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Cadernos de Estudos Africanos

Print version ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.27 Lisboa June 2014

 

A Fronteira Moçambique-Zimbabué e os ndau: Práticas e representações transfronteiriças no distrito moçambicano de Mossurize (de 1975 à actualidade)[1]

The Mozambique-Zimbabwe border and the ndau: Cross-border practices and representations in Mozambique’s district of Mossurize (1975 to the present)

 

Marta Patrício*

*Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL), Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Avenida das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal, amepatricio@gmail.com

 

RESUMO

As perspectivas sobre as fronteiras africanas, de um modo geral, assentam frequentemente nas afirmações de que as fronteiras são artificiais e arbitrárias. Contudo, este tipo de categorizações parece revelar um desconhecimento face às práticas e significados que as populações locais atribuem às fronteiras. O presente artigo procura contribuir para esta literatura, através de um estudo de caso no distrito de Mossurize, na fronteira entre Moçambique e o Zimbabué. Os dados empíricos originais procuram demonstrar como os grupos fronteiriços ndau percepcionam e se relacionam com a fronteira e com os membros do mesmo grupo étnico que vivem “do outro lado”, e como alterações de fundo na política económica de um dos Estados se repercute ao longo da fronteira porosa.

Palavras-chave: fronteira, Mossurize, Moçambique, Zimbabué, ndau

 

ABSTRACT

Perspectives on African borders, in general, are often based on assertions that the borders are artificial and arbitrary. However, this type of categorization seems to reveal ignorance against the practices and meanings that people attach to the local borders. This article seeks to contribute to this literature through a case study in Mossurize district, on the border between Mozambique and Zimbabwe. Original empirical evidence seeks to demonstrate how ndau border groups perceive and relate to the border and with their kinsmen living “on the other side”, and how major changes in the economic policy of one of those states has repercussions throughout the porous border.

Keywords: border, Mossurize, Mozambique, Zimbabwe, ndau

 

As fronteiras de África, o seu traçado por parte das potências coloniais, as implicações para as populações divididas por estas fronteiras ou as consequências destas terem sido mantidas após a descolonização, não constituem temáticas recentes nem tão pouco representam um assunto original nas Ciências Sociais.

Com efeito, as discussões sobre as fronteiras africanas, de um modo geral, assentam frequentemente nas afirmações de que as fronteiras são artificiais e arbitrárias, foram desenhadas “a régua e esquadro” pelos europeus, dividiram grupos étnicos entre dois ou mais Estados, e por isso representam uma constante fonte de conflito. Contudo, o facto de regularmente se caracterizarem as fronteiras africanas deste modo, sem que se problematizem essas considerações, parece revelar um desconhecimento face à literatura sobre as fronteiras africanas pré-coloniais (Kopytoff, 1989), sobre a Conferência de Berlim e os seus impactos (Katzenellenbogen, 1996), ou sobre as formas como as fronteiras têm sido representadas e apropriadas pelas populações que nelas vivem (Flynn, 1997).

O presente artigo parte destas premissas para, através de um estudo de caso realizado no Sul da fronteira entre Moçambique e o Zimbabué, analisar os significados que lhe são atribuídos pelos grupos sociais que habitam a zona fronteiriça, e que pertencem ao grupo étnico ndau, bem como as suas práticas e dinâmicas face à mesma, no período compreendido desde 1975 até à actualidade. A selecção do distrito de Mossurize deve-se a dois factores: por um lado, à novidade empírica que representa pois, à excepção de Fernando Florêncio (2005), desconhecem-se outros trabalhos que refiram evidências sobre este distrito. Por outro lado, Mossurize localiza-se numa fronteira africana predominantemente porosa mas que não se consubstancia num foco de conflito ou de reivindicações de cariz étnico por parte da população ndau, que passou a estar “dividida” entre dois países com o traçado da fronteira. A opção pela delimitação temporal prende-se com o facto de 1975 ser o ano da independência de Moçambique, isto é, o momento em que a fronteira colonial se tornou a fronteira de um Estado independente. Pretende-se aferir se tal constituiu igualmente um momento de ruptura em relação a práticas e representações transfronteiriças anteriores. Em termos de análise, entre 1975 e a actualidade destaca-se o ano 2000, quando o Zimbabué mergulhou numa grave crise económico-financeira que se estendeu por toda a década. Argumenta-se que esta conjuntura provocou alterações nas práticas sociais e económicas da população moçambicana de Mossurize, visíveis na actualidade, e contribuiu para conotar a fronteira, talvez pela primeira vez desde a demarcação dos finais do século XIX, com uma linha de separação entre populações.

Para fundamentar esta posição, o presente artigo começa por enunciar os debates que enformam os “estudos de fronteira” (border studies) no geral, e os estudos sobre as fronteiras africanas em particular, tendo em conta os impactos das fronteiras enquanto linhas de delimitação entre soberanias e jurisdições. As secções seguintes debruçam-se sobre a fronteira Moçambique-Zimbabué e a trajectória de formação do Estado de Moçambique, sobre o distrito de Mossurize e a população ndau, e, por último, sobre os resultados do trabalho empírico efectuado nesse distrito. Os dados apresentados foram recolhidos no distrito de Mossurize, predominantemente em Espungabera (capital do distrito), seguindo uma metodologia qualitativa (Burgess, 1997, p. 112), através das técnicas de observação participante e entrevistas não-estruturadas conduzidas pela autora entre Abril e Maio de 2011. Os entrevistados são maioritariamente do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 25 e os 60 anos de idade. Foram ainda realizadas entrevistas a funcionários da administração local, comerciantes, agricultores e autoridades tradicionais[2].

O artigo conclui que o traçado da fronteira per si não provocou alterações nas dinâmicas sociais dos ndau, mas que a política económica do Zimbabué na última década tem gerado alterações nos comportamentos económicos da população do distrito de Mossurize com repercussões na percepção da fronteira.

Border studies e borderland studies

Fronteira, território e soberania representam elementos constitutivos do Estado com uma forte interligação entre si. Em sentido lato, uma fronteira é uma linha imaginária que delimita o território (terrestre, fluvial, marítimo e aéreo) de um determinado Estado, separando-o de territórios adjacentes. Dentro de cada um dos limites criados, passa a vigorar um ordenamento político e jurídico, específico e autónomo, diferente daquele possível de encontrar no “outro lado” da fronteira. Isto é, o território de um Estado representa o espaço de exercício pleno da sua soberania, a qual tem como limites as suas fronteiras, do que resulta que um Estado soberano não pode ser dissociado do território sobre o qual exerce o seu poder nem das suas fronteiras (Zippelius, 1997, pp. 108-118).

