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Cadernos de Estudos Africanos

versão impressa ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.23 Lisboa jan./jun. 2012

 

A Formação de Quadros Angolanos no Exterior: Estudantes angolanos em Portugal e no Brasil

Ermelinda Liberato*

*Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL),  Centro de Estudos Africanos - IUL, Portugal

ermelinda.liberato@gmail.com

 

Resumo

No presente artigo desenvolver-se-á uma breve análise dos resultados do trabalho de campo realizado em Angola sobre a formação superior dos angolanos que partiram para Portugal ou para o Brasil com o objetivo de darem continuidade à sua formação. Serão analisados os motivos que levaram os entrevistados a optarem por estes países, o papel da família, o fator económico, a inserção na sociedade de acolhimento, bem como o posterior retorno a Angola depois de concluída a formação.

Palavras-chave: ensino superior, Angola, Portugal, Brasil, investimento familiar

 

Angolans in higher education abroad: University students from Angola in Portugal and Brazil

Abstract

This article will be a brief analysis of the results of fieldwork carried out in Angola on the higher education of Angolans who have gone to Portugal or Brazil with the objective of continuing their education. We will analyze the students' reasons and motivations, the role of their families, economic factors, and their integration into the host society, as well as their return to Angola upon completion of training.

Keywords: higher education, Angola, Portugal, Brazil, family investment

 

Em Angola, as transformações políticas, económicas e sociais marcadas pelos diferentes contextos históricos (colonialismo, política socialista, guerra civil, liberalização económica e multipartidarismo) também tiveram reflexos no setor educativo em geral e no ensino superior em particular, levando, ao longo dos anos, a uma mobilidade de estudantes angolanos para o exterior. A saída para o estrangeiro apresenta-se assim como uma oportunidade que todos os estudantes angolanos no geral gostariam de beneficiar, independentemente do país de destino.

Pela sua ligação histórica a Angola, Portugal tem sido, desde sempre, destino preferencial da imigração estudantil. Mais recentemente, o Brasil tem conquistado o seu espaço no relacionamento com Angola e tem conseguido firmar-se como país de destino para os estudantes angolanos darem continuidade à sua formação.

Importa pois compreender o que levou estes jovens a partirem para o exterior, quais os critérios utilizados para a escolha do país de destino, como se processou a sua integração na sociedade de acolhimento, bem como as expetativas criadas aquando do regresso a Angola, nomeadamente em termos da sua integração profissional.

Metodologia

No presente estudo utilizámos como metodologia principal de recolha de informação a entrevista semi-diretiva, realizada a ex-estudantes que realizaram a sua formação superior em Portugal ou no Brasil e que já se encontravam a exercer a sua atividade profissional em Angola. Por se tratar de um estudo exploratório, baseado numa análise de tipo qualitativo, a recolha da informação e a seleção dos entrevistados obedeceu a uma associação entre a amostra não estatística por conveniência e a técnica de amostragem não probabilística em "bola de neve", que foi sendo construída à medida que realizávamos as entrevistas, sendo os novos contatos cedidos pelos próprios entrevistados. As entrevistas foram realizadas na cidade de Luanda durante os meses de junho, julho e agosto de 2010. No total foram realizadas 26 entrevistas a ex-estudantes, dos quais 14 estudaram em Portugal e 12 estudaram no Brasil.

No decorrer da análise dos dados recolhidos durante a investigação constatámos que, para estes entrevistados, o acesso ao ensino superior no estrangeiro esteve ligado a diferentes contextos históricos do próprio país de origem, sendo as suas trajetórias de vida traçadas de acordo com estes acontecimentos, o que nos permitiu agrupar os entrevistados em três gerações, sem por isso termos a pretensão de generalizar os resultados à população do país:

Geração 1 (G1): constituída pelos informantes com idades compreendidas entre os 45 e os 65 anos, aos quais atribuímos a designação de "mais velhos", por respeito ao seu estatuto, assim como pela conotação que tradicionalmente é atribuída às pessoas mais velhas (respeito, experiência e sabedoria). Do ponto de vista da sua ligação à história recente de Angola, fizeram a transição entre o colonialismo e a independência, viveram intensamente os primeiros anos de construção do país sob o regime socialista, fizeram a transição da política socialista para o multipartidarismo, bem como participam atualmente nesta nova fase do país, de reconstrução pós-guerra. Para estes entrevistados, a partida quer para Portugal, quer para o Brasil decorreu de uma escolha do Estado angolano uma vez que foi este que financiou a deslocação e manutenção nestes países, dando seguimento à política de bolsa de estudos.

Geração 2 (G2): a que atribuímos a designação de "jovens", com idades compreendidas entre os 25 e os 45 anos, e que corresponde aos indivíduos que partiram para Portugal ou para o Brasil com o apoio económico da família. A mobilidade destes jovens está sobretudo ligada ao reacendimento da guerra civil na década de 1990, condicionante que limitou as perspetivas de futuro em Angola.

Geração 3 (G3): entrevistados com idades compreendidas entre os 20 e os 25 anos aos quais, por serem mais novos que a geração dos jovens, atribuímos a designação de "muito jovens". Os entrevistados que se enquadram nesse grupo cresceram no período pós-socialismo, tendo por isso "beneficiado" de uma situação menos discriminatória (G1) por um lado, bem como acesso a mais oportunidades em Angola em comparação com a segunda geração (G2). Cresceram numa Angola multipartidária onde, apesar das dificuldades, realizaram um percurso escolar financiado pelos pais, que investiram numa primeira fase em colégios privados em Luanda e, posteriormente, na sua formação superior no exterior.

