SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número32O Campeonato do Mundo de Futebol de 2010 na África do Sul: Uma análise política e económica índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Cadernos de Estudos Africanos

versão impressa ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.32 Lisboa dez. 2016

 

ENTREVISTA

 

“A língua é a própria carne do pensamento”. Entrevista a João Paulo Borges Coelho

 

“Language is the very flesh of thought”. Interview with João Paulo Borges Coelho

 

 

Doris Wieser

Centro de Estudos Comparatistas, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa - Alameda da Universidade, 1600-214 Lisboa, Portugal
Seminar für Romanische Philologie, Georg-August-Universität Göttingen - Humboldtallee 19, D-37073 Göttingen, Alemanha, endereço de correio eletrónico: dwieser@letras.ulisboa.pt

 

 


RESUMO

João Paulo Borges Coelho, nascido em 1955 no Porto, cresceu em Moçambique e tornou-se, na última década, um dos escritores mais produtivos e reconhecidos deste país. É também professor e investigador de História Contemporânea na Universidade Eduardo Mondlane. A seguinte entrevista a João Paulo Borges Coelho realizou-se em julho 2014, em Maputo. Os temas abordados são, entre outros, questões de identidade na época colonial e pós-independência, singularidades regionais da(s) cultura(s) moçambicana(s), a relação entre “modernidade europeia” e “tradição africana”, a articulação entre o espaço urbano e rural, a memória da luta de libertação da guerra civil, além de particularidades das diferentes obras do autor.

Palavras-chave: Moçambique, João Paulo Borges Coelho, identidade nacional, memória histórica, literatura moçambicana


ABSTRACT

João Paulo Borges Coelho, born in 1955 in Porto, grew up in Mozambique and became within the last decade one of the most productive and recognized writers of this country. He is also a professor and researcher of Contemporary History at the Eduardo Mondlane University. The following interview with João Paulo Borges Coelho was carried out in July 2014 in Maputo. The topics are, among others, issues of identity in colonial and post-independence era, regional peculiarities of Mozambican culture(s), the relationship between “European modernity” and “African tradition”, the link between urban and rural areas, the memory of the liberation struggle and of the civil war, as well as particularities of different literary works of the author.

Keywords: Mozambique, João Paulo Borges Coelho, national identity, historical memory, Mozambican literature


 

 

João Paulo Borges Coelho, nascido no Porto em 1955, foi viver, em criança, com os pais para Moçambique, país que considera seu até hoje. Cresceu na Beira, estudou dois anos em Lisboa (entre 1972 e 1974), sem nunca se adaptar bem, e voltou a Moçambique depois do 25 de Abril. Mudou-se para Maputo, onde se licenciou em História, em 1986, pela Universidade Eduardo Mondlane. Doutorou-se, em 1993, em História Económica e Social pela Universidade de Bradford (Reino Unido). É professor e investigador de História Contemporânea na Universidade Eduardo Mondlane e doutor honoris causa pela Universidade de Aveiro (2012). Tem focado a sua investigação nas guerras colonial e civil em Moçambique, em questões de segurança regional no sul de África, bem como na política da memória. Inaugurou a sua carreira literária com a publicação do romance As Duas Sombras do Rio, em 2003. Em pouco mais de uma década transformou-se num dos mais reconhecidos escritores do seu país. A sua obra, já extensa, conta com sete romances e dois volumes de contos. Com As Visitas do Dr. Valdez, recebeu o Prémio José Craveirinha em 2004 (a maior distinção literária de Moçambique) e, com O Olho do Hertzog, o Prémio Leya em 2009.

A seguinte entrevista realizou-se em duas sessões: nos dias 10 (primeira) e 15 (segunda) de julho de 2014, em Maputo[1]. Os temas abordados são, entre outros, questões de identidade na época colonial e pós-independência, singularidades regionais da(s) cultura(s) moçambicana(s), a relação entre “modernidade europeia” e “tradição africana”, a articulação entre o espaço urbano e rural, a memória da luta de libertação da guerra civil, além de particularidades das diferentes obras do autor.

 

Nas suas obras, tal como acontece com outros textos moçambicanos, aparecem personagens de diferentes cores de pele: negros, mulatos, indianos e brancos (ou seja, portugueses). Isso, muitas vezes, determina a posição social ou as vivências específicas das personagens. Qual era a imagem estereotípica dos portugueses no tempo da colónia e como é que isso mudou na época pós-colonial?

Em geral, no tempo colonial, os brancos eram associados a uma posição de privilégio, se bem que haja um estrato europeu pobre, sobretudo a partir dos anos 1960, quando começou a pressão nacionalista e a guerra. Uma das respostas do regime colonial foi provocar uma migração maciça de colonos que, ao mesmo tempo, resolvia um problema de desemprego em Portugal e cumpria um ideário que estava próximo do aproveitamento do luso-tropicalismo, de Gilberto Freyre, a ideia de mestiçar[2]. No fundo, era a ideia salazarista de que, quanto mais clara fosse a população, mais raízes Portugal tinha nas colónias. Em resultado disso, foram criados alguns colonatos e vieram muitos agricultores pobres, pés-descalços, brancos. Além disso, havia também na cidade periferias apenas remediadas ou até mesmo pobres. Mas, no geral, a questão da raça é associada a uma posição na sociedade. Mesmo os pobres tinham uma certa posição de privilégio, na medida em que o critério racista era o que imperava na sociedade. Claro que depois da independência muito se transformou. Transformou-se de uma maneira muito diferente da África do Sul, por exemplo, onde, depois de 1992, a população branca continuou a ser associada a uma situação de grande privilégio económico. Mas aí, essa população, além de ter uma representação demográfica forte, detinha os meios de produção da riqueza. Em Moçambique, o êxodo da independência foi maciço. Há a preservação de uma certa situação de privilégio, mas houve sobretudo um desaparecimento dos brancos, do ponto de vista estatístico. É uma pequena minoria: não tem expressão, socialmente. Tem mais expressão do ponto de vista ideológico e cultural.

 

Que papel tinham os negros e os mulatos e que papel têm hoje? Atualmente, ainda é possível falar da assimilação das famílias?

Às vezes ainda se fala, e falta discutir muito a esse respeito. A discussão não foi muito profunda porque, no fundo, há sentimentos fortes em relação a isso. Por um lado, há uma identificação direta da assimilação[3] com a colaboração. A meu ver, isso nem sempre é legítimo. É uma solução fácil para resolver um problema. O problema é muito mais complexo do que isso. Apesar de ser mais retórica do que prática, a estratégia da assimilação colonial ajudou a criar uma elite nacionalista, ainda que de maneira muito incipiente. A dificuldade de discussão desse problema está em que a Frelimo reivindica o monopólio do nacionalismo. Na minha maneira de ver, para ela, é confortável olhar os assimilados como colaboracionistas coloniais. Mas o que é facto é que vem das camadas assimiladas a produção mais significativa do nacionalismo do ponto de vista cultural. Havia uma elite urbana que estava a ser criada e que tem uma relação muito estreita com o processo da assimilação.

 

Os mestiços estão mais ou menos na mesma posição que os assimilados ou a sociedade criou ainda outra imagem para eles?

É uma outra imagem. Se bem que em grande medida haja uma sobreposição, penso que são duas coisas diferentes, embora grande parte dos assimilados seja identificável com os mestiços, desde o princípio do século XX. Há casos famosos como os das famílias Albasini e Fornasini[4]. Mas são dois processos diferentes, porque também há famílias mestiças pobres que não estão cobertas pela assimilação.

 

Vários romances moçambicanos, nomeadamente O Alegre Canto da Perdiz, de Paulina Chiziane, contam que, na época colonial, algumas mulheres negras procuravam ter filhos mulatos. Ainda hoje existe este desejo ou houve uma inversão? É uma vergonha ter um filho mulato ou é positivo? Que tipo de racismo existe?

No passado, Moçambique tinha isso em comum com o Brasil. A sobreposição da raça com o estatuto social leva à ideia de que quanto mais clara for a pessoa, mais oportunidades tem. A Paulina transmite essa ideia que existe muito na cultura mestiça, que é preciso clarear para fazer avançar a raça. Escurecer seria fazer atrasar a raça. É muito interessante esta ideia posta em termos de velocidades. Hoje em dia, no mainstream, isso não tem nenhuma expressão. Não tenho muita propriedade para falar sobre o assunto, mas não me parece que seja um critério fundamental. O critério económico é muito mais importante. Se bem que haja traços em algumas famílias mestiças, que é uma espécie de inércia que vem do passado.

 

Os portugueses recém-chegados por causa da crise em Portugal são bem-vindos em geral ou há alguma hostilidade?

Há uma espécie de visão irónica. O pobre aspira a ser o rico, assim como de alguma maneira o torturado aspira a ser como o torturador. Há uma espécie de ironia ver a Europa pobre. Suscita uma surda gargalhada. No geral, não tenho uma ideia formada acerca disso. As pessoas pensam que, por um lado, eles vêm tirar as nossas oportunidades e competir connosco. Por outro lado, precisamos deles. Penso que as pessoas ainda não se decidiram em relação a isto. É um processo que vai causar desequilíbrios, porque é maciço. Tudo o que houve antes foi uma mera brincadeira, comparando com o que está a acontecer agora. Está a chegar muita gente que vai transformar totalmente o perfil do lugar. Não é só da Europa, mas também da Ásia, especialmente da China… Da Ásia, há uma migração antiga, mais contida, de chineses; muito maior, e estabilizada, de indianos. Agora, vêm do Bangladesh, das Filipinas, origens que produzem migrantes maciçamente. Basta ir ao aeroporto, e ver que em cada voo que chega do Qatar ou da Etiópia fica sempre um monte de pessoas presas, sem visto.

