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Psicologia, Saúde & Doenças

versión impresa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.20 no.3 Lisboa dic. 2019

https://doi.org/10.15309/19psd200309 

Lócus de controle, escolaridade e conhecimento sobre a doença em pacientes oncológicos

Locus of control, education level and knowledge about disease in cancer outpatients

Manuela Lima1 & Tatiana Irigaray1

1Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, manuela.lima@edu.pucrs.br, tatiana.irigaray@pucrs.br


 

RESUMO

O objetivo deste estudo foi verificar se escolaridade é preditora de conhecimento sobre a doença, e se a orientação de lócus de controle (LOC) é preditora de escolaridade e de nível de conhecimento sobre a doença. A amostra foi composta por 220 pacientes com câncer, predominantemente por mulheres (62,7%), com média de idade de 54,66 anos (DP=13,30) e de escolaridade de 8,32 anos de estudo (DP=3,76). Os instrumentos utilizados foram: questionário de dados sociodemográficos e clínicos, Multidimensional Health Locus of Control (MHLC) Scale e Questionário de avaliação do nível de conhecimento sobre sua doença. Para verificar a relação entre as variáveis foram realizadas Correlações de Spearman, e Regressão Linear Múltipla para verificação do valor preditivo. Encontrou-se prevalência de LOC externo outros poderosos (60,9%) e de conhecimento sobre a doença moderado (41,4%). A escolaridade mostrou-se como preditor de conhecimento sobre a doença, e LOC externo (outros poderosos e acaso) como preditor do nível de escolaridade. Compreende-se que pessoas com baixa escolaridade apresentam menor tendência a buscar e compreender informações de saúde. Além disso, indivíduos com predomínio de LOC externo tendem a acreditar que os acontecimentos de sua vida dependem de outras pessoas ou do acaso e, assim, podem não buscar novos conhecimento. Concluiu-se que profissionais devem auxiliar os pacientes na busca e compreensão das informações sobre saúde, buscando alfabetização em saúde e auxiliando na tomada de decisões.

Palavras-Chave: conhecimento sobre a doença, lócus de controle, escolaridade, câncer.


 

ABSTRACT

The aim of the study was to verify if education level predicts knowledge about disease, and if locus of control (LOC) orientation predicts education level and knowledge about disease. The sample was composed of 220 cancer patients, predominantly women (62.7%), with mean age of 54.66 years (DP=13.30) and mean education level of 8.32 years (DP=3.76). The instruments used were: sociodemographic and clinical data questionnaire, Multidimensional Health Locus of Control (MHLC) Scale and Patient’s Knowledge about Disease Questionnaire. Spearman correlations were applied to verify the relationship between the variables and a multiple linear regression to verify the predictive value. Powerful others external locus of control orientation (60.9%) and moderated knowledge about disease level (41.4%) were prevalent in the sample. Education level was showed to be significant predictor of knowledge about disease, and external locus of control (powerful others and chance) were predictors of education level. People with low education level are less likely to seek and understand health information. Besides that, individuals with external LOC prevalence tend to believe that life events depend on other people or chance and, thus, may not seek new information. It was concluded that professionals should help patients searching and understanding of health information, seeking health literacy and assisting in decision-making.

Keywords: knowledge about disease, locus of control, education level, cancer.


 

Indivíduos acometidos por uma doença possuem uma demanda psicológica bastante específica, pois além do tratamento médico habitual, precisam comunicar-se adequadamente com seu médico, receber informações sobre o que está acontecendo, o que poderá acontecer e quais são os riscos e objetivos principais de seu tratamento (Kubo & Botomé, 2005). O aumento do conhecimento sobre a doença pode facilitar o processo de aceitação e adaptação a uma nova condição, aumentar o senso de controle e a realização de tarefas relacionadas a comportamentos saudáveis e à adesão ao tratamento (Tiraki & Yılmaz, 2017).

O conhecimento sobre a doença é especialmente importante quando o indivíduo é portador de uma doença crônica, como o câncer, por exemplo. As doenças crônicas são muitas vezes conduzidas por uma variedade de comportamentos executados pelo paciente, como tomar medicação, monitorar dietas, exercitar-se e fazer acompanhamento com profissionais de saúde. Esses comportamentos são esperados e necessários para controlar ou inibir a progressão da doença e para minimizar seus efeitos colaterais e sua interferência na vida diária (Helgeson & Zajdel, 2017).

Pacientes oncológicos apresentam uma crescente demanda de informações sobre sua doença e para que o paciente e/ou seus familiares possam tomar decisões acertadas sobre seu tratamento e desempenhar comportamentos mais adequados, é essencial que eles tenham conhecimento suficiente para fazê-lo. Porém, adquirir informações de saúde é um processo extenso que depende de muitos fatores internos e externos (Keinki et al., 2016).