Cada uma destas gerações apresenta caraterísticas diferentes que por sua vez se traduzem em trajetórias estudantis e percursos de vida diferenciados, sendo cada uma delas "livre de atribuir sentidos aos acontecimentos e de reler, de modo próprio, passados e raízes culturais comuns" (Faria, 2009, p. 46).

Caracterização do ensino superior em Angola

Até 1963, data de início do funcionamento dos Estudos Gerais Universitários de Angola, a formação superior de angolanos e daqueles que viviam em Angola tinha que ser realizada no exterior, nomeadamente em Portugal. Esse privilégio, de acesso ao ensino superior e de viajar até a metrópole, apresentava-se acessível a um número muito pequeno de beneficiados que constituíam, na altura, uma pequena elite1. Os encargos financeiros relacionados com a deslocação e permanência na metrópole constituíam já de si uma condicionante, uma vez que os custos inerentes a esse processo ficavam ao encargo da família.

A criação tardia do subsistema de ensino superior, apesar das exigências da população e de muitas promessas políticas feitas ao longo dos anos (Soares, 2004), deveu-se não somente ao atraso que a educação registava como igualmente ao facto de Portugal se mostrar receoso com a "insurgência que daí poderia resultar, desenvolvendo uma política de manter na maior ignorância os povos africanos, não fossem eles despertar para ambições inconvenientes" (Lara, 1999, p. 35). Assim, quando os Estudos Gerais são instituídos, e entram em funcionamento, perspetivava-se uma melhoria do nível da educação da população de Angola em geral, dando possibilidade de continuidade dos estudos a parte da população que de outra maneira não conseguiria.

A criação dos Estudos Gerais em Angola2, frequentados maioritariamente por brancos, não fez no entanto diminuir a saída de estudantes deste território ultramarino para a metrópole.

 

Quadro 1 Nº de estudantes universitários inscritos nas universidades portuguesas e Nº de estudantes angolanos inscritos nos Estudos Gerais

 

Gráfico 1 Nº de estudantes universitários inscritos nas universidades portuguesas e Nº de estudantes angolanos inscritos nos Estudos Gerais

 

No ano letivo de 1963/64 apenas 286 alunos se encontravam matriculados no ensino superior naquela instituição, no entanto para a metrópole tinham partido cerca de 839 estudantes. Nos anos letivos seguintes (1964/65 até 1968/69) o número de alunos matriculados nos Estudos Gerais foi aumentando, embora de forma pouco significativa, talvez devido ao facto de terem aumentado igualmente os anos dos cursos (2º ano em diante), continuando a saída de estudantes para a metrópole a registar valores superiores aos dos que permaneciam naquele território ultramarino. O facto de os Estudos Gerais estarem integrados na Universidade Portuguesa, de disponibilizarem pouca oferta formativa e de não concederem o grau de licenciatura, não despertou muito o interesse daqueles que continuavam a optar pela formação superior na metrópole. Essa situação altera-se a partir de 1969/70 quando o número de alunos a frequentarem os Estudos Gerais regista valores superiores aos dos que partem. Essa inversão deve-se ao facto de os Estudos Gerais terem adquirido o estatuto de universidade, passando a designar-se Universidade de Luanda3, o que representou uma situação de autonomia em relação às universidades da metrópole, bem como a autorização para atribuir o grau de licenciado.

Depois da independência, a educação atinge uma nova dimensão e é vista como um instrumento social de reunificação, de unidade e de identidade nacional. O sistema de ensino foi nacionalizado, a Universidade de Luanda foi transformada em Universidade de Angola (1976) e posteriormente designada de Universidade Agostinho Neto (1985) (UAN), em homenagem ao primeiro presidente da república e igualmente primeiro reitor da referida instituição (UAN, 2008).

O elevado número de angolanos sem instrução explica por que motivo a universidade não sentiu, nos primeiros anos, os efeitos da explosão escolar registados no primeiro ciclo do ensino básico4. Por outro lado, a instabilidade vivida no país no período de transição de poderes refletiu-se no funcionamento desta instituição que, nos primeiros anos pós-independência, viu mesmo o número de estudantes diminuir.

 

Gráfico nº2 Evolução do número de estudantes matriculados na UAN

 

Assim, entre o ano letivo de 1975/76 e o ano letivo de 1977/78, o número de estudantes que frequentavam o ensino superior em Angola baixou de 1405 para 871 alunos, registando uma diminuição acentuada se tivermos em conta que no ano letivo anterior à independência (1973/74) estavam inscritos 2354 alunos (Gulbenkian, 1987, p. 16). Somente a partir do ano letivo de 1978/79 esta universidade começa a recuperar e a receber mais alunos, não parando de crescer desde então.

Desde o início que a Universidade Agostinho Neto se debateu com dificuldades de funcionamento, sobretudo no que respeita aos lugares vagos deixados pelos professores portugueses que saíram de Angola. Com o passar dos anos, outras debilidades foram surgindo tais como o aumento galopante do número de alunos que a instituição não conseguia suportar, a falta de instalações e de outras infraestruturas, bem como de material didático. Estas insuficiências são ainda acentuadas pelo facto de se praticarem ordenados pouco atrativos, pela

ausência de políticas públicas de regulação, condicionantes que foram agravando a situação do ensino superior, sendo cada vez menor o número de alunos que conseguia concluir a licenciatura no tempo estipulado, levando cerca de três vezes mais do que o tempo normal de estudos (Kajibanga, 2000, pp. 10-11).

