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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.19 no.3 Lisboa dez. 2018

https://doi.org/10.15309/18psd190321 

Sintomatologia depressiva e regulação emocional em pacientes com doença de crohn e retocolite ulcerativa

Depressive symptomatology and emotional regulation in patients with crohn’s disease and ulcerative colitis

Mariana Siqueira Menezes1, André Faro1

Universidade Federal de Sergipe, Centro de Educação e Ciências Humanas, Departamento de Psicologia. Aracaju, SE, Brasil.


 

RESUMO

A presente pesquisa investigou a sintomatologia depressiva e aspectos relativos à regulação emocional em pacientes com Doenças Intestinais Inflamatórias (DII), especificamente: a Doença de Crohn e a Retocolite Ulcerativa. Participaram 63 indivíduos, que responderam a um questionário sociodemográfico e clínico, ao Questionário de Regulação Emocional e à escala Center for Epidemiologic Studies Depression - Revised. Quanto aos resultados, viu-se que o diagnóstico positivo para sintomatologia depressiva foi de 52,4%. Os fatores associados a maiores chances para sintomatologia de depressão foram: idade entre 36 e 49 anos, formação acadêmica média ou superior, ter Retocolite Ulcerativa, conviver com os sintomas da doença há mais de cinco anos, ter tido crise inflamatória no último ano, ter se submetido a procedimentos cirúrgicos para tratamento e sofrer com outras doenças crônicas. Quanto à regulação emocional, pontuações mais baixas na subescala de Reavaliação Cognitiva e mais altas na subescala de Supressão Emocional foram relacionadas às chances aumentadas para depressão. Com os achados desta pesquisa, verificou-se a ocorrência de sintomas depressivos em pacientes com DII em uma proporção acima da metade da amostra, além de que se constataram relações significativas entre o perfil sociodemográfico, o clínico e a regulação emocional com a depressão. Vale destacar que uma peculiaridade deste estudo foi a avaliação da relação entre depressão e a regulação emocional, sendo, então, uma contribuição à Psicologia da Saúde em interface com a Proctologia.

Palavras-Chave: doenças inflamatórias intestinais, depressão, regulação emocional, doença de crohn, retocolite ulcerativa


 

ABSTRACT

This study investigated the depressive symptomatology and aspects related to emotional regulation in patients with Inflammatory Bowel Disease (IBD), specifically Crohn’s disease and ulcerative colitis. Participants were 63 subjects who answered a sociodemographic and clinical questionnaire, the Emotional Regulation Questionnaire and the Center for Epidemiologic Studies Depression - Revised scale. We found that the positive diagnosis for depressive symptomatology was 52.4%. Factors associated to the diagnosis were: age between 36 and 49 years old, high-school or graduate level, having ulcerative colitis, diseases’ history of more than five years, having had an inflammatory crisis in the last year, having underwent surgical procedures for treatment, and suffer from other chronic diseases. On the emotional regulation, lower scores in the Cognitive Reassessment subscale and higher scores in Emotional Suppression were related to increased chances for depression. With the findings of this research, we found an occurrence of depressive symptoms in patients with IBD in a proportion above a half of the sample, as well as we detected there were significant relationships between sociodemographic profile, clinical profile and emotional regulation and depression. Finally, it is worth mentioning that the main peculiarity of this study was the evaluation of the relationship between depression and emotional regulation, which means a positive contribution to Health Psychology in interface with Proctology.

Keywords: inflammatory bowel diseases, depressionm emotional, regulation, crohn’s disease, ulcerative colitis


 

As Doenças Inflamatórias do Intestino (DII) são condições inflamatórias crônicas que resultam no mau funcionamento do aparelho intestinal. Suas formas mais comuns são a Doença de Crohn (DC) e a Retocolite Ulcerativa (RCU). A DC diz respeito a uma inflamação que afeta qualquer parte do trato gastrointestinal, podendo, em sua forma severa, haver formações de fistulas e abcessos. Já a inflamação característica da RCU atinge a mucosa retal e pode se estender para o cólon, e, em casos mais graves, provocar hemorragias e úlceras (Ferraz, 2016; Sajadinejad, Asgari, Molavi, Kalantari, & Adibi, 2012).