 

Moçambique foi criado na época colonial sem respeitar as etnias e as unidades culturais que existiam. Hoje, é um espaço político, mas é já também um espaço cultural com uma identidade própria, uma “moçambicanidade”, ou isso ainda não existe na mente das pessoas?

Esta questão esconde muitas armadilhas. De facto, todas as fronteiras de Moçambique dividem ao meio grandes grupos culturais: os macondes no Norte, os yao mais no interior, os chonas no Centro, os tsongas em baixo… Todos estão divididos. Mas, por outro lado, não podemos cair na armadilha de considerar essas unidades como unidades políticas estáveis pré-existentes. Há, por vezes, a ideia de que havia uma estabilidade anterior. Não é verdade. A instabilidade está lá desde sempre. Sobretudo, há um fenómeno muito importante na primeira metade do século XIX, que é o Mfecane, a invasão zulu de Moçambique e das Rodésias, que foi até Cabo Delgado, até à fronteira com a Tanzânia[5]. Isto reestrutura profundamente as culturas e provoca grande instabilidade. Cria a cultura changana, cria a cultura angoni, cria os Ndebele na Rodésia… São fenómenos muito recentes e muito tensos. Há instabilidades que ainda estão presentes. A questão das etnias vai e vem, porque se adapta aos outros problemas para os potenciar ou adormecer. Mas, de facto, as transformações são muito grandes neste momento. É um processo.

Ainda estamos longe de ter uma ideia estável de uma nacionalidade. Há grandes divisões. O colonialismo foi feito no sentido horizontal e o país é vertical. Portanto, são camadas que custa unir e que agora o processo político está a ajudar a pronunciar ainda mais. Tanto do lado do governo como do lado da Renamo, não descansaram enquanto não criaram este espetro de divisão. Hoje, vivemos uma situação particularmente perigosa, com uma grande concentração de recursos no Norte e da elite política ser do Sul. É uma situação explosiva. Não diria que há uma perspetiva coesa em relação à nação. Por um lado, politicamente, já passaram muitos anos desde a independência para dar a entender uma mesma pertença a um mesmo Estado: há um bilhete de identidade universal, há passaportes, há fronteiras reconhecidas e estáveis e, portanto, há este sentido de pertença nacional. Mas, por outro lado, ainda há grandes distâncias a percorrer. Um camponês ou um pescador quimuane do Ibo[6] sente-se muito mais próximo do vizinho tanzaniano do que de um empresário de Maputo. Nesse sentido, as distâncias ainda são muito grandes. Ultimamente, o projeto nacional perdeu muita velocidade e dinâmica. Há sobretudo um violento processo de criação de diferenciação social, de acentuação da riqueza de pequenas elites predadoras, sem dimensão histórica, sem dimensão do ambiente… São pequenos tubarões, filhos do neoliberalismo, e que vão provocar um dano incalculável a prazo. Por outro lado, há um grande aprofundamento da pobreza, do ponto de vista absoluto, demográfico e estatístico. São dinâmicas que não favorecem a criação da identidade nacional, que implica uma plataforma comum.

 

Em As Duas Sombras do Rio, a margem norte do Zambeze é associada ao espírito da cobra e a margem sul ao espírito do leão. Existe esta crença em todo o país ou só na Zambézia?

Esse livro manifesta uma perplexidade minha ao verificar que, na realidade, estas divisões não eram criações dos antropólogos. Lá verifiquei que tem muito mais a ver com a realidade do que eu pensava. Isto mostra a divisão profunda do que é o Zambeze, o rio inteiro. Ao longo das margens há pequenas culturas mistas, mas o rio distancia dois grandes complexos culturais. Não é só a cobra e o leão. É o elemento feminino associado à água e à cobra e o elemento masculino, ao fogo e ao leão. E também a idade e a experiência associadas à cobra, à mulher e à água, e a juventude e a força aliadas ao leão, ao homem e ao fogo. Estes dois universos determinam grandes diferenças no relacionamento entre as duas margens.

 

Li que, para o romance As Duas Sombras do Rio, fez pesquisas no local, na região do Zumbo. Que tipo de pesquisa fez? Os resultados estão publicados?

O que fiz foram entrevistas que gravei, mas não estão publicadas. Falei, por exemplo, com a curandeira que aparece no romance, a Joaquina M’boa. Descrevo a cerimónia de uma consulta com ela[7]. Perguntou-me porque é que queria uma consulta, se estava doente. Eu respondi: “Não, não estou”. Ela perguntou se queria lançar um m’fiti, uma maldição sobre alguém. Eu ainda pensei no meu reitor, mas estava muito longe e duvidei que chegasse até cá… E disse que queria ouvir a história do Kanyemba[8]. Ela contou, então. Mas como é que ela conhecia esta história? Ela era muito nova, tinha talvez 30 anos, e não era muito bem vista na comunidade. Diziam: “Ela não faz bem a machamba, a agricultura, a machamba dela é desmazelada, é feia, já teve muitos homens…”. Mas foi ela que o Kanyemba escolheu para o representar. Ela estava a inaugurar um novo santuário e falava com a voz grossa do Kanyemba… Estava possuída. Tinha duas velhas que lhe davam um rapé e uma água. Ela puxava o rapé, saltava e depois começava “Oh, oh…” É o “leão” já. Então começava a contar a história. Primeiro, contou numa língua. E eu com um gravador… Ela disse, duas horas depois: “Não percebeste nada do que eu contei. Vou contar noutra língua para tu perceberes”. E, depois, foi o tocador de tambor que traduziu tudo. Eu tinha a lista dos administradores e ela seguia tudo. Há veracidade histórica, ela não estava a improvisar. Ela dizia: “Eu fui ter com o administrador Pinto e disse: ‘Tu fazes assim, assim e assim’. E ele respondeu…”. Toda aquela sequência estava certa. O que me intriga é quem mantém aquele conhecimento. Não há muita contradição entre o que ela conta (que tem um século de idade) e a documentação histórica. Ela chama os administradores pelos nomes. Há ali uma memória que escapa ao crivo do poder, da academia, mas que funciona. Ao santuário, chegavam pessoas de Mercedes da África do Sul para a consultar. Foi muito interessante.

Também havia um homem – que eu depois transformei num personagem central – que diziam que estava maluco, que não podia entrevistar porque ele não dizia nada de verdade… Mas eu falei com ele muitas horas. Ele dizia que o seu problema é que não sabia quem era, porque acordou numa ilha no meio do rio… Foi isso que deu a ideia central do livro.

 

Fala do Leónidas Ntsato que representa a divisão cultural do país…

Exatamente. Foi literalmente o que ele me contou: não sabe como foi ter ao meio do rio, porque há jacarés. O mais estranho ainda é que eu, numa conferência em Eldoret, no Quénia, falei com um psicanalista austríaco que trabalhava com refugiados e traumatizados de guerra da Bósnia-Herzegovina. Contei-lhe desse homem e ele perguntou se, quando acordou, não se tinha posto nesta posição – e deitou-se no chão e fez exatamente a mesma posição do Ntsato. Ele disse que a sua teoria defende que há posições que favorecem a evocação dos espíritos. Eu não acredito em nada disso, sou ateu, agnóstico, tudo o contrário da religiosidade, mas achei curiosa a ligação que ele fez. Tudo tem uma explicação. Mas há coisas para as quais não temos as chaves. Faltam-nos elementos.

As Duas Sombras do Rio tem mais elementos da realidade do que qualquer outro que eu escrevi. Por exemplo, há uma outra feiticeira, a Harkiriwa, que vem do Norte como refugiada. A Renamo estava no lado de cima do rio, eles fugiram e a Joaquina M’boa, ou seja, o espírito do leão, deu-lhe um espaço e disse que se podia sentar ali: “Mas só tratas os teus homens, não tratas os meus”. O que está do outro lado, o irreal, não é uma coisa fantasmagórica. Eles lidam com os espíritos como se fossem outras pessoas. É uma coisa normalíssima. Nós achamos estranho. Mas eles também olham para nós e acham estranho, por exemplo, a nossa incapacidade de lidar com a morte. Na nossa cultura, ocidental, a morte é uma coisa assustadora. Queremos prolongar a vida para lá do razoável, queremos vencer o tempo. Eles acham isso estranho, e têm razão. Se a morte é tão vulgar como o nascimento, porque é que lidamos com a morte como se fosse a primeira vez?

 

O sul de Moçambique é marcado por estruturas patriarcais e o Norte, por matriarcais. Isso é visível já no Zambeze ou é mais para o Norte? Onde começa realmente esta distinção?

Dá para sentir em alguns aspetos. Ao longo do rio há uma grande troca de elementos dos dois lados, quer através do contacto entre margens, quer porque há famílias que o atravessam. Apesar de todos os defeitos, o mapeamento do velho antropólogo português António Rita-Ferreira[9] ainda é o mais sério. Tem também elementos do Allen Isaacman[10], mas eu não gosto tanto.

 

Hoje, as estruturas patriarcais do Sul sobrepõem-se às matriarcais do Norte? Por exemplo, no romance de Mia Couto A Confissão da Leoa, que se desenvolve no Norte, as mulheres estão muito subjugadas, numa posição muito inferior ao homem, apesar de pertencerem a uma cultura matriarcal.