A formação de recursos humanos, essenciais para o desenvolvimento do país, foi um desafio assumido pelo governo de Angola logo em 1975. Para dar cumprimento a esse objetivo, optou-se não só pela oferta de ensino superior dentro do país, como pelo envio de estudantes bolseiros para o exterior. Se por um lado se recorreu constantemente à contratação de técnicos estrangeiros por via de acordos bilaterais estabelecidos com outros países [chegaram a Angola "milhares de jovens cubanos e de outras nacionalidades na qualidade de cooperantes civis" (Carrasco, 1997, p. 309)], por outro, vários acordos de cooperação assinados com os países aliados levaram à formação de quadros angolanos nesses países. Assim, entre 1975 e 1991 foram formados "no interior de Angola 2174 técnicos superiores e de 1982 a 1992 foram formados um total de 1733 técnicos superiores em vários países da Europa (ocidental e oriental), da América Latina e da América do Sul" (Zau, 2002, p. 137).

A abertura do país à economia de mercado a partir de 1991 traduziu-se numa maior exigência nas qualificações das ofertas de emprego, levando a um aumento considerável da procura por este nível de ensino. Se, por um lado, as habilitações escolares dos angolanos aumentaram, por outro, sobretudo para os indivíduos do sexo masculino, o fim da guerra civil significou o fim da obrigatoriedade do serviço militar, estando os mesmos abertos à possibilidade de exercerem uma atividade profissional fora desses domínios. Regista-se assim a continuidade do aumento da população estudantil da UAN, tendo passado de 9.129 no ano letivo de 2001/02 para 46.554 no ano letivo de 2007/08 (UAN, 2008).

A pouca oferta formativa deste nível de ensino, bem como a incapacidade de afirmação do ensino superior angolano no contexto nacional, regional e internacional levaram a um aumento da mobilidade estudantil ao longo dos últimos vinte anos. A partida para o exterior para dar continuidade à formação representa para os estudantes angolanos uma oportunidade de que todos, no geral, querem beneficiar, não só pelos motivos já apontados, como igualmente pela valorização social do diploma obtido no exterior, bem como pelo facto de as empresas que operam no mercado angolano duvidarem da eficiência do ensino superior ministrado no país.

Assim, a incapacidade do Estado em dar resposta às inúmeras solicitações de bolsas de estudo para o exterior levou muitas famílias a assumirem essa responsabilidade e a fazerem um investimento pessoal na formação dos seus descendentes. Deste modo, e nestes casos, a família organiza-se de modo a conseguir enviar os seus descendentes, surgindo como o elemento fundamental de todo o processo (preparação, partida, manutenção e posterior regresso) por que passam os estudantes que partem para o estrangeiro, pois é ela que funciona como o amortecedor nas situações mais complexas uma vez que se trata de um processo que implica mudanças culturais, sociais, familiares, mas sobretudo económicas. É pois no seio familiar que se decide muitas vezes o país de destino para onde serão enviados para darem continuidade à formação, bem como se elaboram estratégias económicas que possibilitam essa deslocação e permanência no exterior, garantindo assim a sua reprodução social.

Relações entre Portugal - Angola - Brasil

Analisando os destinos para onde partem os estudantes angolanos para realização da formação superior, selecionámos Portugal e Brasil como países de destino.

A escolha de Portugal para a realização da formação superior acaba por ser, ainda nos dias de hoje, o resultado de séculos de interação entre Portugal e Angola (Henrique, 1997). A deslocação de estudantes angolanos para Portugal assume caraterísticas que vão além da simples migração temporária. A existência de uma significativa comunidade imigrante angolana em Portugal, constituída ao longo dos anos, a possibilidade de aquisição da nacionalidade portuguesa, bem como a proximidade entre os currículos escolares são fatores que influenciam essa escolha. Por outro lado, a realização da formação superior em Portugal pelos pais (e mesmo pelos avós) leva a que estes enviem os seus filhos e netos, no intuito de verem reproduzido o mesmo percurso escolar.

Depois do reinício da guerra civil na década de 1990 registou-se um elevado número de estudantes angolanos inscritos nas instituições de ensino superior portuguesas. De acordo com dados do Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPEARI) do Ministério de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), o número de estudantes angolanos em instituições de ensino superior portuguesas conheceu um aumento na ordem dos 43 por cento entre 1997/98 (2028 alunos) e 2007-2008 (4648 alunos) (GPEARI, 2009). De igual modo, segundo dados da cooperação portuguesa, esse foi o período em que o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) atribuiu um maior número de bolsas de estudo a estudantes angolanos, sendo os anos letivos de 1996/97 e 1997/98 aqueles com maior número de bolseiros (260 bolseiros cada ano) (IPAD, 2011, p. 205).

De salientar igualmente que estes dados apresentados não refletem o número real de estudantes angolanos matriculados nas instituições de ensino superior portuguesas pois há que ter em conta o facto de muitos angolanos terem adquirido a dupla nacionalidade, reforçando a categoria a que Fernando Luís Machado (1994) denominou de "luso-angolanos". De acordo com o autor, a posse da nacionalidade portuguesa advém de uma de duas condições, acumuladas ou não: existência de ascendentes portugueses (pais ou avós) ou desempenho de funções nas antigas administrações coloniais (Machado, 1994, p. 115). Ser luso-angolanos permite-lhes assim apresentarem-se como angolanos ou como portugueses, consoante a situação assim o exija, estando subjacente uma partilha de identidade com o país. Portugal apresenta-se assim como um espaço a que se "pertence", daí a preferência por este país.

Nos últimos anos, o relacionamento entre Angola e Brasil tem conhecido uma nova dinâmica, impulsionada pela reorientação da política externa brasileira durante o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010), que elegeu Angola como um dos "principais sustentáculos da política brasileira" (ApexBrasil, 2010, p. 7). Além da partilha de um passado comum, Brasil como país emergente procura  fortalecer a sua ligação ao continente africano, numa tentativa de se reconciliar com o passado, mas também de reconhecimento do papel estratégico de Angola no continente africano.

A língua portuguesa tem servido de motivo para a intensificação desse relacionamento, que se traduz no aumento do envio de jovens estudantes para o Brasil. De acordo com dados do Instituto Nacional de Bolsas de Estudo (INABE), atualmente o Brasil é o quarto país do mundo com mais estudantes bolseiros daquela instituição, com 158 estudantes, dos quais 30 foram enviados em 2010 (INABE, 2011)5.

A importância crescente do interesse da formação superior no Brasil é igualmente motivada pelos acordos de cooperação que têm sido celebrados entre os dois países no âmbito do Programa Estudante Convénio de Graduação (PEC-G) e do Programa Estudante Convénio de Pós-Graduação (PEC-PG).

O PEC-G "constitui um dos instrumentos de cooperação educacional que o governo brasileiro oferece a outros países em desenvolvimento, especialmente da África e da América Latina" (MRE, 2000, p. 6)6, tendo como objetivo a formação e qualificação de recursos humanos desses países. Segundo o Manual do PEC-G, em vigor desde 2000, o estudante deverá reunir determinados requisitos para se poder candidatar, tais como a faixa etária (18-23 anos completos) e outros documentos comprovativos da sua situação (documentação pessoal e documentação escolar), ficando garantidos os seguintes direitos:

- Isenção de propinas;

- Isenção da realização de exame de ingresso na IES;

- Reconhecimento do diploma no seu país de origem;

- Visto temporário e carteira de identidade, renovados anualmente;

- Assistência médica, farmacêutica e odontológica.

Por outro lado, o estudante também tem deveres a cumprir, ficando limitado o seu envolvimento em manifestações de cunho político e impossibilitado de exercer qualquer atividade remunerada, dedicando-se somente ao estudo e comprometendo-se com o retorno ao país de origem no máximo três meses após a conclusão do curso7.

Coloca-se ainda a questão do benefício deste convénio uma vez que o encargo financeiro é da responsabilidade dos estudantes, que assinam um comprovativo atestando a sua capacidade económica para se manter no Brasil (alojamento, alimentação, vestuário, transporte, passagem de avião, compra de material escolar).

No ano de 2010 o PEC-G dispunha de 2600 vagas, foram apresentadas 1013 candidaturas e apenas selecionados 498 candidatos, dos quais 41 eram angolanos. Para o ano de 2011, foram selecionados 83 angolanos para a frequência da licenciatura, destacando-se os cursos de Medicina, Gestão, Economia, Comunicação Social e Direito como os mais procurados pelos estudantes8.

O Programa Estudante Convénio de Pós-Graduação (PEC-PG) confere um grau de especialização pelo mestrado ou pelo doutoramento e é coordenado "pelo Ministério das Relações Exteriores, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)" (MRE, 2010, p. 3)9.

O PEC-PG apresenta diferenças consideráveis em relação ao PEC-G, começando pelo facto de ser coordenado pelo MRE, sem a participação do MEC. Nesta fase, o aluno já é visto como um profissional, sendo a comprovação de vínculo laboral no seu país de origem um dos critérios de seleção. Também aqui os alunos beneficiam de isenção do pagamento das propinas, assistência médica, odontológica e farmacêutica e usufruem ainda dos seguintes benefícios:

- Passagem aérea do seu país de origem para o Brasil e seu posterior retorno;

- Bolsa de estudos até 24 meses para o curso de mestrado e de até 48 meses para o de doutoramento, sem possibilidade de renovação;

- Orientação académica por parte das coordenações de pós-graduação.

No entanto, os alunos que foram abrangidos pelo PEC-G e que desejem realizar o mestrado ou o doutoramento, só se podem candidatar através do PEC-PG dois anos depois do término da sua licenciatura e de terem regressado ao país de origem e exercido uma atividade profissional no âmbito da sua formação.

Para o ano de 2010 o PEC-PG recebeu 450 candidaturas mas apenas 188 foram selecionadas (96 com bolsas de mestrado e 92 com bolsas de doutoramento). Para o ano de 2011, foram aprovadas 215 candidaturas, das quais oito são angolanos, quatro candidatos para a frequência do mestrado e quatro candidatos para a frequência do doutoramento10.

Pelos dados apresentados, constatamos que existe um diferencial entre as candidaturas para a licenciatura e as candidaturas para a pós-graduação. O tempo de espera para se poder candidatar ao PEC-PG leva os estudantes a procurarem apoios de outros países. Por outro lado, a inserção no mercado de trabalho, o desejo de construir uma carreira bem como a constituição de família inviabilizam uma nova deslocação para o Brasil para darem continuidade à formação.

Nesse triângulo das relações Portugal-Angola-Brasil, verifica-se assim a migração de estudantes angolanos, quer para Portugal, quer para o Brasil. Trata-se de indivíduos em busca de qualificação em países onde a língua portuguesa surge como elemento unificador e os laços históricos e culturais aproximam os três continentes. No entanto, há que ter em conta igualmente que essa mobilidade estudantil não representa apenas "um movimento de simples deslocamento de indivíduos entre um país de origem e um país de destino" (Gusmão, 2009, p. 16), ocorrendo um intercâmbio cultural e simbólico entre os estudantes deslocados e aqueles que encontram no destino. Essa interação leva à construção de um novo espaço, de uma nova identidade cultural, de novas vivências.

Procuramos assim saber, mediante a experiência individual de cada um dos entrevistados, quais são os motivos que levaram à escolha do país de destino, os critérios que foram tidos em conta antes da partida, como se processou a inserção na sociedade de acolhimento, e como tem sido a inserção profissional no mercado de trabalho angolano depois do seu regresso a Angola.

A escolha de Portugal ou do Brasil para realização da formação superior

A escolha do país de destino para realização da formação superior obedece a uma série de fatores, criteriosamente analisados, de modo a facilitar a integração do estudante na sociedade de acolhimento. O facto de Angola ter ligações históricas e culturais com Portugal e o Brasil, bem como o mesmo idioma, leva à questão de ressaltar os critérios que levam à opção de um país em detrimento do outro.

Cada uma das gerações identificadas salientou o contexto histórico no país de origem que proporcionou a partida para Portugal ou para o Brasil.

Para os "mais velhos", a escolha do país de destino para a realização da formação superior foi da responsabilidade do Estado angolano uma vez que foi este que financiou a deslocação e manutenção nestes países, dando seguimento à política de bolsas de estudo.

Fui para o Brasil com uma bolsa de estudos do INABE. Na altura havia muitas bolsas. O partido estava preocupado em nos dar formação (G1 - sexo masculino, 60 anos, doutorado em Relações Interculturais)11.

A escolha de Portugal foi do ISCED juntamente com o INABE – entidade que pagava a bolsa de estudos. Eles é que decidiram para onde nos iam enviar (G1 - sexo masculino, 60 anos, doutorado em Ciências da Educação).

A escolha de Portugal como país de destino afigura-se aos angolanos como "previsível", não só pela longa "tradição" que Portugal tem de receção de estudantes angolanos nas suas instituições de ensino superior, o que faz com que se tenha algum familiar, "uma tia que já vivia em Portugal desde o 25 de Abril" (G2 - sexo masculino, 34 anos, engenheiro civil), alguém que já tenha feito o mesmo percurso – "a minha mãe estudou lá" (G3 - sexo feminino, 24 anos, licenciada em cinema e audiovisual), como pela representação do país para os angolanos, constituindo um destino onde mais dia, menos dia se acaba por desembarcar.

A presença de familiares que já se encontravam a residir em Portugal significou para os "jovens" e os "muito jovens" e para as suas famílias estruturas de apoio previamente estabelecidas, que funcionaram como principal suporte nos primeiros tempos ajudando em questões de procura de alojamento, de escolha de instituições de ensino, bem como de compreensão dos hábitos portugueses.

Outro fator tido em conta na deslocação para Portugal está relacionado com a língua: "Claramente foi por causa da língua que fomos para Portugal" (G2 - sexo feminino, 34 anos, licenciada em Gestão e Marketing). Daí que alguns entrevistados tenham salientado que, depois de terem passado pela Rússia, tivessem optado por Portugal para darem continuidade à sua formação, pois "era mais fácil acabar a formação onde falavam português. Não dava para perder mais tempo a aprender outra língua" (G1 - sexo masculino, 50 anos, licenciado em Relações Internacionais). Decisão fortalecida pela possibilidade de aquisição da nacionalidade portuguesa: "Era portuguesa, com os mesmos direitos, podia entrar e sair sem me preocupar com nada, podia viajar à vontade" (G2 - sexo feminino, 27 anos, licenciada em Psicologia).

Em relação ao Brasil, a escolha deste destino parte igualmente da família e não do estudante. Os principais motivos apontados para a escolha deste país para realização da formação superior prendem-se igualmente com a questão linguística, mas também com a diversidade racial e a forte influência da cultura africana na cultura e identidade brasileira, pois "é mais fácil ir para um país que fala a mesma língua do que nós e que também tenha muitos negros" (G3 - sexo feminino, 22 anos, licenciada em Sociologia).

Quando a opção da escolha do destino parte do próprio, o Brasil não surge como primeira escolha. Os entrevistados privilegiavam outros destinos, entre os quais Portugal dada a existência de redes familiares previamente estabelecidas. Em relação àqueles que foram por via do investimento familiar, essa escolha ficou condicionada à sua disponibilidade económica. Os entrevistados apontam o aumento do custo de vida em Portugal desde a adesão à moeda europeia como um fator agravante, sobretudo face à desvalorização do dólar12.

Inserção na sociedade de acolhimento: Portugal e Brasil

A inserção num espaço físico e social significativamente diferente daquele a que se está acostumado é vivida de forma diferente pelos intervenientes. A adaptação ao novo espaço depende do capital social e cultural de cada um, mas sobretudo do capital económico. Quer em Portugal, quer no Brasil, o período de adaptação à sociedade destes países revelou-se difícil, tendo sido apontados diversos constrangimentos, dos quais destacamos os seguintes:

- Dificuldades económicas, sobretudo no período inicial;

- Dificuldades resultantes das diferenças culturais;

- Dificuldades de sociabilidade;

- Sentimento de serem alvo de racismo.

Para os estudantes que foram para Portugal, a primeira dificuldade que enfrentaram relaciona-se com a obtenção do visto de entrada em Portugal. Salientaram o facto de a embaixada portuguesa não ter em conta o facto de serem estudantes, logo, imigrantes temporários, exigindo "muita documentação e coisas sem sentido, que nunca [ouviram] falar" (G2 - sexo feminino, 34 anos, licenciada em Gestão e Marketing). Posteriormente, já em Portugal, o processo de legalização (obtenção do visto de estudante) também se apresenta constrangedor, tendo que se deslocar ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) "às 4 manhã e muitas vezes sair de lá sem resolver a situação da legalização" (G2 - sexo masculino, 37 anos, licenciado em Ciências Policiais).

Aqueles que posteriormente adquiriram a nacionalidade portuguesa referiram o longo e penoso processo para essa aquisição, mas reconhecem que representa uma vantagem, "um alívio não ter que estar dependente da legalização" (G2 - sexo feminino, 27 anos, licenciada em Psicologia). Embora não tivessem ido para Portugal, a aquisição da nacionalidade portuguesa revelou-se igualmente vantajosa para alguns dos entrevistados que foram para o Brasil uma vez que, por via dos acordos estabelecidos entre Portugal e o Brasil, os cidadãos destes países dispensam a aquisição do visto de entrada nestes países, o que se traduz em maior liberdade de circulação pois "com o passaporte português [entravam] e [saíam] do Brasil sem problema" (G3 - sexo feminino, 22 anos, licenciada em Psicologia).

Portugal aparece assim como referência cultural importante para os entrevistados que estiveram no Brasil, o que demonstra a sua influência e proximidade na sociedade angolana.

Ao contrário do que os entrevistados idealizaram, os primeiros tempos no país de acolhimento revelaram-se bastante difíceis. Tanto em Portugal como no Brasil, as dificuldades económicas afetaram todos os entrevistados, "mais velhos", "jovens" e "muito jovens", que, em dado momento do seu percurso, colocaram a hipótese de "regressar a Angola. Era muita despesa e pouco dinheiro"(G2 - sexo masculino, 33 anos, licenciado em Gestão de Recursos Humanos). Dificuldades que muitos salientaram ter funcionado igualmente como incentivo para darem continuidade à formação: "Regressar a Angola assim sem ter terminado os estudos? Fazer o quê? Era uma fase e ia passar" (G2 - sexo masculino, 34 anos, engenheiro civil). Para colmatarem as carências económicas e conseguirem um rendimento extra que permitisse suportar as despesas inerentes à frequência universitária, alguns entrevistados afirmaram terem trabalhado no período mais longo das férias letivas "nas obras e numa empresa de limpeza" (G2 - sexo masculino, 38 anos, licenciado em Ciências Policiais).

Para aqueles que partiram para Portugal, outra dificuldade de adaptação refere-se às diferenças culturais. Provenientes de uma cultura mais intensa em termos de relacionamentos comunitários, estranham as manifestações de uma cultura mais individualista e solitária no país que os acolhe, que classificam de "fria, muito fria e distante" (G2 - sexo masculino, 37 anos, mestre em Estudos Africanos), dificuldade agravada pelas condições climáticas (inverno) que, para alguns entrevistados "foi uma tortura, o frio entrava pelos ossos" (G2 - sexo feminino, 34 anos, licenciada em Gestão e Marketing).

Em relação ao ensino, salientam as suas dificuldades nas disciplinas de História e Cultura Portuguesa dado o seu desconhecimento dessas matérias.

Os programas eram mais ou menos parecidos: maior problema foi a disciplina de Língua Portuguesa. Mas não era a gramática ou a escrever. Era a parte da literatura. Eu não conhecia os escritores portugueses. Depois a literatura misturava-se com a história. Foi muito complicado. Na cadeira de Direito também metia história. Tivemos que estudar primeiro a história para depois perceber o resto e demorou muito tempo até perceber (G2 - sexo masculino, 38 anos, licenciado em Ciências Policiais).

Estes aspetos também foram tidos em conta no momento da partida para o Brasil. Porém, a realidade encontrada no Brasil, para muitos entrevistados, não correspondeu às suas expetativas iniciais pois a maioria ambicionava ir para os estados de Rio de Janeiro e São Paulo, isto é, os grandes centros urbanos e tecnológicos. No entanto, muitos estudantes não foram enviados para estes estados, embora tivesse sido essa a sua preferência.

Por outro lado, o Brasil, tendo um território tão extenso, tem uma grande variedade de situações climáticas, o que fez com que alguns entrevistados estranhassem o facto pois em algumas regiões como "São Paulo, chove muito, é uma cidade sombria" (G1 - sexo feminino, 64 anos, mestre em Psicologia).

Dificuldades sentidas igualmente em relação ao relacionamento social, que, contrariamente ao que esperavam, "foi um choque pois aquela simpatia do brasileiro é só na televisão, na realidade não é nada assim" (G3 - sexo feminino, 22 anos, licenciada em Gestão de Empresas). Houve igualmente quem esperasse encontrar no Brasil uma situação social melhor do que a que se vivia em Angola, mas "afinal o Brasil também tinha pobreza, e muita, miúdos famintos a pedir na rua, favelas" (G3 - sexo feminino, 22 anos, licenciada em Sociologia). O mesmo quanto à situação política e a qualidade da democracia, "também no Brasil existe uma elite que manda no resto da população" (G3 - sexo feminino, 23 anos, licenciada em Arquitetura).

Outro fator importante de estranhamento quanto ao ambiente social prende-se com o relacionamento interpares, neste caso, colegas e professores universitários, que pela análise das entrevistas parece ter sido mais fácil em Portugal do que no Brasil. Os "mais velhos" (que estiveram tanto em Portugal como no Brasil) salientaram sobretudo o relacionamento com os professores, ao qual deram continuidade depois de terem regressado a Angola, sendo estes contatos a sua ligação ao meio académico, funcionando como meio de troca de material bibliográfico. Para os "jovens" que estiveram em Portugal, essa ligação mantém-se sobretudo com ex-colegas, que "abriram as portas da sua casa e [os] acolheram como um filho" (G2 - sexo masculino, 38 anos, licenciado em Ciências Policiais). Por seu lado, "jovens" que estiveram no Brasil salientam a pouca ligação com os professores e com outros colegas brasileiros. Já para os "muito jovens", o pouco tempo de permanência nestes países, bem como a manutenção das suas redes de sociabilidade no país de origem, fizeram com que o relacionamento interpares fosse mais superficial, não mantendo por isso nenhum contato depois do retorno.

