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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.21 no.2 Lisboa ago. 2020

https://doi.org/10.15309/20psd210209 

Autoconceito e autoeficácia associados à prática de atividades corporais entre estudantes

Self-concern and self-efficacy associated with body activities practice among students

Guilherme Gasparotto1,2, Aline Bichels2, Gislaine Vagetti3, Beatriz Pereira4, & Valdomiro de Oliveira2

1Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Paraná, campus Pinhais/ PR - Brasil, guilhermegptt@gmail.com

2Universidade Federal do Paraná, Setor de Educação, Programa de Pós-graduação em Educação, Curitiba/PR - Brasil, alinebichels18@yahoo.com.br, oliveirav457@gmail.com

3Faculdade de Artes do Paraná e Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná, Setor de Educação, Curitiba/PR - Brasil, gislainevagetti@hotmail.com

4Universidade do Minho, Instituto de Educação, Centro de Investigação em Estudos da Criança, Braga - Portugal, beatriz@ie.uminho.pt

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

O desenvolvimento adequado de algumas características psicológicas, como a percepção de autoconceito e autoeficácia pode ser determinante para o sucesso do indivíduo em diversos contextos da sua vida. É possível que o envolvimento em algumas práticas corporais apresente relação com tais percepções em estudantes adolescentes. Nessa perspectiva, esse estudo objetivou verificar a relação entre a prática esportiva, prática de atividade física e outras atividades corporais, com o autoconceito e a autoeficácia de estudantes. A amostra foi composta por 330 estudantes de ensino médio, inseridos ou não em práticas corporais, que responderam à Escala Multidimensional de Autoconceito - AF5, além da Escala de Autoeficácia Geral Percebida e Escala de Autoeficácia Acadêmica. A relação entre a inserção em projetos de atividades corporais e valores de autoconceito e autoeficácia foi verificada a partir da análise de regressão linear múltipla. Foi observada relação entre a participação de projetos esportivos, outras práticas corporais e o nível de atividade física com valores de autoeficácia e autoconceito, em que as práticas explicaram entre 0,28 e 0,38 (p<0,05) desses fatores, no modelo ajustado por sexo, idade e nível socioeconômico. Conclui-se que houve associação entre a participação em projetos de práticas corporais e alguns domínios do autoconceito e autoeficácia.

Palavras-chave: Autoimagem, esportes, estudantes, autoeficácia


 

ABSTRACT

The development of some psychological characteristics, such as the perception of self-concept and self-efficacy may be determinant for the success of the individual in various contexts of his life. Possibly involvement in some bodily practices may be related to these psychological perceptions in adolescent students. Therefore, this study aimed to verify the relationship between sports practice, physical activity practice and other corporal practices, with self-concept and the self-efficacy among high school students. The sample consisted of 330 high school students, involved or not in corporal practices, who responded to the Multidimensional Self-Concept Scale AF5, the Perceived General Self-Efficacy Scale and Academic Self-Efficacy Scale. The relationship between the participation in projects of corporal activities and the values ​​of self-concept and self-efficacy was verified from the analysis of multiple linear regression. It was observed a relationship between the participation of sports projects, other corporal practices and the level of physical activity with scores of self-efficacy and self-concept, the practices explained between 0.28 and 0.38 (p<0.05) of these factors, in the model adjusted by sex, age and socioeconomic level. It was concluded that there was an association between participation in projects of bodily practices and some domains of self-concept and self-efficacy.

Keywords: Self-concept, sports, students, self-efficacy


 

O desenvolvimento adequado de algumas características psicológicas pode ser determinante para o sucesso do indivíduo em diversos contextos da sua vida. Alguns autores afirmam que construtos, tais como percepções de autoconceito e a autoeficácia são relevantes, por exemplo, para um bom desempenho em contexto escolar, esportivo e social (Liu, Wu, & Ming, 2015; Lone & Lone, 2016; Tamayo et al., 2001). Especificamente, esses dois construtos psicológicos parecem apresentar especial importância no desenvolvimento de crianças e adolescentes, uma vez que essas autopercepções são desenvolvidas com maior intensidade nessas fases do desenvolvimento humano (Shavelson, Hubner, & Stanton, 1976).