O desconhecimento acerca das prevalências e incidências das DII em todo o mundo é uma realidade, mas o que se sabe é que as maiores taxas têm se concentrado nos países desenvolvidos (Ponder & Long, 2013). Atualmente tem crescido a ocorrência dessas doenças também em países nos quais antes eram consideradas raras (Cosnes, Gower-Rousseau, Seksik, & Cortot, 2011). O Brasil é um desses países e, embora a prevalência das DII ainda seja baixa, ela tem aumentado consideravelmente com o passar dos anos (Ferraz, 2016).

Importa destacar que no Brasil alguns fatores dificultam a estimativa da prevalência e incidência das DII, a exemplo da reduzida realização e publicação de estudos sobre DII e o atraso diagnóstico, o que contribui para que muitas vezes sejam confundidas com quadros de infecção intestinal ou diarreia (Souza, Belasco, & Aguilar-Nascimento, 2008). Devido a isso, a maioria dos estudos empíricos realizados no país não descrevem as taxas de prevalência e/ou incidência. Uma exceção é o trabalho não tão recente de Victoria, Sassak e Nunes (2009), realizado em São Paulo, que encontrou a prevalência da DC em 14,81 e da RCU em 22,61 a cada 100.000 habitantes. Quanto à epidemiologia das DII, parece haver consenso apenas com relação à faixa etária. Há um pico de incidência dos 15 aos 35 anos e um segundo pico dos 50 aos 70 anos. A etiologia dessas doenças ainda é desconhecida, embora se saiba que as causas parecem estar ligadas a fatores genéticos e ambientais, tais como maus hábitos alimentares e desnutrição (Cosnes et al., 2011; Ponder & Long, 2013).

As DII se caracterizam por períodos de crise e de remissão. As principais manifestações físicas durante os períodos de crise são diarreia, dor abdominal, febre e sangramento retal, mas esses sintomas podem estar presentes em menor intensidade nos períodos de remissão (Sajadinejad et al., 2012). Além das consequências físicas, a DC e a RCU provocam mudanças psicológicas e sociais (Searle & Bennett, 2011), interferindo negativamente na qualidade de vida e reduzindo os níveis de bem-estar (Souza, Barbosa, Espinosa, & Belasco, 2011). Portanto, essas doenças exigem que o indivíduo se ajuste à nova realidade e busque desenvolver algum nível favorável de reajustamento psicológico (Pais-Ribeiro et al., 2010; Searle & Bennett, 2011).

Fatores psicológicos exercem grande influência no curso das DII e na capacidade de adaptação do indivíduo. Através do estudo de aspectos emocionais, a psicologia da saúde trabalha para melhorar o ajustamento face às doenças inflamatórias a fim de que se possa enfrentar da melhor forma as limitações que essas doenças impõem e desfrutar de melhores condições de vida e saúde (Gouveia & Ávila, 2010; Pais-Ribeiro et al., 2010). A capacidade de Regulação Emocional (RE) diz respeito a processos psicológicos que capacitam os indivíduos a influenciarem, controlarem e modificarem suas próprias emoções (Freire & Tavares, 2011). A RE possui duas estratégias básicas: Reavaliação Cognitiva e Supressão Emocional. A Reavaliação Cognitiva é a busca por mudar o significado de uma situação considerada estressora, reinterpretando-a de maneira menos negativa e, consequentemente, alterando também o seu impacto emocional. A Supressão se trata da tentativa de inibir qualquer expressão externamente observável da emoção sentida pelo indivíduo (John & Gross, 2004; Silva & Freire, 2014).