Sim, mas cada vez mais a questão da matrilinhagem se traduz na concessão do nome e na retenção do lugar. Não significa uma igualdade em termos de género ou uma preponderância da mulher. Os espaços matriarcais significam que a mulher atribui o nome à descendência e que o homem se desloca para a terra da mulher para trabalhar ou casar. Por isso é que lá se diz que um polígamo tem uma vida muito dura, porque tem de ajudar na agricultura nos campos das diferentes mulheres. No sistema em Tete, o que eu melhor conheço, a família da mulher é preponderante. Dentro da casa vigora o sistema ocidental, ou seja, o homem tem preponderância sobre a mulher. Mas… ela dá o nome aos filhos e ela tem um nkoshwe, um guardião protetor, que é o tio, o irmão da mãe. Ele é que vai velar pelo bem-estar da casa dela. Se ela for maltratada, o tio é que vai resolver o problema. São formas de compensação que não significam um aumento do papel individual da mulher. Quando tem preponderância, é porque conseguiu, à custa da sua própria história e por elementos não culturais. Por exemplo, em Chimoio, um estudo mostrou que a saída dos homens para a guerra ou para a migração deu muito poder às mulheres, porque elas tinham de alimentar a casa e fazer os seus negócios. Com isso ganham autonomia, independência e força. Isso acontece muito aqui na cidade, também. A mim, faz-me confusão fazer distinções essencialistas entre os homens e as mulheres, mas há distinções tendenciais que a sociedade impõe. Aqui, as mulheres são mais perseverantes e quando conseguem um estatuto do ponto de vista económico, uma estabilidade nos rendimentos, por exemplo, a sua força negocial é favorecida, e muitas vezes elas invertem o jogo. Conheço casos em que o marido é claramente subalterno.

 

Vários dos seus romances decorrem no norte de Moçambique, como As Visitas do Dr. Valdez e O Olho do Hertzog. É uma tentativa de chamar a atenção sobre as culturas e a situação do Norte, visto que a vida cultural se desenvolve mais no Sul, em Maputo?

Eu trago dois elementos para responder à questão. Para mim, cada vez mais, a literatura não transmite uma perspetiva à sociedade, mas uma expressão individual. O Norte tem a ver com a minha própria biografia. Metade de mim é do Norte: a minha mãe é do Ibo. As Visitas do Dr. Valdez tem muitos elementos autobiográficos. Eu cresci na Beira. Apesar de eu já ter vivido mais tempo em Maputo do que na Beira, eu olho Moçambique através da Beira, através do Centro. Isto também são coisas criadas, não é assim tão fundamental. Há uma perspetiva, um erro de paralaxe que se cria e de que não nos podemos libertar, que é a partir de onde é que nós olhamos as coisas. Acho muito interessante e complexo o que se passa no país inteiro, mas particularmente no Centro e no Norte. Muitas vezes o tema está aqui, mais a sul. Mas não faço um plano em relação a essas divisões. É natural.

 

Em Moçambique há uma grande diferença cultural e económica entre o espaço urbano e o espaço rural. Em que medida é que estes dois mundos dialogam?

Tradicionalmente, não dialogam. A fronteira entre o mundo urbano e o mundo rural é tensa. Acho que em todo o mundo, mas sobretudo nestes espaços coloniais, porque a cidade é branca na origem. É colonial. Basta olhar para estes prédios, para ver de onde é que ela vem. No tempo colonial, o espaço rural era um espaço de pulsão, onde se ia buscar a riqueza. Mas tinha uma lógica e uma organização própria.

Agora há um crescimento da cidade muito disfuncional, que não segue uma lógica. A cidade não tem um plano de crescimento. Cresce com a pequena corrupção dos terrenos, das autorizações… Cresce de uma forma descontrolada. Depois, há os carros de segunda ou terceira mão, do Japão, que inundaram a cidade e que não fazem parte da sua história. Este fenómeno tem três ou quatro anos, a partir do momento em que o governo facilitou a importação de carros usados do Japão, vendidos a preços muito baratos, para virem morrer aqui. África é a lixeira do Primeiro Mundo. A cidade cresce aos tropeções, com estas aparências de progresso. Não foi só a guerra, mas também este modelo de desenvolvimento que desarticula a sintaxe do campo.

O campo vai tendencionalmente ser reduzido a um espaço onde estão enterrados os recursos, o gás, o carvão… As pessoas estão a mais. Historicamente, as pessoas não foram integradas noutro tipo de economia. As pessoas vivem de tratar meio hectare de terra. É um processo muito violento: tirar a terra às pessoas e atirar pessoas para subúrbios ou compounds. Onde existem as riquezas as pessoas estão a mais. Tudo isto acentua uma diferença maior entre a cidade e o campo e – se quer uma visão catastrofista – o destino do campo é o deserto e o destino da cidade é a implosão.

 

Na literatura moçambicana, há uma enorme tensão entre a tradição africana e a “modernidade” europeia globalizada. Como convivem estes dois elementos? Que elementos da cultura europeia são valorizados e quais são rejeitados?

Há muitos equívocos relacionados com isso no senso comum. De alguma maneira, a literatura também cai nas mesmas armadilhas de identificar a tradição com o passado e uma coisa estável e a modernidade com a transformação, a vitalidade. Isso são construções. A tradição é associada à ruralidade. Mas são espaços de grande adaptação, não são espaços onde as coisas estão congeladas. Há também uma utilização interesseira do que significa a tradição. A tradição é usada conforme convém. No fundo, tudo isto faz parte de uma modernidade, mas não no sentido ocidental. É a nossa própria produção de modernidade, com estas incoerências, como todas as modernidades… Mesmo aí, acho que estas duas categorias e a relação entre elas têm de ser profundamente discutidas. Não é satisfatório o que se produz em nome delas. A literatura assume muitas vezes acriticamente essas construções como se fossem imanentes na natureza, como se não fossem construções.

 

Em Crónica da Rua 513.2, aparecem fantasmas dos antigos colonos, ou seja, dos brancos. Creio que este é um elemento africano, porque nas culturas africanas existe a crença de que podemos ter acesso aos espíritos. Isso é curioso no seu romance, porque são fantasmas dos brancos. É uma maneira de mostrar como a população negra pós-independência incorpora os brancos na sua identidade e na sua visão do mundo?

No fundo, as culturas ditas tradicionais são muito cosmopolitas e mostram ter mais savoir-faire para lidar com o outro e com o estranho do que as culturas da modernidade, que são muito mais competitivas e muito mais reativas ao que é estranho. No Zumbo – o espaço do meu primeiro romance, As Duas Sombras do Rio – há esse culto do mpondoro, do espírito do leão, que é uma pessoa notável da terra que morreu e cujo espírito zela e protege a comunidade. Mas fá-lo por intermédio de um demiurgo, de um pocket, um bolso, aquele a quem transmite as coisas. Muitos mpondoro são brancos ou mestiços, não são necessariamente negros[11]. Isso tem a ver com a história da região. A história do Zambeze é uma história de cruzamentos e mestiçagens muito grandes. O essencialismo do elemento negro é fabricado na modernidade. O processo é ao contrário. Estamos a falar dos séculos XVI e XVII… Portanto, é até onde a memória alcança.

Mas há outro elemento na Crónica da Rua 513.2. Há muita gente que diz “Aquela é a minha rua”. As pessoas identificam-se com aquela rua. Mas a questão dos fantasmas também tem a ver com a cidade branca ter ficado abandonada e as casas terem sido reocupadas por quem não as construiu ou as construiu como trabalhador braçal e não como proprietário. Ou seja, as pessoas não sabiam viver dentro daquelas casas, e tudo é meio assustador. Isso produz os fantasmas, também. Os fantasmas são criados quando as histórias não estão bem resolvidas. Do ponto de vista de quem partiu, há também a sensação de ter sido desapossado, de perda. Então, isso também cria o fenómeno da fantasmagoria. São vários elementos que alimentam essa ideia. É esse o artifício do romance: ficando, o que diriam as pessoas da realidade? E como é que as pessoas novas olham para a realidade antiga? Eu ponho em confronto esses dois mundos.

 

Hoje em dia qual é a relação do chefe tradicional das aldeias e o administrador oficial? Como coexistem os representantes das culturas africana e europeia?

É muito complexo. A partir da ocupação efetiva, a partir de finais do século XIX, o Estado colonial chega a toda a parte, chega ao indivíduo através do imposto. O poder nas aldeias é muito complexo, porque o Estado colonial produz os seus chefes locais e procura que eles sejam legítimos dentro da comunidade. Há atas de reuniões em que os administradores inclusivamente mandam contactar “chefes tradicionais” que estão emigrados nos países vizinhos para os aliciar a voltarem. Se o “chefe tradicional” é anticolonial, ele tem de ser eliminado. Se o “chefe tradicional” é colaborador, será criada uma posição de privilégio para ele. A última grande reforma do poder local nas colónias é feita por Adriano Moreira quando foi ministro do Ultramar em 1961 e 1962. Ainda está vivo. Os chefes, os régulos, e aquilo que se identifica com o poder africano são chefes coloniais empossados pelo regime colonial, com fardas do regime colonial, com salários, casas, bicicletas… Eles ficaram com este estatuto híbrido, o que significa que é impossível recuperar o tal poder tradicional. O poder local representa as duas coisas, as comunidades e o Estado colonial.

Hoje a Frelimo também é um Estado. Muitas vezes o nosso preconceito rácico é que nos impede de entender as questões com profundidade. A Frelimo trouxe um Estado que funciona como um Estado colonial no sentido fora/dentro com as comunidades. Os régulos que se opuseram ao nacionalismo foram eliminados, os que apoiaram foram reconduzidos. Até a farda é a mesma que usavam no tempo colonial[12].