De acordo com Harter (1999), o autoconceito é uma construção cognitiva e social que se desenvolve no decorrer da vida e moldada por um conjunto de características conscientemente assumidas pelo indivíduo, é a percepção de si mesmo que surge no relacionamento com os outros. Já, a autoeficácia envolve a capacidade de julgar em que tipo de atividades e ações o próprio indivíduo é mais eficiente. Em um estudo anterior, Harter (1982), citou que a autoeficácia apresenta três domínios principais: cognitivo, social e físico e, tanto a percepção do autoconceito, quanto da autoeficácia seriam resultantes da interação de avaliações que a pessoa faz de si mesma e avaliações que as outras pessoas fazem dela.

Em vista de que esses dois construtos são desenvolvidos principalmente em idade escolar e são resultantes de interações pessoais e ambientais, parece razoável investigar como os contextos e atividades, vivenciados por estudantes podem se relacionar com um bom desenvolvimento desses autopercepções.

Nessa perspectiva, além de relações familiares, o ambiente escolar pode ser importante no resultado do autoconceito e autoeficácia de alunos. Segundo alguns pesquisadores, atividades desenvolvidas na escola podem proporcionar contextos adequados para que se desenvolvam tais características (Abruzzo et al., 2016; Babic et al., 2014). Esses estudos mostraram que melhoras em sentimentos e autoestima, proporcionadas por essas atividades podem impactar no autoconceito e autoeficácia, resultando inclusive, em melhora do rendimento acadêmico. Nessa perspectiva, é defendida a ideia de realização de atividades diferenciadas do currículo escolar, em contraturno escolar.

Entre as possibilidades de atividades em contraturno, apresentadas alguns estudos, que identificaram melhoras em características psicológicas, encontram-se as práticas corporais. Ao que parece, atividades como esportes, danças, lutas, podem ter potencial para desenvolver o autoconceito e capacidade percebida de estudantes (Babic et al., 2014; Veselska, Geckova, Reijneveld, & Dijk, 2011).

Pesquisas envolvendo escolares e atividades de contraturno já foram desenvolvidas e identificaram resultados positivos. Entretanto, parte relevante desses estudos verificou a relação das variáveis psicológicas somente com a prática de atividade física, em que se objetivou comparar estudantes ativos e insuficientemente ativos (Babic et al., 2014; Veselska et al., 2011). Estudos que consideraram a realização de outras práticas sistematizadas, como lutas, esportes e artes cênicas, ainda são incipientes na literatura nacional (Pipa & Peixoto, 2014). Além disso, a maioria dos trabalhos que avaliaram a percepção de autoconceito e autoeficácia em escolares foi realizada principalmente com crianças, amostras compostas por adolescentes são escassas, justamente um período sensível para estabelecer características psicológicas adequadas ao desenvolvimento humano (Gasparotto et al., 2018).

Com base no exposto, o presente estudo se propôs verificar a relação entre a prática esportiva, prática de atividade física regular e de outras atividades corporais, sistematizadas em contraturno escolar, com a percepção do autoconceito e autoeficácia, entre estudantes do ensino médio.

Método

Participantes

A população de estudo foi formada por estudantes do ensino médio de diversos campi do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Paraná. O IFPR possui 25 unidades em diferentes regiões do estado, dos quais, nesse estudo houve a participação de 15 campi, selecionados e convidados por conveniência. A amostra final foi composta por 330 estudantes, sendo 167 meninas e 163 meninos. Para efeito de análise esses indivíduos foram categorizados em três dimensões de práticas corporais: a) Inseridos em projetos de qualquer tipo de prática corporal em contraturno, com exceção de projetos esportivos (n=60) e os que não participavam de qualquer projeto (n=120); b) Aqueles que participavam de algum projeto esportivo oferecido em contraturno (n=131) e os que não participavam (n=120); c) Indivíduos ativos (n=166) e insuficientemente ativos (n=164).

Decidiu-se analisar de forma separada os participantes de projetos esportivos das demais práticas corporais devido à característica e objetivo de cada uma das atividades. A prática esportiva na instituição tem pretensões competitivas em nível municipal e estadual, além de competições institucionais. Já, as demais práticas corporais desenvolvidas, como as lutas, as danças, artes cênicas e exercícios físicos sistematizados não objetivam competições oficiais.

