menos ambiciosas e, ainda assim, muitas vezes não cumpridas (Cf. Munasinghe, 2014). Apesar do extenso quadro normativo produzido nas últimas décadas, as estratégias prosseguidas de facto para resolução da “tragédia dos comuns globais” não têm tido sucesso em inverter, ou sequer controlar, os níveis de pressão ambiental antropogénica e as assimetrias na distribuição da riqueza mundial.

Quarenta anos volvidos da Conferência de Estocolmo e de Limites do Cresci-mento, é possível identificar que a pegada ecológica global teria sido ainda mais drástica, caso as populações do Sul tivessem melhorado o seu acesso ao consumo. Isso significa que o aumento do fosso entre ricos e pobres e a persistência da pobreza em vários pontos do mundo acabou por ser tristemente uma “válvula de segurança para salvaguarda de muitos dos recursos naturais não renováveis” (Simmons, 2000, p. 16).

Apesar da nota pessimista, há que ressalvar alguns aspectos positivos:
1) O problema da sustentabilidade ambiental está hoje definitivamente mais presente na consciência colectiva; 2) Essa consciência pode resultar em transformações nos comportamentos de consumo e, em última análise, influenciar as políticas (inter)nacionais; 3) Alguns (poucos) países, tanto do Norte como do Sul, têm mostrado que é possível melhorar significativamente a performance ambiental, através de políticas inovadoras e adaptadas para a promoção da resiliência ecológica das populações, dos outros seres vivos e dos ecossistemas[34]; 4) Sem se descair para o optimismo cândido, algumas das tecnologias disponíveis actualmente (e.g. recursos energéticos renováveis) e outras que entretanto surgirão, podem traduzir-se em reduções de emissões de carbono significativas, se forem devidamente redistribuídas ao nível global; 5) As métricas utilizadas para aferir a sustentabilidade (económica, social e ambiental) são hoje mais finas do que há alguns anos atrás, apesar do pendor todavia economicista das instituições financeiras internacionais (e.g. FMI, Banco Mundial); 6) Vários movimentos sociais continuam a emergir na arena global, unindo povos do Sul e do Norte, rurais e urbanos, em diálogos e práticas económica e politicamente alternativas que podem, através das vias abertas pela globalização, conectar-se e expandir (e.g. Economia Social e Solidária, Ecologia Profunda, Movimentos de Decrescimento ou de Transição, etc.); 7) O papel dos movimentos sociais e das organizações não governamentais em influenciar os discursos e agendas políticas de instituições como a ONU e alguns governos nacionais não é negligenciável (Cf. Rist, 2008; Egelston, 2013), o que fornece indícios de que lentamente se pode estar a ampliar o paradigma de governação para albergar, não apenas o lobbying tradicional dos interesses económicos, mas também a influência e actuação políticas dos cidadãos.

Na sequência destes variados aspectos, pode afirmar-se que têm faltado, pelo menos, dois factores fundamentais para a construção de um modelo de desenvolvimento (mais) sustentável. Por um lado, a dimensão político-institucional, que articula o consenso forjado pelos diferentes actores e que o traduz na operacionalização dos processos de mudança. Por outro lado, a transição da lógica económica de crescimento exponencial (economia de cowboy[35]) para uma lógica de steady state ou orientada para o estado estacionário que Stuart Mill (1848) propusera (economia de nave espacial[36]) (Cf. Soromenho-Marques, 1998).

Tem-se, assim, não um triângulo de desenvolvimento sustentável, baseado nas dimensões económica, social e ambiental, mas sim um quadrado, que inclui os actores político-institucionais como agentes de transformação paradigmática (Soromenho-Marques, 1998, p. 12). Por outro lado, ao atribuir-se igual peso a cada um dos vértices, está-se a ignorar a natureza sinérgica da combinação de dimensões nesse modelo (Soromenho-Marques, 1998, p. 12).

