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Cadernos de Estudos Africanos

versão impressa ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.23 Lisboa jan./jun. 2012

 

A Influência Africana na Economia Cultural Baiana

Noelio Dantaslé Spinola*

*Universidade Salvador (UNIFACS) - Salvador, Bahia, Brasil

noelio.spinola@unifacs.br

 

Resumo

Este artigo apresenta um breve comentário sobre a influência africana na economia da cidade de Salvador, a terceira maior do Brasil em população e a maior do mundo, fora da África, em termos da população negra, sem pretensões de esgotar o assunto. Relata os resultados de uma pesquisa de campo que informa como os cultos religiosos, como o candomblé, se transformam nos veículos inspiradores e condutores de atividades econômicas que se materializam através do folclore. Espera fornecer elementos para uma discussão econômica e antropológica mais profunda.

Palavras-chave: economia cultural, influência africana, religião afro-brasileira, economia baiana, emprego e renda, Salvador

 

The influence of Africa on the cultural economy of Bahia

Abstract

While by no means an exhaustive account, this article discusses the influence of Africa on the economy of Salvador, Brazil's third most populous city and the largest concentration of people of African origin outside the continent. This paper details the findings of fieldwork that examined how religious cults such as Candomblé have become vehicles for folklore-inspired economic activity. It hopes to present an approach that results in a deeper economic and anthropological understanding of these phenomena.

Keywords: cultural economy, African influence, Afro-Brazilian religion, Bahian economy, employment and income, Salvador

 

Desde o século XIX que os cientistas sociais brasileiros e de outras partes do mundo, através de variados estudos e uma farta literatura científica, têm analisado a cultura e a sociedade negra1. Neste plano se insere a análise dos cultos afro-brasileiros em suas diferentes ramificações, discorrendo sobre a sua história, teologia, psicanálise, características regionais e modalidades de prática. Toda esta atenção torna o tema complexo e objeto de diferentes abordagens pelos estudiosos do assunto, adeptos e simpatizantes2.

Segundo Arthur Ramos (1956, p. 200), estudos sobre os negros no Brasil são complexos por exigirem o concurso multidisciplinar de especialistas, constituindo-se em um problema histórico, antropogeográfico, antropológico cultural, biológico, linguístico, sociológico e político. É razoável supor que ao longo do tempo os estudos africanos tenham evoluído substancialmente, incorporando novas contribuições e enfoques, cujo exame foge ao escopo deste texto.

Uma definição de cultura negra que pode ser válida no contexto de diferentes sistemas de relações raciais é a seguinte, apresentada por Sansone (1994): a cultura negra é uma subcultura específica das populações de origem africanoamericana, dentro de um sistema social que destaca a cor ou a descendência de cor como critério importante para diferenciar ou segregar pessoas.

As culturas negras existem em diferentes contextos: em sociedades plurais, em sociedades predominantemente brancas e em sociedades nas quais uma norma somática predominante situa os negróides no nível mais baixo, ou próximo a este (cf. Whitten & Szwed, 1970, p. 31). Força aglutinadora específica da cultura dos negros é o sentimento de um passado comum, na condição de escravos e desprivilegiados. A África é usada como um banco de símbolos, sacados de forma criativa. A cultura negra é, por definição, sincrética (Mintz, 1970, pp. 9-14). Também é específico da cultura negra, em certa medida, o alto grau de interdependência em relação à cultura urbana ocidental. Por causa disso, a cultura negra geralmente não goza do mesmo tipo de reconhecimento oficial conferido às "culturas étnicas estabelecidas", e os negros enfrentam dificuldades maiores do que outras minorias étnicas para se expressar enquanto comunidade. A principal base de ação dos grupos de pressão negros é a negrofobia branca, bem como a percepção da discriminação racial. Aspecto relativamente específico da etnicidade negra é o fato de se basear amplamente na manipulação da aparência física. As populações negras do Novo Mundo e da diáspora caribenha na Europa produziram uma variedade de culturas e identidades negras que se reportam, por um lado, ao sistema local de relações raciais e, por outro, a fenômenos internacionais e internacionalizantes (Sansone, 1994, p. 2).

Neste estudo destacam-se dois pontos fundamentais. O primeiro é que, tanto quanto o Português e o Índio, o Negro é um dos fundadores da cultura brasileira3. O segundo é que o culto afro, uma das suas manifestações coletivas mais típicas, constitui uma religião reconhecida pelo governo brasileiro e um elemento significativo da economia cultural4 da cidade do Salvador, influenciando o estilo e a prática de inúmeras atividades populares, dentre as quais se destacam o artesanato, a produção musical, a culinária, a moda e a medicina5 do corpo e da alma, com as quais se inter-relaciona numa cumplicidade sutil, muitas vezes cercada de magia e misticismo.

É o caráter simbólico das mercadorias que nos permite falar em economia cultural, mas é preciso compreender agora o que vem a ser cultura.

A noção de cultura é multissignificada. Em alguns contextos, ela aparece como sinônimo de erudição ou educação acadêmica. No cenário midiático, cultura aparece geralmente associada ao mundo das artes: cinema, teatro, televisão, etc. Do ponto de vista socioantropológico, entretanto, a cultura é concebida de forma muito mais ampla. Trata-se de toda e qualquer criação humana, real ou simbólica e que se expressa como modo de vida.

Sua concretude é, portanto, onipresente, pois se manifesta em todas as esferas do cotidiano: política, econômica, religiosa, etno-linguística, sociocomportamental e fenotípica. A cultura dos povos é a interconexão de todas estas esferas, perpassada ainda pelos aspectos históricos e geográficos (tempo/espaço). Morin (2003) compara a cultura a um megacomputador altamente complexo. Em âmbito universal ela é um gerenciamento coletivo da sobrevivência humana e particularmente representa a identidade de um povo, expressa na língua, nas práticas e no imaginário das comunidades.

Os bens culturais, além do seu elemento cultural estruturante, compartem com os demais bens e serviços econômicos o emprego, na sua produção, de recursos naturais, de capital, de trabalho e de outros elementos, notadamente uma tecnologia específica que deriva de uma inspiração criadora. A maioria destes recursos possuem usos alternativos e portanto um custo de oportunidade e um preço. Isto não quer dizer que todos os bens e serviços culturais se vendam em um mercado, ainda que isso suceda em muitos casos, como, por exemplo, na contratação dos serviços de artistas e outros profissionais criativos. O Estado costuma fornecer alguns produtos culturais de forma gratuita. Esta é uma decisão política e não econômica: a maior parte dos bens culturais não são bens públicos. Entretanto muitos especialistas deste setor pensam que os bens culturais possuem características próprias dos bens públicos que os mercados não podem captar plenamente através dos preços (Towse, 2003).

O culto afro constitui um fenômeno importante na cultura popular da cidade do Salvador porque, dos seus 2.676.606 habitantes, 80,9% são pretos ou pardos (IBGE, 2011)6. A cidade, que é a terceira maior do Brasil em população, é também considerada como a maior capital negra do mundo, fora da África (RankBrasil, 2011)7 e registra uma grande desigualdade social.

Segundo De Paula (2011) esta desigualdade acontece em diversos aspectos. O Índice de Desenvolvimento Humano da cidade, por exemplo, era levemente maior que a média do Brasil em 2010, mas se reduzia a níveis da África ou se elevava a níveis da Europa, dependendo do bairro da cidade considerado. Assim, de acordo com o PNUD, o IDH-M de alguns bairros de classe média alta atingia 0,971, maior que o da Noruega (0,938), líder mundial há seis anos. Porém, nos bairros mais pobres e populosos situava-se em torno de 0,664, índice menor que o de países como o Turquemenistão (0,669), Tonga (0,677) e Argélia (0,677), localizados na Ásia Central, Oceania e África.

Por imperativo metodológico que norteou a execução da pesquisa realizada em 2009 pelo Grupo de Estudos da Economia Cultural (Gecal)8 da qual deriva este texto, faz-se necessário distinguir claramente as modalidades do culto afro tendo em vista as diferenças das práticas existentes, a sua distribuição espacial e o fato de constituir o candomblé um dos objetos deste estudo.