Procedimentos

Inicialmente a proposta de pesquisa foi apresentada à Pró-Reitoria de ensino da instituição, em seguida para os diretores e professores de Educação Física dos campi escolhidos. Posteriormente, os docentes estenderam o convite a estudantes participantes de projetos relacionados a práticas corporais em contraturno escolar e outros estudantes não participantes de qualquer tipo de projetos dessa natureza.

Em posse do aceite de participação dos estudantes, os docentes de Educação Física, responsáveis pelas atividades corporais participaram de um treinamento com o pesquisador principal, para aplicação dos questionários.

Após o recebimento dos termos de assentimento dos estudantes e termo de consentimento dos responsáveis pelos menores de idade, a coleta de dados se deu em um dia comum de projeto para os que participavam de práticas corporais e entre os não envolvidos com esses projetos a coleta foi realizada em sala de aula, durante o período de estudo.

Os estudantes foram então, orientados a responder de forma individual aos inquéritos sociodemográfico, sobre a percepção de autoconceito da autoeficácia acadêmica e geral.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Paraná, sob o número de parecer 2.327.626.

Material

Para avaliação do autoconceito foi utilizada a Escala Multidimensional de Autoconceito AF5. Esta escala mede o autoconceito dos participantes em cinco dimensões: acadêmica, familiar, física, social e emocional. É adequada para medir o autoconceito em alunos desde o quinto ano primário até a universidade. Foi validada para língua portuguesa por Coelho, Sousa, Marchante e Romão (2015). A escala consta de 30 elementos formulados em termos positivos e negativos. O nível de resposta oscila de 1 a 99, sendo "1" a pontuação que designa total desacordo com a formulação do item e "99" para total acordo. Essa escala apresentou valores do Alpha de Cronbach que variou entre 0,70 e 0,83 em suas dimensões.

A autoeficácia nesta pesquisa foi avaliada de duas formas: 1) Escala de Autoeficácia Geral Percebida, que versa sobre aspectos gerais da vida; 2) Escala de Autoeficácia Acadêmica, que trata da percepção do indivíduo sobre sua competência acadêmica.

A Escala de Autoeficácia Geral Percebida, validada para língua portuguesa por Sbicigo, Teixeira, Dias & Dell’Aglio (2012), é um instrumento do tipo Likert com dez itens em escala de 1 a 5, quanto maior a pontuação maior a percepção de autoeficácia. Cada item refere-se ao alcance de metas e insinua uma atribuição interna estável de sucesso. A Escala original apresentou Alpha de Cronbach de 0,84.

A Escala de Autoeficácia Acadêmica foi construída e validada por Neves e Faria (2006), é um instrumento do tipo Likert com vinte e seis itens em escala de A a F. Esse instrumento mede a autoeficácia acadêmica geral, em língua portuguesa e em matemática. No estudo de validação do instrumento a escala apresentou variação do Alpha de Cronbach de 0,88 a 0,95.

A prática de atividade física foi avaliada por meio do International Physical Activity Questionaire - versão curta, validado para adolescentes por Guedes, Lopes e Guedes (2005). Este instrumento é composto por quatro questões com subdivisões a e b, referentes à prática de atividades: caminhada, moderadas, vigorosas e ao tempo em prática sedentária. As questões são compostas por itens referentes à regularidade de prática e quantidade por sessão em minutos. Os alunos foram classificados como ativos quando cumpriram a recomendação da OMS de 420 minutos ou mais de atividade física moderado-vigorosa (AFMV) por semana (USDHHS, 2018).

Para a classificação socioeconômica dos estudantes foi utilizada metodologia da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2015) em que o indivíduo indicou a quantidade que possui dos itens dispostos no instrumento: televisão, rádio, banheiro automóvel, empregada mensalista, máquina de lavar, videocassete/DVD, geladeira, freezer, microcomputadores, lavadoras de louça, fornos de micro-ondas, motocicletas, secadoras de roupas, se a residência tem água proveniente da rede de distribuição e se a rua é pavimentada, além de indicar o grau de instrução do chefe da família. Foram atribuídas pontuações para a quantidade de cada item possuído e contabilizada a somatória que indicou a classificação socioeconômica de acordo com a metodologia do instrumento. Os alunos foram classificados em A, B, C, D e E.