Note-se, ainda, que a concepção de equal footing no desenvolvimento sustentável concede o mesmo valor à dimensão mercantil, à dimensão democrática e às dimensões teleológicas (de justiça ambiental e social), o que é, no mínimo, incoerente. Apenas com uma regulação política eficaz é que os princípios orientadores da economia de mercado (acumulação e lucro) podem ser refreados, e/ou moldados para um outro modelo de desenvolvimento, social e ambientalmente mais justo.

Por sua vez, as perspectivas de uma regulação/intervenção pública eficaz só podem ser bem sucedidas se catalisadas a partir da participação activa dos cidadãos na política local e nacional, o que implicará, provavelmente, um modelo de governança diferente (ou complementar) à democracia representativa liberal, que se mantém numa lógica vestefaliana de razão de Estado, frequentemente subordinada à “razão de mercado”.

 

Mainstream, alternativas e o pós(?)-desenvolvimento

A arrumação das correntes de desenvolvimento sob os rótulos de mainstream e alternativos é, embora generalizada em várias instâncias, largamente inadequada face à realidade actual. Pieterse (1998) chama (e bem) a atenção de que, o que se encontrava nitidamente separado na década de 1980, foi sendo misturado ao longo da década seguinte. Algumas das principais preocupações dos modelos que se agruparam como parte de um movimento de desenvolvimento alternativo (as culturas e comunidades locais, a descentralização e a participação bottom-up, a sustentabilidade ecológica, etc.) foram frequentemente incorporadas nos discursos desenvolvimentistas dominantes (assentes no positivismo do crescimento económico).

Na opinião de Pieterse (1998, p. 360), “o grande hiato não ocorre hoje entre o desenvolvimento mainstream e o desenvolvimento alternativo, mas entre o próprio desenvolvimento mainstream”, que se estende “desde os modelos instituídos das instituições de Bretton Woods até ao empowerment das comunidades locais”. Neste sentido, a “alternativa” é conjuntural, porque o que era “alternativo” ontem é cooptado e normalizado pelo mainstream, tornando-se... o mainstream de hoje.

Há, contudo, diferenças substanciais entre o desenvolvimento proposto pelo FMI e pelo Banco Mundial (embora este tenha sido mais permeado pelas críticas que lhe foram dirigidas) e os “desenvolvimentos” que a ONU promove – sustentável e humano. E há, sem sombra de dúvida, uma enorme heterogeneidade nas iniciativas de desenvolvimento locais, promovidas por organizações não governamentais (grassroots ou internacionais), o que leva a crer que faz sentido continuar a utilizar adjectivos para diferenciar as worldviews, abordagens e métodos que dão corpo à teoria e à acção do(s) desenvolvimento(s) alternativo(s).

Contudo, para além das abordagens que refutaram o desenvolvimento mainstreame que propuseram deslocar a ênfase do desenvolvimento para outras dimensões que não as do imperativo economicista (e.g. desenvolvimento comunitário/local; participativo; sustentável; humano; social; integrado, etc.), há uma corrente crítica que refuta todo o projecto de desenvolvimento.

De inspiração pós-estruturalista (essencialmente foucauldiana), advoga o pós-desenvolvimento, não apenas devido ao fracasso do desenvolvimento do pós-guerra, mas também, e talvez, sobretudo, devido às premissas que o fundamentam.

Sachs (1990) apela a uma “arqueologia da ideia de desenvolvimento”, “um conceito cheio de vazio [...], mas que não é erradicável porque a sua difusão aparenta ser benigna”. Nos pilares do desenvolvimento está o binómio desenvolvido-subdesenvolvido, taxonomia encontrada pelo Ocidente para definir a linha evolucionista do desenvolvimento e garantir a sua posição privilegiada (Cf. também Latouche, 2003; Panikkar et al., 1984; Rist, 2008). Através da objectivação eurocêntrica do que é a “boa vida” e o “bem-estar”, estabelecem-se os passos necessários para a modernização dos Outros, sob o pretexto de erradicação de pobreza e de libertação do “subdesenvolvimento”.

Esses passos envolvem a expansão da tecnocracia “iluminada” pelos modelos científicos de planeamento e a “gestão” das comunidades e da Natureza, que resulta na expansão das formas de domínio e controlo e na homogeneização cultural (Cf. Escobar, 2005; Panikkar et al., 1984; Sachs, 2010). A pobreza e a sustentabilidade ambiental são encaradas como problemas técnicos a serem ultrapassados com os devidos instrumentos da ciência e economia modernas, fazendo tábua rasa das culturas e conhecimentos locais.

