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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.21 no.1 Lisboa Apr. 2020

https://doi.org/10.15309/20psd210104 

Utilização de medicamentos em estudantes universitários com Burnout

Use of medication in university students with Burnout

Hugo Assunção1 & João Marôco1

1William James Center for Research, ISPA - Instituto Universitário, Lisboa, Portugal, hassuncao@ispa.pt


 

RESUMO

Os exames, a entrega de trabalhos e os prazos para cumprir, criam uma elevada carga cognitiva sobre os alunos do ensino superior. O objetivo deste estudo foi analisar a associação entre variáveis psicológicas como o envolvimento académico, o burnout e o suporte social na tomada de medicação nos estudantes do ensino superior em Portugal, em função da sua finalidade. Participaram no estudo 1.067 estudantes portugueses do ensino superior (65% mulheres; média de idade= 23 anos). Os dados foram recolhidos online, através das associações de estudantes e redes sociais. Os dados indicam que um em cada três estudantes universitários tomou medicação devido aos seus estudos, sendo a principal finalidade da medicação o alívio de sintomas de ansiedade (um em seis), problemas de desempenho cognitivo (um em sete), problemas de sono (um em catorze) e sintomas de depressão (um em vinte e dois). O burnout, o envolvimento académico e o suporte social são variáveis que prevêem significativamente a probabilidade de um estudante tomar medicação. Os resultados obtidos neste estudo são úteis na implementação de ações preventivas e de programas de intervenção para estudantes universitários portugueses.

Palavras-chave: Estudantes Universitários, Medicação, Burnout, Envolvimento, Suporte Social


 

ABSTRACT

Studying for exams, delivering assignments and meeting deadlines creates high cognitive demands on higher education students. The objective of this study was to analyze the association between academic engagement, burnout and social support in the use of medication among higher education students in Portugal. For this purpose we gathered data from 1,067 higher education students (65% women; average age = 23 years). Data was collected online via social networks. We found that one in three college students took medication because of their studies. The main purpose of the medication was to treat anxiety symptoms (one in six), cognitive performance problems (one in seven), sleep problems (one in fourteen) and symptoms of depression (one in twenty-two). Burnout, academic engagement and social support were significant predictors of the use of medication among university students. The results of this study are useful in the implementation of preventive actions and intervention programs for Portuguese university students.

Keywords: University Students, Medication, Burnout, Engagement, Social Support


 

Quando elevadas exigências cognitivas ocorrem sobre pressão de tempo, os alunos experienciam stress crónico que, com o tempo, pode levar a sintomas da síndrome de burnout (Cushman & West, 2006). Esta síndrome está associada a sintomas de depressão, ansiedade, dificuldades cognitivas e problemas de sono (Koeske & Koeske, 1991; Watson, Deary, Thompson, & Li, 2008).

Em estudantes universitários esta síndrome tem sido associada a baixo rendimento académico, abandono escolar (Dyrbye et al., 2009; Koeske & Koeske, 1991), sintomas depressivos (Ahola, Hakanen, Perhoniemi, & Mutanen, 2014) e ideações suicidas (Dyrbye et al., 2008). A síndrome de burnout foi previamente associada à tomada de medicação em estudantes do ensino superior (Campos, Jordani, Zucoloto, Bonafé, & Maroco, 2012).

Existem muitas variáveis associadas à tomada de medicação devido aos estudos em estudantes do ensino superior. Nesta investigação estudámos a associação entre a tomada de medicação e a síndrome de burnout, o envolvimento académico e o suporte social. Com os dados recolhidos analisámos a relação funcional entre o burnout, envolvimento e suporte social em função da finalidade da medicação. Os resultados deste estudo serão úteis na implementação de acções preventivas e de programas de intervenção e prática clínica ao identificarem algumas das variáveis associadas à tomada de medicação entre os estudantes universitários portugueses.

Método

Participantes

Participaram 1067 estudantes portugueses do ensino superior (65% ♀; M=23 anos). Os dados foram recolhidos online, através das associações de estudantes e redes sociais. O consentimento informado e a confirmação de inscrição em uma instituição de ensino superior foram requeridos antes de iniciar o questionário.

Material

No questionário foram medidas variáveis psicológicas relevantes para o contexto académico, como, o burnout, o envolvimento académico, o suporte social, a necessidade de medicação e a finalidade da medicação.