Também foi elaborado um questionário demográfico para informações quanto: idade, sexo, participação em projeto esportivo em contraturno, participação em projeto de outras práticas corporais (dança, luta, artes cênicas ou exercícios físicos). Foram considerados participantes de qualquer projeto aqueles que indicaram frequência mínima de quatro horas semanais divididas em pelo menos dois dias da semana.

Análise estatística

Os dados foram tabulados e analisados por meio do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS 24.0). A normalidade dos dados foi conferida por meio do teste de Kolgomorov-Smirnov. Para estatística descritiva determinou-se a média e desvio-padrão para todas as variáveis contínuas. As variáveis categóricas foram apresentadas em frequência absoluta e relativa. Para determinação da consistência interna, recorreu-se ao cálculo do coeficiente de homogeneidade Alpha para cada uma das escalas utilizadas para avaliar o autoconceito, autoeficácia geral e autoeficácia acadêmica. O teste t-Student para medidas independentes foi utilizado para comparar a média dos escores dos domínios do autoconceito, autoeficácia geral e autoeficácia acadêmica: a) entre meninas e meninos; b) entre os que participaram e não de práticas corporais; c) entre os que praticavam esportes e os que não; d) ativos e insuficientemente ativos. Já para comparar a proporção daqueles que participavam de projetos esportivos ou de outras práticas corporais, bem como ativos e insuficientemente ativos, entre meninas e meninos, recorreu-se ao teste do qui-quadrado. Por fim, foi realizada análise de regressão linear múltipla para verificar a relação entre a prática esportiva, de outras práticas corporais e do nível de atividade física, com as dimensões do autoconceito, autoeficácia geral e autoeficácia acadêmica. Para essa análise o modelo foi controlado por idade, sexo e nível socioeconômico. Foram considerados significativos resultados que apresentaram p valor menor que 5%.

Resultados

As escalas utilizadas para mensurar a autoeficácia acadêmica, o autoconceito e a autoeficácia geral percebida foram submetidas ao teste de confiabilidade Alpha de Cronbach: Escala de Autoeficácia Acadêmica: α de 0,74 a 0,79; Escala Multidimensional de Autoconceito AF5: α entre 0,75 e 0,81; Escala de Autoeficácia Geral Percebida: α = 0,78. Assim, as consistências das escalas se apresentaram entre razoável e boa.

Entre os 330 estudantes, 167 foram meninas e 163 meninos, e a idade média foi 16,1 ± 0,6 anos. Estudantes provenientes do campus da capital do estado corresponderam a 43% (145), os outros 57% (185) foram distribuídos pelos outros 14 campi, localizados pelo interior do estado. Segundo os critérios da ABEP, os estudantes foram classificados quanto ao nível socioeconômico em: A 39,7% (131), B 49,1% (162), C 10,6% (35) e D 0,6% (02).

Referente aos valores médios dos escores de autoeficácia (geral e acadêmica) e do autoconceito foi observada superioridade para as meninas nos valores de autoeficácia acadêmica em língua portuguesa e para os meninos no autoconceito social, emocional, geral e na autoeficácia geral percebida. Os valores médios, da amostra geral e comparada entre sexos, dos escores das variáveis relacionadas à autoeficácia e autoconceito estão expostos no quadro 1.

 

 

Foi observada diferença na proporção entre meninas e meninos na participação em projetos de contraturno de práticas corporais, esportes e de participantes ativos. Sendo que para todas as subdivisões o número relativo de meninos foi superior.

As proporções de estudantes inseridos em práticas corporais no contraturno, em projetos esportivos e alunos ativos, comparados entre sexos, estão apresentadas no quadro 2.

 

 

Os valores médios das variáveis que compõem a autoeficácia acadêmica o autoconceito e a autoeficácia geral percebida foram comparados entre: a) não participantes e participantes em projetos de práticas corporais; b) não participantes e participantes em projetos esportivos e; c) ativos e insuficientemente ativos.

Foi verificado que entre os inseridos em projetos de práticas corporais houve superioridade nos escores médios de autoeficácia em matemática, autoeficácia acadêmica geral, autoconceito acadêmico, social, emocional, físico, geral e autoeficácia geral percebida. Quando a comparação foi realizada entre aqueles que não participavam de projetos esportivos e os que participavam, também foi identificada superioridade nos escores médios entre os participantes para autoeficácia em matemática, autoeficácia acadêmica geral, autoconceito acadêmico, social, emocional, físico, geral e autoeficácia geral percebida. Já, na comparação entre ativos e insuficientemente ativos, os escores médios dos ativos foram superiores na autoeficácia em matemática, autoconceito social, emocional, físico, geral e autoeficácia geral percebida. A comparação dos escores médios da autoeficácia acadêmica, autoconceito e autoeficácia geral percebida, entre não participantes e participantes de projetos de práticas corporais, não participantes e participantes de projetos esportivos e entre ativos e insuficientemente ativos estão expostas no quadro 3.

 

 

O modelo de análise de regressão linear múltipla, ajustada por idade, sexo e classificação socioeconômica da associação entre a participação em projetos de práticas corporais, projetos esportivos e nível de atividade física, com as variáveis dependentes de autoeficácia acadêmica, autoconceito e autoeficácia geral percebida foi parcialmente explicativo para a autoeficácia em matemática, o autoconceito social, físico, geral e autoeficácia geral percebida. A contribuição de cada prática no modelo de regressão linear ajustado encontra-se na no quadro 4.

 

 

Discussão

Em primeira análise percebeu-se que a autoeficácia acadêmica em língua portuguesa foi superior entre as meninas. Desde criança, o indivíduo tem o comportamento direcionado quanto ao sexo, em papéis socialmente determinados. Esse estereótipo pode restringir a participação de meninas em atividades que requerem mais movimentos e habilidades físicas e direcioná-las para atividades relacionadas à capacidade linguística como a música, artes cênicas e leitura, por exemplo, o que pode impactar no tipo de autopercepção de eficácia acadêmica (Chınurum, OgunjImi, & O’Neill, 2014).

O autoconceito social, emocional e geral foi superior entre os meninos. O tipo de atividades desempenhadas por meninos e meninas na adolescência pode refletir na forma como esse indivíduo se percebe (Mulvey & Killen, 2015). É preciso lembrar que, o adolescente em geral, mas principalmente a menina, passa por um processo de aprovação do grupo, quanto ao modo de se vestir, padrão de beleza convencionado socialmente e aparência física. Segundo alguns autores, nessa fase a menina se preocupa mais do que o menino em estar bonita, ter uma boa aparência, enquanto o menino está preocupado na demonstração de habilidades (Marques, Ekelund, & Sardinha, 2016). Essas condutas podem impactar na autopercepção global, emocional e social, bem como na autoeficácia global, conforme se observou no presente estudo.

O direcionamento para atividades que despendem maior gasto energético e expõem habilidades motoras ficou evidente quando se distribuiu meninos e meninas entre praticantes e não praticantes de projetos de práticas corporais, esportivos e entre ativos e insuficientemente ativos. Sendo que, os meninos estiveram proporcionalmente em maior quantidade em todas as práticas. Estudos longitudinais já demonstraram que, principalmente na adolescência, o número de meninas que se envolvem nesse tipo de atividade é inferior ao de meninos (Fransen et al., 2014; Marques et al. 2016). Para esses autores, essa diferença na participação de meninos e meninas em práticas corporais estaria relacionada, em grande medida, ao aspecto cultural e em alterações fisiológicas derivadas da puberdade, que culminam em mudança de prioridades no contexto social.

Atividades em contraturno escolar têm sido demonstradas como efetivas no desenvolvimento acadêmico e outras potencialidades psicossociais de estudantes e a prática esportiva aparece entre estudos como uma atividade importante a ser considerada nesses tipos de intervenção (Marques et al., 2016). Similarmente ao presente, trabalhos internacionais já demonstraram a relação da prática esportiva e de outras atividades corporais, como as lutas e artes cênicas com o desempenho acadêmico, o autoconceito e com a capacidade percebida de estudantes (Abruzzo et al., 2016; Bao & Jin, 2015; Marques et al., 2016).

Segundo Abruzzo et al. (2016), em estudo com 234 estudantes participantes de esportes e de outras atividades organizadas em contraturno, a inserção nesse tipo de atividades explicou 33% da variância dos valores de autoconceito acadêmico. Os autores apontaram que o autoconceito respondeu por 23% da variância no ranking em testes de matemática. Para esses, a prática esportiva ou de outras atividades organizadas podem não atuar diretamente no rendimento acadêmico, entretanto, podem contribuir como variável mediadora da elevação do autoconceito e consequentemente do desempenho dos alunos.