Embora ambas as estratégias sejam importantes, a Reavaliação Cognitiva tem se revelado uma estratégia mais bem sucedida em comparação à Supressão, tendo sido relacionada com diminuição de emoções negativas, maior experiência e expressão de emoções positivas, satisfação com a vida e menor ocorrência de psicopatologias. A estratégia de supressão, por sua vez, tem se revelado associada ao comprometimento da memória e a transtornos mentais (Dixon-Gordon, Aldao, & De Los Reyes, 2015).

Estudos têm encontrado alta prevalência de depressão entre os pacientes com DII e seus efeitos parecem exacerbar os sintomas da doença, rebaixar a atividade imunológica e aumentar a resposta inflamatória, além de diminuir a adesão ao tratamento (Falcão & Martinelli, 2016; Hauser, Janke, Klump, & Hinz, 2011). Por outro lado, as DII, devido a sua condição crônica, são capazes de intensificar a depressão. As complicações físicas da doença, tais como diarreias e sangramentos; e as implicações psicológicas e sociais, como constrangimentos sociais e profissionais, parecem facilitar o surgimento de depressão (Mikocka-Walus, Knowles, Keefer, & Graff, 2016).

Portanto, parece que o acometimento de indivíduos com DII pela depressão é frequente e que os sintomas depressivos são capazes de agravar a DC e a RCU (Mikocka-Walus et al., 2016). Acredita-se, assim, que a compreensão do funcionamento da RE em pacientes com DII pode contribuir para o entendimento sobre a ocorrência de sintomas depressivos, pois se a capacidade de RE estiver prejudicada e esse mecanismo psicológico não funcionar de maneira adequada, podem ocorrer alterações psicológicas capazes de desencadear sintomas de depressão (Gouveia & Ávila, 2010). Além disso, o uso da estratégia de supressão emocional tem sido identificado como um potencial fator de risco para a depressão (Aldao, Nolen-Hoeksema, & Schweizer, 2010). Entretanto, mesmo havendo hipóteses e evidências a respeito da influência de aspectos emocionais em quadros clínicos de DII, não foram encontrados estudos brasileiros relacionando a RE com a DC ou RCU.

Diante do exposto, a presente pesquisa teve como objetivo investigar a ocorrência de depressão e aspectos relativos à RE em pacientes com DC e RCU, atendidos no Ambulatório de Coloproctologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe.

Método
Participantes

Participaram 63 pacientes com Doenças Inflamatórias Intestinais (DC e RCU), de ambos os sexos e idade entre 18 e 70 anos, que aguardavam atendimento no ambulatório de coloproctologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe. A amostragem foi por conveniência e acidental. Foram excluídos da pesquisa pacientes com idade inferior a 18 anos e superior a 70 anos, aqueles cujo diagnóstico não correspondia à DC ou RCU e os que se demonstraram incapazes para compreender e/ou responder às questões. Antes da coleta propriamente dita, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi explicado aos pacientes, que atestaram a concordância mediante assinatura. Atendendo às exigências éticas, a presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Sergipe (Registro CAAE: 63173516.2.0000.5546).

Material

Empregou-se um questionário para a obtenção de dados sociodemográficos, constando: idade (inicialmente em anos e depois tricotomizada em de 18 a 35 anos, de 36 a 49 anos e de 50 a 70 anos), sexo (feminino e masculino), cor de pele (amarela, branca, indígena, parda, preta ou outra), escolaridade (analfabeto ou semialfabetizado, fundamental, médio, superior), renda familiar (mensal), status de relacionamento conjugal [solteiro(a), casado(a), divorciado(a), viúvo (a) ou outro) e ocupação (apenas estuda, apenas trabalha, estuda e trabalha ou não tem ocupação]. Também foram coletados dados clínicos, a saber: diagnóstico (se é portador de Doença de Crohn ou Retocolite Ulcerativa), tempo que convive com a doença (tempo de diagnóstico em anos e/ou meses), quando foi a última vez que teve alguma crise ligada à doença, se a doença estava ativa/crise ou inativa/não crise no momento da entrevista, se já passou por algum procedimento cirúrgico para tratar da doença e se possuía outras doenças crônicas além da DII.