Eu estudei as cheias de 1976 no Zambeze. Houve muita gente deslocada e foi até lá Marcelino dos Santos, vice-presidente da Frelimo, para explicar às pessoas que tinham de sair dali porque as águas podiam subir. As pessoas queriam ficar ali, porque as terras são mais férteis. Então, os velhos diziam: “Mas vocês, quando, em 1950, nos tiraram de lá, pagaram subsídio. Porque não pagam também agora?”. Marcelino dos Santos ficou muito indignado, porque em 1950 o poder era colonial. Os velhos insistiam. Para eles, é o Estado, ou seja, “vocês que têm o poder”, não distinguindo os dois poderes. No princípio, aquilo fazia-me confusão, mas depois percebi a lógica: para eles, é o poder de fora que se impõe. Aqui a metáfora tem a ver com as alturas. Dizia-se “Descer à nação e subir ao País”. Quer dizer, o país é a cidade e é a elite política que manda; a nação é o povo, é o espaço rural. Não é ir lá fora, não é uma imagem horizontal, é uma imagem vertical.

Desde a independência, houve uma série de reformas (a última, salvo erro, em 2000) que criaram muitas situações diferenciadas, conforme as regiões[13]. Houve muitas soluções ad hoc. Em muitas regiões é a estrutura política do partido, não a do Estado, que tinha funções de administração. Por isso, há todo o tipo de soluções: régulos coloniais, chefes do comité do partido… Varia muito. É uma questão muito complexa. Não há uma uniformidade da estrutura de poder local. Há províncias, distritos, localidades… Aí é homogéneo. Mas, depois, há muitas soluções de compromisso para exercer o poder ao nível abaixo, nas aldeias.

 

Em que medida a teoria pós-colonial é uma fonte de inspiração para a sua literatura? Essa questão surgiu-me quando li As Visitas do Dr. Valdez, porque me fez pensar no conceito de mimicry de Homi Bhabha.

Não fiz leituras profundas do pensamento pós-colonial. Por mais estranho que pareça, a questão da máscara é completamente verdadeira. É um episódio biográfico. As pessoas que estão ali são a minha avó e a irmã da minha avó. Eu conheci o rapaz, que é da minha idade, que servia e dava banho à senhora velha e que punha as barbas de algodão[14]. Eu não cheguei a ele pelo pós-colonialismo, mas pelas memórias. Quando a guerra começou, a minha avó saiu do Ibo e veio viver para a Beira. Assisti a grande parte do que conto ali. É claro que aquilo não é uma história de família, é um romance. Tenho sensações muito divididas sobretudo em relação à leitura política. Por um lado, percebo e identifico-me com a leitura política do pós-colonialismo, mas, por outro lado, acho que não é muito inovadora. Já nos anos 1960, havia sobretudo economistas com a teoria do centro e da periferia, etc. O grande perigo que eu vejo é a negação da capacidade de produção de História depois das autonomias. Ou seja, é condenar as vítimas ao estatuto eterno de vítimas. É uma forma de reter o Norte na história do Sul para todo o sempre. Não me surpreende que sejam teorias que aparecem por académicos do Sul mas em universidades do Norte. Houve uma reação ao pós-colonialismo um pouco fria em África, por exemplo, porque há uma redução do espírito crítico em relação à história política depois da independência. Atribuindo os problemas ao Norte ou ao Centro, é incapaz de haver conflito no Sul. Há falta de instrumentos para ler, por exemplo, os ditadores depois das independências, porque os ditadores são ao mesmo tempo vítimas. Nesse sentido, tenho grandes distâncias das leituras pós-coloniais.

 

A Frelimo, durante a luta pela independência, dizia que lutava também pela libertação da mulher. A independência melhorou os direitos das mulheres e a sua condição social ou foi só uma independência para os homens?

Num sentido genérico, a independência foi muito importante, porque resgatou a sociedade inteira – homens e mulheres – da situação de semiobjetos para humanos. Isso é um passo fundamental. Trouxe uma melhoria para homens e mulheres, em geral, mas não significou automaticamente uma grande melhoria relativa para a mulher no contexto do género, até porque a ideologia revolucionária era muito centrada no homem. Eu não conheço cultura mais machista do que a cultura changana. Há melhorias, mas são melhorias fruto, em grande medida, da luta das próprias mulheres. A distância que tinham de percorrer era muito grande. Dos dois lados, havia uma grande discriminação de género, tanto na cultura changana (fortemente patriarcal e masculina), como na cultura colonial, por razões ideológicas, culturais e até de economia política.

Portugal, como país periférico, não tinha a capacidade de transformar os camponeses em operários. Isso significava fazer uma revolução industrial no campo, significava tirar as pessoas da terra e dar um salário que permitisse sobreviver. O que acontece é que as formas de integração dos camponeses vão sendo parciais. Os salários eram tão baixos, juntamente com o trabalho forçado[15] e a migração, que a terra nunca foi tirada às pessoas. Ficavam as mulheres a produzir a comida, a alimentar os filhos e a si próprias. Os homens saíam e podiam ter salários muito mais baixos. A cultura colonial teve muito mais contacto com os homens do que com as mulheres. Elas ficavam afastadas dos espaços brancos.

Não havia empregadas domésticas, em geral, até aos anos 1950, a servir em casas de brancos. Eram os homens que serviam, que cuidavam das crianças, que lavavam a roupa, que cozinhavam… Não há uma tradição de mulheres cozinheiras. São os homens. Ainda hoje, de manhã, lia um jornal colonial em que uma mulher branca dizia que o fenómeno de ter mulheres a servir em casa é novo e que devia haver uma lei que as obrigasse a dormir em casa dos patrões para não irem tratar dos filhos em casa, terem contactos e trazerem doenças. Isto significava também menores oportunidades de contacto das mulheres por via colonial. A mulher estava dobrada sobre a terra, com a enxada, e os homens estavam na cidade, com o mal do colonialismo mas também com as oportunidades que o colonialismo dava. A mulher parte de uma posição duplamente secundária, e o caminho que tem de fazer é muito maior.

A guerra ajudou muito a emancipar a mulher. Tirando os homens de casa, obrigava-as a ter responsabilidades. Mas a ideologia é muito forte. Lembro-me de estar a fazer um inquérito a famílias de desmobilizados de guerra, com o homem a dizer: “A minha mulher não trabalha, faz essas coisas de mulher. Quem trabalha sou eu e ganho tanto”. Depois, vamos ver e a mulher faz venda informal e o dinheiro que ela traz para casa é dez vezes mais do que o dele. Mas ele diz que ela não trabalha, porque não tem um salário do patrão com um papel.

A Frelimo criou organizações femininas, mas eram claramente subalternas. Durante muito tempo vigorava a ideia de que a mulher ajuda o combatente, transporta as armas, cozinha e satisfá-lo sexualmente. É um longo processo que ao mesmo tempo implica um grande nível de cosmopolitismo, porque é a abertura às lutas das outras mulheres que permite às moçambicanas começar a ganhar uma consciência da sua própria força. A independência ajudou, no sentido em que humanizou a sociedade inteira, mas não libertou a mulher.

 

Que desafio constitui escrever em português sobre pessoas que na vida quotidiana não falariam necessariamente essa língua mas, antes, uma língua bantu? O relato não ficaria mais autêntico se fosse escrito nessas línguas?

Acho que há alguns equívocos em relação à língua e à escrita. Para mim, a escrita é um negócio privado e não tem o objetivo de fazer o retrato da sociedade. É uma forma de expressão. Há outros caminhos para chegar à verosimilhança: o elo que liga o autor e o leitor. Através da verosimilhança, cumpre-se o contrato da escrita. O autor finge que o que diz é verdade e o leitor finge que acredita. Os personagens são meros instrumentos para fazer essa construção. O propósito, pelo menos da minha literatura, não é olhar a realidade e fazer um retrato; o propósito é exprimir-me. Se os leitores me acompanharem, tant mieux. Se não me acompanham, tant pis.

Eu não registo as vozes dos personagens. Eu uso a minha voz de uma maneira polifónica através dos personagens. Nesse sentido, a língua é um assunto privado, meu. O que eu faço é usar e explorar a minha língua. Conto-lhe um caso curioso: quando publiquei o meu primeiro livro, As Duas Sombras do Rio, moçambicanos negros vieram agradecer-me por pôr os negros a falar com voz de gente e não com uma voz mascarada. Com muita literatura que procura fazer essa aproximação, “degradando” a língua, estas pessoas sentem-se ofendidas, como se os africanos não pudessem falar corretamente. Portanto, como se não pudessem pensar corretamente. São pessoas incompletas – e isto é ofensivo. No fundo, pretendo chegar à voz interior dos personagens, à sua maneira de raciocinar. Aí, a língua é universal.

Nenhuma literatura tem como objetivo ser um retrato fiel da realidade. Há aquela pintura realista que pega numa garrafa de Coca-Cola e quer fazê-la exatamente igual. Há pintores que tentam esse caminho… Mas é muito raro a literatura pretender ser um retrato da realidade. Quando se diz “Esta é a maneira de falar dos africanos”, não é. É uma construção. Aqui, as pessoas são muito sensíveis a isso e ficam muito zangadas. O que me move é explorar a minha língua, que constitui a minha identidade, e essa língua é a língua portuguesa. Eu não reivindico fazer uma literatura moçambicana, não sei o que é isso. Isso é uma construção normalmente política. Eu reivindico apenas construir a minha literatura. É um projeto mais modesto, mas também muito mais independente.

Eu estou muito em desacordo com essa identificação da literatura com projetos nacionais, com projetos políticos em geral. A literatura define o seu próprio campo. A literatura de ficção é uma invenção da realidade, e a sua grande força é mostrar que há muitas maneiras de apreender a realidade, não há uma maneira que se sobrepõe a todas as outras. A língua faz parte do projeto, mas num sentido individual.