Estas críticas estendem-se igualmente às abordagens que entretanto se posicionaram como alternativas ao desenvolvimento mainstream, que se identificam pelas várias “adjectivações” acima referidas, na medida em que procuram reabilitar e dar novo fôlego ao mesmo paradigma, i.e. procuram o mesmo objectivo por outros meios (Cf. Kippler, 2010; Latouche, 1987, 1995; Rahnema, 2007).

Para Latouche, os desenvolvimentos alternativos recaem em uma de duas situações: ora postulam a acumulação capitalista, acrescentando-lhe outras dimensões (e.g. justiça social, cultural, ecológica); ora promovem projectos anti-capitalistas ou anti-produtivistas, que nem por isso deixam de ter a marca da experiência modernista ocidental, com valores necessariamente distintos ou mesmo alheios a outras culturas, designadamente “o progresso, o universalismo, o domínio da Natureza, a racionalidade quantitativa, etc.” (Cf. Latouche, 1995, p. 27)[37].

Contra as críticas dirigidas ao pós-desenvolvimento, por não apresentar propostas alternativas ao desenvolvimento, ou mesmo promover o statu quo (Cf. Pieterse, 1998), os seus defensores alegam os contributos derivados da desconstrucção dos discursos dominantes, da desocultação de outros discursos (do Sul global) e do reconhecimento de outras formas de saber e de fazer, gerando conceitos e práticas mais eclécticas e pluralistas (Cf. Escobar, 2005).

As alternativas concretas emergem sobretudo a partir dos que são subalternos no “império global”, ou seja, novos movimentos sociais, comunidades ou indivíduos que são espacial, social, cultural e/ou politicamente marginalizados (Escobar, 2005). Propõem um outro imaginário sociopolítico, construído a partir das comunidades locais e consubstanciado em conhecimentos e práticas alternativas aos modelos exportados do Ocidente. Esse processo implica a repolitização dos problemas das comunidades e a promoção de respostas auto-determinadas (Cf. Escobar, 2005; Kippler, 2010). Por oposição à engenharia social do desenvolvimento imposto de fora por instituições financeiras e de desenvolvimento, burocracias estatais e ONGs rendidas à “nova gestão”[38], defendem formas de democracia radical ou participativa[39].

Dois exemplos de propostas que se enquadram na perspectiva do pós-desenvolvimento são o Sumak Kawsay e o Suma Qamaña. Estes conceitos similares, um de origem quechua e o outro aymara, respectivamente presentes no Equador e Bolívia e traduzidos por Buen Vivir (ou Vivir Bien), representam a boa vida ou a vida plena em comunidade, com os outros e com a Natureza. São, na verdade, utilizados como conceitos guarda-chuva, porque abarcam valores presentes em várias outras culturas indígenas da região andina e da restante América do Sul[40].

Há um conjunto essencial de características e orientações que são comuns a estas propostas. Em primeiro lugar, assentam em valores éticos que, em larga medida, extravasam os valores utilitaristas da economia ocidental e a tendencial mercantilização que daí advém. Nessa perspectiva, a Natureza deixa de ser considerada um objecto e passa a ser um sujeito e, como tal, a ter valor per se (e direitos próprios, no caso do Equador). Adopta-se um enquadramento de justiça ecológica, de raíz ecocêntrica, em que a justiça ambiental é sua subsidiária. O Homem deixa, por isso, de ser fonte única de valor, vontades e sentimentos e a polis é ampliada para reconhecer outras entidades legítimas (Acosta, 2012; Gudynas, 2011).