Segundo a direção baiana da Federação Nacional do Culto Afro-brasileiro (Fenacab) os dois ramos principais do culto são: 1 - os terreiros de candomblé e 2 - as casas de umbanda. Os terreiros de candomblé são regidos pela tradição africana e não se deixam influenciar pelas outras religiões9. A umbanda surgiu no Brasil e mistura, num processo sincrético, a tradição africana, a indígena, a européia – católica e espírita. Existem diferenças ritualísticas entre os dois cultos e, inclusive, rivalidade. Esta distinção não é claramente percebida pelos leigos, gerando muita confusão na sua análise.

Na visão de Carneiro (2002, p. 136) "o Candomblé é o local em que se realizam as festas religiosas em geral; as cerimônias religiosas anuais obrigatórias do culto". Viana de Fátima (2007, p. 513) define-o como "uma religião afro-brasileira, mediúnica, que cultua entidades chamadas Orixás, os quais se manifestam no corpo dos crentes por meio de uma crise de possessão". Para Bastide (2001), "candomblé primitivamente significava dança e instrumentos de música e, por extensão, passou a designar a própria cerimônia religiosa". É uma prática religiosa eminentemente urbana, e tem considerável número de seguidores no país. "O culto organizado não podia, sob a escravidão, florescer no quadro rural – ou seja, a fazenda ou a cata. Para mantê-lo o negro precisava de dinheiro e de liberdade, que só viria a ter nos centros urbanos" (Carneiro, 1959, p. 7).

O fato é que o candomblé é praticado por descendentes de diversas "nações" africanas10 cujos ancestrais vieram escravos para o Brasil. Uma idéia deste complexo quadro de civilizações é fornecida a seguir por Bastide (1985, p. 67), citando Arthur Ramos11:

a)   as civilizações sudanesas representadas especialmente pelos yorùbá (nagô, ijexá, egba, ketu, etc.), pelos daomeanos do grupo jêge (ewe e fon) e pelo grupo fanti-axanti chamado na época colonial de mina12;

b)   as civilizações islamizadas representadas, sobretudo, pelos peuhls, pelos mandingas, e pelos haussa13;

c)   as civilizações dos bantos do grupo angola-congolês representadas pelos ambundas de Angola (cassangues, bangalas, inbangalas e dembos), os congos ou cabindas do estuário do Zaira e os benguelas;

d)   as civilizações dos bantos da Contra-Costa representadas pelos moçambiques (macuas e angicos).

Como informa Bastide, a África enviou ao Brasil:

negros criadores e agricultores, homens da floresta e da savana, portadores de civilizações de casas redondas e outras de casas retangulares, de civilizações totêmicas, matrilineares e outras patrilineares, pretos conhecendo vastos reinados, outros não tendo mais que uma organização tribal, negros islamizados e outros "animistas", africanos possuidores de sistemas religiosos politeístas e outros, sobretudo, adoradores de ancestrais de linhagens (1985, pp. 67-69).

Não é de estranhar que mesmo entre os especialistas no campo encontrem-se frequentemente interpretações diferenciadas e contraditórias.

Existem controvérsias quanto ao número dos terreiros de candomblé em Salvador. Na verdade não se conhece uma pesquisa confiável que informe com margem de segurança o número exato dessas unidades. A pesquisa realizada pelo Gecal (2009) constatou nos registros da FENACAB a existência de 617 terreiros efetivamente registrados em Salvador. Entre seus responsáveis predominavam os descendentes da nação Ketu (Yorùbá) que possuíam 414 terreiros, ou 67% do total registrado. Em segundo lugar apareciam os descendentes da nação Angola (Bantos) com 166 terreiros ou 27%. Em menor número apareciam os oriundos da nação Ijexá (também dos Yorùbás), com 20 terreiros, equivalentes a 3%; seguidos dos Jegê (daomeanos) com 14 terreiros, ou 2%; e apenas 2 da nação Congo (0,3%). Este número é discutível porque muitos terreiros fecham e não dão baixas do registro e outros surgem e não se registram (Gecal, 2009). Tomando-se por base estes dados e considerando-se que a cidade possui 23 mil logradouros registrados pela Prefeitura, observa-se que os terreiros ocupam apenas 2,7% do seu espaço.

O mapa seguinte apresenta a distribuição dos terreiros na cidade do Salvador, construído com base no cadastro da FENACAB. Nele observa-se que as concentrações estão localizadas em áreas da cidade que constituem vales onde existem remanescentes da Mata Atlântica, na proximidade do mar e nos subúrbios que já foram distantes do centro urbano. A expansão da cidade do Salvador, com as suas avenidas de vale, destruiu o sistema urbano construído pelos portugueses nos séculos XVI-XIX e o equilíbrio que harmonizava as funções trabalho x habitação. O candomblé, que constitui uma religião essencialmente ecológica, onde a mata e a vegetação constituem elementos base para a sua funcionalidade religiosa, vem sendo gradativamente esmagado pela expansão urbana e a especulação imobiliária14.

Segundo Maria Stella de Azevedo, a Mãe Stella de Oxóssi, do Ilê Axé Opô Afonjá, o candomblé é uma organização eminentemente matriarcal. O seu comando é exercido pela ialorixá (mãe-de-santo). A liderança feminina nessa tradição religiosa vem de um simples fato: as pioneiras do candomblé, princesas africanas que vieram para a Bahia em fins do século XVIII, criaram o princípio de que as suas casas religiosas só poderiam ser lideradas por mulheres. Uma tradição mantida até hoje nos terreiros como a Casa Branca, o Alaketu, o Gantois e o Ilê Axé Opó Afonjá15.

Evidente que existem muitos terreiros liderados por pais-de-santo (babalaorixá). Não obstante, enquanto a figura feminina da ialorixá é venerada e muito respeitada, sendo alvo de muitas homenagens, o mesmo não ocorre com os homens, que são frequentemente objeto da sátira da mídia e dos preconceitos da população. O famoso comediante brasileiro Chico Anísio difundiu pela mídia (Rede Globo de Televisão) a tendência homossexual dos pais de santo com o seu personagem Painho. Neste caso devem ser observados dois aspectos. Primeiro, o candomblé é uma instituição matriarcal, preponderantemente liderada por mulheres. Segundo, o homossexualismo é tolerado no candomblé, não sendo seus praticantes discriminados16.

Segundo Costa Lima (1977), a mãe-de-santo ou o pai-de-santo exerce toda autoridade sobre os membros do grupo – em qualquer nível de hierarquia – dos quais recebe obediência e respeito absoluto. A estrutura do candomblé repousa em duas categorias de afiliados, perfeitamente distintas: os que são iniciados como filhos de santo (iaôs), até o estágio da feitura do santo, e os vários titulares de posições executivas e honorárias no terreiro (obás e ogans) – no campo espiri-tual e litúrgico como na organização da sociedade civil que trata dos assuntos mais seculares do grupo e seu relacionamento com as instituições públicas e agências de controle da sociedade global em que os candomblés se inserem.

Toda Casa bem fundamentada na Bahia, além de sua função religiosa, tem sua parte social. Além da ordem ritualística, há uma ordem civil. Além da hierarquia espiritual, há a administrativa, que cuida por assim dizer, dos interesses materiais da Casa... Esses homens podem ou não ser filhos-de-santo. De acordo com o querer da Ialorixá e dos Orixás, dividem-se em categorias: são os ogãs, e os obás. O ogã é um indivíduo escolhido pela Ialorixá ou por uma de suas filhas montadas, isto é, pelo próprio Orixá em atenção aos seus serviços prestados ao culto, a uma personagem importante, a alguém cuja assiduidade nas festas seja notada ou que doe a Casa coisas de valor material. Sua função é quase que exclusivamente administrativa, podendo, contudo, aprimorar-se liturgicamente e então, ajudar na prática do culto. Seu número é ilimitado. Já os obás são reduzidos. São apenas doze. Só perde o cargo, a função, a honraria, em caso de morte. A única Casa que mantém a tradição dos obás é o Axé Opô Afonjá (Vasconcelos Maia, 1977, p. 5).

Como em qualquer outra religião, o candomblé atrai uma massa de aderentes, cujos vínculos com a casa, exteriormente, resumem-se à presença nas diversas cerimônias. Existe ainda outro segmento onde estes vínculos espirituais são mais tênues, mas que tem papel importante na manutenção dos terreiros. Trata-se de pessoas que, sem qualquer ligação anterior com a casa, nem necessitando manifestar fé genuína na religião, buscam a proteção das forças sobrenaturais que acreditam os terreiros comandarem ou mediarem em momentos adversos da vida, em casos de doença ou em fases de incerteza, aflição ou desespero face aos problemas concretos da existência. Tais pessoas, na medida em que considerem satisfatória a intervenção do terreiro em seu benefício tendem a assumir maiores compromissos com o culto, contribuindo com mais regularidade para sua manutenção e funcionamento.

Feitas estas considerações introdutórias, compõe este trabalho uma seção destinada ao exame da economia afro-baiana de Salvador que se subdivide na descrição de alguns segmentos selecionados dos setores relacionados com o artesanato religioso, a produção de instrumentos musicais e o Carnaval. Não foi possível apresentar o estudo sobre a moda étnica e a culinária dada a limitação do espaço. A maioria dos dados e informações é oriunda da pesquisa realizada em 2009 pelo Grupo de Estudos da Economia Cultural de Salvador (Gecal). Esta pesquisa atualiza outra que, com o mesmo propósito e pelo mesmo grupo, foi em realizada em 2003.

A pesquisa do Gecal permitiu desenhar-se a figura seguinte, que apresenta uma inédita cadeia produtiva derivada dos cultos afro em Salvador da Bahia, a qual busca demonstrar a inter-relação entre o culto afro e um conjunto de atividades dele derivados. A rigor elas constituem seis ramos independentes dos qual o de peso econômico maior é o Carnaval que, gradativamente, vem se descolando desta influência pela perda da criatividade e a invasão de outros ritmos influenciados, inclusive, pela música pop norte-americana.

 

Figura 1: Mapa dos terreiros de candomblé da Bahia

 

O mesmo fenômeno ocorre com a culinária, que vem perdendo espaço para as comidas gaúchas, chinesas, japonesas e italianas, uma decorrência da crescente migração de sulistas e paulistas mobilizados pelas indústrias que se implantam na região.

A economia afro-baiana

Analisando as atividades profanas integrantes ou derivadas do candomblé, no âmbito da economia cultural observamos que estas trazem em seu conceito o sentido implícito de uma espécie de interação equilibrada entre a administração dos recursos e a ação do sobrenatural. No que diz respeito ao indivíduo membro do culto isto significa que o grau de intervenção amistosa, indiferença ou hostilidade por parte dos Orixás que controlam seu destino e sua própria sorte pessoal é mantida pelo grau de devoção com que ele cumpre as exigências ritualísticas do culto. No candomblé, a intensidade em que ele está disposto a fazer sacrifícios é um importante fator no sentido de lhe trazer recompensa e elevação de status17.

Nas relações econômicas mais diretas e transparentes, os cultos afro-brasileiros não diferem muito das demais religiões. Assim, o candomblé mantém equipes permanentes, que são sustentadas pelas respectivas casas. Além disso, para auferir rendas que assegurem a sustentação financeira das casas, certos serviços religiosos são cobrados, como ocorre comumente em tais casos.

Neste sentido, pode-se concluir que, se em termos estritamente ocupacionais o papel dos terreiros não chega a ser relevante, seus efeitos indiretos assumem proporções consideráveis, sendo expressivos na vida econômica da região, particularmente de Salvador como demonstra a Figura 2. Aqui, dois aspectos devem ser considerados. Primeiro, o papel de agência comunitária desempenhado pelos terreiros, com reflexos importantes na vida de seus membros. O candomblé deve ser pensado não apenas como uma unidade socialmente organizada para a adoração das forças que dominam o universo, mas também como uma instituição que funciona pragmaticamente para proteger os interesses de seus membros seja no plano espiritual seja no material. O segundo aspecto refere-se ao papel dinâmico que o candomblé exerce, de estímulo a certas atividades econômicas, particularmente o comércio e o artesanato. Isso deriva do fato de que um elemento presente na maioria das cerimônias e ritos é a realização de oferendas e sacrifícios às divindades, os Orixás. Tais oferendas, que incluem uma extensa lista de gêneros alimentícios e outros, e o sacrifício de animais (pombos, galinhas, bodes, cágados, carneiros e bois), estão presentes tanto nas cerimônias das quais a comunidade dos terreiros participa coletivamente, quanto nas práticas desenvolvidas, com maior ou menor regularidade, por seus membros individualmente. Por outro lado, a representação e manifestação das divindades se revestem de rica e complexa simbologia que, na prática, se expressa em vestimentas, adornos os mais diversos e objetos rituais, próprios a cada divindade. Existe ainda o emprego de sementes, ervas, folhas, plantas em diversas cerimônias. Todos esses elementos têm a peculiaridade de obedecer a certos requisitos rituais, o que importa na observância de procedimentos escritos na sua produção, levando a que sua oferta não seja tão afetada pelos processos de modernização18. Neste nível, o candomblé é responsável direto pelo emprego de artesãos que produzem os adornos e objetos rituais, costureiras encarregadas das vestimentas, e produtores e comerciantes dos diversos gêneros e materiais antes citados.

 

Figura 2: Cadeia produtiva derivada da influência dos cultos afro-brasileiros

 

O culto, na Bahia, se amplificou e repercutiu mundialmente ao servir de inspiração para inúmeras manifestações culturais que foram traduzidas na produção musical de artistas de renome internacional como Dorival Caymi, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Vinicius de Morais, Carlinhos Brown e muitos outros; na literatura de Jorge Amado; na etnografia e fotografia de Pierre Verger19, na arte plástica de Carybé, Calazans Neto, Mário Cravo Neto, Tati Moreno e por fim nas grandes escolas do Carnaval como o Olodum, o Ylê Ayê, e a Timbalada, cuja ação extrapola o artístico e transborda para o social, e nos afoxés como os Filhos de Ghandi. Assim é que O Olodum, um bloco de renome internacional, com 5,5 milhões de discos vendidos, mantém uma escola em Salvador (Pelourinho) onde atende a 360 alunos, constituindo uma referência nacional e internacional pela inovação no trabalho com arte, educação e pluralidade cultural (Rodrigues20, 2011, p. 7).

No Candeal, Carlinhos Brown (Timbalada) realizou o projeto "Tá Rebocado", de urbanização e saneamento do bairro, que recebeu, em 2002, o Certificado de Melhores Práticas do Programa de Assentamentos Humanos das Nações Unidas/UN-Habitat. Em 1994, ele fundou a Associação Pracatum de Ação Social. O lugar é um centro de referência em cursos de formação profissional em moda, costura, reciclagem, idiomas e oficinas de capoeira, dança e de temáticas ligadas à cultura afro-brasileira, além de uma escola infantil. Os projetos são parceiros de instituições importantes mundialmente, como os Ministérios da Educação e do Trabalho e a UNESCO (Pracatum, 2011).

Nascido do Terreiro Ilê Axé Jitolu, o Ylê Aiyê criou o Centro Cultural Senzala do Barro Preto, onde cuida da realização de diversas atividades sócio-culturais importantes (no bairro da Liberdade - Curuzu) tais como: escola de primeiro grau, socialização de menores através da música, dança e esportes, e cursos profissionalizantes. Além dessas atividades, o Ilê Aiyê desenvolve um consistente trabalho no campo da negritude, onde a questão racial e cultural do negro é difundida (Ilê Aiyê, 2011).

Assumido com vigor pelo trade turístico baiano, o candomblé conquistou o reconhecimento e o respeito da sociedade em geral, ampliando o seu prestígio e verificando-se a disseminação do uso de muitos de seus adornos e instrumentos (pulseiras, colares, estatuetas de madeira e metal, instrumentos musicais, etc.) sem qualquer vínculo com a prática ou compromisso com a fé religiosa.

Segundo o Censo 2010 do IBGE as religiões afro-brasileiras tiveram um crescimento de 52%, o maior, em termos relativos, entre todos os grupos pesquisados. Hoje eles representam 0,35% da população, o que em números absolutos atinge a marca de 682.50021. A sociedade baiana em seus costumes é flexível e não oferece um campo promissor para o radicalismo religioso22. Mesmo os evangélicos não conseguem dobrar a arraigada tradição afro da maior parcela da população.

Como afirma Santos:

O movimento contra a intolerância religiosa vem se consolidando e alcançou já algumas vitórias, sendo que entre as mais dignas de registro está a condenação, em várias instâncias do judiciário brasileiro, da Igreja Universal, em função de agressões e ofensas publicadas no jornal da referida igreja, que concorreram para a morte da yalorixá Mãe Gilda, do Ilê Axé Abassá de Ogum. A data do falecimento de Mãe Gilda, no ano de 2004, se transformou no Dia Municipal Contra a Intolerância Religiosa, através do projeto de uma vereadora de Salvador. Em 2008, essa data se tornou o Dia Nacional Contra a Intolerância Religiosa (projeto de dois deputados federais da Bahia) (2009, p. 2).

Segundo Reginaldo Prandi (2009) em entrevista concedida a Abadon do site Ceticismo Net, um dos maiores problemas enfrentados pelas comunidades de candomblé para sobreviver é a descentralização. Muitas vezes, há divergências sobre o culto e os rituais dentro das próprias nações, já que as tradições afro não constituem uma religião monolítica, mas vários cultos, oriundos de diversos povos africanos, que foram trazidos para o Brasil. Às vezes existem divergências dentro do próprio candomblé... Segundo Pandri, não existe uma religião afro-brasileira, mas várias. Dentro de cada uma, há grande diversidade de nações e ritos diferentes, de acordo com as origens étnicas dos grupos fundadores. Dentro da religião, há grupos que conhecem muito pouco os outros. Para ele a falta de união entre as comunidades gera uma dificuldade de se articular politicamente. Os terreiros não se unem nem se organizam, o que gera uma fraqueza para se defender. A religião afro tem origem no culto doméstico. As relações são sempre simbolizadas pelo parentesco. Existe o pai-de-santo, filho-de-santo, a casa-de-santo, como se fosse família. Então, ainda segue essa idéia de que cada chefe de família é responsável pela sua família. Não implica responsabilidade com o outro. Cada comunidade é totalmente autônoma.

Não obstante, pode-se afirmar que a existência e a força do candomblé em Salvador constituem um fenômeno peculiar de nossa sociedade. Assim é que nos últimos anos, como relata Santos (2009), muitos militantes dos movimentos negros passaram a valorizar e se integrar aos terreiros das diversas nações, que passaram a se articular até mesmo em termos de ações políticas e projetos diversos, realizando ações sociais e comunitárias.

Com esse processo de politização surgiram as articulações, as ações conjuntas e as entidades representativas. O que levou à ocupação dos espaços em conselhos, como é o caso da representação formal e legal dos terreiros no CDCN – Conselho de Desenvolvimento da Cidadania Negra (Governo do Estado) e no Conselho Municipal das Comunidades Negras (Prefeitura Municipal de Salvador). Esse processo de politização levou à criação da ACBANTU – Associação Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu. A ACBANTU é integrante dos CONSEAs – Conselhos de Segurança Alimentar em nível estadual e nacional. E também à criação da AFA – Associação de Preservação da Cultura e Religiosidade Afro e Ameríndia, que agrega os Terreiros de Candomblé de Caboclo (mistura da religiosidade africana e indígena brasileira), muito presentes na Bahia (Santos, 2009, p. 2).

No plano econômico os cultos afro não estão imunes ao processo de globali-zação e a revolução cibernética. A divulgação da sua prática e dos seus produtos vem alastrando-se na web, onde se registra uma imensa quantidade de sites que comercializam objetos e serviços dos mais variados, alguns sem demonstrar preocupação com a veracidade das informações que propagam e outros divulgando propositadamente informações falsas para adquirirem vantagens comerciais.

Muitos produtos originários da África e naturalizados na Bahia, como, por exemplo, o berimbau (hungu ou m'bolumbumba em Angola e grande parte do continente africano), são fabricados em larga escala no Estado de São Paulo, num processo industrial que concorre com a produção artesanal baiana.

Na Praça da Sé (Pelourinho) estão localizadas empresas importadoras dos artigos mais sofisticados, originários de São Paulo e do exterior. Alguns terreiros fazem compras diretamente nas cidades do Recôncavo Baiano23.

A Feira de São Joaquim, segundo a Prefeitura de Salvador, é a maior feira aberta da cidade. Espalha-se por dez quadras, em 22 ruas, em um espaço de mais de 34 mil metros quadrados. São 7.500 feirantes em mais de quatro mil boxes. Fundada há 41 anos, a Feira de São Joaquim está em pleno processo de obtenção do título de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, conferido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A feira é o maior centro abastecedor dos artigos utilizados nos cultos afro-brasileiros de Salvador. Lá se encontra desde animais para sacrifícios até vestimentas de Orixás, contas e búzios vindos da África e da Ásia.

 

Tabela 1 – Produtos para o culto afro comercializados na Feira de São Joaquim

 

Artesanato religioso

O artesanato de Salvador também recebe uma forte influência dos cultos afro. Verdadeiras obras de arte popular são produzidas em cerâmica, madeira e metal. O Mercado Modelo, o Pelourinho e a Feira de São Joaquim são os maiores comercializadores de artesanato religioso da capital baiana.

Os patuás25, que revelam a fé do povo baiano, são comercializados através das miniaturas de Orixás, cerâmicas, quadros, esculturas, pulseiras e colares de contas, búzios, contreguns26, etc. Entre os produtos artesanais que merecem destaque está a fitinha do Senhor do Bonfim, que é utilizada sincreticamente também por membros do candomblé.

Os materiais utilizados nos cultos afro-brasileiros vêm sendo modificados pela introdução de técnicas e materiais novos, como tecidos sintéticos, metalóides, linhas de nylon, contas plásticas e de resinas, galvanização de metais, que são amplamente usados por artesãos, possibilitando a produção de objetos em maior escala, o que barateia o produto final (Gecal, 2009). As fitinhas do Senhor do Bonfim, por exemplo, deixaram de ser fabricadas em tecido de algodão, substituído pelo nylon. Segundo alguns crentes perderam parte do seu efeito, pois neste novo material, mais resistente, custa muito a "graça" ser concedida quando se rompe a fita no pulso do devoto. A modernização apresenta vantagens do ponto de vista da racionalidade econômica. Porém muitos consumidores reagem aos produtos modificados. Já existem até berimbaus "ecológicos" construídos em plástico.

Os consumidores se dividem basicamente em três categorias. A primeira é a dos "turistas desavisados", que compram qualquer coisa desde que os encante. São vítimas dos espertalhões que normalmente vendem produtos de baixa qualidade e a preços elevados. A segunda é uma categoria cada vez mais significativa, a dos "turistas especialistas", que testam os produtos que compram e em muitos casos exigem e conferem a originalidade do produto, a sua exclusividade, a sua natureza artesanal, chegando ao ponto de exigirem conhecer os mestres fabricantes. A terceira e última é a dos compradores locais, cuja procura é muito pequena, pelo menos nos mercados citados, que consideram caros e destinados aos turistas27.

Alguns artesãos já exportam seus produtos, sendo os maiores mercados Portugal, França, Itália, Espanha, Israel e África do Sul, segundo informa a Dinho Artes e Percussão localizada no Pelourinho.

Em geral, lucros altíssimos são obtidos no processo de comercialização dos objetos confeccionados pelos artesãos baianos. Não só os objetos têm sido despudoradamente copiados como também padrões têm sido apropriados à revelia de seus criadores. Na maior parte dos casos o controle desse processo escapa aos artistas, que costumam receber quantias quase simbólicas por seu trabalho de criação. Ocorre também não receberem nada e assistirem à venda de cópias de seus trabalhos, com grande qualidade, produzidos na China28 (Gecal, 2009).

As vestimentas dos Orixás utilizadas nas cerimônias, às vezes vindas da África, são vendidas nas lojas por valores que oscilam em torno de 600,00 €. São produzidas artesanalmente e utilizam como matéria prima: contas plásticas, búzios, fibras de coco, sisal, couro, lantejoulas, tecidos de variados tipos (Gecal, 2009).

Os instrumentos e os ritmos que são executados possuem valores históricos. São meios de comunicação e de informação, são sagrados e, após as obrigações, tornam-se instrumentos de materialização e exteriorização das forças vitais, ou seja, do axé. Este é, por exemplo, o caso dos atabaques.

O axé29, energia vital, fundamento maior desta religião, é fixado em objetos vários e por meio deles se transmite. Os exemplos, enfim, podem ser numerosos. Até mesmo a identidade do indivíduo relaciona-se intimamente a um conjunto particular de objetos religiosos que geralmente desaparecem com ele, quando de sua morte, como é o caso do colar de contas, um objeto sagrado que a pessoa iniciada leva consigo e passa por uma preparação especial para ter um significado para quem o usa. Como descreve Bastide: "cada membro da seita tem um colar que lhe é próprio, cujas contas são da cor da divindade a que pertence (...) mas o colar não tem valor por si mesmo; deve sofrer previamente determinada preparação; deve ser "lavado" (2001, p. 41).

Os cultos, as cerimônias, as festas e "trabalhos" realizados pelo candomblé pedem folhas específicas. As principais são mercadas nas feiras da cidade com destaque para as de São Joaquim, das Sete Portas. Podem ser encontradas também no Parque São Bartolomeu, uma reserva florestal que ainda sobrevive na periferia da cidade. Muitos pais-de-santo ortodoxos dizem que Ossãe, o Orixá das plantas medicinais e litúrgicas, não gosta que se compre ervas nos mercados. Que elas devem ser colhidas na natureza segundo os seus preceitos.

Instrumentos musicais

Como se sabe, a cidade do Salvador possui uma grande vocação musical. Os instrumentos musicais percussivos dominam o seu mercado. Em geral, são de origem africana, com pequenas modificações realizadas com o passar do tempo para melhor atender aos novos estilos musicais. Foram trazidos pelos negros na época da escravidão e servem até hoje para ritmar os cantos e as festas dos cultos afro. Perpetuada pela tradição oral africana a forma de produzir e de tocar esses instrumentos, sobreviveu ao logo do tempo, sendo as informações passadas de pai para filho nas sucessivas gerações.

A produção destes instrumentos exige poucos recursos, o que viabiliza a sua fabricação artesanal em pequenas oficinas, na maioria das vezes nas condições mais rudimentares possíveis e disseminadas pela cidade em locais de difícil acesso para o grande público, apenas conhecidos pelos intermediários compradores. Os equipamentos utilizados são pouco sofisticados (usuais de carpintaria), muitos fabricados ou adaptados pelos próprios artesãos, bem como as instalações físicas que também são extremamente precárias e insalubres. O trabalho é realizado em família, numa tradição que passa de pai para filho. Utilizam como matéria-prima restos de madeira obtidos na construção civil (num autêntico mercado de sucata). A pele dos instrumentos é originária do interior do Estado, sendo muito utilizado o couro de bode e de cobra. A intermediação é muito grande, havendo o caso de existirem três negociantes entre o produtor e o fabricante. O nível de instrução é baixo e a propensão associativa é inexistente (no que pouco difere das camadas mais esclarecidas da população). Vêem com profunda desconfiança e ceticismo a possibilidade de receberem algum tipo de ajuda.

 

Figura 3: Localização dos produtores de instrumentos musicais

 

Quarenta por cento do universo pesquisado pelo Gecal (2009) utiliza exclusivamente o seu próprio trabalho como mão-de-obra e setenta e três por cento possui até três funcionários. Esta mão-de-obra, em geral, é quase toda oriunda da própria família do artesão. Setenta por cento do universo pesquisado está na informalidade. E não pretendem se formalizar. Alegam que temem o pagamento de impostos e as pressões da fiscalização.

Argumentam que a margem de lucro do setor é muito baixa, tornando-se insustentável a legalização de alguns deles. Para se ter idéia, a maioria possui uma receita mensal de aproximadamente $7.000,00 (3.000,00€) e outra parcela, também significativa, não ultrapassa a receita mensal de até R$ 3.000,00 (1.300,00€) . Assim sendo, quando são pagos os custos, muito pouco sobra que compense os esforços (Gecal, 2009).

A Tabela 2 fornece uma idéia do grau de exploração dos produtores de instrumentos musicais em Salvador. Foram considerados na pesquisa os dois maiores pontos de venda destes produtos na cidade.

 

Tabela 2 – Margens de lucro dos vendedores nos mercados de instrumentos musicais de Salvador

 

Observe-se que todos os comerciantes, tanto os do Mercado Modelo quanto os do Pelourinho, possuem margens de lucro superiores a 100%, pois compram os instrumentos diretamente dos produtores por preços aviltados.

É importante destacar que estas receitas poderiam ser muito maiores se o mercado não funcionasse em regime de oligopsônio. Este regime se formou ao longo do tempo e de forma natural, diante da total omissão das autoridades regulamentadoras (o Governo). Comerciantes antigos foram ocupando os espaços de comercialização, muitos mediante proteção política, dedicando-se ao atendimento da procura pelos turistas. Uma parte deles montou pequenos fabricos e outra parte ingressou no mercado do "sistema fabril a fação ou disperso"30, montando uma rede de fornecedores que trabalham pautados – recebendo a matéria-prima e as especificações do produto; ou em artesanatos caseiros e em oficinas. Trata-se de uma imensa rede que se espalha por alguns bairros e subúrbios de Salvador. Estes produtores, muitos deles artistas, ou não possuem "tino comercial" ou não têm acesso ao mercado. Não existe mais espaço para mostrar suas peças. Se as colocarem nas ruas a Prefeitura confisca. Por outro lado, se forem vender não produzem. E assim acabam presos na teia dos comerciantes e dos intermediários – outra categoria especializada em ir buscar o produto nas fontes e até em exportá-lo. Além disso, os comerciantes recebem os produtos em consignação, o que significa liquidar as possibilidades de capitalização e a limitação do capital de giro. Por essas e por outras as novas gerações estão fugindo do ofício dos pais, cuja perspectiva em médio prazo é a de extinção.

O Carnaval

O Carnaval é uma importante manifestação cultural de Salvador, pelo volume de recursos humanos e financeiros que mobiliza, numa sinergia com o organismo sociocultural e pela imagem da cidade, que projeta de forma significativa no mercado turístico nacional e internacional.

O Carnaval é uma festa móvel ocorrendo entre os meses de fevereiro e março de cada ano, tendo na capital baiana uma duração oficial de seis dias, começando na quinta-feira à noite e encerrando-se na manhã da Quarta-feira de Cinzas. Ocupa em média 25 km de ruas para os desfiles nos três circuitos em que se divide a festa e nos quatro bairros onde são montados palcos31.

Uma das forças africanas na festa é o afoxé. Como explica o historiador Cid Teixeira (2011), trata-se de um bloco carnavalesco, uma brincadeira de forma, conteúdo e comportamento específico tendo em vista que os seus membros fo-liões estão vinculados a um terreiro de candomblé, unidos por uma religião, pelo uso de uma língua, dança, ritmos e códigos de origem nagô. Entre os afoxés baianos os Filhos de Gandhy é o mais famoso. Com sua roupa branca, seu turbante felpudo, inicialmente foi composto por negros, homens de origem humilde, operários, ligados aos inúmeros terreiros de candomblé da Bahia. Mais recentemente intelectuais, acadêmicos, políticos e personalidades atraídas pela fama têm se agregado aos afoxés mais famosos. O primeiro grupo de afoxé saiu às ruas em 1895 e mostrava aos foliões de Salvador aspectos dos ritos do candomblé.

 

Figura 4: Filhos de Ghandy em desfile (Fotografia de Eduardo Freire/G1)

 

Outras manifestações culturais enriquecem os carnavais baianos como os blocos afro: Olodum, Ilê Aiyê, Timbalada, Malê Debalê, Muzenza e muitos outros. A cultura africana, a plasticidade e beleza das suas coreografias, a criatividade dos seus temas, a louvação da "mãe África", e o ritmo contagiante das suas baterias conduzidas no som sincopado dos atabaques, constituem a força desses blocos.

Os números da festa são os fornecidos pelo governo mediante pesquisa rea-lizada pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Infocultura, 2011) que aponta para um comportamento singular dos moradores de Salvador nos últimos três anos. A pesquisa indica que a grande maioria da população de Salvador não participa da festa. Esta ausência atingiu os níveis de 83,8% da população em 2008; 81,00% em 2009 e 81,50% em 2010. Isto significa que alguma coisa está errada nos rumos da festa. Cabe investigar.Da população local que participou da festa em 2010, 18,50% segundo a Infocultura (Carnaval 2010), a maioria esmagadora era de negros (87,4%). Desta maioria, quase a totalidade (91,2%) é integrante da categoria dos foliões "pipoca", ou seja, aquele folião que não participa de qualquer entidade carnavalesca e que brinca livre nas ruas, imprensados pelos "cordeiros"32 e pelos trios elétricos. A participação predominante é de turistas e grande parte deles é brasileira da região Sudeste33.

A festa rende muito dinheiro, mas os resultados estão concentrados em um grupo restrito de organizações privadas. Segundo os dados que foram apurados pelo Gecal junto à Emtursa e Bahiatursa, empresas turísticas do Município e do Estado, respectivamente, para o ano de 2004, as empresas carnavalescas absorveram 52,01% dos recursos gerados pela festa, cabendo aos setores de transporte e montagem, bebidas, mídia e hospedagem outros 42,07% de toda a renda gerada, ficando para as atividades que podem ser classificadas como de pequeno e médio porte como os restaurantes, bares e lanchonetes os restantes 5,92%.

Os turistas estrangeiros parece que diminuem a cada ano, assinalando-se porém a presença de sul-americanos, notadamente argentinos, e europeus com destaque para os italianos e espanhóis34.

Segundo a opinião de diversos estudiosos do assunto, o Carnaval baiano apresenta sinais de decadência e em médio prazo, se nada for feito em sentido contrário, murchará ou, o que é pior, degenerará como tantos outros eventos populares baianos35. Três fatos, pelo menos, contribuem para este destino, a saber:

I.    A elitização da festa. Inegavelmente ela deixou de ser popular. O povo que não tem dinheiro para comprar um abada, ou levar a família para um camarote, está sendo expulso da folia. O seu espaço foi loteado: no Carnaval baiano, agora, só com abada ou camarote. E quem participa como "pipoca", pode ser vítima da violência policial utilizada, claro, nos "ppp"36. Assistindo a cobertura do Carnaval pela TV tudo é muito bonito e democrático. E é só festa e alegria. No entanto, como denuncia a imprensa, um circo de horrores ocorre no "underground".

II.   O desligamento gradativo das origens africanas. A África e sua cultura constituíam o leitmotiv da festa. Porém, assiste-se a um desligamento desta origem inspiradora que atingiu o seu auge nas décadas de 1970 a 1990. O Axé Music entrou em franca decadência.

III.  A morte da criatividade. A severa redução da qualidade da educação na cidade, como de resto em todo o Estado, notadamente nas escolas públicas, contribui para a produção de músicas de péssimo gosto, que normalmente apelam para a pornografia. A perda da criatividade dos compositores baianos é um fenômeno discutido na mídia por diversos personagens da cena musical baiana. Ver, por exemplo, as declarações de João Jorge Santos Rodrigues, Presidente do Olodum, em entrevista à Revista Muito, n° 189, novembro de 2011, sob o título "A Bahia perdeu sua capacidade criativa". Coisas como o pagode, funk e outras, tomaram conta das ruas e retiraram todo o encanto da festa. São palavras de João Jorge37:

A Bahia perdeu muito da sua capacidade criativa e inovadora nas áreas da literatura, teatro, música, artes visuais, lazer e do entretenimento. Quando se perde essa capacidade de fazer coisas novas em todas essas áreas, você passa a viver do antigo, não que este seja ruim, mas não se estabelece a ponte com o presente e com o futuro. A Bahia precisa inovar. O teatro feito hoje é o mesmo dos anos 1980. Na música ainda estamos na última invenção, que foi o samba-reggae. Nada de novo de lá para cá. A Bahia estagnou. Mais, estamos voltando para trás (2011, p. 8).

Sobre a perda de espaço do samba reggae38 para o "pagode" que hoje domina o cenário artístico local, afirma Rodrigues (2011, p. 10):

Travamos todo tempo uma guerra contra produtoras, contra um modelo de pensamento. O samba-reggae é uma música político-ideológica da comunidade negra, pulsante e dinâmica. Ora, ela não atendia aos esquemas da indústria de entretenimento. Então aqui na Bahia, esse espaço foi diminuído, substituído por algo terrível, que não é o pagode em si, mas as coisas que não são boas dentro do pagode. Então, o fato de não terem esse controle sobre o nosso produto levou a isso.

Assim sendo, o Carnaval baiano é cada vez mais um megaempreendimento capitalista, programado para uma elite de novos ricos, "famosos" da televisão, socialites e deslumbrados que curtem tudo nos camarotes. Foge gradativamente das suas origens e elimina as chances da geração de micro- e pequenos negócios pela maior capacidade de articulação e competitividade de diversos grupos de interesse internos e externos à festa.

Sobre a apropriação do Carnaval pelas classes abastadas e a expulsão dos pobres, já dizia Singer (1998) que tanto o progresso como a miséria são produtos do mesmo processo que consiste na penetração e na expansão do capitalismo num meio em que predominavam outros modos de produção. Trata-se de um processo de transformação estrutural, que evolui ao longo do tempo. O capital penetra em determinados ramos de atividade em que possui maiores vantagens em relação ao modo de produção preexistente, revolucionando os métodos de produção e introduzindo outras relações de produção. Ou então, ele surge mediante a implantação de atividades novas, que só ele é capaz de suscitar. Cria-se, então, um inter-relacionamento dinâmico entre o segmento capitalista e os outros modos de produção que são postos à disposição do capital, transformando-se, por exemplo, em reservatório de mão-de-obra, ou em "cordeiros" diríamos nós.

Conclusão

A pesquisa de que deriva este texto procurou basicamente relatar aspectos da influência dos cultos afro na economia cultural da cidade do Salvador, passando pelo candomblé e desembocando nos setores que lhe estão mais próximos, como o artesanato, a produção de instrumentos musicais e o Carnaval. O quadro observado inspira preocupação.

Entende-se que é urgente a necessidade da formulação de políticas públicas que contemplem de forma eficaz os segmentos pesquisados que transitam entre a formalidade e a informalidade, ponteadas por empreendimentos de grande a pequeno porte. Entende-se também que não existe como se formular uma política uniforme para o setor. Deverão ser várias políticas enfeixadas num programa de fomento à economia cultural na cidade de Salvador, de contornos multifacetados compostos por projetos que se ajustem à tipicidade de cada segmento e que no conjunto respeitem a cultura específica de cada um, nunca procurando impor modelos exógenos de organização empresarial quando na presença de comportamentos arraigados da comunidade. Estes projetos também devem ter cuidado com a preservação da pureza tradicional do segmento estudado, evitando a introdução de modernidades que possam prostituí-lo e, consequentemente, eliminar o seu valor intrínseco que constitui o maior patrimônio para aproveitamento pela indústria do turismo39. Isto importa na capacidade de aceitação do statu quo informal, o que significa admitir que, se forem formalizadas, determinadas atividades poderão desaparecer, dado que suas lideranças atingiram o limite de suas competências, como ensinam Peter e Hull (1969), e que forçá-las a migrar para novos patamares consiste em condená-las a uma situação pior do que a anterior.

Os programas e projetos que contemplem efetivamente a realidade brasileira devem exercitar a criatividade na construção de modelos inéditos e ajustados à situação estudada, despidos da preocupação monocórdia que consiste em cópia medíocre dos modelos organizacionais ditados pela cultura anglo-saxônica. Assim sendo torna-se necessária a criação de mecanismos e alternativas que efetivamente garantam espaços para os pequenos e que possibilitem uma efetiva democratização na geração da renda, notadamente no Carnaval. Isto passa por uma revolucionária compreensão não fiscalista de que a receita pública para investimentos pode aumentar através da redução das despesas de subsídio social direto aos desvalidos, quando esses adquirem renda legítima para atender suas necessidades (antes providas pelo Estado), pelos efeitos diretos do trabalho nos segmentos informais.