Aplicou-se o Questionário de Regulação Emocional (QRE) (Emotion Regulation Questionnaire), traduzido e adaptado para o Brasil por Batistoni, Ordonez, Silva, Nascimento e Cachioni (2013). O QRE avalia duas estratégias de Regulação emocional: supressão emocional e reavaliação cognitiva. Dos dez itens da escala, quatro medem a supressão e seis medem a reavaliação. As respostas variam de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente).

Para avaliação de sintomas depressivos foi utilizada a versão da escala Center for Epidemiologic Studies Depression - Revised (CESD-R), de Eaton, Muntaner, Smith, Tien e Ybarra (2004). Ela consiste em 20 itens sobre humor, sintomas somáticos, interações com os outros e funcionamento motor. Trata-se de uma escala Likert cujas opções de resposta são baseadas em uma frequência de dias considerando como a pessoa se sentiu ou se comportou durante a semana anterior. O ponto de corte é a partir de 16 pontos, o que indica a presença de sintomatologia significativa do transtorno depressivo.

Análise de dados

Os dados foram analisados por meio do programa SPSS (versão 20). Após a análise descritiva, todas as variáveis, exceto idade que foi tricotomizada, foram dicotomizadas e, com base na média encontrada, foram produzidos escores dicotômicos para as variáveis reavaliação cognitiva (≤ 31 e > 31 pontos) e supressão emocional (≤ 18 e > 18 pontos). Para a depressão, considerando o ponto de corte de 16 pontos, criaram-se os estratos: sem sintomatologia depressiva (≤ 16 pontos) e com sintomatologia depressiva (> 16 pontos).

Na análise inferencial foi executada uma análise de Regressão Logística (método Enter). É necessário esclarecer que a regressão foi executada mediante a multiplicação da quantidade de casos por 10, tendo em vista o reduzido número de casos e problemas para a realização da análise na condição original. A depressão foi classificada como variável dependente e as demais funcionaram como variáveis explicativas em três blocos (o primeiro com variáveis sociodemográficas, o segundo com as variáveis clínicas e o terceiro com as estratégias de regulação emocional).

Resultados
A maior parte da amostra foi de mulheres (66,7%; n = 42). A idade dos entrevistados variou de 18 a 70 anos e a média foi de 42 anos (Desvio Padrão [DP] = 14,66). Por faixas etárias, 34,9% dos participantes (n = 22) tinham idade entre 18 e 35 anos, 31,7% (n = 20) de 36 a 49 anos e 33,3% (n = 21) entre 50 e 70 anos. A maioria declarou ter cor de pele não branca (76,2%; n = 48), possuir formação média ou superior (55,6%; n = 35), receber até cinco salários mínimos (90,5%; n = 57), manter relacionamento estável (55,6%; n = 35) e não estar trabalhando ou estar apenas estudando (68,3%; n = 43).

No que tange as variáveis clínicas, 65,1% (n = 41) eram portadores de DC e 34,9% (n = 22) de RCU. Apenas 3,2% (n = 20) estavam em crise no momento da entrevista, sendo que 96,8% (n = 61) estavam em período de remissão. A maioria nunca passou por procedimento cirúrgico (60,3%; n = 38) e não possuía outras doenças crônicas, além da DC ou RCU (63,5%; n = 40).

Os participantes marcaram, em média, 18 pontos na escala de depressão (M = 18,4; DP = 14,98). Considerando-se o ponto de corte de 16 pontos, 52,4% (n = 33) receberam o diagnóstico de rastreamento positivo para sintomatologia depressiva. A pontuação média na escala de Regulação Emocional foi de 31,0 (DP = 6,33) e 18,0 pontos (DP = 6,10) para as estratégias de Reavaliação Cognitiva e Supressão Emocional, respectivamente. A maioria pontuou acima da média na subescala de Reavaliação (61,9%; n = 39), ao passo que na Supressão a frequência foi praticamente a mesma: 50,8% (n = 32) pontuaram igual ou abaixo da média e 49,2% (n = 31) acima da média.