O Buen Vivir não se limita à satisfação de condições materiais para uma vida harmoniosa, mas também contempla dimensões emocionais e espirituais. O bem-estar que o Buen Vivir preconiza, transcende, em larga medida, os sentidos convencionalmente atribuídos ao bem-estar ocidental. Pressupõe uma “ética do suficiente”[41], em detrimento do consumismo e variadas formas de economia solidária por oposição ao capitalismo. Outro ponto importante é que, à semelhança de várias outras culturas (Cf. Panikkar et al., 1984), o Buen Vivir não postula uma progressão linear da História como a civilização ocidental, dado que várias direcções são possíveis (Acosta, 2012; Gudynas, 2011).

Por outro lado, estes posicionamentos não implicam uma ruptura radical com determinados progressos técnicos e conhecimentos que a modernidade proporcionou. Exigem, sim, uma nova formulação sociopolítica e cultural que assente no diálogo entre as perspectivas e contributos da pré-modernidade, da modernidade e da pós-modernidade (Acosta, 2012; Gudynas, 2011). Assume-se, então, como um projecto alternativo ao desenvolvimento mainstream, mas em diálogo com as perspectivas dissidentes que também emergem no Norte.

Na prática, o país em que o Buen Vivir mais evoluiu do ponto de vista político foi, também, aquele em que mais tem sido traído – o Equador. A intensa mobilização política das populações indígenas, fomentada pela campanha eleitoral de Rafael Correa em 2007, deu origem, após a sua eleição, a uma nova Constituição e na qual foram consagrados os princípios do Buen Vivir. Esta experiência foi pioneira, por ter sido um projecto pós-colonial de democracia participativa e por se ter oposto, durante um período, às pressões capitalistas e extractivistas que tinham dominado o país, à semelhança de outros no continente sul-americano (Cf. Acosta, 2012; González, 2013).

Contudo, “no Equador não se está a viver um processo de socialismo do século XXI, o que se vive é um extractivismo do século XXI”, segundo Acosta (2013)[42]. O “neoextractivismo” coloca em causa todo o projecto do Buen Vivir como alternativa contra-hegemónica.

Apesar do esvaziamento e descarrilamento político do Buen Vivir no Equador, a emergência destas perspectivas no continente sul-americano incentivou os debates sobre alternativas às filosofias e práticas de desenvolvimento ocidental. O facto de estas concepções originárias das comunidades periféricas da periferia global terem ganho tal projecção política e mediática é argumento suficiente para serem estudadas em profundidade.

Podem apontar para os erros que se foram acumulando com as várias tentativas de impor o progresso como única via, o capitalismo como única forma de economia e a democracia representativa liberal como único sistema político. Evidenciaram que há outras perspectivas para conceber uma “boa vida”, mais ecológicas, solidárias e pluralistas.

Ainda está por definir se o Buen Vivir terá sido cooptado permanentemente pelas mesmas lógicas de desenvolvimento que atiraram a América do Sul para uma posição subalterna no mercado mundial, desapropriando as comunidades locais das suas riquezas naturais e estilos de vida. No caso do Equador, parece que apenas um novo processo de mobilização política e mecanismos mais peremptórios de participação e controlo popular poderão inverter as mais recentes tentativas de colonização do Buen Vivir.

 

Conclusões

Este trabalho procurou identificar alguns dos principais traços conceptuais e políticos do desenvolvimento mainstream, do desenvolvimento alternativo (nas variantes comunitário/local e sustentável) e do pós-desenvolvimento. O roteiro apresentado permitiu clarificar algumas das tensões dialécticas que têm acompanhado a construção destas abordagens ao desenvolvimento.

A maior parte delas emergiu para colmatar falhas detectadas nos modelos de desenvolvimento dominantes, introduzindo novas perspectivas teóricas, dimensões normativas e, em alguns casos, métodos de intervenção. Ao mesmo tempo, a capacidade plástica de o desenvolvimento mainstream evoluir e incluir essas críticas no seu discurso tem sido notável, tornando-o hoje mais heterodoxo do que fora no passado.

Contudo, apesar dessa evolução, subsistem muitas diferenças nas abordagens, consoante os actores que promovem ou financiam o “desenvolvimento”. A lógica do Consenso de Washington continua a imperar nas instituições financeiras internacionais, a par da agenda de neoliberalização de vários governos nacionais e instituições de governança multilaterais (ou supranacionais, como a UE), conforme a crise de 2008 tem demonstrado na Europa.