Para efetivamente acessar, compreender e aplicar informações sobre saúde, os indivíduos devem estar motivados para receber e processar estas informações e para realizar ações ou comportamentos relacionados à saúde. Por isso, é essencial que se possa distinguir entre o recebimento de informações, a compreensão delas, e a disposição e capacidade para agir adequadamente (Adams, 2010).

Neste processo, pode-se pensar que é necessário educar, e não apenas informar. A educação em saúde leva a uma alfabetização em saúde, o que então pode capacitar indivíduos, famílias e comunidades a agir adequadamente (Institute of Medicine, 2013). Alfabetização em saúde pode ser conceituada como a capacidade de encontrar, entender, avaliar e selecionar informações de diferentes fontes e, em seguida, colocar isso em prática, em um contexto específico (Straub, 2014). Ou seja, uma espécie de conector entre as habilidades de alfabetização (leitura, escrita, matemática básica, habilidades de fala e compreensão da fala), as habilidades individuais e as informações relacionadas à saúde (Institute of Medicine Committee on Health, 2004).

Estudos relacionam o baixo nível de alfabetização em saúde com menor utilização de serviços de prevenção e maior utilização de serviços de emergência, com maior risco de hospitalização, aumento dos custos do sistema de saúde (Corrarino, 2013), e diminuição do conhecimento sobre a doença. Segundo Perry (1999), pessoas mais instruídas são mais propensas a desenvolver maior alfabetização em saúde e se tornam melhores consumidores de informações, fazendo suas próprias pesquisas e tornando-se mais conhecedoras e capacitadas quando se trata de sua saúde. Assim, é possível considerar que o nível de escolaridade do indivíduo pode ser um importante facilitador da compreensão das informações recebidas e do aumento da alfabetização em saúde.

Pacientes com baixa alfabetização em saúde apresentam maior chance de ter dificuldade ao transitar pelo sistema de saúde, são menos propensos a procurar cuidados preventivos e aderirem aos regimes de tratamento e autocuidado prescritos, além de terem maior risco de cometer erros em relação a sua medicação e ao seu tratamento (Paasche-Orlow, 2011). Além disso, outro fator chave para determinar a eficácia de informações sobre saúde é a percepção do indivíduo sobre ter algum controle comportamental, ou seja, acreditar que têm a capacidade de seguir as recomendações recebidas (Straub, 2014).

A percepção das pessoas, relacionada ao controle que podem exercer sobre o seu comportamento em geral e sobre o seu estado de saúde, particularmente, é considerada uma crença muito influente das suas atitudes, o que lhes permite buscar informações, fazer escolhas, tomar decisões e implementar comportamentos voltados à saúde (Shiloh, 2006). Estudos já apontaram que as crenças dos indivíduos podem interferir em seu comportamento de cuidado, triagem e prevenção contra o câncer, bem como em sua necessidade de receber educação em saúde (Lee & Vang, 2010).

Lócus de controle (LOC) é uma construção psicológica que pode ser usada para prever, esclarecer e explicar comportamentos e cuidados relacionados à saúde (Grisolia, Longo, Hutchinson, & Kee, 2015). O lócus de controle, conceito originalmente desenvolvido por Rotter (1954), é composto por dois fatores: controle interno e controle externo. Controle interno representa a percepção do indivíduo de que os resultados são determinados por suas próprias ações e/ou competências. Neste caso, aqueles com alto lócus de controle interno acreditam que seu estado de saúde é controlado por eles mesmos, ou seja, acreditam que eles adoecem ou permanecem saudáveis como resultado de seu próprio comportamento (Wallston & Wallston, 1981).

O controle externo, por outro lado, é a percepção de que os resultados são controlados por regras ou fatores externos (isto é, acaso, azar ou outros). Nesta orientação, os indivíduos acreditam que os fatores que determinam sua saúde são aqueles sobre os quais eles têm pouco controle, acreditando que sua saúde é controlada por outros poderosos ou pelo acaso.Na teoria de Rotter, o controle externo é dividido em duas subcategorias: Acaso, representa “sorte”/“azar”, “destino”, ou um acontecimento aleatório que controla os eventos; e os “Outros poderosos”, que representam “outras pessoas” em uma posição de poder, como um superior, um médico, ou uma divindade, que o paciente percebe como controlador da sua vida (Wallston & Wallston, 1981).