Um estudo de intervenção conduzido por Bao e Jin (2015) mostraram que um ano de prática de Tai Chi entre alunos adolescentes pode melhorar o autoconceito e outras variáveis cognitivas e sociais. Comparado ao grupo controle, que não participou da intervenção de cinco sessões semanais de 60 minutos de Tai Chi, os alunos tiveram aumentos significativos no autoconceito, comportamento (disciplina), status intelectual/acadêmico, ansiedade e popularidade. Os autores argumentaram que, atividades como o Tai Chi podem proporcionar aumentos na autopercepção do aluno quanto à sua imagem e capacidade cognitiva, além de proporcionar diminuição da ansiedade e estresse, o que pode favorecer a concentração e efetividade nas tarefas.

Em um estudo que comparou o autoconceito de um grupo de adolescentes que recebia somente o ensino regular formal e outro que também recebia um ensino artístico, verificou-se que o segundo grupo demonstrou valor mensurado de autoconceito acadêmico (2,70) superior ao primeiro (2,48) (Pipa & Peixoto, 2014). Para esses autores, o ensino artístico pode impactar na autopercepção de competência do estudante e consequentemente em sua autoestima e autoconceito acadêmico.

De forma similar aos estudos citados, na presente pesquisa, ao se ajustar a análise de regressão linear por idade sexo e nível socioeconômico, o modelo com as práticas esportivas, outras atividades corporais e com o nível de atividade física continuou a explicar parcialmente as variâncias da autoeficácia em matemática, do autoconceito social, físico e geral, bem como a autoeficácia geral percebida. Esses resultados reforçam a ideia de que práticas corporais em contraturno escolar, sejam esportes institucionalizados, outras práticas corporais sistematizadas, como a dança, a luta ou as artes cênicas, ou ainda a prática de atividade física regular, podem auxiliar no desenvolvimento acadêmico, humano e psicossocial do estudante, para além das melhoras em indicadores biológicos, já bem conhecidos e estabelecidos pela literatura (Marques et al., 2016).

Nesse sentido, e de acordo com os achados, parece razoável sugerir que, pensando no desenvolvimento global de estudantes, nesse caso adolescentes, boa parte das atividades de contraturno sejam pautadas em atividades que envolvam o movimento corporal sistematizado, na forma das mais diversas atividades possíveis de desenvolvimento no contexto escolar, para além de atividades de reforço ou carga extra de conteúdos curriculares, pautados em conhecimento lógico-matemático ou linguístico.

Esse estudo apresentou algumas limitações. Primeiramente, a amostra, apesar de contemplar diversos campi da instituição, não é representativa e teve seleção por conveniência, o que impede a extrapolação dos resultados para a população. Deve-se ainda, ter cautela ao interpretar construtos psicológicos multidimensionais somente de forma quantitativa, sob o risco de estabelecer conclusões de forma reducionista frente à complexidade dos sentimentos humanos.

Porém, foi possível identificar relações importantes dos construtos medidos pelas escalas de autoeficácia e de autoconceito, com a as participações esportivas, de outras práticas corporais e com o nível de atividade física.

Nesse estudo foi demonstrado então, que estudantes do ensino médio de diversos campi do IFPR, participantes de projetos institucionais em contraturno, de esportes, outras práticas corporais e os ativos apresentam valores superiores de características relativas à capacidade percebida, representado nesse estudo pela autoeficácia (acadêmica e geral) e ao autoconceito.

Quando controladas as variáveis idade, sexo e nível socioeconômico, o modelo explicou parcialmente os resultados de algumas variáveis. Em que a participação de cada atividade no modelo relacionou as práticas corporais e o autoconceito social e geral; os esportes e a autoeficácia acadêmica em matemática, além do autoconceito físico e geral; e o nível de atividade física e os autoconceitos social, físico, geral e autoeficácia geral percebida.

Salienta-se a necessidade de estudos de intervenção e acompanhamento para compreensão do impacto das práticas corporais nos fatores psicológicos, para além da análise de relação entra as variáveis.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 11 de Setembro de 2019/ Aceite em 21 de Abril de 2020

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