A adopção de modelos de desenvolvimento alternativo tem sido mais ambígua, em parte porque as suas formulações também o são, permitindo distintas interpretações, mas sobretudo porque também dependem das agendas políticas dos principais promotores e das dinâmicas locais.

No caso dos processos de desenvolvimento comunitário/local, tanto podem favorecer processos de transformação que potenciam a inclusão social e a autonomia política das comunidades locais, como podem incorrer na manipulação dos participantes, ou ainda ter uma função meramente paliativa e assistencialista.

Em relação ao desenvolvimento sustentável observa-se uma amplitude idêntica de práticas, desde projectos que visam a promoção do equilíbrio ecológico através da participação dos cidadãos e intercâmbio de conhecimentos e saberes, a iniciativas que se resumem a novas formas de mercantilização da Natureza, ou a operações cosméticas que visam escamotear as fontes e processos que geram a insustentabilidade social e ambiental primordialmente.

As desilusões com o desenvolvimento levaram a que alguns autores prenunciassem o seu fim, advogando uma era pós-desenvolvimento, que se orientasse antes por objectivos auto-determinados pelos cidadãos, especialmente aqueles que têm sido mais marginalizados pelo próprio “desenvolvimento”.

Contudo, as alternativas ao desenvolvimento, como é o caso do Sumak Kawsay, podem também, na prática, tornar-se reféns de opções políticas contrárias aos seus princípios, reproduzindo as mesmas lógicas que motivaram a sua emergência como alternativa.

Com base nas tendências examinadas até agora e nos desafios sistémicos (i.e. ambientais, sociais, económicos, culturais e políticos) que o contexto actual (e o futuro previsível) apresenta, é possível identificar (pelo menos) quatro eixos que importa analisar, para situar qualquer uma das propostas de desenvolvimento ou pós-desenvolvimento. Elencam-se, então, os seguintes eixos de análise:

Eixo socioeconómico: compreende as opções de organização económica nas propostas de (pós-)desenvolvimento. Face às impossibilidades ecológicas do crescimento perpétuo, a conjugação e o peso relativo de cada um dos diferentes projectos socioeconómicos – capitalismo neoliberal, capitalismo de welfare “sustentável” e economias alternativas ao capitalismo[43] – influenciará determinantemente as condições de vida (ecológica) no futuro;

Eixo político-institucional: exprime a necessidade de se analisarem as instituições políticas que estão na base dos processos de decisão e regulação política nos processos de desenvolvimento. O reconhecimento crescente da insuficiência das instituições da democracia representativa liberal[44] tem suscitado novas formas de experimentalismo democrático ao nível local (Cf. Arnstein, 1969; Evans, 2004; Fung Wright, 2003; Santos, 2003a). Estas inovações de governação (sobretudo local) têm promovido o aprofundamento da democracia e a redistribuição de poder aos cidadãos, contribuindo para a sua autonomia política e maior justiça social. Estes processos de transformação paradigmática da governação moderna apontam para novos caminhos de desenvolvimento auto-determinado pelos próprios cidadãos. Porém, é indispensável reflectir de que forma é que semelhantes transformações podem também colmatar os défices democráticos ao nível multilateral e supranacional, i.e. na escala em que actuam as instituições financeiras e organizações de desenvolvimento internacionais. Nesse sentido, é conveniente explorar as possibilidades de implementação de mecanismos de auscultação e decisão da sociedade civil global e de responsabilização e fiscalização social e política dessas instituições, dos governos nacionais e das empresas transnacionais;

Eixo cultural: afere as relações entre as diversas culturas nos processos de desenvolvimento. Face ao etnocentrismo de várias abordagens, frequentemente negligenciando ou mesmo atropelando as culturas locais, é importante identificar de que forma é que as práticas actuais contribuem para a interculturalidade, através do diálogo Norte-Sul e Sul-Sul, e para a democratização epistémica, através da conjugação de diferentes saberes (e.g. senso comum, saberes tradicionais, conhecimento técnico e científico)[45];

Eixo ecológico: reflecte a dimensão da Natureza e do equilíbrio ambiental do planeta. A forma como se predica esse objectivo, seja com uma perspectiva antropocêntrica e utilitarista, ou com uma perspectiva ecocêntrica e holística, e a intensidade com que se assume esse compromisso merece naturalmente destaque, pois é condição necessária para a sustentabilidade da vida ecológica. As estratégias que procurarem salvaguardar a preservação e restituição ambiental da depredação economicista serão, provavelmente, as que mais obstáculos enfrentarão, mas que também mais êxito terão a longo prazo.

Cabe referir que os eixos identificados não são estanques, assentando em relações de interdependência entre si. Apesar da impossibilidade de se discutir aqui em profundidade cada um dos eixos, importa situar as propostas de desenvolvimento em relação a eles, na medida em que as diferentes opções apontam para processos com naturezas e impactos expectáveis distintos, ao nível da justiça social, política e ambiental.

Adivinham-se então diferentes matrizes resultantes dessas opções, que podem promover a transformação económica e política para sociedades mais sustentáveis, democráticas e interculturais ou, pelo contrário, acentuar os desequilíbrios ecológicos, perpetuar as desigualdades sociais e políticas e homogeneizar as diferenças culturais.

O desenrolar dessas combinações ditará em que mundo viveremos. Tomando de empréstimo a formulação de Unger, citado por Harvey (2000, p. 81): “if society is imagined and made then it can be re-imagined and re-made”. A capacidade de imaginar utopias é o que tem movido a Humanidade para lutar por futuros alternativos e melhores. Com uma ética cosmopolitista (Kant, 1776) a orientar a imaginação e actuação política das comunidades “glocais”, poderemos aprender com os erros da História e perseguir as aspirações de um bem viver partilhado entre todos e com a Natureza.

 

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Recebido: 24 de outubro de 2016

Aceite: 1 de novembro de 2017

 

 

NOTAS

[1] Texto escrito de acordo com a grafia antiga da língua portuguesa.

[2] Para uma leitura de várias similitudes entre ambos os processos e linhas retóricas, sugere-se a consulta de Rist (2008, pp. 48-68).

[3] Segue-se aqui a divisão temporal e geracional proposta por vários autores (Amaro, 2004; Meier, 2001). No entanto, alerta-se para o facto de alguma da literatura sobre o tema elidir esta primeira geração e apelidar de primeira geração de reformas aquelas que se discutirão nos seguintes parágrafos, i.e. as neoclássicas e neoliberais (Rodrik, 2002; Maxwell, 2005).

[4] O que, por seu lado, legitima a distribuição desigual de rendimentos, se seguida a adaptação da curva de Kuznets aos países do Sul. Embora seja um ponto de discórdia entre vários economistas, nesta fase, a perspectiva dominante era a de “trickle down”.

[5] Algumas das principais políticas públicas orientavam-se nomeadamente para: regulação de preços; fomento industrial e alocação de investimento; política fiscal; criação de instituições financeiras, controlo das importações e melhoria dos termos de troca (Cf. Meier, 2005, p. 73).

[6] Vide, para além dos autores citados, um relatório elaborado pela Rede EURODAD - European Network on Debt and Development (Eurodad Report, 2007), sobre os efeitos dos programas de ajustamento estrutural.

[7] Vide, por exemplo, Lucas (1988), Scott (1992), Romer (1994), e Barro e Sala-i-Martin (2004).

[8] Contudo, os contributos de outros institucionalistas, como Chang (2002), Rodrik (2002) e Evans (2004) têm sido largamente ignorados, por porem em causa vários dos dogmas postulados pelo Consenso de Washington e a teoria neoclássica.

[9] Acrescenta-se que talvez não se trate apenas do racionalismo enquanto crença na Razão e Progresso, mas também da racionalidade egoísta que os neoclássicos atribuem ao constructo homo economicus.

[10] “Abria-se o caminho para compreender o desenvolvimento e o subdesenvolvimento como o resultado histórico do desenvolvimento do capitalismo, como um sistema mundial que produzia ao mesmo tempo desenvolvimento e subdesenvolvimento.” (Santos, 2008, p. 9).

[11] Sobre a questão, vide Amaro (2004).

[12] Conceito que, por si só, requer clarificação teórica, mas que foge ao escopo deste trabalho, pelo que se aconselha a leitura de Fragoso (2005a).

[13] Friedmann (1996) destaca três componentes e/ou variantes no processo de empowerment – o psicológico, o social e o político. O primeiro diz respeito à auto-confiança associada à percepção individual de força ou controlo. O poder social alinha-se na obtenção de recursos, ao nível de informação, conhecimento, participação em organizações, ou mesmo recursos financeiros. Finalmente, o empowerment político é o acesso ao “processo pelo qual são tomadas decisões, particularmente as que afectam o seu futuro como indivíduos” (Cf. Friedmann, 1996, pp. 34-35).

[14] Designação adoptada por algumas correntes nórdicas deste modelo (Cf. Amaro, 2004) e alusão a uma das obras de Friedmann - Alternative Development (1996).

[15] Lembre-se que uma das inspirações para este paradigma foi a escola das teorias da dependência e do sistema-mundo, que tinha como referência a escala de análise macro, i.e. regiões do mundo ou países.

[16] Especialmente por parte da OCDE, Comissão Europeia e alguns Conselhos Europeus, OIT e PNUD (Cf. Amaro, 2009b).

[17] Este aspecto tem motivado, aliás, uma das principais críticas ao desenvolvimento comunitário/local, que aponta os perigos do paroquialismo das abordagens localistas, que não conseguem articular política e socialmente os problemas da comunidade com o contexto mais vasto (nacional e global).

[18] Para um elenco geral dos movimentos ambientalista e ecologista e da sua história, vide Rootes (2004).

[19] Várias das projecções constantes no Relatório confirmaram-se trinta anos depois, quando foi actualizado. Apesar da descoberta de novos stocks de reservas naturais e de novas tecnologias, outras realidades ultrapassaram até mesmo as concepções mais pessimistas (de “business as usual”) do Clube de Roma, tais como a destruição visível da camada de ozono e as alterações climáticas (Meadows et al., 2002).

[20] Segundo Maurice Strong, à data Secretário-Geral da Conferência e futuro Director Executivo do PNUAD (Programa das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento), esta formulação foi adoptada por forma a garantir o apoio político para realização da Conferência (Egelston, 2013, p. 62).

[21] Ignacy Sachs, muito próximo do desenvolvimento local e outro teórico do ecodesenvolvimento, apela a um caminho intermédio entre estas duas atitudes, que não descarte o crescimento económico, mas que o coloque ao serviço da Humanidade, através da intervenção e regulação estatal e da participação cidadã nos processos de planeamento (Sachs, 1980 e 2002). Vide também Vivien (2008).

[22] Na verdade, no documento World Conservation Strategy (1980), elaborado pela União Internacional para a Conservação da Natureza e seus Recursos, WWF (World Wildlife Fund) e PNUAD, já constava: “This strategy anticipates that sustainable development must take into account social and ecological factors as well as economic factors, the biotic and non-biotic resource base, and also the advantages and inconveniences, both short term and long term, of alternative solutions.” (Cf. Vaillancourt, 1995, p. 224).

[23] Os direitos que daí resultam são considerados direitos de terceira geração, subsequentes aos direitos políticos (primeira geração) e direitos sociais (segunda geração).

[24] Como, por exemplo, o famoso Protocolo de Quioto (1997), que previa a redução de emissões de carbono dos países mais industrializados e que nunca chegou a ser ratificado pelo maior emissor mundial (EUA), para além de outros países (Canadá, Japão, etc.) que entretanto o abandonaram.

[25] Ilustrada pela formulação de Solow: dK/dt≥ 0, em que K = KM+KH+KN+KS. Nesta equação, é assumida a intersubstituibilidade dos “activos”, i.e. a condição de sustentabilidade fraca. Para uma explicação detalhada, designadamente sobre a discussão entre sustentabilidade fraca ou forte, vide Pearce e Atkinson (1998). Sugere-se também Vivien (2008).

[26] Lembra Rist (2008, p. 191) que logo na Cimeira do Rio (1992), no Fórum Global, circulara um documento elaborado pelo Business Council on Sustainable Development, no qual 48 empresários tinham mostrado como era possível ganhar-se dinheiro com as preocupações ambientais.

[27] Frequentemente à margem de qualquer avaliação ou fiscalização independente.

[28] De acordo com Norris (2005, como citado em Egelston, 2013, p. 19), poucas empresas aderiram efectivamente às parcerias e, das que aderiram, muitas não assumiram compromissos.

[29] Posteriormente mais elaborada e renomeada como a perspectiva do concurso/concorrência (contest perspective, no original) (Cf. Sachs, 1999).

[30] Cf. Beck (1987, como citado em Sachs, 1996, p. 25).

[31] Intitulada The Future We Want (United Nations, 2012).

[32] Receios que parecem justificar-se, se atendermos ao historial de incumprimento de Ajuda Pública ao Desen-volvimento (deficitária e politicamente condicional) ou dos conflitos relacionados com a transferência de tecnologias Norte-Sul (devido à prevalência dos direitos de propriedade intelectual), para referir apenas dois dos exemplos polémicos mais recorrentes.

[33] Em 1994, estimava-se que apenas um corte entre 70-90% no consumo de energia e matérias-primas nos próximos 40 a 50 anos poderia reverter a degradação ambiental (Schmidt-Bleek, 1994, como citado em Sachs, 1999).

[34] Ver o Índice de de Performance Ambiental, elaborado pelas Universidades de Yale e Columbia (2010). Disponível para download em: http://carbonpig.com/article/10-most-sustainable-countries-world

[35] Na expressão de Boulding (1966, como citado em Soromenho-Marques, 1998).

[36] Na expressão de Boulding (1966, como citado em Soromenho-Marques, 1998).

[37] Ver também a interessante discussão apresentada por Panikkar (Panikkar et al., 1984).

[38] Como a corrente de New Public Management e suas derivadas.

[39] Para uma leitura de propostas da democracia radical/participativa, sugere-se Barber (2003); Fung e Cohen (2004); Mouffe (1992); Santos (2003a).

[40] Para outros conceitos similares, ver Gudynas (2011).

[41] Expressão de Leonard Boff, que se aplica a toda a comunidade e não apenas ao indivíduo (Cf. Acosta, 2012, p. 202).

[42] Em 2013, o governo equatoriano avançou para a extracção petrolífera na região de Yasuní, após uma campanha do Presidente para que a comunidade internacional pagasse metade do valor esperado das receitas geradas pela extracção petrolífera durante dez anos. Como os donativos ficaram muito aquém do solicitado (apenas 13 milhões de dólares, de 3600 milhões), o processo de exploração de uma das regiões mais ricas em biodiversidade foi para a frente. Para além disso, o governo ampliou as fronteiras petrolíferas para zonas onde vivem muitas populações, algumas das quais desejam permanecer isoladas, deu início à mega-mineração, ao processo de produção de biocombustíveis e pretende levantar a proibição constitucional aos organismos transgénicos (Cf. Acosta, 2013).

[43] Sejam eles de Economia Social e Solidária, circuitos de produção e comercialização locais, Movimentos de Transição, ou qualquer outra forma de “produção para viver”, nas palavras de Santos (2003b). Para alguns exemplos e problemáticas, vide Santos (2003b), Amaro (2009a), Laville (2009), Hespanha e Santos (2011), entre outros.

[44] Destaque-se a erosão do Estado-nação e do princípio da soberania nacional, devido aos poderes fácticos que moldam a globalização económico-financeira; a distância entre os cidadãos e as estruturas de governação, por causa da expansão do aparelho tecnoburocrático; o esvaziamento do sentido da polis, em parte causado pela ausência de mecanismos de participação política (além do voto periódico) e de fiscalização cidadã e pela alienação social e política.

[45] Vide Nunes (2008), para uma leitura muito interessante sobre a história da epistemologia e a “ecologia de saberes” proposta por Boaventura de Sousa Santos.

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