Este postulado tem vigorado até à actualidade, não só na Europa mas também nos Estados pós-coloniais em África, os quais decidiram adoptar o modelo do Estado moderno como forma de organização política aquando das suas independências. Contudo, as dinâmicas políticas, económicas, jurídicas e sociais que marcam a contemporaneidade têm provocado como que uma “diluição” destas premissas, e embora estas continuem a ser formalmente relevantes, a um nível material é possível encontrar algumas nuances na sua aplicabilidade.

Uma das regras da “Guerra Fria”, perante o aumento do número de Estados após a descolonização, era o desincentivo à alteração das fronteiras, de modo a que se pudesse garantir a integridade dos Estados existentes (Herbst, 1996-1997, p. 122). Porém, o fim da “Guerra Fria” e a globalização trouxeram novas abordagens às questões sobre as fronteiras, nomeadamente o princípio de que as fronteiras não são linhas fixas ou barreiras. Esta ideia de “quase desaparecimento” das fronteiras significa que a transferência de poder dos Estados para empresas (ou instituições supranacionais) resultam num sistema económico global que crescentemente opera de formas que retiram significado a uma fronteira territorial, criando novos espaços sociais, políticos e económicos que não podem ser delimitados de modo comparável à delimitação entre Estados (Abraham, 2006, p. 285; Mbembe, 2002, p. 77; Williams, 2006, p. 2).

Com efeito, a teoria do total desaparecimento das fronteiras em virtude da globalização parece pouco plausível (Newman, 2006, p. 173), pois muitas fronteiras têm sido gradualmente “abertas”, tendo em conta a crescente cooperação económica em zonas politicamente estáveis. Mas, por outro lado, o aumento das ameaças externas despoleta medidas securitárias que tornam algumas fronteiras cada vez mais impermeáveis.

Neste artigo veicula-se a posição de David Newman, e também a de Malcolm Anderson, segundo os quais as fronteiras representam simultaneamente instituições e processos que são relevantes para a compreensão da vida política contemporânea que, como tal, as forças da globalização não serão capazes de eliminar por completo (ibid.; Anderson, 1996, p. 2).

De uma forma ampla, e com base nesta trajectória das fronteiras que se acaba de enunciar, pode afirmar-se que os estudos de fronteira “convencionais” focam-se mais no Estado e os estudos “recentes” nas populações. Anthony Asiwaju (2011), partindo da análise de Raimondo Strassoldo (1989, pp. 383-386) sobre os estudos “convencionais” (border studies) na Europa, defende que estes se baseiam em perspectivas estatocêntricas, frequentemente associadas com a definição das fronteiras, sua legitimação e disputas associadas, e assentam nos enquadramentos disciplinares da Geografia, História, Direito, e Ciência Política (Asiwaju, 2011, p. 3). Por sua vez, os estudos “recentes”, também denominados borderland studies (por compreenderem as regiões em torno da fronteira e não apenas a linha de demarcação), assentam em disciplinas como a Sociologia ou a Antropologia para analisar as questões mais directamente relacionadas com as populações que habitam zonas fronteiriças, suas dinâmicas e desafios (Asiwaju, 2011, p. 4).

Este enquadramento epistemológico, embora fundado nos estudos sobre as fronteiras europeias, também se aplica ao estudo das fronteiras africanas. Com efeito, os estudos de fronteiras africanas “convencionais” conferem primazia ao Estado e à soberania territorial e assentam em questões legais – como a definição de fronteiras, disputas associadas e respectivos mecanismos de resolução – e políticas – como os fenómenos decorrentes da existência de fronteiras: irredentismo, separatismo e regionalismo (Nugent, 2002, p. 5). As obras de Carl Widstrand (1969) e Ian Brownlie (1979) são referências paradigmáticas desta literatura.

A partir da década de 1970 surgem os estudos de fronteiras africanas mais “recentes”, onde se destaca o pioneirismo de Anthony Asiwaju. Estes trabalhos analisam os impactos das fronteiras junto das populações (Asiwaju, 1985) e começam nos anos seguintes a surgir perspectivas comparativas sobre fronteiras africanas entre si (Asiwaju & Adeniyi, 1989), entre antigas delimitações coloniais que separavam territórios que agora se encontram no mesmo Estado (Asiwaju, 1976; Miles,1994), e entre fronteiras africanas e fronteiras de outros continentes (Asiwaju, 1996). De ressaltar ainda o importante trabalho de Igor Kopytoff (1989) pela sua análise dos significados e das representações africanas pré-coloniais de “território” e “fronteira”.

As perspectivas sobre as fronteiras africanas produzidas na contemporaneidade são de uma maneira geral constituídas por abordagens que enfatizam o seu potencial de instabilidade e de conflito (Igue, 1995; Englebert, Tarango & Carter, 2002; Larémont, 2005), e por trabalhos que, em oposição, defendem a sua resiliência e pertinência (Flynn, 1997; Donnan & Wilson, 1999).

Devido ao seu crescimento a partir da década de 1990, em clara dissonância com a profetização do desaparecimento das fronteiras territoriais veiculada pela globalização, os border studies adquirem cada vez mais relevância científica e têm até constituído a base para a tomada de decisões políticas no terreno[3]. Talvez os estudos sobre fronteiras tenham ressurgido exactamente para demonstrar que esses locais não são estáticos, não são meras linhas em mapas onde uma jurisdição acaba e outra começa. Pelo contrário, problematizam a forma como as fronteiras são socialmente construídas, como são geridas e qual o seu impacto na vida quotidiana de quem as habita (Newman, 2006, p. 173). Tal é válido igualmente para o continente africano, onde a produção científica sobre as fronteiras tem verificado um grande aumento, nomeadamente ao nível dos borderland studies – e que é a corrente na qual este artigo se insere –, demonstrando que a perspectiva recorrente sobre a herança das fronteiras coloniais tem sido largamente preterida em detrimento de outras abordagens, como demonstra a próxima secção.

Fronteiras africanas

As fronteiras de África resultaram de um conjunto de decisões tomadas pelas potências coloniais na Conferência de Berlim de 1884-1885. Contudo, algumas generalizações que se produziram sobre a Conferência carecem de rigor, no-meadamente o facto de ser vista como o local onde os europeus arbitrariamente desenharam as fronteiras de África a “régua e esquadro”. Com efeito, o principal propósito para a Conferência de 1884-1885 ter sido convocada deveu-se ao facto de a Alemanha pretender criar um consenso sobre a apropriação de terras em África e, assim, controlar futuras expansões das outras potências. Com efeito, e como sustenta Katzenellenbogen (1996), a Conferência não só não estabeleceu o princípio da “ocupação efectiva” (que já vinha sendo desenvolvido desde o século XVI e foi utilizado diversas vezes para justificar certas exigências), como não foi o local onde todas as fronteiras africanas ficaram decididas – a maioria delas dependia de tratados que foram assinados posteriormente (pp. 21-22). Os resultados da Conferência foram, na prática, somente o acordo de todos os participantes na partilha da exploração económica de África, o reconhecimento do Estado Livre do Congo e o estabelecimento do comércio livre nos rios Níger e Congo (Katzenellenbogen, 1996, p. 23; Herbst, 1989, p. 683).