 

Aprendeu a falar alguma língua bantu na sua infância?

Não. Eu sou um filho colonial. O que eu aprendi foi a falar bocados da língua. Muito pouco. Mas os bocados que as circunstâncias me permitiram. Brincando com outros meninos, ouvia algumas palavras. Conheço mais palavras da língua do Centro do que de Maputo.

Bantu é uma raiz e, depois, há muitas línguas que se entendem parcialmente umas às outras. As palavras, muitas vezes, são parecidas. Por exemplo, “água”, em Maputo, diz-se “mati” e, na Beira, diz-se “matzi”. Não sei se é legítimo dizer que as diferenças são como as que existem entre o espanhol e o português. Há diferenças, e é muito arriscado dizer que é a mesma língua. As pessoas que falam essas línguas reagem muito a isso. Quando se fala na cultura e na unidade bantu, normalmente há uma segunda ideia por detrás, de afirmação de uma identidade com base na raça. Essa questão não me atravessa.

A questão da literatura nas línguas bantu é muito complexa. Por um lado, tem a ver com o edifício da literatura – em que entram leitores, por exemplo… Permito-me lembrar que publiquei o primeiro livro depois da independência em ronga, Zabela, de um amigo, Bento Sitoe[16]. Era um livro escrito em ronga, que tem os seus leitores. Podemos perguntar por que não há mais literatura em ronga ou em changana. Do ponto de vista do edifício da literatura, tem a ver com as editoras, a política da língua, a fixação escrita da língua e sobretudo com os escritores, e isso é um assunto privado, deles, por que não escrevem em ronga ou em changana. É uma opção perfeitamente legítima escrever em português, se consideram que é a língua em que se expressam. É muito complexo.

A professora Perpétua Gonçalves estuda as fronteiras das línguas bantu e do português e os conflitos de fronteira[17]. Quanto a mim, nunca me passou pela cabeça explorar esses caminhos, mesmo sequer palavras. Quando eu uso palavras de outras línguas é porque têm significados que transcendem o próprio universo da língua. Por exemplo, chamuar significa “amigo”. Eu uso essa palavra como se usa kanimambo, ou seja, “obrigado”[18]. É uma palavra que toda a gente conhece. Não estou à procura do cânone do português, mas escrevo na língua com que me sinto confortável e que é mais verdadeiro exprimir-me.

 

Qual a situação linguística em Maputo? Há pessoas que não dominam o português ou é uma língua falada em todos os níveis sociais? Falando com as pessoas nas ruas, percebo que há muitas que falam muito bem, mas têm muita dificuldade em escrever.

Acho que a situação é muito preocupante. O ronga é a língua da cidade, o changana é dos arredores mas que entrou na cidade. São línguas muito fortes, faladas em casa, entre as pessoas... Mas o português impõe-se cada vez mais como língua estatal, a língua pública, a língua que as pessoas querem falar até para ter acesso aos empregos, às posições importantes da sociedade, etc. Mas o ensino é muito deficiente. Então, as pessoas estão a ser espremidas entre a necessidade e o desejo de adquirir um instrumento e a falta de política em relação a esse instrumento, a falta de fomento e de desenvolvimento desse instrumento. Também não há nenhuma política em relação às línguas nacionais. Assim, coloca-se o progressivo desaparecimento das línguas nacionais, o que é muito negativo, porque as línguas fazem parte da cultura e da identidade. Em troca, também não é dado um instrumento, porque nas escolas não se aprende bem português. Na universidade, tenho alunos finalistas de licenciatura que escrevem pessimamente. Cada vez é pior, porque a escola cada vez está mais degradada. É muito preocupante, porque a língua não é um casaco: a língua é a própria carne do pensamento.

 

Será muito difícil dominarem o português, se não tiverem uma formação na sua própria língua materna.

Exatamente. Mas, por outro lado, há muita gente, uma nova geração na cidade, que só sabe falar português. Em Angola, isso é mais nítido. Então, cria-se esta indefinição, um terreno cinzento que traz muitos problemas.

 

Há alguma tentativa política de implementar o ensino das línguas nacionais na escola básica, paralelamente ao português?

Há umas experiências. Mas o problema do ensino abrange tudo. Essas tentativas deparam-se com as mesmas dificuldades do ensino do português, da matemática… O problema geral dos ensinos básico e secundário é definir uma estratégia e implementá-la. Embora a retórica diga o contrário, eu acho que o ensino não é uma prioridade para os políticos. A educação e a saúde não são prioritárias. A prioridade está na economia, no enriquecimento, etc. Por outro lado, há o problema: que língua ensinar? Na universidade, pôs-se esse problema. Abriu-se um curso de changana e imediatamente se colocou: porquê o changana? Por ser a língua do poder? O macua-lomué tem uma expressão demográfica muito maior, é falado por quase metade da população. O sena também é uma língua muito grande. Isso implica uma estratégia que aproxime as escolas das comunidades e das regiões. Aqui há um grande hiato. Há a perspetiva central e a perspetiva local. É muito difícil algo intermédio. A lógica de desenvolver as línguas maternas na escola seria aproximar a escola da comunidade, e isso ainda é muito difícil de fazer. Mas eu não sou especialista. É apenas uma observação enquanto cidadão.

 

Falemos de outro tema. Como viveu a sua família o tempo da guerra civil e porque decidiu ficar em Moçambique? Muitos brancos decidiram ir-se embora.

A maioria dos brancos saiu antes. Com a independência, houve um êxodo massivo. Foi uma mistura de fugirem e serem empurrados. Por acaso, eu até estava fora quando se deu o 25 de Abril. Estava a estudar em Lisboa. Os aviões iam cheios e eu vinha num avião quase vazio. Não foi sequer por um grande motivo político, por adesão à revolução, mas era a sensação de voltar para casa. Baseei-me numa definição diferente de “casa”. Vivi dois anos em Lisboa, de 1972 a 1974, e nunca me adaptei muito àquele lugar, e queria mesmo regressar. Tudo virou. Os meus pais foram para Portugal. Alguns irmãos foram para os Estados Unidos, outros para o Lesoto… Dos seis irmãos, eu fui o único que fiquei aqui. Mas não fiquei na Beira, porque era muito estranho, para mim, ver aquela mudança na Beira. Vim para Maputo, porque era um lugar desconhecido para mim. Depois, tive uma companheira, tive filhos e vivi aqui sem o resto da família, embora todos os anos fosse visitar a minha mãe. Ela era muito forte e convocava-me para prestar contas todos os anos. Tive uma relação constante com o exterior. Para mim, era uma coisa natural, escolher um sítio para ficar. Não foi um grande projeto, mas havia uma grande identificação com o otimismo, com a ideia de construir uma realidade nova, muito mais justa e alargada. Isso tinha uma grande força.

 

Em geral, quando há um conflito armado, depois há um silêncio por causa do trauma. Isso também se pode observar em Moçambique, as pessoas não vão contar a qualquer um o que viveram na guerra civil…

Há duas guerras civis diferentes. De 1976 a 1980, era uma guerra muito confinada ao corredor da Beira, feita sobretudo pela Rodésia. Só a partir de 1980, 1981, é que começou a ganhar outra natureza com o envolvimento da África do Sul. Só em 1982, 1983, é que se generalizou a todo o País. Aí ganhou formas muito violentas. Mais violentas até do que o conflito colonial. A guerra civil foi mais alargada e mais violenta. A cidade foi muito preservada. O campo era a própria definição do inferno, no sentido de Dante, onde tudo podia acontecer: pais que matavam filhos, era a barbárie à solta… Na cidade era diferente. Era uma situação de escassez, de grande austeridade. Chegámos a ouvir os tiros da guerra quando o vento os trazia. Estávamos cercados e tínhamos uma vida expectante. Durante muito tempo, a estratégia governamental foi afirmar que as guerras são todas assim. O outro lado não tem rosto, é o diabo. No tempo colonial, os guerrilheiros nacionalistas eram classificados como terroristas, que comiam crianças… Na guerra civil, os da Renamo eram os bandidos armados, não tinham nome nem cara. É sempre uma maneira de demonizar o outro. Chegou uma altura em que as pessoas se cansaram dessa retórica que justificava a guerra. A posição começou a ser cada vez mais a seguinte: “Nenhum de vocês tem razão, porque vocês é que produzem esta realidade”. Isso teve muita força, e também a mudança de contexto internacional, com o fim da Guerra Fria, a quebra do apartheid... Tudo isso teve uma força muito grande para acabar com o conflito aqui. Mas houve uma energia interna que as pessoas conseguiram tirar das cinzas. Foi um conflito que produziu centenas de milhares de mortos, um milhão e meio de refugiados fora do País e quase cinco milhões de deslocados internos. Não houve nenhuma família que não tivesse sido afetada. Foi uma hecatombe.

 

Em Campo de Trânsito, há o chamado “Campo Antigo” que existe para a “expiação do crime da memória”…

Talvez seja esquemático. Talvez hoje já escrevesse de outra maneira. É o jogo da força do Estado, entre essas ideias de tradição e de modernidade. O Estado adquiriu contornos muito perversos. Este Estado viveu à sombra da mimese em relação ao Estado colonial. O Estado colonial aterrorizava, mas, ao mesmo tempo, criava o desejo perverso de fazer como ele, porque era eficaz. Em cima disso tivemos a Stasi alemã, que foi uma grande conselheira do Estado daqui[19]. Tudo isto foi formando uma cultura sistemática do poder de Estado que eu procurava discutir em Campo de Trânsito. Por exemplo, como a condição determinava o crime. É um bocado kafkiano… A acusação em si é já a prova de um crime. Não é preciso quase fazer nada. Não é preciso provar: o ónus do crime está no facto de haver uma acusação.