Sem pretensões panfletárias, afirma-se que não existe desenvolvimento apenas sob a ótica capitalista da acumulação e que podem existir outras lógicas econômico-culturais que podem vicejar e sobreviver, mesmo num mundo globalizado. Descobri-las, entendê-las e protegê-las constitui um desafio para os estudiosos e pesquisadores que não devem se deixar vencer pela falta de criatividade, submissão colono-intelectual e mediocridade consuetudinárias.

Neste sentido, vale recordar o alerta de Hirschman (1980) em seu ensaio "Auge y ocaso de la teoría económica del desarrollo" que, na sua inconformidade antevia, com clarividência, a revolução neoliberal e a volta do paradigma que ele denominava de "monoeconomia", ou seja, a validade da aplicação exclusiva e universal da teoria econômica gestada no primeiro mundo. O que constitui um desastre para os países pobres da África, Ásia e América Latina.

Este estudo não pretende delinear um programa. Serão feitas apenas algumas considerações sobre os segmentos aqui estudados.

O candomblé é vítima da modernidade que o deturpa e que dificulta a renovação dos seus quadros pela fuga dos jovens atraídos por novas ocupações, ou, o que é pior, recrutados pela criminalidade, onde se destaca o narcotráfico. Em Salvador os cultos afro foram vítimas nos últimos oito anos de uma administração municipal evangélica que até terreiros mandou destruir40. Também o acarajé, o famoso bolinho de Xangô, tombado pela UNESCO como patrimônio cultural da humanidade, não escapou da sanha exorcista dos evangélicos. Está sendo vítima de um ataque dos fanáticos pseudo-religiosos que criaram um similar denominado de "bolinho de Jesus"41.

O que cabe fazer no caso do candomblé?

Preliminarmente deve-se fortalecer, política e financeiramente, órgãos como o Instituto Mauá42, o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), o Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO)43 e outras instituições cientificamente sérias para, em seguida, com elas ou através delas, estabelecer uma política consistente que impeça a destruição deste culto. Dentro destas políticas, uma que se afigura de maior urgência consiste na proteção dos terreiros contra a especulação imobiliária e a reserva de territórios para o culto, com a preservação dos poucos espaços verdes ainda remanescentes em Salvador, entre os quais o Parque de São Bartolomeu. Esta proteção deve figurar com clareza no Plano Diretor da Cidade. Também será de muita importância um aumento do intercâmbio com a África, inclusive com a promoção de congressos e festivais, intercâmbios de estudantes e de estudiosos.

A pesquisa do Gecal (2009) identificou que os produtos religiosos consumidos em Salvador procedem, majoritariamente, de São Paulo e de vários lugares do planeta, inclusive da China e Filipinas, o que ressalta a importância de determinarem-se os volumes consumidos e as especificações dos diversos produtos para que se possa avaliar as exigências de escala e a consequente viabilidade de sua fabricação local.

Os artesãos baianos carecem de acesso ao microcrédito para a aquisição de insumos e, sobretudo, de apoio ao marketing dos seus produtos. Uma política de criação de novos espaços para exposição que, a exemplo do Pelourinho e do Mercado Modelo, gere externalidades para os artesãos, se insere como uma medida indispensável. Esses espaços, que atraem turistas, configuram mercados importantes para o escoamento de uma produção que muitas vezes é realizada de porta em porta, de hotel em hotel. Praças e jardins podem ser programados sistematicamente para feiras de artesanato. Neste aspecto a Bahia tem muito a aprender com outros estados nordestinos, entre os quais Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte.

No segmento vinculado à música, pesquisou-se o setor responsável pela fabricação de instrumentos musicais. Constatou-se a existência de inúmeras fabriquetas de instrumentos de percussão vicejando, em sua maior parte, na informalidade. Neste caso, concluiu-se pela necessidade da realização de um estudo de viabilidade econômica para o desenvolvimento de um projeto que contemple a implantação de pequenas fábricas desses instrumentos em Salvador que viriam, provavelmente, conformar no futuro um arranjo produtivo local.

Quanto ao Carnaval, no estágio em que se encontra, é um resultado de uma política neoliberal que vem sendo desenvolvida pela Prefeitura do Salvador, que centrou seus esforços em preparar o palco (a cidade e seus circuitos), para que os foliões possam brincar confortavelmente ao longo dos seis dias de festas. Criadas as condições, prosperou uma indústria que se apropriou deste espaço, expulsou a massa popular e fatura milhões de reais no esquema BTC (bloco, trio, camarotes). Na esteira desta indústria surgiu uma nova classe, a do artista-empresário que acumula fortunas. Esta é uma grave distorção a corrigir. A acelerada concentração da renda em poder de um pequeno grupo, que já assume características oligopolísticas, formando um cartel, elimina as chances competitivas dos pequenos empresários, e reduz o espaço da festa para os "foliões pipocas" que constituem, ainda, e provavelmente por muito tempo, parcela majoritária do público brincante. Isso, além de elitizar a festa, poderá matá-la em médio prazo. Não custa lembrar que quem fez e faz mesmo a festa é o povão que, por uma questão de sobrevivência, deve ser respeitado.

A propósito é de se lamentar que a Fábrica de Carnaval, um projeto genuinamente baiano de geração de emprego e de renda, não tenha sido desenvolvido na Bahia. Porém faz grande sucesso no Rio de Janeiro e São Paulo, que o copiaram e empregam centenas de micro empresários.

Todas estas considerações e muitas outras similares vêm sendo feitas desde o ano de 2003 por diversas pessoas que estudam o desenvolvimento de Salvador. Mas, como diz o ditado popular, caem em "ouvidos moucos".

Quando se vê o que é realizado em outros estados do Nordeste, constata-se que a incompetência administrativa, a falta de imaginação, de criatividade e de sintonia com os reais interesses da população de Salvador, da parte das administrações municipais e estaduais, é um caso calamitoso. Parece que o comportamento e a cultura das nossas "elites" do século XIX se perpetuaram até os dias atuais. Este é um verdadeiro "enigma baiano". Porém, como dizia o velho governador baiano Octávio Mangabeira: "pense num absurdo e na Bahia tem precedentes".

 

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Recebido 17 de novembro de 2011; Aceite para publicação 9 de abril de 2012

 

Notas

1   Entendida como o "conjunto de pessoas que vivem em certa faixa de tempo e de espaço, seguindo normas comuns, e que são unidas pelo sentimento de consciência do grupo" (Ferreira, 2009, p. 1865). É uma parcela da população negra (pessoas que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se autodeclaram pretas e ou pardas) vinculada direta ou indiretamente ao candomblé. A este respeito ver Costa Lima (1977); Bastide (2001); Maia (1977).

2   Segundo Arthur Ramos (1956, p. 200) "foi o professor Nina Rodrigues (1862-1906) quem pela primeira vez, no Brasil, dedicou ao Negro um monumento científico". Em sua obra clássica, O Negro na civilização brasileira, Arthur Ramos também apresenta (p. 209) uma bibliografia geral onde relaciona as principais contribuições sobre o tema produzidas até o ano de 1938. Outra importante contribuição é a de Munanga (2002), que relaciona entre outras obras muito importantes os trabalhos mais conhecidos do público não especializado como os de Pierre Verger e Roger Bastide.

3   Para melhor compreender esta afirmação sugere-se a leitura de Ribeiro (1995).

4   O termo "economia cultural" refere-se a um vigoroso campo de produção, circulação e consumo de bens e serviços simbólicos, de natureza material e imaterial, genericamente chamados de bens ou produtos culturais. Seu uso tem sido cada vez mais recorrente nos meios acadêmicos, intelectuais e nas mídias, embora a bibliografia sobre o assunto ainda seja exígua (Spinola, 2003).

5   Fitoterápica.

6   São 54,9 % pardos (mulatos) e 26% pretos segundo a mesma fonte.

7   Pessoalmente tenho dúvida desta afirmação. A centena de fontes que consultei e que a apresentavam, não informava a sua origem. Não obstante, parece ser uma unanimidade.