A artificialidade das fronteiras africanas é outra generalização muito referida mas pouco rigorosa, uma vez que o que é comum a todas as fronteiras do mundo é exactamente a sua artificialidade. Apesar de, por vezes, as fronteiras assentarem nos traços que são desenhados pela disposição natural de rios, montanhas ou mares e, assim, estes elementos da geografia natural serem utilizados para marcar os limites de um território, tal não significa que as fronteiras sejam criações naturais; na realidade, elas são estabelecidas pelo homem em virtude de objectivos específicos, e por isso toda e qualquer fronteira é artificial, mesmo quando assenta em elementos fisicamente observáveis. A par da ideia de “artificialidade” surge a ideia da “arbitrariedade” que se deve à percepção de que as fronteiras africanas não foram definidas pelos próprios africanos. Contudo, de acordo com Mbembe (2002), as fronteiras africanas não são arbitrárias no sentido em que não foram estabelecidas exclusivamente pelos europeus de forma discricionária e à revelia de outros actores. De facto, e em grande medida, cada fronteira previamente traçada ficou dependente de ser confirmada através de tratado ou convenção resultantes de negociações diplomáticas, renúncias, anexações ou trocas entre potências imperiais; ou procurou também manter as demarcações de unidades políticas pré-coloniais com cujos representantes africanos se assinaram tratados (Mbembe, 2002, p. 58). No caso das fronteiras que separam os países ao longo dos limites do deserto do Sahara (Mali, Níger, Argélia) ou do deserto do Kalahari, as fronteiras são apenas linhas imaginárias (ibid.). Na verdade, os europeus conheciam muito pouco da demografia, etnografia ou topografia do continente africano, pelo que os seus traçados acabaram por ser uma opção racional face à falta de informação (Herbst, 1989, p. 674; Anderson, 1996, p. 79). Desta forma, as fronteiras tal como foram traçadas serviram as necessidades de quem as criou e servem actualmente as de quem decidiu mantê-las (Herbst, 1989, p. 692), pelo que caracterizá-las como arbitrárias é uma afirmação pouco precisa.

No período pré-colonial as fronteiras eram definidas de acordo com a distância até onde uma unidade política conseguisse estender todo o seu poder. As entidades políticas eram uma amálgama de espaços que se combinavam, separavam e voltavam a juntar, através da mobilidade de pessoas e bens, de conquistas e guerras; pelo que os seus limites ora se expandiam, ora se contraíam, fazendo com que as fronteiras pré-coloniais fossem dinâmicas, fluídas e flu-tuantes (Kopytoff, 1989, p. 12; Clapham, 1998, p. 88). A principal mudança que o colonialismo impôs neste status quo foi um novo sistema de fronteiras territoriais fixas, que os Estados africanos pós-coloniais decidiram manter.

Com efeito, a Assembleia-Geral da ONU, nas suas 15ª (1960) e 16ª (1961) sessões, decidiu manter as fronteiras coloniais. A OUA, na sua sessão inaugural de 1963, e numa resolução mais específica sobre disputas transfronteiriças em 1964, aceitou o princípio de uti possidetis ita possidetis, isto é, “aquilo que possuis continuas a possuir” (Anderson, 1996, p. 82; Abraham, 2006, p. 278). A intangibilidade das fronteiras africanas ficava assim consagrada, e cada Estado devia respeitar a soberania e integridade territorial dos restantes, bem como “o seu direito inalienável a uma existência independente” (Chime, 1969, p. 66).

Esta decisão de manutenção das fronteiras após 1964 pode ser entendida à luz da auto-preservação do Estado, pois como afirma Saadia Touval (1985, p. 225) temia-se que dar a um grupo ou região o direito de secessão poderia despoletar outras exigências com o mesmo objectivo e, desta forma, provocar a aceleração da desintegração do Estado.

A característica mais distintiva das fronteiras africanas será talvez o seu maior grau de porosidade em comparação com outras fronteiras internacionais e, simultaneamente, o facto de essa maior porosidade contribuir para a sua própria estabilidade – pois os espaços em aberto permitem uma fácil mobilidade. Com efeito, por porosidade entende-se “uma condição de permeabilidade permanente e a incapacidade de o Estado efectivamente regular essa situação” (Strassoldo, 1989, p. 388) e controlar o tráfego de pessoas, bens e informação ao longo da linha de fronteira (Anderson, 1996, p. 6). De facto, uma linha de fronteira não é controlada por postos fronteiriços formais em todos os pontos de passagem e no caso das fronteiras africanas, de um modo geral, esta porosidade contribui para que sejam conotadas com “canais por onde circulam pessoas, bens e animais” e como um fonte de oportunidades exploradas de forma diferente por actores estatais e não-estatais (Nugent & Asiwaju, 1996, p. 11). Assim, estas fronteiras são frequentemente uma realidade aceite e activamente reproduzida na vida social e económica dos grupos fronteiriços, e não uma fonte de grande contestação.

Como resultado, as fronteiras africanas sofreram poucas alterações desde o fim da descolonização, exceptuando a secessão da Eritreia (1993) e do Sudão do Sul (2011). É certo que existiram conflitos relacionados com tentativas de secessão, como o Katanga na República Democrática do Congo em 1960 e o Biafra na Nigéria em 1967. Mas ambos os casos, mais do que exigências fronteiriças, tiveram por base exigências de acesso a recursos (cobre no primeiro caso e petróleo no segundo) e ambos acabaram por ser controlados pelos respectivos Estados. Outros exemplos foram as exigências da Somália sobre Ogaden em 1963 e 1978 (sob controlo da Etiópia), a disputa entre o Chade e a Líbia sobre a faixa de Aozou (1973-1994), as tentativas de independência do Sahara Ocidental (ocupado por Marrocos desde 1975), ou a disputa entre a Nigéria e os Camarões sobre a Península de Bakassi (1981-2008). Tentativas de secessão na actualidade podem ser encontradas em Casamança (Senegal), Cabinda (Angola), faixa de Caprivi (Namíbia), ilha de Anjouan (Comores) e nas províncias anglófonas dos Camarões (Anderson, 1996, pp. 81-87).