 

Qual é o risco do esquecimento?

Não há uma memória. Há várias memórias, e são sempre conflituosas. Tenho trabalhado a questão da memória e cada vez me parece mais misteriosa. Ela forma a nossa identidade em grande medida, mas não há uma memória no singular. Profissionalmente, li grande parte dos autores que tratam da memória e vejo que temos uma memória individual conflituosa e que há também memórias familiares, comunitárias, regionais… E há as memórias públicas, uma memória política que o Estado tenta construir e impor aos cidadãos através da escola... Vão mudando as palavras e os conceitos mas é o que o grande filósofo marxista Louis Althusser chamava “aparelhos ideológicos de Estado”, que querem afirmar a memória[20]. Depois, há a memória histórica, que está para além dessas todas, mas que é mais residual e só surge depois. A ambição do poder político é transformar a sua memória política em memória histórica, é deixar um registo dos acontecimentos segundo a sua vontade.

O que acontece hoje é muito complexo. A minha teoria é que nós estamos a acabar um grande ciclo nacionalista e estamos a entrar noutro ciclo que, por definição, devia ser democrático mas ainda não sabemos o que será. No ciclo nacionalista, o poder era legitimado historicamente. O facto de combater contra o colonialismo legitimava por si só o poder. A Frelimo chegou ao poder sem sufrágio popular. Hoje em dia, por definição constitucional, já não é assim: chega-se ao poder através de eleições. Há uma resistência do nacionalismo a aceitar esta nova ordem. Uma das grandes armas que a Frelimo usa é a memória da libertação, estruturada e contada por ela. Mas há aqui um artifício, porque esse processo de libertação foi feito pela Frelimo enquanto frente de libertação nacional e, hoje, a Frelimo é um partido, não é uma frente. Ela própria abdicou desse papel de frente para se assumir como partido, como parte da sociedade. Transformou-se em partido em 1977, mas era um partido único. Em 1992, foi obrigada a aceitar, pelos acordos de paz, uma constituição multipartidária. Agora, já não é muito legítimo ela reivindicar a luta de libertação como um capital seu. Mas há pior: a luta de libertação, tal como a Frelimo explicava, era uma revolução, ou seja, a luta foi feita não só para libertar o país do colonialismo, mas também para fazer a revolução e para impedir que o poder colonial fosse substituído por novas elites. Hoje, sendo um partido neoliberal, ela tem que tirar essa parte da revolução do conteúdo da libertação. Então, reivindica a luta armada de libertação, mas não reivindica a revolução. A separação destas duas coisas só pode ser feita fechando a versão da luta de libertação. Quando o faz, ela fecha também os arquivos da luta de libertação. Esses arquivos estão todos fechados para não pôr essas contradições cá fora.

Aqui há muitos casos interessantes de luta de memórias, mas é uma luta muito desigual. Eu tenho bons exemplos disso, como as entrevistas a antigos guerrilheiros da Frelimo. Logo depois da independência, eles tinham uma versão muito diferente da oficial. Hoje, se for entrevistá-los, já têm uma versão igual. É como se nós deitássemos fora as nossas memórias, memórias que podem ser incómodas, para aprender a pensar como os outros. É o tradeoff para entrar para o clube. No fundo, é o processo que constrói os fascismos, porque os fascismos são regimes populares. Hitler, Mussolini não são regimes de pequenas elites, mas de massas. Eles tentam conquistar a memória das massas, porque isso é que as identifica com os regimes. Mistificam a identidade e o percurso… E o medo também é uma arma poderosíssima.

Aliás, foi o medo que a Renamo usou para aumentar a sua força. Entrevistámos muita gente, vítimas de guerra e membros da Renamo, e lembro-me, por exemplo, de um jovem que dizia “As coisas que eu fiz impedem-me de voltar à minha terra ou de voltar para junto de outros homens. Eu fiquei bicho definitivamente, já não sou uma pessoa”. É quando a Renamo chega à aldeia e obriga, por exemplo, a matar os pais. As pessoas matam os pais para sobreviver e ficam perplexas com essa vontade de sobreviver, que é tão grande que leva a matar os pais ou os filhos. Depois, saem com a Renamo. É uma garantia que a Renamo tinha que estas pessoas não voltariam, porque matar os pais é cortar o laço com a aldeia.

Eu tive alunas que fizeram um trabalho de reintegração. Há casos em que as aldeias aceitavam de volta mulheres que tinham sido raptadas pela Renamo. Então, as aldeias inventavam tradições, chamadas kuphahla, segundo as quais, quando se lava, lava-se também os pecados, a história e a memória[21]. Depois de uma cerimónia destas, se alguém acusar estas mulheres, dá mais vergonha ao acusador do que à acusada. São mecanismos inventados de tradições que não existiam, mas que mostram a força da comunidade para inventar. Para mim, é a prova mais concreta que a tradição não é uma coisa do passado, é uma coisa inventiva para resolver problemas. A questão não é seguir uma regra que foi estabelecida pelos antepassados, mas arranjar um mecanismo para responder ao presente. A memória tem aqui um papel importante, até saindo de cena. Como diz Ricoeur, a memória só faz sentido em confronto com o esquecimento[22]. A memória não é uma coisa objetiva, é um jogo em que vamos buscar umas coisas, esquecer outras e estruturar o que vamos buscar segundo uma conveniência.

 

Além destas novas tradições, há movimentos culturais que exigem a memória das vítimas independentemente do que diz a Frelimo? Estou a pensar nas Mães da Praça de Maio, na Argentina. Esse tipo de movimentos existe em Moçambique?

Existem alguns casos interessantes, como os madgermanes, trabalhadores na Alemanha Democrática, e que se consideram injustiçados pelo Estado, argumentando que os alemães pagaram mas o Estado reteve o dinheiro e não lhes pagou[23]. Fazem periodicamente manifestações e criaram uma identidade de madgermanes para fazer essa denúncia e para preservar a sua memória desse passado. Ao fim de vinte, trinta anos, estão convencidos de que não vão conseguir, mas cria-se quase uma identidade, como as Mães da Praça de Maio. Aqui é muito difícil, porque a estratégia prevalecente é a do esquecimento. A Frelimo não quer que as pessoas lembrem a luta de libertação, quer que as pessoas lembrem a sua versão da luta de libertação. É uma estratégia de poder, não é uma lembrança do passado. Esse é o sentido profundo da guerra civil, porque é uma guerra acerca do passado. A ideia de sociedade e de economia da Frelimo e da Renamo não é substancialmente diferente. O que divide é a memória das coisas. Ainda hoje Afonso Dhlakama [o líder da Renamo] acusa este governo [da Frelimo] de ser comunista, apesar de ser liberal. É muito interessante o Dhlakama usar essa terminologia. Ambos precisam desta distinção, porque o passado é a única coisa que os distingue. Se esquecem o passado, vão ficar iguais. Por outro lado, a Frelimo quer esta memória seletiva, quer sobretudo o esquecimento. Cria-se, então, uma situação ao mesmo tempo muito complexa e muito interessante.

 

É verdade o que diz o Presidente Armando Guebuza, que o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, não aparece para dialogar em pessoa?

Viu como foi preso o porta-voz de Dhlakama, António Muchanga?[24] Dhlakama não é parvo, sabe que, se aparecer, vai ser preso ou morto. Se eu fosse Dhlakama, também não aparecia. Se ele aparece e é morto, a comunidade internacional vai pedir explicações, mas, três meses depois, já esqueceu. Mas os moçambicanos sabem que são os dois culpados desta situação. Nenhum deles quer a ordem democrática de facto. É uma situação instável que se vai resolver de outra maneira[25].

 

A literatura moçambicana tem sido comparada com o realismo mágico da América Latina, mas parece-me que na sua obra não há esse traço, mas sim um elemento quase fantástico ou alegórico, como em Cidade dos Espelhos e Campo de Trânsito. Ambos se desenrolam num espaço indefinido. Não se menciona um contexto político concreto, mas o leitor consegue fazer uma ligação com a realidade moçambicana. Por que é que, por vezes, foge dos contextos concretos?

De vez em quando é como se eu tivesse necessidade de um romance baseado numa estratégia de alegoria. Devo dizer que um livro que me marcou muito foi Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, e gosto de muita literatura da América Latina. Mas a minha ligação estética mais profunda é outra. Li, muito novo, Kafka e, depois, fui lendo… Se me perguntar qual o autor que mais me impressiona, digo-lhe que é W. G. Sebald. É aquele com quem eu gostaria de me parecer quando crescer… Depois, Elias Cannetti, Robert Walser, Thomas Bernhard, Elfriede Jelinek… Eu li muito essa literatura, mas não faço nenhuma ponte entre a leitura e a escrita. A escrita é quase como uma pulsão. O problema da escrita está em ser simultaneamente culto e infantil, inimputável. Ou seja, é uma solução impossível, porque é contraditória. É da tentativa de resolução disso que resulta a mágica da escrita. Nós não podemos reinventar a roda.