Após essa explanação, percebe-se que o nível de informação e conhecimento que o indivíduo possui sobre saúde e doença, seu grau de escolaridade e sua orientação de LOC são fatores que podem se inter-relacionar e interferir nos desfechos de saúde, como comportamentos preventivos e adesão ao tratamento. Nesse sentido, os objetivos deste estudo foram: 1) verificar se há correlação entre as variáveis orientação de LOC, escolaridade e conhecimento sobre a doença; 2) verificar se escolaridade é preditora de conhecimento sobre a doença, e 3) verificar se a orientação de LOC é preditora de escolaridade e de nível de conhecimento sobre a doença em pacientes com câncer.

Método

Delineamento

Caracteriza-se como um estudo transversal e exploratório.

Participantes

Um cálculo amostral foi realizado para definição do número de participantes, a fim de que a amostra fosse representativa da população. Para isso, as estimativas do Inca para o biênio 2016-2017 - incluindo as taxas brutas de incidência do câncer e o número de casos novos (aproximadamente 9.044) - para a cidade de Porto Alegre (Inca, 2016) foram acessadas. Ao final, chegou-se ao número total de 220, utilizando-se 5% de estimativa de erro amostral e nível de confiança de 95%. Os participantes selecionados por conveniência foram contatados e convidados a participar do estudo enquanto aguardavam para consulta, em uma sala de espera do hospital onde realizavam tratamento. A amostra final foi composta por 220 pacientes, sendo 82 (37,3%) do sexo masculino e 138 (62,7%) do sexo feminino. Todos estavam em tratamento ambulatorial para doença oncológica.

Material

a) Questionário de dados sociodemográficos e clínicos: instrumento que objetivou a coleta de dados relativos à caracterização sociodemográfica da amostra e à doença oncológica;

b) Multidimensional Health Locus of Control (MHLC) Scale (Wallston & Wallston, 1981; Wallston, Wallston, & Devellis, 1978): escala traduzida e validada para uso no Brasil por Della Coleta (1995; 1999), compreende três dimensões de lócus de controle: Internalidade, Outros Poderosos (externalidade, atribuição a outrem) e Acaso/Sorte. Os escores fornecem, respectivamente, o grau de como a pessoa acredita em si mesma, em pessoas poderosas e, no acaso, como fontes de controle da saúde. A escala original encontrou uma média de coeficientes de Alpha de Cronbach de 0,66 para internalidade, 0,58 para externalidade outros poderosos e 0,59 para externalidade acaso. Já o estudo brasileiro, que traduziu e validou o instrumento, encontrou: 0,63 para internalidade, 0,64 para externalidade outros poderosos e 0,64 para externalidade acaso. Neste estudo encontrou-se um Alpha de Cronbach de 0.72.

c) Questionário de avaliação do conhecimento do paciente sobre a doença oncológica, adaptado dos instrumentos: Questionário dos conhecimentos da diabetes (QCD; Sousa, 2003) e Questionário para avaliação de conhecimento sobre câncer bucal (Rodrigues, 2011).

Procedimento

O projeto de pesquisa que corresponde a este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (CEP-PUCRS), reconhecido pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) sob o número 63367316.0.0000.5336. A participação dos indivíduos foi voluntária e todos aqueles que aceitaram participar, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Quando percebeu-se a necessidade, os mesmos foram encaminhados a serviços de atendimento psicológico gratuitos, oferecidos para a comunidade. A aplicação dos instrumentos - realizada de forma individual, em um encontro, com duração média de trinta minutos - foi realizada pela pesquisadora principal do projeto e por acadêmicos do curso de Psicologia, após treinamento específico.

Análise dos dados

A descrição dos dados foi realizada por meio de frequências absolutas (n) e relativas (%) para variáveis qualitativas, e por média e desvio padrão para variáveis quantitativas. A fim de verificar a relação entre a orientação de lócus de controle, nível de conhecimento sobre a doença e escolaridade, foram utilizadas Correlações de Spearman, de acordo com o resultado do Teste Kolmogorov-Smirnov, que identificou distribuição não normal dos dados. Posteriormente, uma Regressão Linear Múltipla foi realizada para verificação do valor preditivo das variáveis que apresentaram correlação significativa, do ponto de vista estatístico. Para todas as análises foi utilizado o software SPSS versão 17, considerando um nível de significância de 5%.

Resultados

A amostra obteve prevalência de mulheres (62,7%), com média de idade de 54,66 anos (DP=13,30) e média de escolaridade de 8,32 anos de estudo (DP=3,76). Em relação aos demais dados sociodemográficos, as prevalências foram: 84,1% dos pacientes eram brancos, 56,4% casados, 66,8% não estavam trabalhando no momento da coleta, 78,6% frequentavam algum tipo de religião.

Os resultados dos instrumentos indicaram uma prevalência de orientação de lócus de controle externa outros poderosos (60,9%) e de conhecimento sobre a doença moderado (41,4%). Importante citar aqui que nenhum paciente alcançou o escore correspondente a conhecimento total (pontuação máxima do instrumento). Outras características sociodemográficas da amostra e os demais resultados destes instrumentos encontram-se no Quadro 1.

 


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A partir das análises estatísticas encontrou-se correlação direta e fraca entre escolaridade e nível de conhecimento sobre a doença (r=0,28, p=0,0001), e inversa e fraca entre LOC externo acaso e conhecimento sobre a doença (r=-0,17, p=0,011). Assim, ambas as variáveis foram incluídas em um modelo de regressão linear para verificar o seu poder preditor. Verificou-se que apenas a escolaridade é um preditor significativo do nível de conhecimento, indicando que quanto menor o nível de escolaridade do paciente, menor o nível de conhecimento sobre sua doença. O modelo testado explicou 6,6% da variância [(F=1,218) = 15,42, p=0,0001, R=0,25, R2=0,066].

Uma correlação inversa e moderada também foi encontrada entre escolaridade e LOC externo outros poderosos (r=-0,34, p=0,0001), e outra correlação inversa e fraca entre escolaridade e LOC externo acaso (r=-0,28, p=0,0001), indicando que quanto menor a escolaridade maior a orientação de LOC externo (outros poderosos e acaso). Igualmente foi realizada regressão linear para analisar o poder preditivo destas variáveis. O resultado apontou que ambas as orientações externas são preditoras do nível de escolaridade, explicando 13,3% da variância [(F=2,217) = 16,61, p=0,0001, R=0,36, R2=0,133].

Discussão

Os principais resultados apontam que a amostra do presente estudo apresenta prevalência de escolaridade mediana (média de 8,32 anos), de orientação externa de LOC outros poderosos e de conhecimento sobre a doença moderado. Além disso, encontrou-se que grau de escolaridade é preditor de conhecimento sobre a doença, e LOC externo outros poderosos e acaso são preditores de nível de escolaridade.

Percebe-se que quase 72% dos pacientes avaliados apresenta conhecimento sobre a doença de nível mínimo a moderado. Além disso, apenas 15,5% deles apresentou conhecimento pleno. Estes dados indicam que, de forma geral, os pacientes não obtinham informações suficientes sobre sua própria doença, e que este resultado pode ter sido previsto pelo nível de escolaridade da amostra.

Evidências mostram que pessoas com baixa escolaridade apresentam menor tendência a buscar informações e adultos com limitada alfabetização em saúde são menos propensos a fazer perguntas aos clínicos e apresentam dificuldades na compreensão da informação acessada (Husson, Denollet, Oerlemans, & Mols, 2013). Pesquisas com pacientes que apresentavam diferentes tipos de câncer encontraram correlação entre nível de escolaridade e conhecimento, e correlação entre escolaridade e compreensão das informações dos serviços de saúde (Helgeson & Zajdel, 2017).

Outros estudos, desenvolvidos com pacientes com câncer de mama, encontraram que, além de outras variáveis, o nível educacional pode ser um preditor de conhecimento sobre a doença e sobre o tratamento de quimioterapia (Jiang, Sereika, Bender, Brufsky, & Rosenzweig, 2016). No estudo de Hwang (2016), 33,7% da variância nos comportamentos preventivos contra o câncer foi explicada pela alfabetização em saúde e pelo conhecimento sobre o câncer.

Uma das hipóteses de explicação deste resultado pode estar relacionada com o modelo desenvolvido por Berkman et al. (2011) para melhor compreender a relação entre escolaridade/educação e saúde. O modelo aponta que a alfabetização em saúde afeta o nível de conhecimento, as habilidades, as atitudes e a autoeficácia, que por sua vez influenciam os comportamentos de saúde, que, por sua vez, interferem nos resultados de saúde e no uso de serviços de saúde.

No presente estudo encontrou-se ainda predomínio da orientação de LOC externo outros poderosos, indicando que a amostra estudada atribui o controle de seu estado de saúde a terceiros, como médicos e familiares. Sabe-se que as diferenças nas percepções de LOC de saúde tendem a influenciar o comportamento dos pacientes (Berglund, Lytsy, & Westerling, 2014), e que a orientação adotada pelo paciente pode influenciar na adaptação e no enfrentamento da doença.