Para aqueles que estiveram no Brasil, o período de adaptação foi mais longo do que inicialmente tinham pensado. Caraterizam o relacionamento com os seus colegas como afável, mas sem muito contato direto pois a sua condição de estrangeiros é entendida como temporária.

De igual forma sentiram constrangimentos relacionados com a língua, que, apesar de ser a mesma, apresentava muitas diferenças pois "o [nosso] português está mais ligado ao de Portugal, na maneira de escrever, na gramática, nos nomes das coisas" (G3 - sexo feminino, 23 anos, licenciada em Arquitetura).

Quanto a serem alvo de racismo, esse sentimento foi apontado tanto por aqueles que estiveram em Portugal, como por aqueles que estiveram no Brasil. Aqueles que estiveram em Portugal dizem ter sido confrontados com esse sentimento sobretudo por serem vistos como estrangeiros, e ainda como cidadãos não originários do espaço europeu.

Aqueles que estiveram no Brasil dizem porém que esse racismo não está relacionado com o facto de serem estrangeiros, que, segundo os entrevistados, "até éramos melhor tratados quando soubessem que éramos de outro país, sobretudo portugueses" (G3 - sexo feminino, 22 anos, licenciada em Psicologia). Mas sim pelo facto de serem "negros" pois "no Brasil o negro é quase invisível" (G2 - sexo masculino, 34 anos, licenciado em Comunicação).

O retorno a Angola e a inserção no mercado de trabalho

Terminada a formação superior, segue-se o retorno a Angola e respetiva inserção profissional. No entanto há diferenças quanto às suas expetativas.

Os "mais velhos" não tiveram dúvidas quanto ao seu retorno a Angola, pois a sua condição de bolseiros do Estado angolano, o facto de serem funcionários públicos e de terem encarado a deslocação apenas como uma "missão que [tiveram] que cumprir para depois ajudar na construção do país" (G1 - sexo masculino, 60 anos, doutorado em Ciências da Educação), foram fatores determinantes para o seu regresso a Angola.

Para os "jovens", o longo tempo de permanência nos países de destino levou-os a ponderar a questão do seu regresso a Angola. Salientaram que sempre tiveram presente a ideia de regressarem depois de concluída a formação, porém dizem terem ponderado se era o momento certo para o fazerem pois queriam "aprender mais um pouco, adquirir mais experiência" (G2 - sexo feminino, 34 anos, licenciada em Gestão e Marketing). Como partiram por via do investimento familiar, não sentiram a "pressão" de retribuírem ao Estado o seu investimento.

Para esses jovens, o seu regresso e reintegração na sociedade angolana "foi horrível, as coisas mudaram, as pessoas mudaram e para pior" (G2 - sexo feminino, 34 anos, licenciada em Gestão e Marketing). Além das diferenças sociais em comparação com o que deixaram, deparam-se com a realidade de um país ainda em reconstrução, "com muitas falhas de luz, de água, sem Internet, muita insegurança" (G2 - sexo masculino, 37 anos, mestre em Estudos Africanos), daí que compreendam que outros estudantes prefiram continuar no exterior pois em Angola "não há condições, não há incentivos, não há bibliotecas, laboratórios" (G2 - sexo masculino, 38 anos, licenciado em Ciências Policiais). Por outro lado, as expetativas de emprego são mais difíceis do que aparentemente lhes foi transmitido, pois "mesmo para quem vem de fora tem que ter cunha pois é muito difí" (G2 - sexo feminino, 27 anos, licenciada em Psicologia). Salientam que "a formação só por si não abre portas" (G2 - sexo masculino, 38 anos, mestre em Estudos Africanos), tendo que, em muitos casos, a família recorrer à sua rede de conhecimentos.

Os "muito jovens" partiram para o exterior somente com o objetivo de realização da formação superior, assumindo a sua permanência no país de destino como temporária, logo, o seu regresso seria o desfecho previsível. O relacionamento com Angola enquanto estudantes no estrangeiro manteve-se sempre muito ativo, bem como as redes de sociabilidade, daí a sua "ansiedade de regressar e de voltar à vida que [tinham] antes da partida" (G3 - sexo masculino, 23 anos, mestre em Gestão de Empresas).

De salientar que a menor taxa de retorno a Angola está relacionada com aqueles que partem para os países desenvolvidos, neste caso particular, Portugal. O facto de este país ser um estado membro da União Europeia possibilita aos estudantes uma maior circulação pela Europa, onde encontram mais facilmente enquadramento profissional, uma vez que existe uma maior circulação de profissionais qualificados. Em relação ao Brasil, os ex-estudantes inquiridos referem que "o Brasil incentiva o retorno a Angola depois de concluída a formação" (G2 - sexo masculino, 27 anos, licenciado em Administração).

Regressados a Angola, esses ex-estudantes mostram-se confiantes em relação ao futuro e afirmam que a realização da formação superior no exterior lhes tem permitido maior mobilidade e progressão na carreira profissional. Os "mais velhos" reconhecem que tiveram uma progressão profissional dentro da entidade a que estavam vinculados, bem como se figuraram novas perspetivas profissionais, como por exemplo a lecionação de aulas em universidades.

Para os "jovens", a formação superior no exterior tem permitido melhor integração profissional bem como perspetivas de progressão na carreira. De igual modo sentem um reconhecimento pelo esforço e investimento que fizeram em formação: "Tenho mudado de emprego e sempre que mudo é para melhor mas também sei que isso só acontece porque estudei lá fora" (G2 - sexo feminino, 34 anos, licenciada em Gestão e Marketing). Porém admitem que esse reconhecimento se fica pelo valor do diploma, não se traduzindo numa melhoria das condições económicas: "Tenho muitas vezes que acumular funções em organismos diferentes".

Para os "muito jovens", ainda em início de carreira, a resposta à sua formação por parte do mercado de trabalho tem sido positiva pois "assim que [regressaram] surgiram logo propostas de trabalho" (G3 - sexo masculino, 23 anos, mestre em Gestão de Empresas). Sendo que a maioria se encontra em situação de primeiro emprego, esperam conseguir evoluir na carreira à medida que vão adquirindo experiência.

Todos os entrevistados reconhecem que a formação superior realizada no estrangeiro "abre portas" e dá-lhes oportunidades que não teriam se tivessem feito o ensino superior em Angola, que lhes dá estabilidade laboral e lhes permite terem melhores perspetivas de ascensão social e profissional. De uma maneira geral, esperam aplicar os conhecimentos adquiridos no exterior no seu dia a dia.

Conclusão

A migração estudantil, embora seja encarada e vivida como temporária, pois está sempre presente a ideia do regresso ao país de origem, implica um período de adaptação na sociedade de acolhimento, daí que a possibilidade de partir para destinos onde esse impacto inicial seja minimizado seja a opção mais recorrentemente escolhida. A escolha do país de destino para realização da formação superior assenta em pressupostos delineados sobretudo pela família: a presença da familiares ou amigos que podem ajudar na fase inicial, a aproximação cultural e histórica, bem como a partilha linguística, são fatores decisivos que levaram à escolha de Portugal ou do Brasil como destino para realização da formação superior. A longa tradição de receção de estudantes universitários angolanos em Portugal faz deste país um destino de eleição, uma continuidade do percurso iniciado por alguns pais e avós, que se traduzem em estruturas previamente montadas, como a possibilidade de aquisição da nacionalidade portuguesa. 

 Por seu lado, o Brasil tenta afirmar-se e conquistar o seu espaço no relacionamento com Angola, proporcionando mais bolsas de estudo bem como aumentando o número de vagas nas suas instituições de ensino superior para estudantes angolanos. No entanto, e de acordo com os entrevistados, Portugal continua a ser a referência principal, surgindo como primeira escolha entre os dois países.

Concluímos assim que a escolha do país para realização da formação superior consistiu num aproveitar da situação que se proporcionou em determinado momento do percurso de vida dos entrevistados. Por isso, mais importante do que o país particular para onde foram enviados, os entrevistados salientam sobretudo a oportunidade que tiveram de realizarem a sua formação superior no estrangeiro, permitindo-lhes o acesso a uma nova realidade, a uma sociedade e cultura diferente daquela em que estavam inseridos, o que lhes deu a possibilidade de interagirem com diferentes pessoas com ideias diferentes das suas. De igual modo essa diferença acabou por os influenciar, por os tornar mais abertos a outras ideias que não aquelas que regem a sociedade angolana. O contato com sociedades mais democráticas, como é o caso da portuguesa e da brasileira, permitiu ainda uma liberdade de pensamento consubstanciada pela possibilidade de questionarem o que era dado como certo.

Assim, muito embora o número de entrevistas não seja suficiente para fazer generalizações, o facto é que a maioria dos estudantes se mostra otimista em relação ao seu futuro profissional e em relação ao futuro de Angola, perspetivas essas tornadas possíveis graças à formação superior realizada em Portugal ou no Brasil.

A investigação, ainda em curso, permitiu igualmente constatar a importância da educação e formação para as famílias dos entrevistados, que canalizaram todo o seu rendimento na educação dos seus filhos. De facto, foram as famílias que elaboraram estratégias económicas para conseguir suportar a formação dos seus descendentes fora do país e que os apoiaram em todos os momentos, desde a partida, à permanência no exterior e o posterior regresso e readaptação a Angola.

 

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Recebido 24 de outubro de 2011; Aceite para publicação 29 de março de 2012

 

Notas

1   O termo "elite" é utilizado aqui tendo em conta uma perspetiva cultural e intelectual e não política/económica.

2   Decreto-lei nº 44530 de 21 de agosto de 1962.

3   Decreto-lei 48790 de 23 de dezembro de 1968.

4   Dois anos depois da independência (1977), registou-se 1.026.291 crianças matriculadas na pré-primária e nos quatro anos primeiros anos de escolaridade, em comparação com os 512.942 alunos registados em 1973 (Zau, 2009, p. 263).

5   Este documento coloca Portugal na quinta posição, com 148 bolseiros.

6   O Manual do PEC-G está disponível na página oficial do Ministério da Educação (MEC) do Brasil no endereço http://www.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/CelpeBras/manualpec-g.pdf.

7   O Estudante-Convénio só recebe o seu diploma na embaixada brasileira sediada no país de origem do estudante e somente o próprio pode levantar o documento e assinar o término do seu processo.

8   Dados disponíveis no endereço eletrónico do Ministério das Relações Exteriores – http://www.mre.gov.br (consultado em 2 de fevereiro de 2011).

9   http://www.mre.gov.pt (consultado em 2 de fevereiro de 2011).

10  Os dados aqui apresentados estão disponíveis no sítio do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (http://www.mre.gov.br) e no do Ministério da Educação (http://www.mec.gov.br).

11  Os excertos das entrevistas estão transcritos sem qualquer alteração em relação ao registo áudio em que as entrevistas foram gravadas.

12  Desde a adesão à moeda europeia e à sua forte permanência nos mercados, em detrimento da moeda americana, muitos angolanos têm optado por outros destinos onde a troca cambial é mais favorável. Isso deve-se ao facto de a economia angolana estar sustentada no petróleo e, como tal, ter como moeda internacional de referência a moeda americana (dólar).

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