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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.20 no.2 Lisboa Aug. 2019

https://doi.org/10.15309/19psd200212 

Sequelas e alterações neuropsicológicas em adolescentes com hiv por transmissão vertical

Sequels and neuropsychological impairment in adolescents with hiv by vertical transmission

Leopoldo Barbosa1, Laís Medeiros2, Edvaldo Souza3, Liliana Gonçalves1, Ítalo Gomes1, & Gabriela Finco

1Faculdade Pernambucana de Saúde - FPS. Departamento de Psicologia da FPS. Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP, Recife, Brasil, leopoldopsi@gmail.com, liraulino@hotmail.com, ibg.psico@gmail.com, Gabriela.finco@gmail.com

2Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL), Maceió, Brasil, laismoreiramedeiros@gmail.com

3Departamento de Medicina da FPS. Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP. Recife, Brasil, Edvaldo.s@fps.edu.br


 

RESUMO

Apesar da redução de casos de infecção pelo HIV por exposição vertical, este número ainda é considerado alarmante. Objetivou-se neste estudo descrever a prevalência de sequelas neurológicas e alterações neuropsicológicas em adolescentes com infecção pelo HIV por transmissão vertical acompanhados em um Serviço de Assistência Especializada em Recife/PE. Trata-se de um estudo transversal, no qual foram incluídos adolescentes de 10 a 19 anos infectados pelo HIV por transmissão vertical que estavam em uso de Tratamento Antirretroviral (TARV) há pelo menos um ano. Os dados foram coletados através de exame neurológico e a aplicação do Teste de Atenção Concentrada(TAC), Figuras complexas de Rey e subtestes da Escala de Inteligência Wechsler para crianças (WISC III - 06 a 16 anos) e do Wais III (>16 anos), Escala de Responsividade e Exigência Parental, Inventário de Depressão Beck (BDI) e Inventário de Ansiedade Beck (BAI). Utilizou-se o EpiInfo 3.5.1 para descrição e análise bivariada e multivariada (variáveis com p< .20). Os resultados do estudo apontam para a alta frequência de associação de alterações neurocognitivas e infecção pelo HIV, sendo necessário o estímulo para a formação de equipes multidisciplinares capacitadas para a detecção e tratamento precoces de tais alterações, quando ainda são passíveis de reversibilidade.

Palavras-chave: HIV, alterações neurológicas, alterações neuropsicológicas, adolescentes, reprovação escolar


 

ABSTRACT

Despite the reduction in cases of HIV infection from vertical exposure, this number is still considered alarming. The objective of this study was to describe the prevalence of neurological sequelae and neuropsychological impairment in adolescents with HIV infection by vertical transmission accompanied by a Specialized Care Service in Recife/PE. This is a cross-sectional study in which HIV-positive adolescents aged 10 to 19 years who had been on antiretroviral therapy (ART) for at least one year were enrolled. The data were collected through neurological examination and the application of the Concentrated Attention Test (CT), complex Rey figures and subtests of the Wechsler Intelligence Scale for children (WISC III - 06 to 16 years) and Wais III (> 16 years), Parental Responsibility and Demanding Scale, Beck Depression Inventory (BDI) and Beck Anxiety Inventory (BAI). EpiInfo 3.5.1 was used for bivariate and multivariate description and analysis (variables with p<.20). The results of the study point to the high frequency of association of neurocognitive changes and HIV infection, and it is necessary to stimulate the formation of multidisciplinary teams capable of early detection and treatment of these changes, when they are still subject to reversibility.

Keywords: HIV, neurological changes, neuropsychological changes, adolescents, school disapproval


 

A síndrome da imunodeficiência adquirida humana (AIDS) é uma pandemia global. Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas para aids - UNAIDS estima-se que em 2015, 36.7 milhões de pessoas no mundo eram portadoras do vírus HIV, sendo esse número 10% maior do que em 2010 e notavelmente maior que em 1990, isso demonstra seu caráter crescente e preocupante (UNAIDS, 2016). De acordo com o Ministério da Saúde, desde 1980, quando foi diagnosticado o primeiro caso de aids no Brasil, até 2017 foram identificados um total de 882.689 casos, destes, 17.304 foram detectados em crianças de 0 a 12 anos e 11.079 em adolescentes de 13 a 19 anos, sendo a transmissão vertical responsável por aproximadamente 83,4% destes casos (Secretaria de Vigilância em Saúde, 2017).

A transmissão vertical pode ocorrer durante a gestação, o parto ou pela amamentação. O HIV penetra precocemente no sistema nervoso central (SNC) e seu acometimento pode representar a manifestação inicial da AIDS em até 18% das crianças infectadas, sendo mais comum nos casos de transmissão vertical (Tardieu et al., 2000). A prevalência das complicações neurológicas em crianças infectadas com HIV varia de 8% a mais de 60%, destacando-se o atraso do desenvolvimento neurocognitivo como complicação mais frequente (Nozyce, 2006). As crianças, quando comparadas aos adultos, apresentam maior comprometimento do SNC no HIV, apresentando assim com mais frequência quadro de encefalopatia pelo HIV e sequelas neurológicas (Tardieu et al., 2000).

O atraso no desenvolvimento mental e físico em crianças jovens infectadas por transmissão vertical que tiveram encefalopatia pelo HIV é bem documentado (Rocha et al., 2005; Willen, 2006). Acredita-se que este comprometimento quando ocorre antes dos 4 meses de vida, continua durante a idade pré-escolar e se manifesta como atraso global ou seletivo no desenvolvimento neurológico trazendo prejuízo para a qualidade de vida (Smith, 2006).

Desde 1996 quando se iniciou o uso generalizado da terapia antirretroviral (TARV) combinada, obteve-se uma significativa queda na mortalidade e aumento da sobrevida dos pacientes com HIV/Aids (Matilda & Marcopito, 2002). As crianças infectadas com o vírus HIV passaram a sobreviver em média 10 anos conferindo à infecção uma evolução crônica (Nozyce, 2006). Estudos conduzidos na era pós-TARV demonstraram uma melhora no desenvolvimento cognitivo entre as pessoas infectadas pelo HIV que estavam sob tratamento com este esquema (Cohen & Gongvatana, 2009; Patel et al., 2009).

Os efeitos da infecção pelo HIV no desenvolvimento biopsicossocial e neurológico podem variar de leve a severo (Wolters & Brouwers, 1998). Dentre as alterações mais observadas podemos citar retardo do desenvolvimento neuropsicomotor, microcefalia, hiporreflexia, alterações da fala, das funções executivas de memória e visual (Baillieu & Potterton, 2008; Roy, Geoffroy, Lapointe, & Michaud, 1992). Estudos mostram que tanto crianças expostas, quanto infectadas, assintomáticas ou sintomáticas, podem apresentar déficit no desenvolvimento neurológico (Bisiacchi, Suppiej, & Laverda, 2000). O impacto diferencial está relacionado a múltiplos fatores que influenciam na expressão individual do vírus em cada criança, como por exemplo carga viral, CD4, idade de contaminação e início de tratamento (Willen, 2006). Além destes, fatores biopsicossociais como doença crônica na família, falta de apoio ou separação familiar e baixa renda econômica podem trazer consequências, como sintomas de depressão, ansiedade e abandono escolar, interferindo na qualidade de vida dos adolescentes HIV positivos (Smith, 2006).

Através dos resultados obtidos em um estudo realizado no IMIP, que teve como objetivo avaliar a qualidade de vida de 49 adolescentes de 10 - 19 anos, no período de 2006-2007, observou-se que em geral os adolescentes apresentam altos escores dos cinco domínios de qualidade de vida em saúde. Contudo, o menor escore foi no domínio de função social e escolar. Adicionalmente, pôde-se observar que 89,8% frequentavam escola, 51% tinham historia de reprovação escolar e 28,6% eventual abandono escolar. Entretanto, não se avaliou se estes resultados se devem a alterações neurológicas causadas pela doença ou por influência dos fatores biopsicossociais (Souza, Santos, Valentini, Silva, & Falbo, 2010).

O objetivo deste trabalho é dar continuidade a investigação do tema, verificando a ocorrência de sequelas neurológicas e alterações neuropsicológicas em adolescentes com infecção pelo HIV por transmissão vertical sobreviventes de longa duração e avaliar a ocorrência de fatores risco.

Método

Participantes

A população estudada foi composta por 42 pacientes que estavam em acompanhamento no SAE-HD e que preenchiam os seguintes critérios de inclusão: Adolescentes (10 a 19 anos - segundo a Organização Mundial de Saúde), infectados pelo HIV por transmissão vertical, que faziam acompanhamento no HD do IMIP e estavam em uso de TARV há pelo menos um ano (período mínimo para avaliação de efeitos do tratamento e reinserção psicossocial). Foram excluídos do estudo adolescentes que: adquiriram HIV por via sexual ou por sangue contaminado, faziam uso de medicação controlada para doenças psiquiátricas ou possuíam sequela neurológica incapacitante.

Material

Foi construído um formulário de pesquisa e as variáveis coletadas foram: idade, gênero, raça, procedência, renda familiar per capta, escolaridade do participante, história de reprovação e/ou abandono escolar (caracterizado por ausência as aulas escolares por mais de um mês independentemente da causa), cuidador, mudança de cuidador, nível de escolaridade do cuidador atual, idade no momento do diagnóstico e de início da TARV, estágios clínico e imunológico (definidos pelo CDC) e carga viral imediatamente prévia ao início da TARV e mais recente nos últimos 3 meses, escore de penetração da TARV no SNC e esquema de primeira TARV utilizada e em uso no momento da pesquisa, troca de esquema terapêutico, encefalopatia (caracterizado pelo atraso no desenvolvimento neuropsicomotor) e prematuridade.

Foi aplicada a Escala de responsividade e exigência parental para avaliar o nível de responsividade e exigência parental de mães e pais, o Inventário de Depressão Beck (Beck Depression Inventory) e Inventário de Ansiedade Beck (Beck Anxiety Inventory)., além do testes de Atenção Concentrada para avaliar atenção e memória, Figuras complexas de Rey (orientação viso-espacial, percepção, planejamento e função motora) e subtestes do Wisc III (06 a 16 anos) e do Wais III (16 anos acima), todos aplicados por estudantes de psicologia capacitados após treinamento. Foi também realizado exame neurológico com o objetivo de detectar sequelas neurológicas que podiam ter passado despercebidas no dia-a-dia.

Procedimento

Foi realizado um estudo do tipo corte transversal, durante o período de agosto de 2010 a março de 2011 no Serviço de Assistência Especializada (SAE) e Hospital-Dia (HD) do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), Recife/PE, centro de referência nacional e estadual para doenças de alta complexidade e para o tratamento de crianças, adolescentes e adultos com infecção pelo HIV/Aids.

Foi construído um banco de dados e realizada dupla entrada no programa EpiInfo 3.5.1 para verificar as incoerências, uma vez feita a correção dos dados foi realizada descrição, análise bivariada (para cálculo de associação entre variáveis categóricas de exposição e desfecho foi utilizado o teste de qui-quadrado ou exato de Fisher e para variáveis de exposição contínuos com desfecho categórico o teste de ANOVA, com nível de significância < .05) e elaborada as tabelas de distribuição de frequência.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do IMIP número e todos os pacientes menores que de 18 anos que foram convidados a participar da pesquisa assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido, bem como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os maiores de 18 ou pelo responsável pelo adolescente participante da pesquisa

Resultados

Durante o período do estudo, 70 adolescentes que adquiriram HIV por transmissão vertical faziam acompanhamento no Serviço de Atenção Especializada do IMIP e 44 foram convidados a participar do estudo. Dois foram excluídos. Um, por possuir sequela neurológica grave e incapacitante e, outro, por possuir patologia psiquiátrica em uso de medicação. Ao final do recrutamento, 42 pacientes participaram da pesquisa.

Em relação as variáveis biológicas e sociodemográficas obtivemos que 26 (61,9%) adolescentes eram do gênero feminino e 34 (81%) eram pardos. A idade mediana do momento do diagnóstico foi de 2,8 anos ( 1º quartil: 0,94 ; 3º quartil:4,4 ), sendo a idade média no momento da pesquisa de 13,6 anos (mín.-10,6 e máx.18,1). Em relação a procedência, 36 (85,7%) moravam na região metropolitana do Recife, e 32 (78,5%) possuíam no momento do estudo renda familiar per-capita menor que meio salário mínimo, sendo a mediana 170,00 reais (1º quartil:133,33; 3º quartil: 225,00). Quinze (35,7%) participantes recebiam auxílio doença como benefício do governo.

Em relação a escolaridade dos adolescentes, 40 participantes eram alfabetizados, 1 cursava o jardim e 1 estudava em escola com ensino especial. Dos 40 alfabetizados, 15 (37,5%) cursavam até a 4ª série do ensino fundamental, sendo a média quinta série (min.- segunda série e max.- nono ano). Adicionalmente, 21(50%) já haviam tido reprovação escolar, 16 (38,1%) repetiram apenas um ano escolar, 4 (9,5%) repetiram dois anos escolares e 1 (2,4%) repetiu três anos escolares. Quanto a frequência escolar, todos estavam frequentando a escola, porém 9 (21,4) já haviam abandonado a escola por pelo menos um mês devido a internamento hospitalar.

Dos 42 pacientes participantes da pesquisa, 26 (61,9%) não possuíam a mãe biológica viva e 23 (54,8%) não possuía o pai biológico vivo. Em relação ao cuidador, 40 (95,2%) moravam com parentes biológicos e 2 (4,8%) moravam com parentes não biológicos. Houve mudança de cuidador em 21(50%) dos casos, destes 15 (71,4%) devido a morte do primeiro cuidador. Em relação ao nível de escolaridade dos cuidadores atuais, 28 (66,6%) estudaram menos de 8 anos, destes, 5 (11,9%) nunca estudaram.

Em relação ao estágio clínico da infecção pelo HIV imediatamente prévio ao início da primeira TARV, 19 (45,2%) participantes apresentavam-se com sinais/sintomas leves, 10 (23,8%) com sinais/sintomas moderados e 5 (11,9%) com sinais/sintomas graves, sendo classificados, de acordo com a classificação do CDC, como estágio A, B e C, respectivamente. Quanto ao estágio imunológico prévio ao inicio da primeira TARV, 23 (54,8%) foram classificados como imunodeficiência moderada e 9 (21,4%) como grave, de acordo com a classificação do CDC. A mediana da carga viral imediatamente prévia ao início da primeira TARV foi de 124.000 cópias de RNA do HIV (5,093 log10) /ml de plasma (1º quartil: 54.500; 3º quartil: 630.000). A média de tempo do diagnóstico da doença foi de 10,2 (mín.-1,1 e máx.-16,4) anos e a média do tempo de uso de TARV foi de 9,8 anos (min.-1 e máx.-16,2).

Do total de participantes, 40 (95,2%) tiveram como primeiro esquema de TARV dois inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos (ITRN) associado a um inibidor da transcriptase reversa não análogo de nucleosídeo (ITRNN), sendo o esquema de drogas zidovudina (AZT) + lamivudina (3TC) + nevirapina (NVP) o mais utilizado representando 10 (23,8) participantes, um teve como primeiro esquema monoterapia (AZT) e um terapia dupla (AZT + DDI). O escore de penetração do SNC da primeira TARV foi baixo em 1 (2,4%) paciente, intermediário em 5(11,9%) e alto em 36 (85,7%) de acordo com a escala de Letendre at al. modificada (Patel et al., 2009). Em relação ao escore de penetração do esquema TARV que estava sendo utilizado durante o período da pesquisa foi alto em 41 (97,6%) pacientes e intermediário em um (2,4%) paciente. Houve troca de TARV devido a falha terapêutica em 24 (57,1%) pacientes, em 15 (35,7%) devido a intolerância e/ou toxidade e em 24 (57,1%) devido a falha virológica terapêutica. Trinta e um (73,8%) participantes da pesquisa estavam em sucesso terapêutico com carga viral indetectável nos últimos 3 meses do momento da pesquisa. Quarenta (95,2%) estavam assintomáticos do ponto de vista clínico e 39 (92,9%) não apresentavam deficiência imunológica.

Nenhum dos participantes da pesquisa apresentava história e/ou estavam em tratamento para epilepsia. Dos entrevistados, 3 (7,1%) disseram usar drogas lícitas e nenhum relatou uso de drogas ilícitas. Dois (4,8%) pacientes tinham história de prematuridade, 1 (2,4%) de neurotoxoplasmose e 15 (35,7%) de atraso do desenvolvimento neuropsicomotor.

Na avaliação neurológica, 2 (4,8%) tiveram o exame neurológico alterado, ambos apresentavam alterações motoras com diminuição do grau de força, hiporreflexia e pares cranianos sem alterações. À escala de exigência e responsividade parental, 22 (52,4%) responderam a escala em relação a cuidador não biológico e em 23 (54,8%) os estilos parentais observados foram do tipo autoritário (elevada responsividade e exigência). A aplicação do Inventário de Depressão Beck mostrou que 34 (81,0%) adolescentes apresentavam depressão mínima, 4 (9,5%) leve, 3 (7,1%) moderada e 1 (2,4%) grave. Em relação a ansiedade o Inventário de Ansiedade Beck mostrou que 21(59,5%) adolescentes apresentavam ansiedade mínima, 11 (26,2%) leve, 4 (9,5%) moderada e 1 (2,4%) grave. Do total de 33 adolescentes que realizaram o teste de atenção concentrada (TAC), este foi considerado abaixo da média esperada em 29 (87,8%) casos. A reprodução da figura complexa de Rey foi feita de maneira insatisfatória para idade em 30/33 (78,7%) participantes e a interpretação da Escala de Inteligência Wechsler para crianças (WISC) mostrou que 20/27 (74%) participantes tiveram resultados abaixo da média esperada para idade.

Na análise bivariada (Quadro 1) foi evidenciado associação com significância estatística para as variáveis de exposição/desfechos: abandono escolar/ reprovação ; troca de TARV/TAC ; estágio clínico no diagnóstico/encefalopatia e procedência/Figuras complexas de rey.

 


(clique para ampliar ! click to enlarge)

 

Foi encontrada associação com significância estatística entre as variáveis de exposição idade de diagnóstico e tempo de TARV com variável de desfecho sucesso à TARV atual. Quanto mais alto nível de carga viral antes da primeira TARV, maior a frequência de depressão na escala de BDI e quanto menor a renda familiar per capita, maior a frequência de médias abaixo do esperado para idade. Adolescentes com estágio imunológico 1 e 2 tiveram maior frequência de WISC abaixo da média esperada para idade . Quanto mais tardio foi o diagnóstico, maior foi o índice de reprovação e quanto menor a escolaridade, maior a frequência de desempenho abaixo da média esperada para idade.

Não foi possível obter qualquer associação de fatores de risco com a ocorrência de sequelas neurológicas devido ao pequeno número de alterações neurológicas encontradas nos pacientes do estudo.

Discussão

As características sócio demográficas dos pacientes incluídos neste estudo seguem as características da população atendida no IMIP e perfil epidemiológico da infecção pelo HIV/AIDS no Brasil. Observamos predomínio de pacientes do gênero feminino, da raça/cor parda, com baixa condição socioeconômica, procedentes de região metropolitana e com baixa escolaridade (Secretaria de Vigilância em Saúde, 2017; Souza et al., 2010).

Segundo a Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP), analisando o desempenho do conjunto dos adolescentes que possuem baixa renda e estão inseridos no sistema de ensino escolar, sobressaem a elevada defasagem entre a série cursada e a idade dos estudantes. A defasagem série/idade resulta da complexa combinação de fatores intra e extraescolares que incidem no ingresso tardio e nas sucessivas reprovações, abandonos e reingressos na escola (Grupo Técnico para Elaboração de Propostas de Políticas para Adolescentes de Baixa Escolaridade e Baixa Renda, 2002). De acordo com Censo Escolar realizado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), a taxa média de distorção idade-série no ensino fundamental em Pernambuco no ano de 2009 foi de 38,4%. No presente estudo observamos que 15 (37,5%) adolescentes cursavam até o quinto ano fundamental, mesmo todos tendo mais de 10 anos de idade, o que se encontra abaixo da média recomendada pelo Ministério da Educação do Brasil onde as crianças e adolescentes entre 10 a 14 anos, devem cursar o segundo segmento do ensino fundamental - do sexto até o nono ano (Ministério da Educação do Brasil, 2011). Em relação à reprovação escolar, 21 (50%) dos adolescentes já haviam sido reprovados pelo menos uma vez e abandonado a escola por pelo menos um mês em 9 (21%) casos, resultados consistentes com estudo realizado no mesmo serviço em 2007, onde a frequência de reprovação foi de 51% e de abandono escolar de 28,6% (Souza et al., 2010). Dado semelhante também foi obtido em outro estudo realizado por Mialky e colaboradores (Mialky, Vagnoni, & Rutstein, 2001). Neste trabalho foi encontrado relação com significância estatística (p<.05) entre o número de abandono escolar com reprovação escolar, onde dos 9 que abandonaram a escola, 8 tiveram reprovação escolar, uma das possíveis explicação para esta associação pode ser devido a dificuldade de aprendizado e acompanhamento dos assuntos pelos adolescentes que não comparecem as aulas.

Foi observado na pesquisa um elevado número de mudança de cuidador, onde 21 (50%) adolescentes já haviam mudado de cuidador, somente 20 (47,6%) tinham como cuidador a mãe ou o pai biológico. Entretanto, apesar da heterogeneidade do perfil dos cuidadores (avós, tios, primos), na análise do teste de Exigência e Responsividade parental foi possível observar que 23 (54,8%) adolescentes classificaram seus cuidadores como autoritários. Este tipo de estilo parental equilibra níveis de exigência e responsividade do cuidador em relação a criança ou adolescente que recebe os cuidados, sendo o estilo que mais se aproxima de aspectos reconhecidos como positivos para o desenvolvimento dos adolescentes (Costa, Teixeira, & Gomes, 2000; Teixeira, Bardagi, & Gomes, 2004).

Em relação ao início da terapia antirretroviral, a maioria dos pacientes era lactentes e encontravam-se em classificação clínica do CDC A (sinais e sintomas leves) e imunológica 2 (imunodeficiência moderada). A indicação de tratamento nesta fase e a escolha e uso de esquema antirretroviral inicial seguem as recomendações do programa nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde, que indica o uso de 2 ITRN + 1 INTNN como 1ª escolha de tratamento para pacientes menores de 3 anos de idade (Secretaria de Vigilância em Saúde, 2009). Este esquema terapêutico, recomendado desde 1996, está relacionado com uma redução na frequência de encefalopatia, pois promove uma penetração efetiva no SNC evitando assim maiores comprometimentos da função cerebral (Mitchell, 2006; Patel et al., 2009). Entretanto, no Brasil a encefalopatia pelo HIV continua presente em cerca 25% dos pacientes que são submetidos à autópsia. Esta taxa não foi alterada pela TARV (Christo, 2010). Nesse estudo foi possível observar uma elevada incidência de encefalopatia - 15 (35,7%) adolescentes. A associação entre encefalopatia e estágio clínico antes da TARV, mostrou significância estatística, onde pacientes que apresentavam sintomas graves por início da TARV apresentaram maior frequência de encefalopatia. Esta correlação já é bem descrita na literatura (Mitchell, 2006; Patel et al., 2009; Rocha et al., 2005).

Em relação a prevalência das sequelas neurológias e alterações neuropsicológicas, foi possível observar alteração no exame neurológico em 2(4,8%) adolescentes. Os dois exames alterados foram compatíveis com alterações causadas pelo HIV e/ou outras infecções SNC associadas, o que não nos possibilita afirmar a real causa da alteração. A baixa frequência de sequelas neurológicas físicas encontrada nesse estudo pode não representar a real proporção da população devido ao pequeno número de pacientes participantes do estudo. Em relação a cognição, foi encontrado uma elevada frequência - 20/27 (74%) - de déficit significativos de atenção e memória, orientação viso-espacial, percepção, planejamento e função motora, pois a maioria dos participantes apresentaram-se abaixo do nível médio inferior de inteligência, o que sugeriu certo comprometimento cognitivo. Estudos apontam para uma elevada frequência de déficit cognitivo leve em adolescentes com HIV por transmissão vertical e que estes déficits podem ser responsáveis pelo baixo rendimento escolar. Um estudo de coorte multicêntrico sobre a aids (MACS) (Koekkoek, de Sonneville, Wolfs, Licht, & Geelen, 2008), encontrou uma prevalência maior de déficit cognitivo em adolescentes que tinham menos anos de estudos, sugerindo que a baixa educação reflete indiretamente em uma baixa capacidade cognitiva, principalmente nos casos de infecção precoce pelo HIV (Satz, 1993). Além disso, os aspectos socioeconômicos e culturais têm um grande peso nessa interpretação. Um estudo apontou que quando comparado a alunos de escola particular, alunos na escola pública apresentam pontuação significativamente mais baixa (Santos & Cavalini, 2011). Esses dados corroboram para os efeitos deletérios do HIV direto sobre o SNC, o que também já foi demonstrado em outros estudos (Koekkoek et al., 2008; Rocha et al., 2005; Smith, 2006). Nos adolescentes, porém, acredita-se que as alterações cognitivas ainda sejam subestimadas e os dados encontrados nos novos estudos alertam o médico assistente para detecção precoce de alterações neuropsicológicas possibilitando assim a intervenção precoce, visto que esses efeitos deletérios já estão bem estabelecidos em adultos se manifestando na forma de demência causada pelo HIV (Christo, 2010; Grupo Técnico para Elaboração de Propostas de Políticas para Adolescentes de Baixa Escolaridade e Baixa Renda, 2002; Smith, 2006; Souza et al., 2010; Teixeira et al., 2004).

Para finalizar, foi analisado também a prevalência de depressão e ansiedade nos adolescentes participantes do estudo. Os dados obtidos mostraram uma prevalência de 4 (9,5%) de depressão e 5 (12,2%) de ansiedade. Um estudo realizado por Lee e colaboradores, em 2007, demonstrou que sintomas depressivos e o risco de depressão foram menores entre os adolescentes infectados pelo HIV por transmissão vertical em comparação com controles pareados, demonstrando assim uma baixa prevalência de depressão e ansiedade em adolescentes com HIV, assim como foi descrito nesse trabalho (Lee, Chhabra, & Oberdorfer, 2011). Entretanto, um estudo realizado em Recife com adolescentes de escola públicas e privadas apontaram para prevalência maior de sintomas depressivos e de ansiedade em 59,9% e 19,9%, respectivamente. A divergência de dados pode ser justificada pelo tipo de escala utilizada, pelo numero de entrevistado e pelo perfil dos adolescentes. Mais estudos com foco no tema devem ser realizados para esclarecer a real prevalência e necessidade de cuidados especiais.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 09 de Fevereiro de 2018/ Aceite em 30 de Maio de 2019

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