Referente a esse assunto, percebe-se uma controvérsia sobre qual orientação é mais favorável aos indivíduos. Alguns estudos sugerem que pacientes com aumento do LOC externo são realmente mais capazes de se adaptar à sua doença, física e mentalmente (Janowski et al., 2013). Outras pesquisas mostram que pacientes com maior LOC interno experienciam menos sofrimento psicológico, melhor enfrentamento e adaptação à doença (Sargent-Cox & Anstey, 2015).

Para a amostra do presente estudo, acredita-se que a adoção de um LOC de saúde externo, ao longo do tempo, pode ter auxiliado no ajustamento ao ambiente, reduzindo o sofrimento relacionado à perda de controle de sua patologia, especialmente porque a doença oncológica é considerada grave, impondo exigências terapêuticas e/ou níveis de estresse acima da capacidade dos pacientes (Vuger-Kovacic, Gregurek, Kovacic, Vuger, & Kalenic, 2007). Outra hipótese de explicação para esta prevalência refere-se ao nível de escolaridade da amostra.

O resultado de predição da orientação de LOC externo pela escolaridade pode ser justificada pelo fato de que indivíduos com esta orientação tendem a acreditar que os acontecimentos de sua vida dependem de outras pessoas ou do acaso e, assim, podem não dar seguimento aos estudos ou buscar recursos para obtenção de conhecimento. No contexto desta pesquisa, os pacientes podem acreditar que a equipe de saúde e/ou acaso ou destino são responsáveis por sua doença e tratamento e, assim, tendem a não buscar informações sobre os mesmos e/ou não buscar uma alfabetização em saúde.

Como exemplo, é possível citar algumas questões do próprio instrumento que avaliou o LOC. Na questão “Para mim, a melhor maneira de evitar doenças é fazer consultas regulares com meu médico”, 63,6% dos pacientes respondeu que concorda plenamente e 26% que concorda em parte. Para a sentença “Quem controla minha saúde são os médicos”, 37,3% responderam que concordam plenamente e 31,4% concordam em parte. E na questão “Para ter saúde, eu tenho que obedecer ao meu médico”, 63,6% assinalaram que concordam plenamente e 30,5% em parte. Pesquisadores apontam que por causa da falta de informação e compreensão do câncer e dos efeitos do tratamento, os pacientes oncológicos podem confiar fortemente em seu médico para tomar decisões de tratamento para eles (Seror et al., 2013).

Outra informação que corrobora os achados deste estudo é que o LOC interno - orientação que não foi prevalente nesta população e tampouco se correlacionou com as outras variáveis - está associado a uma alta motivação para aprender, a maior retenção de informações e a um processamento aprofundado das mesmas (Johnson, Brock, & Hueston, 2003). Estudos indicam que o lócus de controle interno pode ser considerado um preditor de comportamentos pró-saúde (Panagiotou et al., 2014). Além disso, Baron-Epel, Levin-Zamir, Cohen e Elhayany (2017) acreditam que altos níveis de LOC interno podem ser recursos alternativos para superar baixos níveis de alfabetização em saúde, e encontrar maneiras de compensar a falta de habilidades ou a incapacidade de compreender ou transitar pelo sistema de saúde.

Como limitação do estudo, é possível citar que o questionário utilizado para avaliar o conhecimento sobre a doença foi elaborado para esta pesquisa, devido à falta de instrumentos de língua portuguesa encontrados na literatura que avaliassem o nível de conhecimento do paciente sobre o câncer. Sendo assim, o mesmo ainda não foi validado. Além disso, o estudo foi realizado em apenas um centro de saúde e, portanto, os resultados podem não ser adequados a fins de generalização.

Compreende-se, então que a escolaridade do paciente relaciona-se com a busca de informação e com o lócus de controle, variáveis importantes que podem influenciar desfechos de saúde. Assim, os clínicos e o sistema de saúde em geral devem trabalhar para aumentar a clareza e a relevância na apresentação das informações para, posteriormente, melhorar a compreensão do paciente (Lennes, Temel, Hoedt, Meilleur, & Lamont, 2013). Neste processo, os profissionais devem ser mais competentes ao integrar e executar habilidades de comunicação adequadas ao fornecer educação e suporte ao paciente (Nehls et al., 2013).

Os programas de prevenção de doenças crônicas buscam, principalmente, auxiliar em uma escolha mais consciente de estilo de vida, na modificação de fatores de risco e na autogestão ativa dos pacientes, o que incluiria um maior lócus de controle interno. Esse processo depende fortemente de melhores práticas de informação e de comunicação, a fim de promover a alfabetização em saúde e auxiliar o paciente na tomada de decisões clínicas (Coulter & Ellins, 2007).

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 09 de Novembro de 2018/ Aceite em 30 de Maio de 2019

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