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Cadernos de Estudos Africanos

Print version ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.25 Lisboa Jan./June 2013

 

Palavras sobre Mário Murteira III

 

Fernando Florêncio*

*Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra, Portugal

 

Não tenho outra pretensão neste texto senão a de relembrar um professor que me marcou e que me ajudou a desfazer preconceitos que eu tinha criado acerca da economia, a sua ciência de eleição. Não foi o professor Mário Murteira quem me introduziu nos estudos de economia, mas foi ele quem me ensinou a ler a “economia”.

A economia, sobretudo a economia política, já tinham entrado na minha vida desde cedo. No rescaldo do 25 de Abril de 1974, tinha eu então 15 anos, fazia parte da cartilha da vida estudantil ler Marx e O Capital, assim como Lenine, Trotsky, Mao, entre outros. No liceu, ninguém queria ser acusado de fascista nas famosas RGA, nem de herético, coisa que acontecia a quem não sabia pelo menos algumas noções mínimas das cartilhas marxistas, maoístas ou trotskistas. Li muito disso, e fartei-me, descontentei-me, e desviei-me para a anarquia, primeiro pela mão do Bakunin, e depois pela de Proust. Ler não é, obviamente, compreender, e no meu caso o ter lido muito, em parte não significa mais do que isso mesmo.

Mas o contacto com a economia, “ciência”, digamos assim, deu-se pela obrigatoriedade de ter uma disciplina de Introdução à Economia, na licenciatura de Antropologia Social, no então somente ISCTE, no ano de 1985. E o que me afrontou nessa altura foi a econometria, penso eu, pois passámos o ano com definições (PIB, PIN, e sei lá que mais) e o estudo do orçamento geral do estado (se é que se chama assim), balança de pagamentos, e mais uma carrega de noções e modelos que, a nós estudantes de antropologia, provocavam uma estranheza ácida irritante. Pois aquilo não tinha pessoas e servia para todas as sociedades. Modelos analíticos que pouco ou nada tinham a ver com a realidade. Sobretudo essa condição analítica da etceterisparibus, coisa que sempre me ficou na memória, e que só acentuava a minha dificuldade em entender como é que se pode entender a mudança de uma única variável e que tudo o resto se mantenha inalterável. Enfim, problema meu.

A economia com pessoas, a economia com conteúdo sociocultural, ou a economia social, essa é que me chegou pela mão do professor Mário Murteira, em 1992 no mestrado em estudos africanos, no ainda então somente ISCTE, numa disciplina sobre economia africana, mormente dos PALOP. Uma economia sem números, sem fórmulas modelares, mas com conteúdos e ideias (e ideais) sociais, e com pessoas. Economia do desenvolvimento, penso que era assim que a designavam, e que em grande medida respondia às minhas preocupações com as questões de natureza mais antropológica das relações económicas.

Depois disso fui-me cruzando com ele amiúde, ora pelo ISCTE ou até mesmo em Maputo, onde nos cruzámos ainda um par de vezes. Sempre interessado no nosso percurso, o meu e de alguns outros colegas. Sempre disponível para partilhar ideias e perscrutar opiniões.

Mas do professor Mário Murteira relembro, acima de tudo, uma finíssima ironia mordaz e uma desconcertante capacidade de questionar certezas e preconceitos. As minhas seguramente.

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