Um dos problemas da literatura moçambicana e africana em geral é a falta de referências, porque são literaturas recentes. Estamos a falar de precursores, como Chinua Achebe[26], dos anos 1950. Há uma literatura colonial anterior… Eu não estou totalmente de acordo em dizer que a literatura colonial não é africana. Há muita promiscuidade entre a política e a moral com a questão da literatura. Mas, sendo tão recente, a literatura africana, e sobretudo a moçambicana, entra muitas vezes na armadilha da ingenuidade. Não tem referências, e caminha às cegas à beira do precipício. A única arma que tem é uma certa genuinidade. Não tem técnica nem referências culturais dentro da literatura. Portanto, tropeça… Muitas vezes é salva por um certo paternalismo ocidental que a considera muito genuína e expressiva. O resultado é as livrarias terem um cantinho de literatura africana onde as pessoas afogam a má consciência. A literatura africana tem a obrigação de se impor por aquilo que é. Portanto, tem de ser culta. Culta não é só reagir a Joseph Conrad[27]. É muito mais do que isso. O segredo está em como, sendo culta, ela cria os seus próprios métodos de expressão, as suas maneiras de se afirmar sem repetir os cânones alheios. Sendo culta, pode ser ao mesmo tempo fresca, nova e diferente. Isto é do ponto de vista coletivo. Do ponto de vista pessoal, não faço esses raciocínios.

Eu sou o produto daquilo que leio, e é preciso ler muito. Um dos grandes problemas dos escritores moçambicanos é não lerem. Na poesia é catastrófico. É preciso ler muito. Ao mesmo tempo é uma forma de exprimir que eu acho que não é presunçosa, porque não quero ser porta-bandeira de ninguém, a não ser de mim próprio. Não chego ao extremo de Thomas Bernhard que pôs no testamento a proibição de publicar os seus livros na Áustria. Ou Elfriede Jelinek que, quando recebeu o Prémio Nobel, disse que nem um grama do prémio ia para a Áustria. São casos tão extremos como o caso oposto: ver um escritor como o representante da cultura moçambicana. Quem representa a cultura moçambicana é o ministro da Cultura. Representar a cultura é uma questão política. E é patético um escritor assumir-se como uma vanguarda de uma cultura ou de uma literatura. Isso é que é presunçoso. Temos de ter modéstia e dedicar-nos ao que sabemos ou gostamos de fazer.

 

Compreendo esta falta de referências africanas e a necessidade de ler para se instruir naquilo que já existe. Mas ainda quero voltar à minha pergunta anterior. Por que foge dos contextos concretos nestes dois romances?

Há várias maneiras de dar uma resposta a essa pergunta. Há questões mais universais que as locais. Eu sou um filósofo frustrado. Se pudesse voltar a começar a estudar, estudava Filosofia. Outra maneira de responder a essa pergunta é dizer que é uma tentativa de fugir a um tema diretamente relacionado com a geografia de Moçambique e não conseguir. Tento fugir, mas volto a cair. Comecei a publicar (não a escrever) relativamente tarde, e isso implicou que fosse muito claro para mim que não queria fazer uma carreira com a escrita. O meu último propósito é a coerência. Não quero ser coerente. Eu quero experimentar.

 

Isso é, de facto, muito visível na sua obra. Os seus livros são muito diferentes entre si…

Eu não quero arranjar um caminho, segui-lo e desenvolvê-lo. Eu quero experimentar, porque o que me interessa na literatura é a prática, é o prazer de fazer. É um pouco hedonista talvez. Eu não acredito nas mensagens, sou fundamentalmente um pessimista. Não acredito no futuro risonho da humanidade. Acho que caminhamos aceleradamente para o caos. Quero experimentar. Se há uma coisa que é coerente nesse trabalho é Moçambique como tema. Até as técnicas, a utilização dos tempos verbais, a existência de um narrador, os tempos da ação… em tudo isso procuro fazer coisas diferentes. Essas fugas de contexto inscrevem-se talvez aí, na tentativa de procurar uma coisa mais geral do que a mera fabricação de uma história.

De facto, comecei Cidade dos Espelhos por uma situação propositadamente irreal ou estranha, e eu não fazia a menor ideia do que ia acontecer em seguida. Mas é uma das experiências com a linguagem mais prazerosas que eu tive, foi o que mais me divertiu com a língua. Era um livro sem plano. Normalmente, há uma ideia vaga. Depois, as coisas tomam direções diferentes. Depende dos dias. Neste caso, não havia nenhuma ideia. São experiências… Isso também me descompromete, a tentativa de ir ao encontro da expetativa dos leitores… O facto de um escritor não ser muito importante do ponto de vista das tiragens tem esta grande vantagem, que é a independência. Eu acho que essa independência é a coisa mais preciosa que eu tenho. Um escritor que faz um milhão de exemplares, quando escreve o livro seguinte, imagino que esteja aterrorizado, porque tem de fazer outro milhão de exemplares. Tem vantagens materiais, mas tem este pesadelo, que é toda a gente esperar um comportamento. Quando comecei a escrever, estava à procura de um espaço de liberdade, não de uma outra prisão, diferente da que tenho no quotidiano.

 

Obras do autor:

Coelho, João Paulo Borges (2009 [2003]). As Duas Sombras do Rio. Maputo: Ndjira.

Coelho, João Paulo Borges (2004). As Visitas do Dr. Valdez. Lisboa: Caminho.

Coelho, João Paulo Borges (2005). Índicos Indícios I. Setentrião. Lisboa: Caminho.

Coelho, João Paulo Borges (2005). Índicos Indícios II. Meridião. Lisboa: Caminho.

Coelho, João Paulo Borges (2006). Crónica da Rua 513.2. Lisboa: Caminho.

Coelho, João Paulo Borges (2007). Campo de Trânsito. Lisboa: Caminho.

Coelho, João Paulo Borges (2008). Hinyambaan. Lisboa: Caminho.

Coelho, João Paulo Borges (2010). O Olho de Hertzog. Alfragide: LeYa.

Coelho, João Paulo Borges (2011). Cidade dos Espelhos. Lisboa: Caminho.

 

Referências

Braga-Pinto, C., & Mendonça, F. (2012). João Albasini e as luzes de Nwandzengele. Jornalismo e política em Moçambique, 1908-1922. Maputo: Alcance.         [ Links ]

Castelo, C. (2011). “O modo português de estar no mundo”. O luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961) (2ª ed.). Porto: Afrontamento.         [ Links ]

Cistac, G. (2012). Moçambique: Institucionalização, organização e problemas do poder local. Jornadas de Direito Municipal Comparado Lusófono, Lisboa, abril de 2012. In http://www.fd.ulisboa.pt/LinkClick.aspx?fileticket=m4FLXPTXaOQ%3D&tabid=339 (Consultado em 6 de março de 2015).         [ Links ]

Gonçalves, P. (Org.) (1998). Mudanças do português em Moçambique: Aquisição e formato de estrutura de subordinação. Maputo: Livraria Universitária, Universidade Eduardo Mondlane.         [ Links ]

Granjo, P. (2011). Trauma e limpeza ritual de veteranos em Moçambique. Cadernos de Estudos Africanos, 21, pp. 43-69.         [ Links ]

Isaacman, A. (2000). Chikunda transfrontiersmen and transnational migrations in pre-colonial South Center Africa, ca. 1850-1900. Zambezia, 27(2), 109-138.         [ Links ]

Isaacman, A. F., & Isaacman, B. S. (2005). The ambiguous role of the Chikunda in the South Central African slave trade 1800-1902. In B. Zimba, E. Alpers, & A. Isaacman (Orgs.), Slave routes and oral tradition in Southeastern Africa (pp. 125-156). Maputo: Filsom Entertainment.         [ Links ]

Isaacman, A. F., & Isaacman, B. S. (1976). The tradition of resistance in Mozambique: Anti-colonial activity in the Zambesi Valley, 1850-1921. London: Heinemann.         [ Links ]

Khosa, U. B. K. (2009). Choriro. Maputo: Alcance.         [ Links ]

Massari, A. (2005). Os italianos em Moçambique na época portuguesa (1830-1975). Maputo: Imprensa Universitária.         [ Links ]

Meneses, M. P. G. (2009). Poderes, direitos e cidadania: O ‘retorno’ das autoridades tradicionais em Moçambique. Revista Crítica de Ciências Sociais, 87, pp. 9-42.         [ Links ]

Muianga, E. M. S. (1996). Mulheres e guerra: Reintegração social das mulheres regressadas das “zonas da Renamo” no distrito de Mandlakazi. Dissertação para a obtenção do grau de Licenciatura em História, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, Moçambique. In http://www.saber.ac.mz/bitstream/10857/1188/1/Ht-059.pdf (Consultado em 6 de março de 2015).

Newitt, Malyn (2009 [1995]). A history of Mozambique. London: Hurst.         [ Links ]

Rita-Ferreira, António (1999): African kingdoms and alien settlements in Central Mozambique (c. 15th-17th cent.). Coimbra: Departamento de Antropologia, Universidade de Coimbra.         [ Links ]

Voss, M. (Org.) (2005). Wir haben Spuren hinterlassen!: Die DDR in Mosambik: Erlebnisse, Erfahrungen und Erkenntnisse aus drei Jahrzehnten. Berlin / Hamburg / Münster: LIT.         [ Links ]

Zamparoni, V. (2006). A política do assimilacionismo em Moçambique, c. 1890-1930. In I. G. Delgado, E. Albergaria, G. Ribeiro, & R. Bruno (Orgs.), Vozes (além) da África. Tópicos sobre identidade negra, literatura e história africanas (pp. 145-175). Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora.         [ Links ]

Zamparoni, V. D. (1998). Entre Narros & Mulungos. Colonialismo e paisagem social em Lourenço Marques c. 1890 - c. 1940. Tese de doutoramento, Programa de Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, Brasil. In http://macua.blogs.com/files/entre-narros-mulungos---colonialismo-e-paisagem-social-em-louren%C3%A7o-marques-1890-1940.pdf (Consultado em 6 de março de 2015).

 

 

Notas

[1]   A minha viagem de investigação – em que entrevistei também Eduardo White, Mia Couto, Nelson Saúte, Paulina Chiziane e Ungulani Ba Ka Khosa – foi financiada pela Fundação Fritz Thyssen. As entrevistas fazem parte de um projeto maior sobre as construções identitárias em Moçambique e em Portugal antes e após o 25 de Abril, no âmbito de uma estada de pós-doutoramento na Universidade de Lisboa, financiada pela Fundação Alexander von Humboldt (2014-2016).

[2]   A teoria, de Gilberto Freyre, do luso-tropicalismo sustentava-se na alegada capacidade particular de os portugueses se adaptarem aos trópicos e de se misturarem harmoniosamente com outras raças e culturas. Porém, a doutrina dominante do Estado Novo dos anos 1930 e 1940, que envolvia um racismo eurocêntrico, paternalista e “civilizatório”, alicerçado na postulação de “raças inferiores”, implicava a rejeição da miscigenação (Castelo, 2011, p. 84s.). O Estado Novo serviu-se, só a partir de meados dos anos 1950, da imagem luso-tropical de Portugal como uma comunidade multirracial e pluricontinental e reforçou a sua difusão na década de 1960, depois já do início da guerra colonial e unicamente “para consumo externo” (ibid., p. 97). As entrevistas concedidas e os discursos proferidos por Salazar nesta década retomam as ideias centrais de Gilberto Freyre, embora não por convicção mas, antes, por conveniência política, visando apaziguar as críticas da ONU em relação a Portugal (ibid., p. 98).

[3]   No século XX, Portugal (tal como a França) estabeleceu uma legislação que visava a assimilação dos colonizados (“indígenas” e “mestiços”) à cultura portuguesa. A Portaria Provincial n.o 317, de 9 de janeiro de 1917, editada pelo Governador-geral Álvaro de Castro, introduziu o estatuto do “assimilado aos europeus”. Para adquirir o alvará de assimilado era necessário cumprir uma série de requisitos rígidos e difíceis de alcançar. Exigia-se que o requerente “a) tivesse abandonado inteiramente os usos e costumes daquela raça; b) que falasse, lesse e escrevesse a língua portuguesa; c) adotasse a monogamia; d) exercesse profissão, arte ou ofício, compatíveis com a ‘civilização européia’ ou que tivesse obtido por ‘meio lícito’ rendimento que fosse suficiente para alimentação, sustento, habitação e vestuário dele e de sua família” (Zamparoni, 2006, p. 148s.).

[4]   Trata-se de duas famílias miscigenadas de ascendência italiana que tiveram vários membros de renome social. Os Fornasini chegaram a Moçambique em 1830 e instalaram-se em Inhambane. Carlos António Fornasini, um dos mais importantes colecionadores de botânica em Moçambique, também teve um papel importante na política, participando numa revolta contra o Governador do distrito em 1850 e desempenhando o cargo de presidente da Câmara da cidade de Inhambane de 1851 a 1856 (Massari, 2005, pp. 32-44). O fundador da família Albasini (António) chegou a Moçambique em 1831 e desenvolveu atividades comerciais e políticas em Lourenço Marques (hoje Maputo). Destacam-se, sobretudo, o seu neto jornalista, João Albasini (1876-1922), que fundou O Africano (1908-1918), primeiro jornal local de Lourenço Marques (ibid., pp. 44-53). Os artigos de João Albasini (entre eles, vários sobre a Portaria do Assimilado) foram reeditados por César Braga-Pinto e Fátima Mendonça (2012).

[5]   O Mfecane (também conhecido como Difaqane) foi uma migração massiva de vários povos nguni do sul da África nas décadas 1820 a 1940, devida provavelmente à falta de terras, a secas prolongadas e à expansão dos Zulu e dos Boer. Chaka, rei zulu, formou um poderoso estado militar que arrasou a região através da guerra. Em consequência, muitos Nguni fugiram para Norte e Oeste, conquistaram aldeias e criaram novas alianças e identidades. Desta época data, por exemplo, a formação do reino do Lesoto. Em 1824, os soldados nguni atacaram as possessões portuguesas em Inhambane e, em 1836, as de Sofala. O líder nguni Soshangane assentou em Manica e formou em 1840 o Império de Gaza (veja-se Newitt, 2009, p. 256-266).

[6]   Ilha principal do arquipélago das Quirimbas, no norte de Moçambique (Cabo Delgado), próxima da fronteira com a Tanzânia.

[7]   Refere-se ao capítulo 24 – no covil do leão – do romance As Duas Sombras do Rio.

[8]   Kanyemba (José do Rosário de Andrade) era filho de um chefe tande e uma goesa. Recrutou no final da década de 1860 caçadores de elefantes chicunda (escravos dos prazos que desempenhavam tarefas policiais e militares) no interior de Tete e estabeleceu-se com eles em Bawa (ao sul do rio Zambeze, em frente a Zumbo, na margem norte). Tomou terra pela força e substituiu a caça de elefantes pela mais lucrativa caça de escravos. Kanyemba transformou-se num guerreiro poderoso e temido. Segundo a crença dos achicunda, Kanyemba tornou-se mhondoro, espírito de leão, protetor do povo (Isaacman, 2000, pp. 131-135; veja-se também Isaacman & Isaacman, 2005, pp. 141-151). Kanyemba também aparece mencionado no romance Choriro (2009), de Ungulani Ba Ka Khosa.

[9]   Os mapas elaborados de Rita-Ferreira, contidos no livro African kingdoms and alien settlements in Central Mozambique (c. 15th-17th cent.) (1999), podem ser visualizados também através da página do autor (www.antoniorita-ferreira.com/pt/mapas).

[10]  Veja-se Isaacman & Isaacman (1976).

[11]  Isto também acontece no romance Choriro, de Ungulani Ba Ka Khosa. Baseado num caso histórico, a obra relata a transformação de um branco (Luís António Gregódio) em rei de uma comunidade de achicunda (ex-escravos dos prazos na Zambézia), na segunda metade do século XIX. A personagem alcança a posição de chefe nomeadamente através da sua aculturação à cultura local. A aceitação dos achicunda como membro destacado da comunidade permite-lhe a posterior transformação em mpondoro.

[12]  Sobre a política em relação ao poder local do Estado colonial bem como da Frelimo e da Renamo na pós-independência, veja-se Meneses (2009).

[13]  Para mais detalhes sobre a legislação atual, veja-se Cistac (2012).

[14]  As irmãs Sá Amélia e Sá Caetana, filhas da mulata Ana Bessa e de um indiano (a primeira) e um alemão (a segunda), fogem da guerra, em idade já avançada, deixando atrás a sua terra natal, a Ilha do Ibo, para instalar-se na cidade da Beira. O jovem rapaz, Vicente, acompanha-as com função de empregado e enfermeiro, tomando conta, sobretudo, da mais velha das duas, Sá Amélia. Esta perde gradualmente a noção do espaço e do tempo, razão pela qual Vicente começa a disfarçar-se de Dr. Valdez. Este doutor português era consultado pelas irmãs, anteriormente, no Ibo. O jovem negro consegue, então, apesar do contraste visual, desempenhar o papel do Dr. Valdez e devolver-lhe alguma paz, à velha Sá Amélia, despertando ao mesmo tempo a desconfiança de Sá Caetana.

[15]  Depois do esclavagismo, o trabalho forçado (chibalo) veio substituir o trabalho do escravo. Acordos regionais permitiam a deportação dos trabalhadores forçados para o Transvaal (África do Sul), a Rodésia e também para a então colónia portuguesa de São Tomé e Príncipe (Zamparoni, 1998, p. 87).

[16] Zabela foi publicado em 1983.

[17]  Veja-se, p. ex., Gonçalves (1998).

[18]  As duas palavras estão registadas no dicionário da Porto Editora. Chamuar é uma palavra do sena (língua falada no centro do país) e kanimambo do ronga (língua falada em Maputo). Veja-se www.infopedia.pt (consultado em 23 de fevereiro de 2015).

[19]  Sobre as diversas colaborações entre a RDA e Moçambique, veja-se Voss (2005).

[20]  Refere-se ao ensaio de Althusser “Idéologie et appareils idéologiques d’État”, publicado na revista La Pensée, em 1970.

[21]  Veja-se a tese de licenciatura de Elisa Muianga, orientada por João Paulo Borges Coelho: “[O kuphahla] É uma cerimónia ‘tradicional’ que consiste na evocação dos espíritos dos antepassados, normalmente para pedir a bênção para a realização de algo, ou para agradecer alguma surpresa boa e anunciar algo, como por exemplo um pedido de mais sorte” (Muianga, 1996, p. 44). Sobre outros rituais que cumprem a função de reintegrar veteranos de guerra, veja-se Granjo (2011).

[22]  Refere-se ao ensaio La mémoire, l’histoire, l’oubli (Paris: Seuil, 2000).

[23]  Na página web dos madgermanes, moçambicanos que trabalharam na RDA nos anos 1980, podem-se ver videoclips das manifestações referidas por João Paulo Borges Coelho (http://madgermanes.com).

[24]  António Muchango foi preso a 7 de julho de 2014 e libertado duas semanas depois.

[25]  O novo presidente, Filipe Nyusi, falou pessoalmente com Afonso Dhlakama. Não obstante, a tensão entre os dois partidos agravou-se, visto que a Renamo começou, no início de 2015, a reivindicar a criação de uma região autónoma no centro e norte de Moçambique.

[26]  Chinua Achebe (1930-2013), escritor nigeriano, internacionalmente reconhecido sobretudo pelo seu romance Things Fall Apart (1958).

[27]  Refere-se a Heart of Darkness (1899).

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons