SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.20 número3Adaptação do teste de dependência do telemóvel para adolescentes e jóvens portuguesesEstresse e doença: o que diz a evidência? índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.20 no.3 Lisboa dez. 2019

https://doi.org/10.15309/19psd200303 

Propriedades psicométricas da escala de sintomas de ressaca (ESR)

Psychometric properties of the hangover symptoms scale (HSS)

Samuel Pombo1,2, Ângelo Marinho2, & Daniel Sampaio3

1Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de Santa Maria, Lisboa, Portugal, samuelpombo@gmail.com

2Unidade de Adolescência do Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de Santa Maria, 1649-028 Lisboa, Portugal, angelomarinho@gmail.com

3Clínica Universitária de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (Jubilado), 1649-028 Lisboa, Portugal, d.sampaio@netcabo.pt


 

RESUMO

O efeito adverso mais frequentemente associado a uma situação aguda de consumo excessivo do álcool é a denominada “ressaca do dia seguinte”. O presente trabalho tem como objetivo validar um instrumento psicométrico - a Escala de Sintomas de Ressaca (ESR), para avaliar a experiência da ressaca associada ao consumo do álcool. Para o efeito, foram incluídos 433 estudantes provenientes de várias escolas secundárias do distrito de Lisboa. Os sintomas de ressaca mais reportados foram: “Senti-me mais cansado do que o normal”, “Senti dor de cabeça” e “Senti-me desidratado”. A fiabilidade, avaliada através da consistência interna dos itens, apurou um coeficiente α de Cronbach de 0,86. A análise de componentes principais dos 13 itens da ESR confirmou dois componentes principais com autovalores (eigenvalues) maiores que 1,0 (autovalores 4,9 e 1,6) que representavam 38,3% e 12,9% da variação total dos sintomas. A solução fatorial explica 59,5% da variância total. A validade convergente foi assegurada pela correlação significativamente positiva entre a pontuação total da ESR e a pontuação total da Escala de Envolvimento com o Álcool para Adolescentes. Os resultados preliminares da análise psicométrica a ESR permitem a utilização deste instrumento em vários contextos de investigação dos hábitos de consumo do álcool na população.

Palavras-chave: álcool, jovens, ressaca, escala, avaliação quantitativa, psicometria


 

ABSTRACT

The adverse event most frequently associated with an acute situation of excessive alcohol consumption is the so-called “the next day hangover”. The present study aims to validate a psychometric instrument - the Hangover Symptoms Scale (HSS), to evaluate the hangover experience associated with alcohol consumption. For this purpose, 433 students from various secondary schools in the district of Lisbon were included. The most reported hangover symptoms were: "I felt more tired than usual", "I felt headache" and "I felt dehydrated". The reliability, evaluated through the internal consistency of the items, determined a Cronbach's α coefficient of 0.86. Principal component analysis of the 13 HSS items confirmed two major components with eigenvalues ​​greater than 1.0 (eigenvalues ​​4.9 and 1.6) representing 38.3% and 12.9% of the total symptom variance. The factorial solution explains 59.5% of the total variance. Convergent validity was ensured by a significantly positive correlation between the total HSS score and the total the Adolescent Alcohol Involvement Scale. The preliminary results of the psychometric analysis of HSS allow the use of this instrument in several contexts of investigation to assess the alcohol consumption habits of the population.

Keywords: alcohol, adolescents, hangover, scale, quantitative evaluation, psychometrics


 

O consumo excessivo do álcool está na origem de inúmeras consequências negativas evitáveis no indivíduo e na sociedade, todas elas por demais enumeradas na literatura: comportamentos auto-lesivos, acidentes com veículos, agressões físicas, sexo sem proteção e suicídio são alguns exemplos (WHO, 2014). No entanto, e por curioso que pareça, o efeito adverso mais frequentemente associado a uma situação aguda de consumo excessivo do álcool não diz respeito ao episódio de consumo em si mesmo mas ao que acontece geralmente no dia seguinte - a ressaca, fenómeno cientificamente pouco estudado mas que a maioria dos consumidores de álcool está familiarizada (Verster et al., 2010).

A “ressaca” é definida pela presença de pelo menos dois sintomas (pe., dor de cabeça, tonturas, fadiga, náusea…), que ocorrem após o consumo e o total metabolismo do álcool, com gravidade suficiente para perturbar as responsabilidades e o desempenho das atividades de vida diárias (Wiese, Shlipak, & Browner, 2000). Os sintomas físicos e psicológicos de uma ressaca ocorrem tipicamente até 24 horas após o consumo de álcool e o estado de ressaca pode ser confirmado uma vez que todo o álcool tenha sido metabolizado e a concentração de álcool no sangue retorne a zero (Verster et al., 2010). Sabe-se que a ressaca é essencialmente um fenómeno que ocorre depois dos níveis de álcool caírem para próximo de zero e que o acetaldeído, o principal metabolito do álcool, é um importante facilitador do seu desenvolvimento. Porém, a sua fisiopatologia ainda é pouco compreendida, bem como o seu significado conceptual (Verster et al., 2010). Por exemplo, embora a ressaca associada ao consumo do álcool tenha geralmente na nossa cultura um significado punitivo face aos excessos, qual “castigo” que se crê desencorajar o futuro uso do álcool (Epler et al., 2014), uma investigação recente sugere que as ressacas são estáveis e expressam-se quase como um traço de vulnerabilidade do indivíduo. Estes dados, que mostram que a experiência de uma ressaca não elimina futuras experiências de ressaca, pelo menos durante as semanas em que decorreu o estudo, permitem-nos refletir não só sobre a incapacidade de uma vivência aversiva associada ao consumo do álcool (ressaca) inibir futuros episódios de consumo, como verificar que não são apenas as características do episódio de consumo do álcool que condicionam a ocorrência da ressaca (quantidade, tipo de bebida) mas também diferenças individuais de vulnerabilidade à ressaca (Robertson et al., 2012).

A população estudantil é geralmente afetada pelas implicações da ressaca do álcool. Um estudo anterior numa amostra de 134 estudantes universitários portugueses verificou que uma elevada percentagem de jovens (75.6%) tenta “remediar”, de alguma maneira, todo esse conjunto de sintomas que formam uma síndrome de mal-estar geral consequente ao consumo do álcool. A ingestão de líquidos, toma de medicação para a dor de cabeça, ingestão de café e o consumo de laticínios foram os comportamentos mais reportados pelos jovens depois de um episódio de consumo agudo do álcool (Pombo & Sampaio, 2010).

A gravidade geral da ressaca é habitualmente avaliada através da Escala de Sintomas de Ressaca (ESR). A ESR, desenvolvida por Slutske, Piasecki, e Hunt-Carter (2003), é uma escala de 13 itens que avalia os sintomas da experiência de ressaca na manhã depois de beber álcool. Foi preliminarmente suportada por dados de fiabilidade e validade num estudo que envolveu 1474 estudantes da Universidade de Missouri-Columbia. Os itens da ESR foram adaptados de uma das mais importantes revisões de literatura sobre o tema publicadas até à data (Swift & Davidson, 1998). Os autores definem sintomas constitucionais (fadiga, sede, fraqueza), álgicos (cabeça, músculos), gastrintestinais (náuseas, vómitos), sono e ritmos biológicos (diminuição e perturbação do sono REM), sensoriais (vertigens, sensibilidade à luz e som), cognitivos (alterações da atenção e concentração), humor (depressão, ansiedade e irritabilidade) e hiperactividade simpática (tremor, sudorese, taquicardia). A ESR solicita que o indivíduo refira a frequência com que experimentou alguns sintomas específicos depois de beber, sendo de esperar que as respostas a essas questões estejam fortemente relacionadas com as práticas de consumo do álcool. Indivíduos que bebem até à intoxicação com maior frequência terão mais possibilidades de desenvolver ressacas. A ESR apresentou características psicométricas iniciais sólidas em termos de fiabilidade da consistência interna (alfa de Cronbach com intervalo de 0,80 a 0,86), correlações item-escala (rs = 0,35 a 0,68) e validade preditiva e ecológica (Jackson, 2008; Piasecki, Slutske, Wood, & Hunt-Carter, 2010; Piasecki, Trela, & Mermelstein, 2017; Robertson et al., 2012) e tem sido associada aos problemas de uso de álcool, mesmo após controlar a quantidade de consumo do álcool e a frequência da embriaguez (Penning, McKinney, Bus, Olivier, Slot, & Verster, 2013; Piasecki et al., 2010; Robertson et al., 2012; Slutske et al., 2003).

Dado o estudo científico do constructo da ressaca ser recomendado internacionalmente (Verster et al., 2010) e, tanto quando é dado a conhecer, não existir nenhum instrumento de avaliação de ressaca psicometricamente estudado em Portugal, para além de alguns resultados preliminares no estudo de Pombo e Sampaio (2010), o presente trabalho tem como objetivo validar uma medida que possa avaliar de uma forma rigorosa e estandardizada a experiência da ressaca associada ao consumo do álcool.

Método

A análise das características psicométricas da ESR incluiu o seguinte procedimento: a tradução e retro-versão da escala, com revisão da equipa de investigação e de independentes com experiência na tradução de instrumentos similares, conhecimento da população em estudo e familiaridade com os procedimentos de recolha de dados. As versões finais foram asseguradas pelo consenso de todos os investigadores. Foi solicitada e concedida a autorização dos autores originais da escala para tradução e estudo das suas propriedades psicométricas (slutskew@missouri.edu ). A análise da consistência interna foi determinada através das correlações de cada item com a nota global corrigida para sobreposição e o coeficiente alfa de Cronbach. As correlações de cada item com a nota global corrigida para sobreposição discriminam os itens que têm um bom desempenho dos que têm um pior desempenho. Uma correlação elevada indica que o item mede o mesmo constructo que a nota final do questionário. A validade do constructo foi aferida através da Análise de Componentes Principais (ACP) e da correlação com outras medidas do mesmo constructo, neste caso, com a pontuação total da EEAA e com itens que avaliavam a frequência e os efeitos do consumo do álcool, nomeadamente o item 1 (“Com que frequência costuma tomar bebidas alcoólicas?”), o item 11 (“Qual o efeito mais importante que já teve com a bebida?”) e o item 12 (“Qual a maior consequência da bebida que já sentiu em toda a sua vida?”).

Participantes

Para o estudo foi abordada uma população estudantil em várias escolas secundárias do distrito de Lisboa. Aos adolescentes que concordaram em participar e completar o protocolo de avaliação, foi-lhes pedido que preenchessem um inquérito anónimo com perguntas sobre hábitos de consumo de substâncias, sobretudo o álcool e alguns sintomas que possam ter experimentado durante um episódio de ressaca. A amostra foi recolhida no âmbito do Projeto Boomerang, programa de educação pelos pares na área da saúde desenvolvido pela Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa (AEFML), nomeadamente pelo seu Departamento de Saúde Pública e Sexual (DSPS). Os participantes que cotassem numa categoria de consumo problemático do álcool de acordo com a escala de envolvimento com o álcool para adolescentes (EEAA) foram excluídos do estudo (N=7). Deste modo, foram incluídos 433 estudantes no estudo.

Material

Escala de Sintomas de Ressaca (ESR)

A HSS, desenvolvida por Slutske et al. (2003), avalia retrospetivamente a frequência (ao longo da vida ou no último ano) dos sintomas típicos de ressaca com base na memória das sensações vivenciadas nas manhãs depois de beber. Os itens incluem dor de cabeça, cansaço, dificuldade em dormir, náuseas, sede extrema ou desidratação, vómito, tremor, dificuldade de concentração, ansiedade, fraqueza, depressão, transpiração e sensibilidade ao som e à luz. É uma escala do tipo Likert de 13 itens que avalia a frequência da experiência de sintomas de ressaca na manhã depois de beber álcool, em que: (0 [Nunca] = 0% do tempo, 1 [Ocasionalmente] = cerca de 25% do tempo, 2 [Cerca de metade do tempo] = 50% do tempo, 3 [A maioria do tempo] = 75% do tempo, e 4 [Sempre que bebo álcool] = 100% do tempo). Vários estudos têm sustentado as suas qualidades psicométricas (Jackson, 2008; Piasecki et al., 2010, 2017; Robertson et al., 2012; Slutske et al., 2003).

Escala de Envolvimento com o Álcool para Adolescentes (EEAA)

A EEAA é um instrumento de auto-avaliação desenvolvido por Mayer e Filstead (1979) constituído por 14 questões que abordam e quantificam a relação do adolescente com o álcool. Na escala é avaliado a frequência, o período de consumo da última bebida alcoólica, as motivações para beber, tipo de bebida consumida, data e o contexto em que iniciaram o consumo, os efeitos produzidos pelo álcool, etc… A pontuação total máxima é de 79 pontos. Cada item tem entre 4 a 8 respostas de escolha múltipla. A EEAA foi adaptada para a população adolescente portuguesa por Fonte e Alves (1999). Todos os itens da escala têm um índice de discriminação elevado (> 0,71) e só um item apresenta uma correlação com pontuação total inferior a r= 0,43. Medidas de fiabilidade do questionário apresentam um coeficiente de alfa de cronbach de 0,887. Quanto à análise factorial, na sua validação inicial revela-se uma estrutura constituída por três factores, responsáveis por 58% da variância total (41,9% para o factor 1, 9,2% para o factor 2 e 7,1% para o factor 3) (Fonte & Alves, 1999).

Resultados

Breve caracterização da amostra

A amostra é constituída por 433 adolescentes a frequentar o ensino secundário, sendo que 48% frequentam o 10º ano, 23,8% o 11º ano e 28,2% o 12º ano. A média de idades foi de 16,1 anos (DP=1,2), a variar entre os 14 e os 19 anos, sendo 49,5% (N=215) do sexo masculino e 50,5% (N=218) do sexo feminino. Não se verificaram diferenças significativas no que se refere à variável sexo (p> 0,05). Relativamente à avaliação do consumo do álcool através da EEAA, verificou-se que os estudantes do sexo masculino apresentaram valores significativamente superiores, quando comparado com os estudantes do sexo feminino (F=4,9; p=0,003).

Análise psicométrica da ESR

Os sintomas de ressaca mais reportados da ESR, com pontuações acima dos 50%, foram: “Senti-me mais cansado do que o normal”, “Senti dor de cabeça”, “Senti-me desidratado”, “Senti-me mais sensível à luz ou ao som do que o normal”, “Tive dificuldade em me concentrar”, “Senti-me nauseado” e “Senti-me muito fraco”. Não se verificou uma relação estatisticamente significativa entre a pontuação total da ESR e as variáveis idade, escolaridade e sexo (p> 0,05).

Fiabilidade

No que respeita à fiabilidade avaliada através da consistência interna dos itens, verificou-se um coeficiente α de Cronbach de 0,86. A Quadro 2 sintetiza os valores médios e as correlações de cada item da sub-escala com a nota global corrigidas para sobreposição.

 

 

 

Análise de Componentes Principais (ACP) confirmatória

De forma a averiguar a adequação dos dados à análise factorial, foi analisada a matriz de correlações entre os itens e foi calculado a Medida Kaiser-Meyer-Olkin de adequação de amostra (KMO=0,828), tal como o valor da significância do Teste de esfericidade de Bartlett (p<0,001). Os resultados confirmam o ajuste dos dados ao método factorial e asseguram a prossecução da análise. Assim, foi realizada uma análise de componentes principais dos 13 itens da ESR. Verificou-se dois componentes principais com autovalores (eigenvalues) maiores que 1,0 (autovalores 4,9 e 1,6) que representavam 38,3% e 12,9% da variação total dos sintomas, respetivamente. Tal como no artigo original (Sluske et al., 2003), optou-se por um modelo de um fator em detrimento de um de dois fatores pelo facto de: a. os itens encontrarem-se todos significativamente interrelacionados (rs=0,19 a 0,64, todos ps<0,001); b. as cargas fatoriais serem uniformemente altas no modelo de um fator (isto é, a carga fatorial média foi de 0,60 e todas as cargas foram superiores a 0,48; ver Quadro 2); c. os componentes no modelo de dois fatores foram fortemente correlacionados um com o outro; d. o segundo componente não conta para uma grande parte da variância; e, e. os itens tiveram cargas modestas no segundo componente e cargas substanciais no primeiro componente. A solução fatorial explica 59,5% da variância total. O critério para inclusão dos itens nos respetivos fatores foi de um nível de saturação de carga superior a 0,40. As cargas factoriais da análise de componentes principais estão presentes no Quadro 2.

Validade

Calculou-se a relação entre o total da escala (constructo) com outras medidas do mesmo constructo, tendo em conta que a validade convergente avalia o grau em que duas medidas do mesmo conceito se correlacionam. Embora moderadas, observaram-se correlações significativamente positivas entre a pontuação total da ESR e a pontuação total da EEAA (r = 0,24; p<0,01), item 1 (r = 0,28; p<0,01), item 11 (r = 0,25; p<0,01) e item 12 (r = 0,24; p<0,01).

Discussão

Perante a inexistência de instrumentos que avaliem aquela que é, provavelmente, a principal morbilidade associada ao consumo excessivo do álcool nos adolescentes, a ressaca, procurámos neste estudo testar as propriedades psicométricas da ESR numa amostra de estudantes do ensino secundário. Considerando a população adolescente que mencionou já ter tido algum sintoma de ressaca associada ao consumo do álcool, os sintomas mais reportados na ESR foram os clássicos já conhecidos na literatura (Hogewoning et al., 2016; Plakht, Zlotnik, Aven, Engel, Am, & Ifergane, 2012; Penning, McKinney, & Verster, 2012; Robertson et al., 2012), designadamente, a desidratação, cansaço, cefaleia, náusea… A cotação positiva na maioria dos itens da ESR indica que fazem parte do domínio conceptual da ressaca e contribuem para a validade da medida. Consistente com investigações prévias, encontramos uma consistência robusta entre os itens da ESR e indicadores de validade convergente através da associação da ESR com a EEAA (Chavarria, Rueger, & King, 2018; Penning et al., 2013; Robertson et al., 2012; Slutske et al., 2003). O estudo da fiabilidade da ESR foi determinado pela apreciação da sua estrutura interna, sendo calculados os coeficientes α de Cronbach e as correlações de cada item da sub-escala com a nota global corrigidas para sobreposição. A ESR apresentou propriedades psicométricas adequadas de consistência interna, com um coeficiente α de Cronbach de 0,86 e as correlações de cada item da sub-escala com a nota global corrigidas para sobreposição a variar de 0,47 a 0,72, confirmando o desempenho adequado dos itens e certificando a inclusão dos itens no seu devido constructo. A análise de componentes principais dos 13 itens da escala ESR, que extraiu uma solução fatorial a explicar 59,5% da variância total, com cargas factorias superiores a 0,40, é consistente com os achados factorias anteriores (Chavarria et al., 2018; Slutske et al., 2003), que encontraram 2 eigenvalues acima de 1,0, o que indica a presença de 2 possíveis fatores. No entanto, o modelo de um fator foi escolhido pela pouca variação do segundo factor bem como pelas pontuações relativamente baixas dos itens que constituem o segundo factor (Chavarria et al., 2018; Slutske et al., 2003). As correlações significativas entre a ESR e a pontuação total da EEAA, item 1, item 11 e item 12, atestam a avaliação concomitante do constructo e por conseguinte a validade convergente do instrumento.

O estudo tem alguns pontos fortes a destacar, nomeadamente a diversidade da amostra em relação ao histórico de consumo do álcool e o tamanho de amostra. No entanto, algumas limitações são merecedoras de nota. Primeiro, a informação utilizada no estudo foi limitada a autorrelatos. Segundo, considerando que a amostra incluiu adolescentes no intervalo de idades entre as 14 e 19 anos de idade, deve existir alguma contenção na generalização dos resultados para populações jovens num intervalo de idades - 20s e 30s - em que os padrões de beber são geralmente diferentes, porventura mais acentuados. Terceiro, alguns dos itens da escala poderão ter tido pontuações relativamente baixas pelo estigma associado a alguns dos sintomas da ESR (ex. ansioso, deprimido) ou pela confusão com sintomas que configuram a síndrome de privação da doença alcoólica (ex. trémulo). Quarto, a informação retrospetiva está sempre sujeita a algum viés mnésico, especialmente quando se trata de recuperar a manhã seguinte após uma noite de consumo potencialmente excessivo do álcool. Quinto, o estudo apenas avaliou a versão da ESR para o período mais extenso que compreende o início dos hábitos de consumo do álcool até ao momento actual, não existindo dados sobre a segunda versão que contempla a aplicação da ESR referente ao último ano de consumo do álcool (Slutske et al., 2003). Sexto, a ESR pode não refletir adequadamente os sintomas essenciais da ressaca do álcool. Por exemplo, um estudo de Penning et al., (2012), numa amostra de 1,410 estudantes, observou que reportaram a presença de 49 potenciais sintomas de ressaca. Sétimo, não foi colhida informação que possibilitasse aferir eventuais flutuações temporais intraindividuais dos scores de gravidade da ressaca (sintomas) ao longo do dia (Verster et al., 2018).

Em conclusão, a “ressaca do dia seguinte” insurge-se como um conceito relevante e útil para o estudo da fenomenologia dos comportamentos alcoólicos na adolescência. Este estudo permitiu avaliar quantitativamente a “ressaca do dia seguinte” através da ESR, escala constituída por 13 itens e que avalia os sintomas da experiência de ressaca na manhã seguinte. A análise do ponto de vista psicométrico da ESR permite a utilização deste instrumento em futuras investigações com maior suporte científico.

 

REFERÊNCIAS

Chavarria, J., Rueger, S.Y., & King, A.C. (2018). Hangover in Post-College-Aged Drinkers: Psychometric Properties of the Hangover Symptom Scale (HSS) and the Hangover Symptom Scale-Short Form (HSS-5). Alcoholism: Clinical and Experimental Research, 42(6), 1122-1131. DOI: 10.1111/acer.13634.         [ Links ]

Epler, A. J., Tomko, R. L., Piasecki, T. M., Wood, P. K., Sher, K. J., Shiffman, S., & Heath, A. C. (2014). Does hangover influence the time to next drink? An investigation using ecological momentary assessment. Alcoholism: Clinical and Experimental Research, 38(5), 1461-1469. DOI: 10.1111/acer.12386.         [ Links ]

Fonte, A., & Alves, A. (1999). Uso da Escala de Envolvimento com o Álcool para Adolescentes (AAIS). Avaliação das características psicométricas. Revista da Sociedade Portuguesa de Alcoologia, VII. Acedido em http://anibalfonte.home.sapo.pt/AAIS.html.         [ Links ]

Hogewoning, A., Van de Loo, A., Mackus, M., Raasveld, S. J., De Zeeuw, R., Bosma, E. R., … Verster, J.C. (2016). Characteristics of social drinkers with and without a hangover after heavy alcohol consumption. Substance Abuse and Rehabilitation, 17(7), 161-167. DOI: 10.2147/SAR.S119361.         [ Links ]

Mayer, J. E., & Filstead, W. J. (1979). The Adolescent Alcohol Involvement Scale: an instrument for measuring adolescents´ use and misuse of alcohol. Journal of Studies on Alcohol and Drugs, 40(3), 291-300.         [ Links ]