O inventário de envolvimento académico (USEI) (Maroco, Maroco, Bonini Campos, & Fredricks, 2016) foi utilizada como medida de envolvimento académico. O envolvimento académico foi conceptualizado como um constructo de segunda ordem com dimensões de primeira ordem: comportamental, cognitiva e emocional. O USEI consiste em 15 itens ordinais de auto-relato. A sua escala de respostas varia entre ‘0-Nunca’ e ‘4-Sempre’.

O inventário de burnout MBI-SSi (J. Marôco, Marôco, & Campos, 2014) foi utilizado como medida de burnout académico. O burnout académico é conceptualizado como constructo de segunda ordem reflectido nas dimensões de primeira ordem: exaustão, cinismo e ineficácia. O MBI-SSi consiste em 15 itens ordinais de auto-relato cuja escala de resposta varia entre ‘0-Nunca’ e ‘6-Todos os dias’.

O suporte social foi medido com a escala ESSS (Marôco, Campos, Vinagre, & Pais-Ribeiro, 2014). O suporte social é conceptualizado como satisfação com a família, amigos, actividades sociais e intimidade nas relações. A ESSS consiste em 15 itens ordinais de auto-relato cuja escala de resposta varia entre ‘1-Discordo totalmente’ e ‘5-Concordo totalmente’.

A necessidade da medicação devido aos estudos foi avaliada com um item ordinal de auto-relato cuja escala de resposta varia entre ‘0-Nunca’ e ‘4-Sempre’, transformada numa variável dicotómica que identifica se um estudante toma ou não medicação. A finalidade da medicação foi avaliada através de análise qualitativa de um item de resposta aberta.

Análise de dados

Para estimar a associação entre a tomada de medicação e os valores das escalas de burnout, envolvimento, suporte social, foi efectuada uma análise de equações estruturais usando o programa R (Team, 2013) e o pacote lavaan (Rosseel, 2012). Os valores latentes das escalas foram regredidos na toma de mediação (sim/não) através de uma regressão logística probit. A análise foi efectuada em relação à tomada de medicação e também em função da finalidade da medicação (sintomas de ansiedade e depressão, melhoria do desempenho cognitivo e alívio problemas do sono) com modelos onde as variáveis preditoras (burnout, envolvimento e suporte social) introduzidas em conjunto.

Resultados

Cerca de um três estudantes universitários da nossa amostra (36,6%) tomaram algum tipo de medicação devido aos seus estudos. Através de uma análise qualitativa identificámos quatro finalidades para a tomada de medicação: problemas de ansiedade (16,9%), melhoria do desempenho cognitivo (13,7%), problemas com o sono (7,1%) e sintomas depressivos (4,5%).

Os valores de burnout correlacionaram-se significativamente com os valores de envolvimento académico (r=-0,686; p<0,001) e suporte social (r=-0,577; p<0,001). Os valores de envolvimento académico correlacionaram-se significativamente com os de suporte social (r=0,403; p<0,001).

O impacto das variáveis preditoras foi avaliado em conjunto através de uma regressão logística em relação à probabilidade de tomar medicação devido aos estudos e em função da finalidade da medicação. O impacto das variáveis preditoras sobre a tomada de medicação não foi avaliado individualmente, pois estas encontram-se correlacionadas entre si.

A análise de regressão probit multivariada indicou que alunos com valores mais elevados de burnout tiveram uma maior probabilidade de tomar medicação para o tratamento de sintomas de ansiedade, melhoria do desempenho cognitivo e problemas de sono, mas não para sintomas de depressão. Alunos com valores mais elevados de envolvimento académico apresentaram uma maior probabilidade de tomar medicação para o tratamento de sintomas de ansiedade, mas não para a melhoria do desempenho cognitivo, problemas de sono ou para o tratamento de sintomas de depressão. Alunos com valores mais elevados de suporte social apresentaram uma maior probabilidade de tomar medicação para sintomas de ansiedade e depressão, tal como problemas de sono, mas não para a melhoria do desempenho cognitivo. Estes resultados podem ser analisados no Quadro 1.