O que passa despercebido a quem perpetua os lugares-comuns de “arbitrariedade” e “artificialidade” é que as grandes mudanças territoriais no período pós-colonial ocorreram afinal a nível interno. Ao mesmo tempo que se gerou consenso sobre a inviolabilidade das fronteiras entre Estados após as independências, verificou-se uma grande tendência para a remodelação das fronteiras internas através da criação de novas províncias, distritos e municípios de acordo com objectivos políticos e económicos, conduzindo muitas vezes à compartimentação e reificação de identidades étnicas, e isso sim, potenciando conflitos (Mbembe, 2002, p. 60).

Ainda assim, há autores que defendem que um número substancial de Estados africanos, devido à sua fragmentação política, não controla o conjunto do seu território nacional, nem sequer nominalmente, pelo que as fronteiras só fazem sentido nos mapas (Clapham, 1998, p. 82). Em resposta, surgem perspectivas que sustentam que as fronteiras africanas são fortes e essenciais à consolidação do Estado, pois funcionam como “mecanismos tampão” face a influências externas indesejáveis (Herbst, 2000, p. 252).

Sobre o impacto das fronteiras coloniais sobre os grupos étnicos pré-existentes, e que também é um lugar-comum quando se analisam as fronteiras africanas, Anthony Asiwaju (1985) apresenta uma lista dos grupos étnicos que foram “divididos” pelas fronteiras internacionais (pp. 256-258). A sua distribuição é transversal a todo o continente pois cada fronteira internacional em África “corta” pelo menos um grupo. Mas este fenómeno não significa que todas as fronteiras são fontes de conflito ou barreiras para estes grupos étnicos. Apesar de serem mencionados nesta lista de Asiwaju, os ndau nunca viram a fronteira como um “muro” nem exigiram a restauração do seu território tradicional, que se encontra dividido entre Moçambique e o Zimbabué.

A fronteira Moçambique-Zimbabué e o Estado moçambicano

A fronteira entre Mozambique e o Zimbabué é uma das mais extensas da África Subsaariana. Com cerca de 1.231 quilómetros de extensão, divide o leste do Zimbabué do centro de Moçambique. Esta fronteira tem sido o foco de algumas pesquisas sobre refugiados (Hughes, 1999), trabalho e migração (Neves, 1998; Allina-Pisano, 2003; Tornimbeni, 2005; Newitt & Tornimbeni, 2008), agricultura, terra e conservação ambiental (Hammar, 2010; Tornimbeni, 2007; Hughes, 2001; Tornimbeni, 2010), e sobre autoridades tradicionais (Florêncio, 2005).

O Tratado Anglo-Português de 1891 estabeleceu a fronteira entre Moçambique e a então Rodésia do Sul após uma série de disputas sobre o controlo das minas de ouro de Manica nos finais do século XIX. O confronto entre Portugal e a Grã-Bretanha teve o seu clímax no Ultimatum de 11 de Janeiro de 1890, quando Londres ameaçou bombardear Lisboa caso as suas exigências não fossem atendidas (Newitt, 1995, pp. 306-316). O processo de demarcações e modificações acabou por ser longo e prolongou-se até 1940 (Brownlie, 1979, pp. 1219-1221). A longa fronteira foi estabelecida segundo quatro pontos principais assinalados pelos rios da região: entre o Zambeze e o Mazoé, do Mazoé ao Honde, do Honde ao Save, e do Save ao Limpopo (ibid.).

Com efeito, aquando do estabelecimento da fronteira, e de acordo com Tornimbeni (2010), a região norte estava sob influência das migrações e comércio muçulmanos, a região centro desenvolveu-se em torno da complexa rede do sistema dos “prazos”[4], a região sul era dominada pelo Império de Gaza, e a Baía de Delagoa estava ao serviço do Transvaal (p. 38). A posterior administração das Companhias Monopolistas manteve as diferenças entre as zonas sob a sua alçada e as restantes. Quando as suas concessões terminaram e Portugal assumiu a administração colonial da totalidade do território moçambicano, herdou um terreno fragmentado. As estradas e os caminhos-de-ferro que foram sendo implementados em Moçambique pretendiam apenas garantir a ligação das colónias britânicas no interior do continente à costa do Índico e acabaram por dar origem aos denominados “corredores” (artérias de actividade económica). Desta forma, nas zonas de fronteira com as colónias britânicas, a comunicação entre os dois lados era frequente e existiam redes de contactos transfronteiriços criados pela população em busca de trabalho, escolas, bens de consumo, terras e manutenção dos laços de parentesco (Newitt & Tornimbeni, 2008, p. 715).

Assim, esta fronteira é particularmente porosa do ponto de vista dos movimentos migratórios e a população que habita a zona da fronteira mantém facilmente redes culturais e sociais transnacionais (Tornimbeni, 2010, p. 39). Ao longo de mais de 1.000 quilómetros apenas sete checkpoints são abertos ao tráfego automóvel e vigiados por guardas, enquanto os pedestres utilizam diversos caminhos “corta-mato” e, para eles e na maioria das vezes, a fronteira não é inspeccionada, protegida ou demarcada (Hughes, 1999, p. 4).

Devido à proximidade geográfica, o movimento através da fronteira colonial era tão comum e as fronteiras tão permeáveis que as pessoas chegavam a atravessar a fronteira diariamente, recorrendo a caminhos pré-existentes e anteriores à ocupação colonial. O Estado colonial revelou-se incapaz de controlar os movimentos quotidianos das pessoas, assim como as fugas ao imposto de palhota (mussoco) e ao trabalho forçado (chibalo), e também às migrações ilegais para as minas da África do Sul e para as plantações da antiga Rodésia (Branquinho, 1967).

Esta situação encontra fundamento em Richard Larémont (2005), que afirma que as fronteiras dos Estados africanos criaram Estados territoriais legitimados pelo Direito Internacional e que são relevantes primeiramente para os que se ocupam do poder político interno, mas insignificantes para a maioria dos habitantes (pp. 24-25).

Após a independência em 1975, o governo de Moçambique foi atribuído à FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique)[5]. Porém, logo em 1977, o conflito com a Rodésia do Sul[6], a desestabilização promovida pela África do Sul, e a guerra civil com a RENAMO (Resistência Nacional de Moçambique) (1977-1992) causaram a destruição e o colapso económico do país. O Acordo de Paz foi assinado apenas em Outubro de 1992 e a partir deste momento passou a imperar a necessidade de reconstruir o país e garantir a unidade nacional.