Jackson, K. M. (2008). Heavy episodic drinking: determining the predictive utility of five or more drinks. Psychology of Addictive Behaviors, 22(1), 68-77. DOI: 10.1037/0893-164X.22.1.68.         [ Links ]

Plakht, Y., Zlotnik, Y., Aven, A., Engel, Y., Am, N. B., & Ifergane, G. (2012). Alcohol hangover symptoms are more common among smokers. Journal of Addiction Research & Therapy, 7(003), 1-4. DOI: 10.4172/2155-6105.S7-003.         [ Links ]

Penning, R., McKinney, A., & Verster, J. C. (2012). Alcohol hangover symptoms and their contribution to the overall hangover severity. Alcohol and Alcoholism, 47(3), 248-52. DOI: 10.1093/alcalc/ags029.         [ Links ]

Penning, R., McKinney, A., Bus, L. D., Olivier, B., Slot, K., & Verster, J. C. (2013). Measurement of alcohol hangover severity: development of the Alcohol Hangover Severity Scale (AHSS). Psychopharmacology, 225(4), 803-810. DOI: 10.1007/s00213-012-2866-y.         [ Links ]

Pombo, S., & Sampaio, D. (2010). After the booze comes the hangover: a perspective of alcohol consumption in young. Acta Médica Portuguesa, 23(6), 973-82.         [ Links ] PMID: 21627874

Piasecki, T. M., Slutske, W. S., Wood, P. K., & Hunt-Carter, E. E. (2010). Frequency and correlates of diary-measured hangover like experiences in a college sample. Psychology of Addictive Behaviors, 24(1), 163-169. DOI: 10.1037/a0017148.         [ Links ]

Piasecki, T. M., Trela, C. J., & Mermelstein, R. J. (2017). Hangover symptoms, heavy episodic drinking, and depression in young adults: a cross-lagged analysis. Journal of Studies Alcohol and Drugs, 78(4), 580-587. DOI: 10.15288/jsad.2017.78.580.         [ Links ]

Robertson, B. M., Piasecki, T. M., Slutske, W. S., Wood, P. K., Sher, K. J., Shiffman, S, & Heath, A. C. (2012). Validity of the Hangover Symptoms Scale: evidence from an electronic diary study. Alcoholism: Clinical and Experimental Research, 36(1), 171-177. DOI: 10.1111/j.1530-0277.2011.01592.x.         [ Links ]

Slutske, W. S., Piasecki, T. M., & Hunt-Carter, E. E. (2003). Development and initial validation of the Hangover Symptoms Scale: prevalence and correlates of hangover symptoms in college students. Alcoholism: Clinical and Experimental Research, 27(9), 1442-1450. DOI: 10.1097/01.ALC.0000085585.81711.AE.         [ Links ]

Swift, R., & Davidson, D. (1998). Alcohol hangover: mechanisms and mediators. Alcohol Health and Research World, 22(1), 54-60.         [ Links ]

Verster, J. C., Stephens, R., Penning, R., Rohsenow, D., McGeary, J., Levy D.,… & Young, M. (2010). The alcohol hangover research group consensus statement on best practice in alcohol hangover research. Current Drug Abuse Reviews, 3(2), 116-126. DOI: 10.2174/1874473711003020116.         [ Links ]

Verster, J. C., van Schrojenstein Lantman, M., Mackus, M., van de Loo, A., Garssen, J., & Scholey, A. (2018). Differences in the Temporal Typology of Alcohol Hangover. Alcoholism: Clinical and Experimental Research, 42(4), 691-697. DOI: 10.1111/acer.13610.         [ Links ]

World Health Organization (2014). Global Status Report on Alcohol And Health. World Health Organization Editor: World Health Organization ISBN: 978 92 4 156475 5

Wiese, J. G., Shlipak, M. G., & Browner, W. S. (2000). The alcohol hangover. Annals of Internal Medicine., 132(11), 897-289. DOI: 10.7326/0003-4819-132-11-200006060-00008.         [ Links ]

 

Recebido em 18 de Junho de 2019/ Aceite em 31 de Agosto de 2019

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons