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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.21 no.2 Lisboa Aug. 2020

https://doi.org/10.15309/20psd210219 

Prevenção de suicídio: modificando percepção e conhecimento de estudantes de medicina

Suicide prevention: changing perception and knowledge of medical students

Cristiane Picarelli1, Carlos Hübner 1, & Cibele Rodrigues1

1Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde (FCMS), Departamento de Medicina, Sorocaba, Estado de São Paulo, Brasil, ccpicarelli@pucsp.br, chubner@pucsp.br, cisaad@pucsp.br

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

Suicídio é importante problema de saúde pública mundial. Segundo a Organização Mundial de Saúde, em 2012 a taxa de suicídio foi aproximadamente 800 mil, equivalente a um suicídio a cada 40 segundos. A prevenção de suicídio é possível e não deve ser responsabilidade apenas de profissionais da saúde especializados. Este estudo teve como objetivo avaliar a percepção e o conhecimento de estudantes de medicina em relação ao suicídio e capacitá-los para a realização da abordagem adequada. Trata-se de ensaio clínico de temática educativa, quantitativo, prospectivo, descritivo, analítico e de intervenção. Foi aplicado o Questionário sobre a Atitude Frente ao Comportamento Suicida (QuACS), já validado, acrescido de dados sociodemográficos de 87 estudantes de um curso médico. Foi realizada capacitação em duas etapas: 1ª) apresentação de trechos de filmes escolhidos sobre o tema, com problematização e debate; 2ª) dramatização de situações reais. Para análise estatística utilizou-se o Statistical Data Analysis (SPSS) versão 17.0 e os testes de Kolmogorov-Smirnov e Wilcoxon. Os participantes foram predominantemente de mulheres, brancas, com aproximadamente 24 anos, classe média alta e católica. Verificou-se redução significante dos sentimentos negativos diante do paciente que apresenta tentativa de suicídio e uma melhor percepção da capacidade profissional. As ideias em relação ao direito ao suicídio pouco se alteraram. Estudantes capacitados percebem-se mais capazes em reconhecer o paciente que apresenta risco de suicídio e sentem-se mais seguros em oferecer cuidado. É possível promover mudanças positivas na percepção e conhecimento do estudante frente ao tema suicídio, através do uso de metodologias ativas de ensino-aprendizagem.

Palavras-chave: Suicídio, estudante de medicina, educação médica, práticas interdisciplinares, aprendizagem, filmes e vídeos educativos, simulação


 

ABSTRACT

Suicide is a critical global public health problem. According to the World Health Organization, in 2012, suicide rate reached 800,000 deaths, the equivalent of one suicide every 40 seconds. It is known that suicide prevention is possible and should not just be a task of specialized health professionals alone. The present study aimed to evaluate the perception and knowledge of medical students regarding suicide and to enable them to carry out the appropriate approach. This is an educational, quantitative, prospective, descriptive, analytical and interventional clinical trial. A validated Suicide Behavior Attitude Questionnaire (SBAQ) was administered, along with the acquisition of sociodemographic data sample of 87 medical students. The training was carried out through two stages: 1st) presentation of selected excerpts from films on the theme, with subsequent problematization and debate; 2nd) dramatization of real situations. The Statistical Data Analysis (SPSS) version 17.0 was used to analyze the questionnaires, and the Kolmogorov-Smirnov and Wilcoxon tests were also done. The sample consisted, predominantly, of Caucasian women, about 24 years old, upper middle class and catholic. It was observed a significant reduction of negative feelings towards the patient who presented suicide attempt and a better perception of the professional capacity and conception about the right to suicide hardly changed. Trained students perceive themselves more capable of recognizing the patient who is at risk for suicide and feel more secure in providing care. It is possible to promote positive changes in students’ perception and knowledge regarding suicide through the use of active teaching-learning methodologies.

Keywords: Suicide, students, medical, education, medical, interdisciplinary placement, learning, instructional films and videos, simulation.


 

O suicídio apresenta-se como importante questão de saúde pública. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), no ano de 2012 ocorreram 804 mil mortes por suicídio no mundo, o equivalente a um a cada 40 segundos. É responsável por 8,5% de todas as mortes em jovens de 15 a 29 anos, constituindo-se na segunda causa mortalidade nessa faixa etária, apenas após acidentes de trânsito (WHO, 2014).

Sabe-se que o suicídio é um fenômeno oculto, sub-registrado e subnotificado, devido a diversos fatores, dentre eles a deficiência na disponibilidade e confiabilidade dos dados (Bertolote & Fleischmann, 2002; Värnik, 2012).

O ato suicida resulta em importante fardo econômico e social para a comunidade devido a utilização de serviços de saúde para tratar os impactos físico, social e psicológico desse comportamento e, ocasionalmente, a incapacidade a longo prazo (WHO, 2014).

O Brasil encontra-se abaixo da média mundial em relação à taxa de suicídios, porém está entre os dez países com maiores números absolutos (Botega, 2014; Brasil, 2006; Lovisi, Santos, Legay, Abelha, & Valencia, 2009; Mello-Santos, Bertolote, & Wang, 2005).

É necessário identificar fatores de risco para a correta prevenção. Dentre eles encontram-se os sociodemográficos, os psicossociais, os psiquiátricos, os clínicos e os relacionados ao comportamento suicida, sendo os principais a presença de transtorno mental e a tentativa prévia de suicídio (Botega, 2014, 2015; Brasil, 2006; Chachamovich, Stefanello, Botega, & Turecki, 2009; Lovisi et al., 2009; Meleiro & Bahls, 2004; OMS, 2000; WHO, 2014).

Ressalte-se a importância do reconhecimento de transtornos mentais, que estão presentes na maioria dos casos de suicídio (Bertolote, & Fleischmann, 2002; Botega, 2014; Botega, Bertolote, Hetem, & Bessa, 2010; OMS, 2000), podendo alcançar 90 a 98% das pessoas (Bertolote, Mello-Santos, & Botega, 2010), sendo depressão a principal doença associada (Brasil, 2006; Chachamovich et al., 2009).

Atitudes e crenças errôneas impedem a adequada avaliação e conduta e, por consequência, interferem na prevenção do suicídio (Botega, 2015). A detecção precoce de transtornos mentais e de risco de suicídio, o correto encaminhamento e a assistência prestada a pessoas que tentaram o suicídio são estratégias fundamentais e parecem ser a maneira mais efetiva para sua prevenção (Bertolote & Fleischmann, 2002; Botega et al., 2010; Chachamovich et al., 2009).

A prevenção não deve ser tarefa restrita apenas aos profissionais de saúde especializados. Cerca de 75% dos indivíduos que faleceram por suicídio tiveram contato com profissionais de saúde na atenção primária à saúde no ano anterior ao ato (Luoma, Martin, & Pearson, 2002). Entre pacientes que cometeram suicídio, calcula-se que 45 a 66% estiveram com um médico clínico durante o mês em que morreram e de 10 a 40% procuraram o seu médico assistente uma semana antes de se suicidar (WHO, 2002). Presença de ideação suicida ocorre em até 10% dos pacientes atendidos em cuidados primários e essa taxa pode chegar a 60% em pacientes depressivos (Lake, 2008).

Programas de intervenção e capacitação de profissionais de saúde comprovaram que essa é maneira eficaz de reduzir o coeficiente de mortalidade por suicídio (Du Roscoät & Beck, 2013; Fleischmann et al., 2008; Hegerl, Althaus, Schmidtke, & Nilklewski, 2006; Oyama, Fujita, Goto, Shibuya, & Sakashita, 2006; Rutz, 2001; Rutz, von Knorring, Pihlgren, Rihmer, & Walinder, 1995), devem ser contínuas e estar inseridas em programas de educação permanente. Dessa forma, reconhece-se o papel fundamental do médico generalista para os planos de prevenção.

A maioria das faculdades de Medicina não incentiva o ensino do suicídio ou o faz de forma precária. Assim decorre que os alunos não apreendem as informações necessárias e nem desenvolvem habilidades para o diagnóstico e tratamento dos transtornos psiquiátricos prevalentes (Magalhães et al., 2014).

Em pesquisa na qual os estudantes receberam treinamento em prevenção de suicídio anteriormente, eles se classificaram melhores em habilidades nesse tema comparados àqueles que não receberam (Hawgood, Krysinska, Ide, & De Leo, 2008). O conhecimento transmitido por meio de discussões contextualizadas com os graduandos, junto a atividades e estágios curriculares, contribuem favoravelmente para a incorporação de atitudes positivas frente à morte e ao suicídio (Magalhães et al., 2014; Ramos & Falcão, 2011). Determinar as atitudes e habilidades de certos grupos profissionais pode ser o primeiro passo para planejamento e implementação de programas de prevenção exitosos (Öncü, Soykan, Ihan, & Sayil, 2008).