8   Vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano (PPDRU) da Universidade Salvador (Unifacs).

9   Esta afirmação, como quase tudo que se refere aos cultos afro-brasileiros, é discutível. Esta pureza pretendida para o candomblé vem se perdendo ao longo do tempo. Existe um grande discurso africano, mas não encontramos um só candomblé que não contemplasse o sincretismo, ou que não possuísse relação com os indígenas (caboclos).

10  O tráfico negreiro trouxe para o Brasil numerosas tribos e etnias que, apesar dos deslocamentos de populações na África, não tinham o hábito de estar normalmente em contato. Mesmo quando a miscigenação as misturou, essas etnias não se fundiram, conservando cada qual certo número de traços culturais irredutíveis e agrupando-se em nações. Na Bahia não existem mais hoje indivíduos eves, iorubas, angolas ou congos, mas essas nações sobreviveram sob a forma de candomblé, ritual ou musicalmente diferentes (Bastide, 2001, pp. 260-261). Para maiores detalhes ver Karasch (2000, p. 127).

11  Bastide (1985, p. 67) cita a obra de Arthur Ramos Las poblaciones del Brasil, cap. XII, Introdução à antropologia brasileira.

12  Nas denominações de etnias africanas optou-se por manter a redação original dos autores consultados.

13  Povos africanos islamizados tiveram grande influência nas comunidades religiosas dos africanos no Brasil, notadamente na Bahia, onde, pela maior concentração de mandingas, peuhls (fulas), haussas, etc., o islamismo propagou-se rapidamente e passou a constituir a religião "dos negros mais inteligentes e mais instruídos", o que deu lugar a um verdadeiro irredentismo de insubmissão culminada em sangrentos levantes negros a exemplo da Revolta dos Malês. Ver a respeito Vianna Filho (1946) e Reis (2003).

14  Segundo Santos (2007), em relação à área de cada terreiro, a metade dos terreiros soteropolitanos tem menos de 360 m2. E na área construída há uma contiguidade dos espaços sagrado e doméstico. Muitos terreiros apresentam uma fachada similar às de casas comuns na periferia, alguns tendo dois ou três pavimentos, ou localizados em subsolos. Inúmeros são os terreiros cujo espaço residencial do pai/mãe-de-santo, inclusive com família consanguínea, encontra-se próximo ao espaço sagrado. Para termos uma idéia desse contingente, existem seis pessoas, no máximo, residindo em 73% dos terreiros.

15  Denominação de terreiros famosos de Salvador. A Casa Branca ou Ilê Axé Iyá Nassô Oká é a primeira casa de candomblé aberta em Salvador, Bahia. Constituído de uma área aproximada de 6.800 m², com as edificações, árvores e principais objetos sagrados, é tombado pelo IPHAM. O terreiro do Alaketu, Ilé Axé Mariolajé, foi fundado por Maria do Rosário Otampê Ojaro, descendente da Família Real de Ketu. Também conhecido como Casa de Mãe Olga do Alaketu, é tombado pelo IPHAM.  O terreiro do Gantois ou Ilê Iyá Omin Axé Iyá Massê, terreiro da famosa Mãe Menininha, difere dos demais porque a sucessão se dá pela linhagem e não através de escolha pelo jogo de búzios. Tombado pelo IPHAM. O terreiro Ilê Axé Opó Afonjá, segundo vários autores, serviu de modelo para todos os outros, de todas as nações. Fundado, em 1910, por um grupo dissidente do Terreiro da Casa Branca, funciona numa roça adquirida no bairro de São Gonçalo do Retiro. Tombado pelo IPHAM.

16  Para um aprofundamento no tema recomenda-se consultar Vertuan (2009); Santos (2009).

17  A despeito das práticas da tríplice obrigação (Mauss, 2011), como disse Bastide (1985, p. 323), o fator econômico tende, em todo o caso, a tomar um lugar cada vez mais importante na vida do candomblé, modificando simultaneamente sua estrutura e funcionamento. Nesse sentido é cada vez mais importante o papel dos Ogãs.

18  Esta afirmação se aplica aos terreiros de candomblé tradicionais (como é o caso da Casa Branca, do Alaketu, do Gantois e do Ilê Axé Opó Afonjá) que são conservadores. A maior parte dos seus dirigentes são essencialistas e puristas. Esta pesquisa reflete muitas informações gentilmente fornecidas pelo babalaô Otoniel dos Santos, à época Secretário da FENACAB.

19  Pierre Fatumbi Verger (1981) foi um etnógrafo e fotógrafo franco-baiano-africano.

20  Nome formal de referência de João Jorge Santos Rodrigues. Ver nota 37 seguinte.

21  Estes números são bastante duvidosos. Dado o preconceito que ainda é forte, muitos adeptos do culto têm vergonha de assumi-lo publicamente, sendo muito comum se declararem católicos, espiritualistas, ou sem religião. Não são poucos os católicos e ateus que adotam algumas das práticas do candomblé ou usam adereços afro.

22  É importante deixar claro que não estamos negando a intolerância religiosa. Ela existe, porém é bem menor do que a existente nos estados do Sul e Sudeste.

23  Fazem parte do Recôncavo histórico e tradicional as cidades de Nazaré das Farinhas, onde ocorre anualmente uma Feira de Caxixis (cerâmica), Maragogipe, São Félix, Muritiba, Cachoeira e Santo Amaro da Purificação.

24  São os nomes dos atabaques em função do tamanho (grande, médio, pequeno) e do som (grave, médio e agudo): Run, Runpi e Lé.

25  Amuleto. Bentinho.

26  Um dos objetos mais populares do candomblé é o contregun, um bracelete de palha que se coloca em torno do pulso ou braço, que serve para afastar, após uma cerimônia fúnebre do candomblé, a alma do morto, que pode "possuir" aqueles que assistem à cerimônia. Então se usa esse objeto para proteger as pessoas que ali estão. Mas hoje em dia, caiu no gosto popular e foi disseminado o seu uso pelos baianos e turistas que muitas vezes nada têm a ver com a religião e não sabem o que estão fazendo.

27  Aí não se considera os praticantes dos cultos afro que constituem uma demanda mais especializada e pulverizada pelos mercados menores da cidade, São Joaquim e o Recôncavo.

28  A China é mundialmente conhecida pela sua prática de "benchmarking pirata". Copiam as criações locais de orixás, por exemplo, e as reproduzem em alta qualidade e grande quantidade a preços bastante inferiores aos locais dada a escala e o dumping social que praticam.

29  Segundo alguns crentes mais ortodoxos, inclusive antropólogos, esta palavra sagrada da religião afro tem sido vulgarizada e profanada pela mídia.

30 Ver uma excelente descrição deste sistema em Staley & Morse (1971, p. 18).

31  Dados da Prefeitura Municipal, comprovados empiricamente.

32  Cordeiros são pessoas contratadas para segurar as cordas que delimitam os espaços privativos dos blocos, separando seus integrantes dos foliões pipoca circundantes. São homens fortes, na totalidade negros e muito pobres.

33  Dados fornecidos pelos hotéis com base em seus registros de hóspedes.

34  Segundo os registros dos hotéis.

35  As críticas ao modelo do Carnaval baiano são tão fortes e constantes na mídia, que os principais empresários do setor e artistas estão se mobilizando para discutir a festa.

36  Ironia baiana. Significa: pretos, pobres e periféricos.

37  Este é o nome artístico pelo qual João Jorge Santos Rodrigues é internacionalmente conhecido. Por razões metodológicas ele é citado como Rodrigues, conforme registro no CNPq.

38  Ver também Guerreiro (2000, p. 271).

39  Podemos ser considerados puristas. E talvez sejamos, pela convicção que temos de que é a perda da pureza, o afastamento da tradição, o abastardamento das práticas, que têm conspurcado a beleza natural da arte e afastado o público.

40  Foi obrigada pela Justiça a reconstruir tudo e a indenizar as vítimas. O prejuízo político foi incalculável.

41  Não obtiveram sucesso. As baianas evangélicas não conseguem concorrer com as baianas tradicionais. Principalmente no tempero.

42  Autarquia estadual incumbida de cuidar do artesanato que se encontra totalmente fossilizada.

43  Que há mais de 50 anos estuda este segmento.

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