Os valores indicados pelos testes da Regressão Logística mostraram que o modelo final obtido foi satisfatório [-2LL final = 715,433, Omnibus test = 156,503 (p < 0,001), Nagelkerke R = 0,294]. A solução final foi capaz de prever corretamente 75% dos casos pesquisados, o que também é considerado satisfatório. Os resultados descritivos e da regressão constam na Quadro 1.

 

 

Tendo-se a depressão como variável dependente, dentre os três blocos gerados na análise, apenas três variáveis não se mostraram associadas à sintomatologia depressiva (p > 0,05): sexo, status de relacionamento e ocupação. Dentre as variáveis com significância estatística, viu-se que os entrevistados com RCU apresentaram quase duas vezes mais chances de ter depressão do que os pacientes com DC (O.R. = 1,7). Aqueles com idade entre 36 e 49 anos (O.R. = 3,5) e os que tinham formação média ou superior (O.R. = 5,1) também demonstraram mais chances para depressão.

No que concerne ao tempo de doença, aqueles que conviviam com os sintomas da DII há mais de cinco anos (O.R. = 2,7) demonstraram maiores chances para a presença de sintomatologia depressiva. O mesmo para os indivíduos que tiveram crise no último ano (O.R. = 3,3) e os que já foram submetidos a procedimentos cirúrgicos para tratar das DII (O.R. = 1,7). Aqueles que eram portadores de outras doenças crônicas, além das DII, exibiram cerca de duas vezes mais chances para depressão (O.R. = 2,3) do que àqueles que não tinham outras doenças crônicas. Por fim, os pacientes que pontuaram mais baixo na subescala de Reavaliação Cognitiva demonstraram maior chance de depressão (O.R. = 1,5) e os pacientes que pontuaram mais alto na subescala de supressão emocional revelaram quase cinco vezes mais chances de depressão quando comparados aos que pontuaram abaixo da média (O.R. = 4,7). Os resultados da análise de regressão constam na Quadro 1.

Discussão
O objetivo principal deste estudo foi investigar a ocorrência de depressão e aspectos relativos à RE em pacientes com DII. Com relação ao perfil da amostra, no que diz respeito ao sexo, viu-se a predominância de mulheres dentre os participantes da pesquisa. Na literatura, estudos indicam que não há dominância de sexo quando as DII são avaliadas em conjunto (Oliveira, Emerick, & Soares, 2010), ainda que existam pesquisas realizadas no Brasil que também encontraram mais mulheres dentre portadores de DII.

Uma pesquisa com resultados semelhantes ao desta, realizada no Nordeste brasileiro, também obteve maior percentagem de mulheres (70%) (de Barros, da Silva, & Lins Neto, 2014). Outra pesquisa, desenvolvida por Delmondes et al. (2015), também verificou maior ocorrência de mulheres (65,0%). Vale salientar que tanto esta pesquisa, como as demais citadas, contou com técnicas de amostragem por conveniência e/ou acidental. Logo, mesmo que a literatura aponte a homogeneidade entre os sexos, nesta e na outra pesquisa mencionada foi mais comum encontrar mulheres dentre os pacientes com DII.

Outro dado interessante desta pesquisa diz respeito ao diagnóstico, pois a quantidade de pacientes com DC (n = 41) foi quase o dobro da de pacientes com RCU (n = 22). Também em se tratando do diagnóstico, os resultados de uma pesquisa conduzida no estado de Alagoas (Brasil) foram similares aos presentes achados, uma vez que o total de pacientes com DC (67,5%) foi superior ao de pacientes com RCU (32,5%) (de Barros et al, 2014). Em outros estudos brasileiros tal proporção parece não ser comum, pois costuma ser mais alta para a RCU (Salviano, Burgos, & Santos, 2007). Sobre sua prevalência no mundo, embora ambas as doenças estejam a crescer, há evidências de que a DC tem se tornado cada vez mais frequente (Cosnes et al., 2011) e, talvez, isso ajude a compreender os dados então obtidos.

Quanto à média de RE obtida neste estudo, a amostra pontuou mais alto na subescala de reavaliação cognitiva. Tal achado revela que parte da amostra costuma reinterpretar os eventos estressores em suas vidas de maneira mais positiva, o que aumenta a possibilidade de vivenciar mais emoções positivas e de reduzir o impacto de acontecimentos desagradáveis (Silva & Freire, 2014). Alves (2016), utilizando o QRE, encontrou a média para reavaliação na população geral em 27,95 e de 14,46 para supressão. Desta forma, estes resultados se assemelham aos da presente investigação, tendo em vista que aqui a pontuação na subescala de reavaliação cognitiva foi superior (M = 31,0) à pontuação na escala de supressão emocional (M = 18,0).

A despeito de se ter utilizado o ponto de corte de 16, a média de sintomatologia depressiva obtida nesta pesquisa foi de 18 pontos. Dentre os poucos estudos brasileiros que utilizaram a CESD, Batistoni, Néri e Cupertino (2010), em uma população de idosos, identificaram a pontuação média de 10,2 pontos. Apesar de Batistoni et al. (2010) terem avaliado uma população diferente e de não terem aplicado a escala revisada, a versão utilizada por eles também abrange três fatores (afetos negativos, humor deprimido e perda de prazer em atividades, e dificuldades de iniciar comportamentos), sugerindo a possibilidade de comparação e a indicação de que entre os pacientes com DII, o escore médio pode ser mais alto. Um exemplo de pesquisa cujos achados reforçam a relação entre sintomatologia depressiva e RE é a investigação de Alves (2016). Em seu levantamento, a depressão e a RE foram avaliadas em brasileiros e foi utilizada a mesma medida de RE aqui aplicada. Nele, a reavaliação cognitiva se mostrou correlacionada negativamente com a depressão, ao passo que a supressão emocional esteve positivamente correlacionada.

Na regressão logística foram detectados sintomas significativos de depressão em participantes de idade entre 36 e 49 anos, com três chances e meia a mais que os de outras faixas etárias. Embora os resultados aqui encontrados representem um grupo específico que é o de pacientes com DII, os achados desta pesquisa parecem estar de acordo com o que se espera para a população geral, ou seja, mais casos entre adultos e idosos (Regan, Kearney, Savva, Cronin, & Kenny, 2013). Todavia, interessa ressaltar que o acometimento de DII dos 36 aos 49 anos não é comum. Isso significa que apesar de não ser frequente o desenvolvimento de DII em pessoas com essa idade, quando essas doenças ocorrem, maiores são as chances de depressão.

A relação entre escolaridade e depressão exibiu a maior razão de chances dentre todas as variáveis analisadas, chegando a ser cinco vezes maior a chance para aqueles com a escolaridade média ou superior. Porém, tal dado não está de acordo com o que tem sido achado em outros estudos, pois a literatura tende a mostrar que os índices de depressão são mais elevados em pessoas de baixa escolaridade (Baker, Leon, Greenaway, Collins, & Movit, 2011; Coelho et al, 2013). Logo, ainda que a literatura aponte que um maior nível de instrução acadêmica protege da depressão, os achados desta pesquisa divergem do que está geralmente estabelecido. Considerando esse dado discrepante, acredita-se que a relação entre escolaridade e sintomas depressivos em pessoas com DII deve ser estudada de modo mais minucioso, uma vez que podem influenciar, por exemplo, a adesão ao tratamento.

No que tange às variáveis clínicas, sobre o fato de os pacientes com RCU exibirem quase duas vezes mais chances de apresentarem sintomas depressivos, sabe-se que a DC e a RCU são condições clínicas distintas, mas com curso e manifestações dos sintomas de caráter similar (Ferraz, 2016). As diferenças descritas pelos autores de trabalhos nessa temática geralmente se resumem ao local de acometimento e aos tipos de lesões características de cada doença. Porém, há indícios de que a DC é uma doença mais agravante e dolorosa que a RCU (Salviano et al., 2007). Assim, ainda que não se tenha identificado a existência de algo que torne a RCU mais limitante que a DC, os resultados desta pesquisa indicaram que pode haver algo peculiar à vivência da RCU que torna o indivíduo mais suscetível à depressão.

Os resultados ainda indicaram que sofrer de outras doenças crônicas, além das DII, aumenta as chances de depressão. Conviver com mais de uma doença crônica tende a trazer implicações negativas e pode repercutir na ocorrência de sintomas depressivos, já que multiplica limitações e prejuízos para a saúde (Pais-Ribeiro, 2010). Similar ao que fora aqui encontrado, Boing et al. (2012) detectaram que há uma razão de prevalência de 2,25 para a depressão em pessoas com duas ou mais doenças crônicas em relação às pessoas sem doença crônica. Com efeito, a prevalência de depressão em pessoas com maior número de doenças crônicas parece ser mais elevada em comparação àquelas que convivem com apenas uma doença crônica.

Em situações de adoecimento crônico, é esperado que os prejuízos e implicações aumentem com o passar do tempo e, assim, quanto maior for o tempo de convivência com a doença, mais a pessoa sofrerá com os prejuízos associados (Pais-Ribeiro et al., 2010). Com os pacientes que sofrem com as DII, viu-se que conviver com elas por mais de cinco anos aumentou as chances para depressão. Acredita-se que isso pode ter ocorrido porque essas doenças, além de crônicas, são progressivas. Desse modo, os efeitos cumulativos das DII, em longo prazo, podem sobrecarregar a capacidade de adaptação à doença e fragilizar o indivíduo emocionalmente, podendo levar ao aumento do risco para depressão (Oliveira et al., 2010).

Os pacientes que tiveram a última crise em até um ano se mostraram mais vulneráveis à depressão do que àqueles que tiveram crise há mais de um ano. A respeito disso, sabe-se que em períodos de crise inflamatória a saúde mental é mais prejudicada em comparação a quando os sintomas estão em remissão (Falcão & Martinelli, 2016). Nessa perspectiva, acredita-se que os efeitos das crises podem ser capazes de repercutir por algum tempo após a sua ocorrência (até um ano após a agudização) e que, de algum modo, durante esse tempo o risco para a ocorrência de sintomas de depressão é maior.

Ter se submetido a procedimento cirúrgico para tratar das DII também trouxe quase duas vezes chances mais altas para depressão. Quanto às cirurgias, os pacientes com DC ou RCU eventualmente precisam se submeter a algum procedimento cirúrgico para controlar a progressão da doença (Santos, Martins, & Oliveira, 2014) e, usualmente, cirurgias são situações geradoras de dor, tensão e temor (Rodrigues, Furuya, Dantas, & Dessotte, 2016). Ainda de acordo com Rodrigues et al. (2016), devido a todo o estresse próprio das cirurgias, sintomas de depressão são comuns, o que se coaduna com os achados desta investigação e mostra que ser submetido a uma ou mais cirurgias para tratar a DII revela maior relação com sintomatologia depressiva.

Quanto aos aspectos relativos à RE, sabe-se que é um processo psicológico importante para entender a ocorrência de sintomas depressivos (Duarte, Matos, & Marques, 2015). Uma vez que se é acometido por alguma das DII, esse mecanismo psicológico favorece o ajustamento à nova condição e deve trabalhar para a manutenção da sua adaptação (Dixon-Gordon et al., 2015). Nesta pesquisa, pontuar abaixo da média na escala de reavaliação cognitiva demonstrou maior chance para depressão. Tal resultado foi ao encontro do que se sabe a respeito da relação entre reavaliação cognitiva e depressão, visto que o uso mais fraco da estratégia considerada a mais adaptativa tende a se constituir como risco para depressão. Por outro lado, o maior uso da estratégia protege da depressão e reduz a frequência e intensidade dos sintomas (Aldao et al., 2010; Duarte et al., 2015). A reavaliação cognitiva influencia a maneira como as pessoas se comportam frente a situações significativas e favorece o controle de como irão experienciar suas emoções. Essa estratégia de regulação emocional pode promover circunstâncias vantajosas para portadores de doenças crônicas e ajudar a lidar com a sobrecarga emocional que essas doenças implicam (de Macedo & Sperb, 2013; Silva & Freire, 2014). Esse achado pode funcionar como parâmetro para intervenções clínicas que visem o desenvolvimento dessa habilidade psicológica capaz de auxiliar no manejo de respostas emocionais negativas que interferem na condição clínica de pacientes com DII.

A respeito da estratégia de supressão emocional, as pessoas que pontuaram acima da média apresentaram quase cinco vezes mais chances para sintomas depressivos, sendo, então, o mais notável preditor psicológico da presença de sintomas de depressão em pacientes com DC ou RCU. Tal constatação corrobora com o que tem sido defendido por diferentes autores, uma vez que o uso da estratégia de supressão geralmente contribui para o desenvolvimento e agravamento da depressão (Dixon-Gordon et al., 2015; Duarte et al., 2015). Isso ocorreria por que a supressão prejudica a expressão das emoções, mas não inibe a vivência das mesmas. Isto é, tende a funcionar como uma tentativa geralmente frustrada de lidar com o impacto de uma experiência que causa sofrimento. De modo geral, suprimir emoções não permite que a pessoa indique aos outros quais são suas reais necessidades, sobretudo emocionais, o que pode interferir em suas relações interpessoais e no próprio bem-estar (Zanon, Bastianello, Pacico, & Hutz, 2013). A supressão também pode estar ligada a uma avaliação mais negativa da vida e a sentimentos de inferioridade (Silva & Freire, 2014). Assim, segundo o que se viu aqui, o uso da estratégia de supressão exerceu mais forte influência sobre a ocorrência de sintomas depressivos (isso em comparação com a reavaliação cognitiva), posto que sua razão de chances foi bem alta.

Em suma, mediante os achados desta pesquisa, verificou-se que a ocorrência de sintomas depressivos em pacientes com DII parece ser significativa. Constataram-se relações significativas entre o perfil sociodemográfico, o clínico e a RE com a depressão, com destaque para a relação entre sintomas de depressão com o nível de escolaridade e com o uso mais frequente da estratégia de supressão emocional, pois tais fatores exibiram maior razão de chances, revelando-se como os principais fatores de risco para pontuar mais alto na escala de depressão.

Uma limitação desta pesquisa diz respeito à quantidade reduzida de pacientes que participaram do estudo, pois tornou necessário aplicar uma constante para viabilizar a análise de regressão logística. Apesar de os indicadores de validade da regressão não terem revelado que tal vulnerabilidade fora suficiente ao ponto de invalidar o modelo logístico, deve-se considerar que esta limitação deve ser minimizada em futuros estudos com uma proposta similar. Outra limitação diz respeito a diferença no número de pacientes com DC e RCU, que pode ter surgido em virtude do método de amostragem, que foi acidental. Julga-se pertinente realizar tal ponderação, visto que coincidentemente pode ter acontecido de mais pacientes com DC terem procurado o serviço durante o período da coleta, não representando, necessariamente, a realidade da prevalência das doenças.

Finalmente, entende-se que a realização desta investigação acerca das DII no Nordeste brasileiro é uma importante contribuição, ao passo que existe uma deficiência de estudos sobre DII nessa região. Ademais, uma peculiaridade deste estudo foi a avaliação da relação entre depressão e RE, pois parece não haver pesquisas que avaliem essa relação entre pacientes com DII no cenário acadêmico brasileiro. Trata-se, então, de uma contribuição na área da Psicologia da Saúde em interface com a Proctologia, voltada a aspectos psicológicos ainda pouco estudados nas DII, mas que parecem exercer influência na exacerbação dos sintomas e dos processos inflamatórios.

 

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Recebido em 21 de Julho de 2017/ Aceite em 29 de Outubro de 2018

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