Desde essa altura, foram encetadas medidas de descentralização e de desconcentração político-administrativas, igualmente impulsionadas e financiadas por doadores externos. Até ao momento, as medidas de descentralização administrativa só produziram cinquenta e três municípios, uma vez que as cidades e vilas de acordo com a Lei nº 2/97 têm de preencher certos requisitos demográficos, económicos, sociais, culturais, administrativos e de capacidade financeira para poderem ser consideradas municípios. Mais eficaz parece ser o processo de desconcentração, com o estabelecimento de órgãos locais do Estado[7] em todo o país, contribuindo assim para o reforço do Estado-FRELIMO através do alargamento das suas estruturas administrativas à totalidade do território.

O distrito de Mossurize é predominantemente rural e por isso não possui qualquer município. Mas o Estado local criou as suas representações nos três postos administrativos do distrito (Chiurairue, Dacata e Espungabera). Ainda assim, este é um distrito isolado e com acessibilidades muito incipientes, onde este incremento da autoridade estatal parece ter um resultado mais formal do que material, uma vez que a organização político-social tradicional continua a ser preponderante.

Os impactos desta trajectória de consolidação do Estado moçambicano no distrito de Mossurize, juntamente com o seu carácter fronteiriço e a capacidade de adaptação dos seus habitantes às mudanças, em função da maior ou menor presença de agentes do Estado, exponenciam o potencial heurístico deste local e serão analisados na próxima secção.

O distrito de Mossurize e a população ndau: caracterização e evolução

Na fronteira entre Moçambique e o Zimbabué encontra-se Mossurize, um distrito moçambicano pertencente à província de Manica e que se situa na parte Sul desta linha de fronteira. A sua capital é Espungabera e os territórios limítrofes são o distrito de Sussundega (a Norte), o distrito de Machaze (a Sul), o distrito de Chibabava (a Leste) e o Zimbabué (a Ocidente). A sua população pertence ao grupo étnico ndau.

 

 

 

As origens e a história do povo ndau encontram-se ligadas ao planalto do Zimbabué, à fragmentação do Império de Monomotapa e do Reino de Mbire e aos ciclos expansionistas dos rozvi. Os rozvi eram um grupo linhageiro shona-caranga que se deslocou das terras altas do hinterland do Zimbabué, em torno do século XV, e que ocuparam sucessivamente a faixa central entre os rios Búzi e Save, dominando as populações tonga que aí viviam e estabelecendo pequenas unidades políticas (chefaturas) relativamente autónomas umas das outras, mas relacionadas pelo parentesco (Florêncio, 2005, p. 79).

De acordo com vários autores, o termo ndau teria sido aplicado a estas populações pelos invasores nguni, vindos do leste da actual África do Sul e que ocuparam a região central e Sul de Moçambique durante a segunda metade do século XIX, aí estabelecendo o Império de Gaza. O termo relacionar-se-ia com a forma tradicional como estas populações saúdam um chefe ou um estrangeiro importante: ajoelham-se, batem as palmas e repetida e ritmicamente gritam “ndau ui ui, ndau ui ui” (Florêncio, 2002, p. 52).

A dominação nguni foi inicialmente liderada por Sochangane. O seu filho, Umzila, estabeleceu a capital em Mossurize, e o Império terminou em 1895, já sob a liderança do seu neto, Gungunhane, quando este foi capturado pelas forças portuguesas lideradas por Mouzinho de Albuquerque (Newitt, 1995, p. 337).

Da mesma forma que resistiram aos nguni, os ndau também resistiram às tentativas de submissão dos portugueses (Allina-Pisano, 2003), fundamentalmente utilizando a fronteira como canal de fuga e juntando-se ao seu grupo de parenteso “do outro lado”. Pelo que o estabelecimento da fronteira internacional em 1891 não rompeu as ligações entre os ndau que estavam agora sob duas administrações coloniais diferentes.

De facto, essa “separação” nunca foi efectiva, como o demonstram o conjunto de relações de subordinação política, com uma enorme componente mágico-religiosa, entre as chefaturas ndau moçambicanas e rodesianas (Florêncio, 2005, p. 129). De acordo com a organização política tradicional ndau, que se desenvolveu através da expansão desde o planalto do Zimbabué até ao Oceano Índico, qualquer nova chefatura que fosse fundada neste processo, apesar de conquistar um certo grau de autonomia, dependia sempre da chefatura da qual tinha emergido (ibid., p. 87). Esta é a razão pela qual, ainda hoje, existem fortes relações entre as chefaturas ndau na fronteira entre Moçambique e o Zimbabué: os de Mossurize são tradicionalmente subordinados aos de Chipinge e ambos se visitam regularmente.

Mossurize ocupa uma área de 5.096 km2 e, de acordo com os censos de 2007[8], o distrito tem uma população total de cerca de 131.400 habitantes, que vivem em pequenos grupos de povoações/aldeias dirigidas por um chefe, subordinado da autoridade tradicional. De facto, em Moçambique as autoridades tradicionais desempenham tarefas no âmbito do Estado local e são oficialmente reconhecidas (Decreto 15/2000 de 20 de Junho).

O distrito está dividido em três postos administrativos: Espungabera, Chiurairue e Dacata. É um distrito rural, não existe acesso a água canalizada e a rede eléctrica provém do Zimbabué. A população só fala português nos postos administrativos – à medida que nos afastamos do centro destas vilas, a língua predominante é a língua local (cindau)[9].

Como a observação no terreno demonstrou, as acessibilidades de Mossurize são parcas e deficientes, o que tem contribuído para que este distrito se mantenha bastante isolado do conjunto do território moçambicano. O serviço de transportes públicos colectivos (“chapas”) é ocasional e muito moroso. A principal estrada (estrada regional 216) é de “picada” e bastante acidentada, o que torna difícil a viagem de duzentos e trinta quilómetros até à cidade de Chimoio (capital da província de Manica).

Desta forma, Mossurize tem sido caracterizado pelo isolamento. Como este distrito foi sempre considerado apenas como fonte de mão-de-obra, quer para a Companhia de Moçambique, quer para o Estado colonial, ficou sistematicamente excluído dos diversos planos de desenvolvimento e de investimento de infraestruturas (Neves, 1998, p. 176; Newitt & Tornimbeni, 2008, p. 720). O Estado colonial só estabeleceu uma presença “regular” em Mossurize após a criação de um posto administrativo em Espungabera em 1900, na sequência da derrota do Império de Gaza. Documentos do início da presença portuguesa na região já evidenciavam que a sua distância face à costa, o terreno montanhoso e acidentado, as dificuldades em abrir estradas, e a existência endémica de mosca tsé-tsé retiravam-lhe qualquer atractividade (AHM, Relatório do Governador do Território, Companhia de Moçambique, 1902-1903).

Com efeito, perante as dificuldades de viver neste lugar, praticamente toda a população emigrava para os territórios sob administração britânica para trabalhar nas minas (África do Sul) ou nas plantações (Rodésia do Sul) (Newitt & Tornimbeni, 2008, p. 726). Além disso, devido à falta de meios eficazes para controlar a totalidade da fronteira, os que permaneciam em Mossurize fugiam para território inglês sempre que chegava a altura do recrutamento para trabalho forçado ou do pagamento de imposto de palhota. Pelo que, mesmo com um posto administrativo, e até ao final da ocupação colonial, a linha de demarcação nunca entrou verdadeiramente nas práticas nem nas representações deste grupo fronteiriço. Muito pelo contrário, a consciência de que as condições económicas eram mais favoráveis “do outro lado”, faziam da fronteira um canal de oportunidades. Se a independência de Moçambique e as décadas seguintes transformaram estas percepções, é o que será analisado na próxima secção.

O período 1975-2000: evidências empíricas

Com a independência de Moçambique, a proximidade da fronteira continuou a representar uma oportunidade de fuga para a população sempre que a efectiva presença do Estado condicionava o seu modus vivendi. Além disso, a guerra civil, que eclodiu pouco tempo depois, e de acordo com as entrevistas recolhidas, acabou por também aumentar o número de fugas para o Zimbabué. Este período foi particularmente conturbado em Mossurize, pois a RENAMO ocupou vastas zonas do distrito a partir de 1978 para o estabelecimento das suas primeiras bases militares em Moçambique (Hall & Young, 1997, pp. 126-127).

A violência da guerra civil causou um enorme fluxo de moçambicanos para o “outro lado”, quer para campos de refugiados, quer para procurar abrigo junto de familiares e de membros do mesmo grupo étnico. Não foi possível aceder a dados estatísticos deste período que permitam ter uma noção quantitativa clara dos fluxos populacionais[10]. No entanto, Jessica Schafer afirma que 50% dos habitantes de Mossurize deixaram o distrito durante a guerra e a maioria fugiu para o Zimbabué (Schafer, 2007, p. 40). Mediante as entrevistas realizadas, pôde concluir-se que os actuais habitantes de Mossurize referem sempre pelo menos um membro da sua família que fugiu durante a guerra de independência ou aquando da guerra civil. Em qualquer dos casos, as estadias no “outro lado” foram prolongadas e estas pessoas acabaram por ficar a estudar ou a trabalhar na Rodésia do Sul/Zimbabué, voltando a Moçambique apenas após a assinatura do Acordo de Paz em 1992. Alguns sentiram-se de tal modo integrados que nunca se voltaram a fixar em Mossurize: “Muita gente fugiu para o Zimbabué no tempo da guerra e depois ficaram como permanentes” (Entrevista a autoridade tradicional, Espungabera, 09-05-2011). “A minha família nasceu em Moçambique mas fugiram para o Zimbabué no tempo da guerra e depois não foram repatriados. Escolheram ficar lá e gostam de lá viver” (Entrevista a comerciante, Espungabera, 11-05-2011).

O fim da guerra civil trouxe a necessidade de estabilizar e consolidar o Estado, principalmente nas regiões devastadas pelo conflito ou onde a presença da RENAMO havia sido mais preponderante e conseguido o apoio das populações. Mossurize viu então serem construídas a Administração Distrital e as Direcções Distritais do Estado, bem como a chegada dos respectivos funcionários. Acostumada ao seu isolamento, a maioria da população local retirou-se para zonas mais interiores:

A maior parte da população que fala português são os funcionários governamentais, que são de fora de Mossurize. Os que viviam cá antes são fechados a novas influências, quem vem de fora é que tem de se adaptar. Não são maus, só não gostam que as pessoas se tentem impor (Entrevista a funcionário do Estado local, Espungabera, 09-05-2011).

O único posto fronteiriço oficial no distrito é o de Espungabera, construído em 2007 e a uma distância de cerca de quatro quilómetros do centro da vila. Trata-se de uma fronteira com um fluxo reduzido de pessoas e bens:

Esta fronteira não tem muito movimento. A única altura em que passam mais pessoas é no final do ano e talvez na Páscoa, quando os moçambicanos que trabalham na África do Sul passam aqui para voltar a casa para as férias. É um trabalho muito calmo aqui (Entrevista a funcionário do posto fronteiriço, Espungabera, 10-05-2011).

A generalidade dos informantes revelou que, na maioria dos casos, a população de Mossurize prefere entrar “ilegalmente” no Zimbabué através de caminhos “corta-mato”, seja a pé ou de carro, existentes um pouco por toda a extensão da fronteira. Fazem-no por esta via informal porque ou não possuem passaporte, ou para não pagar taxas alfandegárias pelas mercadorias que transportam, ou porque fica mais perto chegar às povoações do Zimbabué através destes caminhos[11]. Crianças e jovens de Mossurize também frequentam a escola no Zimbabué:

Os meninos vão à escola ao Zimbabué porque lá o ensino é mais avançado e porque aqui as escolas só começaram a surgir mais em 2007, quando qualquer pessoa com a 10ª classe podia ser professor (Entrevista a funcionário do Estado local, Espungabera, 09-05-2011).

Os encontros entre autoridades tradicionais, que mantêm a sua relevância pelas interdependências já referidas, são talvez os únicos que se processam pela via formal:

Costumo usar o corta-mato, menos quando é para acompanhar o tributo ao Mapunguana do Zimbabué. Aí vou pela fronteira formal e é preciso fazer um documento para aquisição de credencial para poder passar na migração (Entrevista a autoridade tradicional, Espungabera, 09-05-2011).
Quando participo nas cerimónias no Zimbabué vou no carro da Administração e passo sempre na fronteira formal. Ter de passar lá é que me faz lembrar que estamos em países diferentes (Entrevista a autoridade tradicional, Espungabera, 12-05-2011).

Assim, a pesquisa indicia que as populações nesta região continuam a atravessar a fronteira como o faziam no passado e vão ao Zimbabué visitar parentes, à escola e participar em cerimónias. Os seus discursos parecem negar a existência de grandes impactos decorrentes da delimitação da fronteira internacional:

Quem vive aqui conhece melhor o Zimbabué do que Moçambique, toda a gente já foi ao Zimbabué pelo menos uma vez e toda a gente tem lá família. Quem vive na fronteira é assim, sempre tem família dos dois lados (Entrevista a comerciante, Espungabera, 13-05-2011).

Antes as pessoas viviam como pássaro: faziam o ninho onde as condições para ter alimentos pareciam melhores, não se preocupavam com países. Agora já percebem que estão em países diferentes, mas sabem que o Governo não controla a autonomia da fronteira (Entrevista a funcionário do Estado local, Espungabera, 09-05-2011).

A única alteração parece ter sido nos seus hábitos comerciais. Com efeito, a investigação aferiu que nos anos da guerra de libertação e da guerra civil em Moçambique, eram sobretudo as populações afectadas por estes conflitos que se deslocavam ao Zimbabué para se refugiar ou procurar bens que depois eram introduzidos nos mercados de Moçambique:

Antes da crise no Zimbabué o fluxo era mais forte, no Zimbabué havia tudo com maior variedade e toda a gente se abastecia lá. Até havia chapas de Espungabera para o Zimbabué (Entrevista a comerciante, Espungabera, 08-05-2011).

Com a crise económica do Zimbabué, que se iniciou no ano 2000, o cenário mudou e aumentou a procura de diversos produtos no lado moçambicano[12]. Ao mesmo tempo, as informações recolhidas durante as entrevistas demonstram que as populações ndau de Moçambique começavam a preferir abastecer-se noutro lugar que não o Zimbabué devido à enorme desvalorização do dólar zimbabueano:

Quando a moeda do Zimbabué desvalorizou muito, quase que era preciso carregar uma pasta cheia de notas só para comprar um rebuçado. Chegaram a criar a nota de um trilião, aquilo tinha doze zeros (Entrevista a comerciante, Espungabera, 07-05-2011).

Até 2000, e como diversos informantes confirmaram, a moeda mais forte da região era o dólar zimbabueano e a preferência pelos produtos zimbabueanos estendia-se até ao Chimoio (capital da província de Manica), em cujos mercados também eram vendidos. Mas a decisão de Harare em 2009 de adoptar o dólar norte-americano e permitir a circulação de outras moedas na fronteira (como o rand da África do Sul ou o pula do Botswana) também contribuiu para diminuir o fluxo das populações moçambicanas que antes se deslocavam sempre ao Zimbabué para fazer compras. A investigação demonstra que actualmente os habitantes de Mossurize deslocam-se mais frequentemente à cidade de Chimoio para se abastecerem, percorrendo uma distância de duzentos e quarenta quilómetros para cada lado, mas que afirmam ser mais benéfico do que os custos cambiais: “Os chapas para o Zimbabué acabaram. Os chapas para Chimoio chegam a demorar oito ou nove horas de caminho porque vão sempre a parar e a estrada é mᔠ(Entrevista a comerciante, Espungabera, 09-05-2011). “O dinheiro do Zimbabué agora é mais caro e por isso compensa mais ir fazer compras a Chimoio” (Entrevista a autoridade tradicional, Espungabera, 09-05-2011).

Se não fossem estes acontecimentos a condicionar os hábitos de consumo e, de certo modo, a introduzir uma barreira ao comércio transfronteiriço como nunca havia acontecido, poderia afirmar-se que esta fronteira não era uma demarcação efectiva entre dois países distintos. De facto, no passado a linha de fronteira não tinha qualquer materialidade: como acima se refere, as unidades familiares e políticas ndau localizavam-se em ambos os lados da fronteira e continuaram a relacionar-se mesmo durante o período colonial e depois da independência dos dois países, o que demonstra continuidades na representação de uma identidade comum, ancorada no Império do Monomotapa e na submissão ao Império de Gaza, ambos anteriores ao traçado da fronteira. Esta ideia de unidade com os “do outro lado” é perceptível na existência de locais simbólicos comuns, como o “Lugar de Gungunhane”. Este é um local em Espungabera, situado na margem da estrada para o distrito de Machaze (a Sul), onde se encontra uma grande árvore ladeada por uma pedra:

Foi nesta pedra que Gungunhane se sentou para descansar quando vinha com as suas tropas lá dos lados do Zimbabué a fugir dos portugueses. Em Chipinge, do outro lado da fronteira, existe um lugar exactamente igual a este, onde Gungunhane também parou para descansar (Entrevista a funcionário do Estado local, Espungabera, 09-05-2011).

A noção de unidade entre as populações ndau dos dois países parece ser evidente nas entrevistas realizadas em Mossurize:

Não há essa coisa de separação entre dois países, Chipinge e Mossurize é tudo ndau. Falamos a mesma língua, todos se entendem, não é como entrar num país diferente (Entrevista a comerciante, Espungabera, 07-05-2011).
Uma pessoa que não esteja familiarizada com a região não consegue distinguir um moçambicano de um zimbabueano – são todos ndau e todos falam na mesma língua uns com os outros (Entrevista a funcionário do posto fronteiriço, Espungabera, 10-05-2011).

O conjunto das entrevistas evidencia que os habitantes de etnia ndau de Mossurize parecem partilhar a ideia de pertença a um lugar chamado Moçambique, embora as características culturais tradicionais comuns mantenham a sua força e contribuam para a consolidação da identidade ndau na região para além de quaisquer constrangimentos relacionados com a fronteira:

Moçambique é o lugar onde a gente sai e há ligação com os outros que também saíram em Moçambique. Mas como há a família do outro lado e nós podemos visitar sempre, há essa liberdade. Eu sinto-me livre porque sou ndau (Entrevista a comerciante, Espungabera, 11-05-2011).

A palavra utilizada para designar “fronteira” na língua local (ciNdau) é mugano. Mas mugano significa “limite” e é utilizada para designar qualquer limite de território (nyika), não apenas o caso específico do limite entre Estados, pelo que se pode concluir, à semelhança do que afirma MacGonagle (2007, p. 109), que no vocabulário ndau nem sequer existe a noção clara da separação rígida entre duas unidades políticas distintas.

O alcatroamento da estrada regional 216, iniciado em 2012, vai começar a permitir ligações mais céleres entre a vila de Espungabera e os principais centros da província de Manica (Chimoio, Sussundenga e Dombe) e pode trazer novas alterações ao distrito de Mossurize. O facto de tornar estas ligações mais sistemáticas e confortáveis, bem como a comunicação com outros distritos, pode ser um sinal de que o Estado pretende reforçar a sua presença na região. A alteração da moeda na fronteira, juntamente com os progressos nas acessibilidades, pode indicar que Mossurize está prestes a fechar a página do seu isolamento dentro do território moçambicano e que a fronteira, que simultaneamente o une e separa do Zimbabué, vai ganhando contornos cada vez mais materiais. Se a porosidade desta fronteira vai perdurar será tema para pesquisas futuras.

Conclusão

As dinâmicas fronteiriças do distrito de Mossurize aqui apresentadas contribuem para demonstrar que esta fronteira africana, longe de ser uma mera linha “arbitrária” ou “artificial”, é um importante atributo do Estado e, simultaneamente, representa um conjunto de significados para as populações que nela vivem e que a incorporam nas suas práticas.

Apesar de ser uma fronteira porosa não é uma fronteira conflituosa, isto é, o grupo étnico ndau, que com o traçado da fronteira ficou dividido entre Moçambique e o Zimbabué, nunca exigiu a revisão da mesma nem reivindicou que os seus membros habitassem num mesmo território autónomo e unificado, coincidente com a delimitação pré-colonial. Pelo contrário, a porosidade da fronteira tem contribuído para a sua própria estabilidade, uma vez que não apresenta obstáculos inultrapassáveis às práticas ancestrais de mobilidade e interdependência política, social e cultural da população. De igual forma, nunca foi uma fronteira disputada entre os dois Estados independentes. Pelo contrário, ao longo do tempo foi representando uma via de escape para a população de cada um dos países sempre que se verificaram conjunturas político-económicas conturbadas que dificultavam o modus vivendi dos habitantes.

Até à década passada, esta fronteira não era percepcionada pelos grupos fronteiriços como uma barreira económica. A situação alterou-se com a crise do Zimbabué que, desde 2000, tem provocado mudanças nos hábitos de consumo dos ndau de Moçambique. O artigo procurou demonstrar que esta conjuntura começou a provocar alterações nas práticas e representações sociais dessa população e a fronteira já vai sendo conotada com um obstáculo ao comércio transfronteiriço. Com efeito, a população de Mossurize que, pela proximidade geográfica, se abastecia frequentemente de bens de consumo no Zimbabué, tem vindo a deslocar-se mais assiduamente aos mercados moçambicanos, nomeadamente ao Chimoio. Esta mudança deve-se a reajustamentos na política económica e financeira do Zimbabué, que influenciou os movimentos cambiais na zona de fronteira de Mossurize. Fazer compras no Zimbabué deixou de ser atractivo e favorável para os moçambicanos.

Pode inferir-se que o Estado moçambicano se encontra a capitalizar este momento para reforçar a sua efectividade na região. Com efeito, a criação das infraestruturas estatais locais nos últimos cinco anos, inserida no processo de desconcentração administrativa, tem garantido a representação do Estado em Mossurize. Contudo, esta representação é meramente formal, pois a maioria da população continua a viver de acordo com a organização social e política tradicional. Assim, perante a impossibilidade de incrementar a ligação da população ao Estado, e de reverter a porosidade da fronteira, a construção do Estado em Mossurize parece assentar na capitalização do facto de as deslocações económicas ao Zimbabué terem diminuído, em detrimento do seu aumento dentro do território moçambicano. Simultaneamente investe-se nas infraestruturas de transporte no distrito, de modo a agilizar as deslocações entre Mossurize, até agora sempre votado ao isolamento, e o resto do território moçambicano.

 

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Recebido 3 de maio de 2013; Aceite 9 de abril de 2014

 

Notas

[1]   Este artigo resulta de uma investigação iniciada no âmbito do projecto “Identidades e Fronteiras em África” (PTDC/AFR/098339/2008), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). A autora gostaria de agradecer o apoio da Coordenadora do Projecto, Cristina Udelsmann Rodrigues, e dos restantes membros da equipa durante toda a investigação, bem como da instituição de acolhimento, o CEA-IUL. Os dados utilizados neste artigo foram recolhidos com o incomensurável apoio de um assistente de pesquisa, residente em Mossurize e fluente na língua local (cindau), a quem a autora gostaria de expressar a sua mais profunda gratidão. Um agradecimento é ainda devido às pessoas que generosamente compartilharam os seus conhecimentos e as suas vidas durante as entrevistas, e sem as quais o presente artigo não teria sido possível.

[2]   As informações recolhidas durante as entrevistas foram, a pedido dos entrevistados, concedidas mediante a garantia de confidencialidade, pelo que as suas identidades não serão reveladas no artigo.

[3]   Veja-se, a título de exemplo, os workshops que a ABORNE (African Borderlands Research Network) tem efectuado com representantes da AEBR (Association of European Border Regions) ou da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental). A ABORNE é uma rede multidisciplinar de investigação sobre as fronteiras africanas, fundada em 2007 em Edimburgo (http://www.aborne.org).

[4]   Também denominados “prazos da Coroa”, esta designação refere-se a terras que Portugal entregava a proprietários particulares, que as administravam e exerciam autoridade sobre as respectivas populações de forma independente.

[5]   A guerra pela independência de Moçambique (1964-1975) foi travada fundamentalmente pela FRELIMO. Desta forma, foi a FRELIMO que os portugueses reconheceram como legítima representante da população e a quem entregaram o poder, sem que tenham sido convocadas eleições.

[6]   A Rodésia do Sul, ex-colónia britânica, foi governada por uma minoria branca e Ian Smith era o seu líder. Smith havia declarado unilateralmente a independência do país em 1965 e seguiu-se uma guerra civil entre o exército branco e os guerrilheiros da ZANU (Zimbabwe African Nacional Unit) e da ZAPU (Zimbabwe African Popular Unit). Quando Moçambique se tornou independente (1975), decidiu fechar a fronteira com a Rodésia e apoiar a ZANU, que atacou as forças de Smith a partir de território moçambicano. Como consequência, Smith retaliou e iniciou os seus próprios ataques em Moçambique.

[7]   De acordo com o nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/2003 de 19 de Maio, são órgãos locais do Estado a província, o distrito, o posto administrativo e a localidade.

[8]   Sendo já relativamente desactualizados, são contudo os dados oficiais mais recentes.

[9]   Por este motivo a autora necessitou de recorrer a um intérprete durante a realização de algumas entrevistas.

[10]  Sobre a dificuldade de obtenção de dados estatísticos sobre as dinâmicas transfronteiriças contemporâneas no distrito de Mossurize, ver Kaarhus (2013).

[11]  Atravessando o posto fronteiriço de Espungabera, a povoação zimbabueana mais próxima (Chaco) fica ainda a mais de dez quilómetros de distância.

[12]  Esta crise teve o seu ponto alto em 2008 e provocou também a migração forçada de população zimbabueana para Moçambique, afectada principalmente pela reforma agrária de Mugabe, a qual foi encetada neste mesmo período. O número de zimbabueanos que fugiram para Moçambique durante a década passada não está ainda extensivamente documentado e analisado, embora as estimativas apontem para mais de quatro mil pessoas (Kaarhus, 2013, p. 69).

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