 

 

Para elucidar melhor os efeitos multivariados do burnout, envolvimento académico e suporte social na tomada de medicação, foram geradas duas figuras. Na figura 1, o eixo horizontal representa os valores latentes do suporte social, o eixo vertical representa a probabilidade de tomar medicação devido aos estudos e o código de cores representa os níveis de burnout de cada participante, sendo que vermelho indica valores elevados de burnout e azul indica valores baixos. A análise da figura 1 revela que quanto maior o suporte social, menor a probabilidade de um aluno tomar medicação devido aos estudos. Do mesmo modo, podemos ver que quanto maior os níveis de burnout, maior a probabilidade de um aluno tomar medicação devido aos estudos. Para o mesmo nível de suporte social, a probabilidade de tomar medicação é tanto maior quanto maior o nível de Burnout sendo o efeito do Burnout mais pronunciado para níveis baixos de suporte social.

 

 

Na figura 2, o eixo horizontal representa os valores latentes do burnout, o eixo vertical representa a probabilidade de tomar medicação devido aos estudos e o código de cores representa os níveis de envolvimento académico de cada participante.

 

 

A análise da figura 2 revela que, quanto maior o nível de burnout maior a probabilidade de tomar medicação. Pelo contrário, quanto maior o nível de envolvimento académico menor a probabilidade de tomar medicação. O efeito do burnout sobre a probabilidade de tomar medicação é potenciado quando o envolvimento académico é menor.

Discussão

Neste estudo analisámos a associação entre a síndrome de burnout, envolvimento académico e o suporte social com a tomada de medicação entre estudantes do ensino superior.

Os dados recolhidos neste estudo indicam que um em cada três estudantes do ensino superior toma algum tipo de medicação devido aos seus estudos. A finalidade da medicação está principalmente associada a sintomas de ansiedade (um em seis), a melhoria do desempenho cognitivo (um em sete), mas também a problemas de sono (um em catorze) e sintomas depressivos (um em vinte e dois).

A relação entre o burnout, o envolvimento académico, o suporte social e a tomada de medicação foi avaliada com modelos de regressão probit multivariados, permitindo analisar o contributo único de cada variável depois de considerar a influência das restantes variáveis sobre a tomada de medicação.

Alunos com valores mais elevados de burnout têm uma maior probabilidade de tomar medicação para o tratamento de sintomas de ansiedade, melhoria do desempenho cognitivo e problemas de sono. Alunos com valores mais elevados de envolvimento académico apresentaram uma maior probabilidade de tomar medicação para o tratamento de sintomas de ansiedade. Alunos com valores mais elevados de suporte social apresentaram a uma menor probabilidade de tomar medicação para sintomas de ansiedade e depressão.

Verificámos que o burnout, o envolvimento e o suporte social são variáveis que predizem significativamente a tomada de medicação em estudantes universitários portugueses, sendo que estas são variáveis importantes a considerar na implementação de programas de intervenção e no acompanhamento psicológico da prática clínica. É porem de referir que as inferências causais reportadas devem ser caucionadas dada a natureza correlacional e transversal deste estudo. A toma de medicação é também baseada no relato de alunos que aceitaram participar voluntariamente no estudo e, por consequência, pode apresentar algum viés. Ainda assim, a elevada dimensão da amostra de estudantes de todo o país, assegura que a variabilidade natural da população deve estar convenientemente amostrada assegurando a validade das conclusões.

Os resultados deste estudo permitem-nos obter três conclusões principais:

1. Um em cada três estudantes universitários toma medicação devido aos seus estudos, sendo a principal finalidade da medicação o alívio de sintomas de ansiedade (um em seis), problemas de desempenho cognitivo (um em sete), problemas de sono (um em catorze) e sintomas de depressão (um em vinte e dois).

2. O burnout, o envolvimento académico e o suporte social são variáveis que prevêem significativamente a probabilidade de um estudante tomar medicação.

3. O efeito do burnout, do envolvimento académico e do suporte social na probabilidade de tomar medicação não são independentes entre si. Quando estas variáveis são analisadas em conjunto, níveis elevados de burnout não estão associados à tomada de medicação para a depressão. Níveis elevados de envolvimento académico estão associados a um aumento da probabilidade de tomar medicação para o tratamento de sintomas de ansiedade.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 15 de Novembro de 2019

Aceite em 29 de Janeiro de 2020

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