Para trabalhar esta temática é preciso desconstruir valores e crenças individuais impregnados pelos preconceitos e conceitos construídos ao longo dos séculos (Silva, 2014). Dramatização e cinema são estratégias de ensino aprendizagem ativas, simples, acessíveis e reprodutíveis que convidam à reflexão sobre valores e atitudes, permitindo que o estudante aprenda com as suas dificuldades (Blasco, 2017; Cezar, Gomes, & Siqueira-Batista, 2011; Perosa & Ranzani, 2008; Varga et al., 2009). Assim, o presente estudo teve como objetivo avaliar a percepção e o conhecimento de estudantes de medicina em relação ao tema suicídio e capacitá-los para a realização da abordagem adequada.

Método

Trata-se de um ensaio clínico de temática educativa, quantitativo, prospectivo, descritivo, analítico e de intervenção. Os dados foram coletados entre Março e Dezembro de 2016.

Participantes

Os participantes do estudo (n=87) foram estudantes quintanistas da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde (FCMS) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) no ano de 2016. Foram analisados os dados daqueles que concordaram em participar da pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da FCMS da PUC-SP. A presente pesquisa foi aprovada pelo CEP da FCMS da PUC-SP, sob parecer número 1.442.419, CAAE número 52856316.6.0000.5373.

Material

Foi aplicado o Questionário sobre a Atitude Frente ao Comportamento Suicida (QuACS) que contém 21 afirmações, seguidas de uma escala analógica visual ancorada, em seus extremos, por discordo totalmente e concordo plenamente. Trata-se de instrumento de autopreenchimento construído e validado por Botega. As perguntas contidas no QUACS foram agrupadas em três fatores: “sentimentos negativos diante do paciente”, “percepção de capacidade profissional” e “direito ao suicídio” (Quadro 1) e foram calculadas a análise fatorial e a consistência interna dos fatores descritos (Botega et al., 2005). O entrevistado deve indicar um ponto em cada linha, o que melhor reflita suas crenças, sentimentos e reações (aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais) (Cais, 2011). Cada item corresponde a uma escala visual de 10 cm.

 

 

O questionário inclui também informações sobre religião, frequência a cultos religiosos, porcentagem de pacientes acometidos por transtorno mental (Botega et al., 2005). Foram ainda acrescidos outros dados sociodemográficos de interesse: idade, raça e renda familiar.

A pesquisa constou de 3 etapas: I) Aplicação do Questionário sobre a Atitude Frente ao Comportamento Suicida; II) Capacitação com duração de 3 horas durante o estágio curricular na área de Psiquiatria, por meio das seguintes estratégias ativas de ensino-aprendizagem: IIa) Apresentação de trechos dos filmes ‘The Bridge, ‘The hours’, ‘Elena’ e ‘Harold and Maude’ com debate, problematização e discussão ao final; IIb) Dramatização planejada de situação envolvendo tentativa de suicídio: simulação de uma situação-problema em sala de aula; III) Reaplicação do Questionário sobre a Atitude Frente ao Comportamento Suicida, ao final do Estágio em Psiquiatria.

Para a análise dos questionários utilizou-se o programa IBM SPSS - Statistical Data Analysis versão 17.0. Foram aplicados os testes de Kolmogorov-Smirnov e o teste de Wilcoxon.

Resultados

A amostra foi constituída predominantemente por mulheres, 52 do sexo feminino (60%) e 35 do sexo masculino (40%). A média de idade foi de 23,85 anos. A maioria declarou-se branca (n=79 ou 90,8%), com renda familiar média de R$ 8.800,00, correspondente a 10 salários mínimos brasileiros. Mais da metade da amostra era de católicos (55,2%) e a maioria (62,07%) pouco ou nunca frequentava a Igreja ou cultos, embora se descrevessem como pessoas religiosas.

No pré-questionário, 65,5% dos estudantes acreditavam que entre as pessoas que cometeram suicídio 80% sofria de um transtorno mental. No pós-questionário verifica-se que a maioria dos estudantes, cerca de 77%, entende que a relação entre transtorno mental e suicídio é de no mínimo 90%.

Verificou-se que, das 21 questões, 12 diferem significativamente no que diz respeito à percepção dos alunos quanto aos itens estudados (Quadro 2). Já em relação aos fatores, 2 diferem significativamente: Sentimentos negativos diante do paciente e Percepção de capacidade profissional. No entanto, Direito ao suicídio não apresenta diferença significante. Em relação aos resultados da capacitação, pode-se afirmar que, estatisticamente, houve alteração quanto a percepção dos estudantes em relação ao suicídio.

 

 

Houve redução quanto aos sentimentos negativos diante do paciente e aumento na percepção de sentir-se profissionalmente capacitado para lidar com pacientes que apresentam comportamento suicida.

Sobre o fator Direito ao suicídio não existem evidências de que a capacitação trouxe mudanças quanto à percepção.

A seguir, no Quadro 2, verificam-se as perguntas do questionário que podem ser consideradas satisfatórias quanto ao objetivo da capacitação profissional, ou seja, a mudança de percepção (p< 0,05).

A maioria das questões nas quais ocorreu mudança estatisticamente significante (p=0,05) são aquelas listadas no Fator Sentimentos negativos diante do paciente (Q2, Q5, Q9, Q13, Q15, Q19) e Percepção de capacidade profissional (Q1, Q7, Q10, Q12). Em Direito ao suicídio e nos itens não inclusos em nenhum desses fatores ocorreu apenas uma questão com mudança significativa (Q18 e Q8, respectivamente).

Discussão

A capacitação dos estudantes produziu o entendimento que, se o paciente verbalizar sobre suicídio ou ameaçar que o fará é um fator de risco e os graduandos passaram a sentir-se mais capazes em reconhecer um paciente com risco suicida.

Identificou-se na pesquisa que os estudantes, quando treinados, superam medos e crenças e evitam menos se envolver profissionalmente com pacientes que tentaram o suicídio. Além disso, demonstraram aumento importante no conhecimento fundamental de que quem geralmente se mata tem algum transtorno mental, corroborando com diversos dados da literatura (Bertolote & Fleischmann, 2002; Botega, 2014; Botega et al., 2010; OMS, 2000). Os estudantes diminuíram significativamente o receio em relação a perguntar a pacientes sobre ideias suicidas. Entretanto, há grande variabilidade nas respostas, indicando provavelmente que, enquanto alguns sentem-se mais seguros, outros ainda permanecem receosos em lidar com o tema.

Os graduandos aumentaram significativamente a sensação de preparo para lidar com pacientes suicidas com redução do coeficiente de variação. Muitos sentiram-se mais seguros, como ocorreu em outras pesquisas internacionais (Yousuf, Beh, & Wong, 2013) e nacionais (Cais, 2011). Entretanto, o encontro do aumento no coeficiente de variação pode ser resultado de uma manutenção do item insegurança em parte dos estudantes, mostrando a necessidade de educação permanente sobre o tema, não se esgotando ao ser abordado em um único momento na graduação médica.

Notou-se que o sentimento de raiva, em uma escala de 0 a 10, é reduzido. E a posteriori reduziu-se ainda mais. Os valores do coeficiente de variação podem significar a existência de extremos: ou o profissional mantém-se distante emocionalmente ou envolve-se negativamente.

A maior parte das questões em Direito ao suicídio não sofreram mudança significativa. Uma possível explicação para este achado é a correlação moderadamente negativa entre crença religiosa/espiritual com a crença de que não se tem o direito de morrer (Nelson, Collins, Foster, & Cooper, 2013). Outra possibilidade é que existe uma correlação positiva entre religião e atração pela vida, e negativa entre religião e repulsão pela vida/atração pela morte (Santos, Ulisses, Costa, Farias, & Moura, 2016). Uma vez que a crença religiosa se manteve durante a capacitação, não houve alteração nos pensamentos dos estudantes em relação ao direito ao suicídio.

Em Sentimentos negativos diante do paciente todas as questões mudaram significativamente, exceto a questão 17 (“No caso de pacientes que estejam sofrendo muito devido à uma doença física, acho mais aceitável a ideia de suicídio.”). É provável que o estudante avalie os prejuízos causados pela doença física e a cronicidade do fato, porém se isso afeta o julgamento e a capacidade de decisões racionais do paciente, o profissional deve intervir e ofertar tratamento (Barrett, 1997). O estudante precisa ser auxiliado a reconhecer quando os processos patológicos podem distorcer as percepções, ideias, razões, sentimentos e crenças do paciente para que ele possa atuar (Coverdale, McCulllough, & Roberts, 2009).

A menor pontuação em Sentimentos negativos diante do paciente no pósquestionário revela (Q2, Q5, Q9, Q13, Q15, Q19) a redução de tais sentimentos, possibilitando melhor atendimento e cuidado ao paciente que tentou suicídio. O aumento da pontuação em Percepção de capacidade profissional indica que os estudantes se sentem mais preparados e confiantes em lidar com pacientes com comportamento suicida. Já em Direito ao suicídio a mudança não significativa corresponde provavelmente a uma atitude que se mantém moralista (Nelson et al., 2013).

Diferentemente dos médicos clínicos que geralmente já tiveram contato com pacientes com comportamento suicida, os estudantes têm pouca ou nenhuma experiência no tema suicídio e por isso podem necessitar de uma abordagem gradual ao longo dos anos de formação para sentirem-se habilitados (Hawgood et al., 2008). Capacitações específicas, ainda que curtas em duração, podem ter papel importante na formação dos estudantes, mas é recomendável otimizar este aprendizado longitudinalmente no currículo formal porque a retenção do conhecimento e o desenvolvimento de atitudes e habilidades requer maior exposição a este tema (De Silva, Bowerman, & Zimitat, 2015; Kato et al., 2010).

A dramatização de uma situação real - com a participação voluntária dos estudantes nos papeis de médico, paciente ou familiares - trouxe reações inusitadas por parte dos estudantes que ora riam, ora se emocionavam visivelmente com as falas. Os graduandos recebiam da pesquisadora, sem prévio preparo, a situação problema e os papeis que desempenhariam, mas tinham liberdade para criar suas próprias falas no contexto da encenação. Como concluiu Sher (2011), provavelmente, aulas magistrais, seminários e leituras sejam métodos inadequados de ensino aprendizagem para o suicídio porque formas tradicionais não permitem colocá-los face-a-face com o problema.

Nossos achados apontam a importância de os estudantes perceberem-se imbuídos de saberes atitudinais e de habilidades. Apenas conhecimentos cognitivos são insuficientes para que possam enfrentar o desafio de experimentar interações com os pacientes suicidas mais produtivas, humanas e empáticas.

O questionário (QuACS), embora validado, foi inicialmente aplicado em profissionais de enfermagem e neste estudo prestou-se a graduandos em Medicina; não houve comparação com grupo-controle, os estudantes foram controles deles mesmos no pré e pós teste. Neste tipo de abordagem pode ocorrer viés por contaminação experimental no que se refere ao comportamento social desejável, limitação de qualquer estudo focado em atitudes (Fiedorowicz et al., 2013; Öncü et al., 2008). Não é possível utilizar outras capacitações para fins de análise comparativa com os nossos achados, quer porque são escassas na literatura médica, quer porque diferem substancialmente em relação à metodologia, público-alvo, conteúdo ministrado, metodologias de ensino-aprendizagem utilizadas e formas diversas de análise dos resultados encontrados (Cais, 2011), o que na verdade se constitui numa fortaleza da pesquisa que visa contribuir na reflexão da importância deste conteúdo, que deve receber atenção gradual, contínua e contextualizada nos programas das escolas médicas.

O suicídio é grave problema de saúde pública mundial que necessita ser discutido em todos os cursos de saúde nas instituições de ensino superior. Capacitar os estudantes de medicina em relação ao tema é fundamental e urgente, uma vez que eles se constituirão nos futuros médicos generalistas que atenderão muitos dos pacientes portadores de transtorno mental, com riscos e tentativas de suicídio, e podem tornar-se agentes de transformação da realidade.

A capacitação, através de metodologias ativas de aprendizagem, foi efetiva em produzir melhorias significantes em relação à percepção da capacidade profissional do estudante e em reduzir os sentimentos negativos destes em relação ao paciente suicida, ao gerar maior conhecimento, mudar atitudes, reduzir estigmas e propiciar a abordagem adequada do paciente que apresenta tentativa de suicídio.

A análise do presente trabalho corresponde à percepção dos estudantes ao término de um estágio curricular e, embora tenha apresentado mudanças positivas em relação à percepção, conhecimento e capacidade, pode não resultar em uma mudança definitiva de postura profissional. Essa validação deve ocorrer por meio de estudo mais prolongado e amplo, de modo que os estudantes possam ser observados em sua rotina profissional após a capacitação.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 03 de Maio de 2019/ Aceite em 11 de Maio de 2020

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