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Psicologia, Saúde & Doenças

versión impresa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.19 no.3 Lisboa dic. 2018

https://doi.org/10.15309/18psd190314 

Implicações do transtorno de estresse pós-traumático no trabalho: uma revisão bibliográfica narrativa

Implications from post-traumatic stress disorder in work: a narrative bibliographic review

Bianca Gadini1, Edward Júnior1, Marianne Feijó1

1Departamento de Psicologia, Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru, SP, Brasil, edward.goulart@unesp.br, marianne.r.feijo@unesp.br


 

RESUMO

O artigo trata do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), com foco em prevenção, encaminhamento e ações de cuidado com a saúde dos trabalhadores nas organizações. Foi realizada revisão bibliográfica narrativa nas bases de dados Scielo e BVS-Psi, do período de 2002 a 2017, com o cruzamento dos descritores estresse pós-traumático e trabalho, para compreensão do tema. Verificou-se um déficit de textos abordando esse assunto; entretanto, foi possível compreender a vulnerabilidade de trabalhadores em atividades de alta periculosidade e em frequente contato com a violência e com a morte. Sintomas do TEPT e consequências para o trabalhador e para as organizações também puderam ser estudados, o que resulta em necessidade de ampliar as informações sobre saúde mental e TEPT nas organizações, as políticas e ações de prevenção de adoecimento de trabalhadores e os protocolos de encaminhamento e de enfrentamento da TEPT quando identificada no trabalho. O investimento em programas de saúde e qualidade de vida do trabalhador por parte das organizações torna-se importante para a diminuição do quadro de TEPT do trabalhador.

Palavras-chave: transtorno de estresse pós-traumático, saúde mental e trabalho, revisão bibliográfica


 

ABSTRACT

This article treats of the post-traumatic stress disorder (PTSD), focusing on the prevention, referral and care actions to the workers’ health in organizations. A narrative bibliographic review in Scielo and BVS-Psi databases was done, embracing the 2002-2017 period, with a crossing of the “post-traumatic stress” and “work” descriptors, for understanding this issue. It was verified a lack of texts concerning this theme; however, it was possible to understand the vulnerability of workers who exercise high-risk activities, which frequently expose them to violence or death. PTSD symptoms and its consequences to workers and organizations could also be studied, resulting in a need of increase information about mental health and PTSD in the organizations, policies and actions to prevent illness of workers and protocols of referral and coping PTSD when this disease is identified in work. Investment in programs of health and life quality for workers by organizations is important to reduce PTSD on workers.

Keywords: post-traumatic stress disorder, mental health and work, bibliographic review


 

A partir da segunda década do século XX, o mundo do trabalho passou por acentuadas transformações. O sistema produtivo e os processos de trabalho nas grandes indústrias passaram a ser calcados na produção em massa, por meio da linha de montagem e fabricação de produtos, da produção em série e pela fragmentação das funções da força de trabalho. Com a chegada do século XXI e da era da globalização, o trabalho sofreu outras transformações, não menos profundas, devido principalmente ao acelerado desenvolvimento tecnológico. Na contemporaneidade, o trabalhador precisa ter um conjunto de conhecimentos e habilidades mais refinados,atuando em um ambiente cada vez mais tecnológico, instável e dinâmico. Esse cenário coloca em destaque os processos de seleção de pessoal nas organizações na atualidade.

Muitas práticas de seleção de pessoas têm sido pautadas em idealizações, como a definição de conjuntos de competências pouco consistentes, na elaboração do que se chama de “perfil do candidato”. Rodrigues e Ferreira (2011) explicam que o perfil traçado para o trabalhador contemporâneo apresenta contradições e incompatibilidades de comportamento, considerando que o indivíduo precisa ser, ao mesmo tempo, competitivo e cooperativo, individualista e capaz de trabalhar em equipe, tomar iniciativa e conformar-se às regras. Essas expectativas exageradas e contraditórias estão presentes nos ambientes atuais de trabalho, podendo gerar fortes tensões e conflitos.

O trabalho é um importante meio de socialização e, no Brasil, destaca-se como significativo fator de inclusão, se considerados os índices de desemprego e de acesso à renda e à autonomia financeira. Além disso, quando valorizado socialmente e realizado em boas condições, o trabalho afeta positivamente aspectos físicos, psíquicos e sociais do trabalhador; é fonte de qualidade de vida (Cardoso, Feijó & Camargo, 2018). No entanto, o trabalho pode trazer acentuadas consequências negativas à saúde e bem-estar do trabalhador, sobretudo quando este se depara com ambientes hostis e altamente competitivos.

Políticas de gestão com foco exclusivo em produtividade (como se essa não tivesse relação com o bem-estar do trabalhador), propagação dos perfis e exigências acima expostos, má condução de eventos e precária gestão de fatores estressores no trabalho geram sentimentos de insegurança, e até de inutilidade, influenciando no adoecimento e no desempenho do indivíduo. Com isso, doenças ocupacionais vêm se expandindo e, entre elas, são frequentes os transtornos mentais e do comportamento, oriundos das relações de trabalho (Cardoso et al., 2018).

Os transtornos mentais prejudicam as pessoas em todos os âmbitos da sua vida, ou seja, na compreensão delas mesmas e dos outros, na possibilidade de autocrítica e de autoavaliação, na tolerância aos problemas e na possibilidade de ter prazer na vida em geral, minimizando a qualidade desta.

Para Bárbaro, Robazzi, Pedrão, Cyrillo e Suazo (2009), esses transtornos são definidos como um agrupamento de sinais e de sintomas associados a alterações de funcionamento sem origem conhecida, e resultam da soma de vários aspectos que perturbam o equilíbrio emocional da pessoa. Segundo o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), os transtornos mentais ocupam a terceira posição entre as causas de concessão de benefícios previdenciários (Ministério da Saúde, 2016). Dorigo e Lima (2007) explicam que o único transtorno mental cuja relação direta e causal com o trabalho é admitida por estudiosos atuantes no campo da saúde mental e do trabalho, independentemente da filiação teórica, é o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT).

Schestatsky, Shansis, Ceitlin, Abreu e Hauck (2003) propuseram revisão histórica e apontaram que, antes de ser conhecido como TEPT, tal transtorno era chamado de “neurose traumática”, nomenclatura que foi utilizada pela primeira vez pelo neurologista alemão Herman Oppenheim, com conotação somente orgânica. Os autores explicam que entre 1889 e 1920 Pierri Janet levantou a proposição de que quando as pessoas experimentavam “emoções veementes”, suas mentes não conseguiam assimilá-las, o que gerava as memórias da experiência traumática, e estas permaneciam dissociadas. Assim, Pierri defendeu que as consequências do trauma não eram apenas orgânicas, e, somente em 1941, em meados da Segunda Guerra Mundial, Abram Kardiner publica o livro “As Neuroses Traumáticas de Guerra” em que ocorre a definição do que é o transtorno de estresse pós-traumático. Ainda segundo os autores, em 1970, os psiquiatras Chaim Shatan e Robert J. Lifton coletaram os dados apresentados durante a Segunda Guerra, estudaram Kardiner e listaram os 27 sintomas mais comuns do TEPT, que entraram no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais III (DSM-III). Freud também tratou das “neuroses de guerra” em artigos que chamaram a atenção para mecanismos de defesa de militares em combate (Freud, 1996a; 1996b)

Atualmente o DSM-V (2014) e o CID 10 (1997) definem o Transtorno de Estresse Pós-Traumático como uma reação a uma situação ou a um evento estressante, excepcionalmente ameaçador ou catastrófico que pode aparecer imediatamente após o evento ou, depois de período de latência, tanto nas vítimas sobreviventes como em alguém próximo a elas ou aos que prestaram socorro.

O DSM-V (2014) lista uma relação de sintomas decorrentes do TEPT, a saber: (a) lembranças intrusivas angustiantes, recorrentes e involuntárias do evento traumático; (b) sonhos angustiantes recorrentes nos quais o conteúdo e/ou o sentimento do sonho estão relacionados ao evento traumático; (c) reações dissociativas (p. ex., flashbacks) nas quais o indivíduo sente ou age como se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente; (d) sofrimento psicológico intenso ou prolongado ante a exposição a sinais internos ou externos que simbolizem ou se assemelhem a algum aspecto do evento traumático; (e) reações fisiológicas intensas a sinais internos ou externos que simbolizem ou se assemelhem a algum aspecto do evento traumático; (f) evitação ou esforços para evitar recordações, pensamentos ou sentimentos angustiantes acerca de ou associados de perto ao evento traumático; (g) evitação ou esforços para evitar lembranças externas (pessoas, lugares, conversas, atividades, objetos, situações) que despertem recordações, pensamentos ou sentimentos angustiantes acerca de ou associados de perto ao evento traumático; (h) incapacidade de recordar algum aspecto importante do evento traumático; (i) crenças ou expectativas negativas persistentes e exageradas a respeito de si mesmo, dos outros e do mundo; (j) cognições distorcidas persistentes a respeito da causa ou das consequências do evento traumático que levam o indivíduo a culpar a si mesmo ou os outros; (k) estado emocional negativo persistente (p. ex., medo, pavor, raiva, culpa ou vergonha); (l) interesse ou participação bastante diminuída em atividades significativas; (m) sentimentos de distanciamento e alienação em relação aos outros; (n) incapacidade persistente de sentir emoções positivas; (o) comportamento irritadiço e surtos de raiva (com pouca ou nenhuma provocação) geralmente expressos sob a forma de agressão verbal ou física em relação a pessoas e objetos; (p) comportamento imprudente ou autodestrutivo; (q) hipervigilância; (r) resposta de sobressalto exagerada; (s) problemas de concentração e (t) perturbação do sono.

O DSM V informa que para se ter o diagnóstico de TEPT é preciso que pelo menos dois dos sintomas da relação descrita persistam por mais de um mês e levar à invalidação parcial ou total do funcionamento social, ocupacional e em áreas importantes na vida da pessoa. Além disso, tais sintomas não podem estar ligados ao efeito fisiológico de outras substâncias que estão sendo utilizadas pela pessoa. Segundo o DSM V, esses sintomas devem ser olhados com mais cautela quando a pessoa acabou de passar por um luto, perda financeira, doença crônica ou conflitos conjugais. Alguns fatores como condições materiais e socioeconômicas desfavoráveis, baixo grau de escolaridade, exposição anterior a trauma, adversidades na infância, aspectos culturais, status de minoria e história psiquiátrica familiar podem colaborar para o desenvolvimento do TEPT.

Segundo o Ministério da Saúde (2001), o TEPT pode estar relacionado com o trabalho quando o trabalhador sofre algum evento traumático e estressante em decorrência do exercício desse trabalho, como, por exemplo, um acidente ou outra situação em que ocasione forte impacto emocional.

No que se refere ao diagnóstico do TEPT, Figueira e Mendlowi (2003) explicam que, para que o diagnóstico seja feito, clínicos e pacientes precisam superar diversas barreiras de comunicação, pois o não falar do acontecimento é um de seus sintomas. Para os autores, o TEPT pode, muitas vezes, ser confundido com uma crise de ansiedade ou de estresse agudo, cujos sintomas podem ser passageiros, ou seja, perduram enquanto agentes estressores estiverem presentes e assim que esses estressores forem de alguma forma superados, o quadro sintomatológico desaparece. Segundo Assunção (2003), tratando-se de distúrbios psíquicos desencadeados ou produzidos pelo trabalho, que ainda são pouco reconhecidos, as dificuldades são ampliadas considerando que os efeitos do trabalho sobre a saúde do trabalhador são, em muitos casos, silenciosos e não apreendidos pelo saber estritamente médico. Entretanto, Sbardelloto, Schaefer, Justo e Kristensen (2011) explicam que o TEPT é o quarto transtorno mais comum, atingindo cerca de 6,8% da população geral.

Tendo em vista a importância de se conhecer com mais propriedade o TEPT e suas consequências, como também a crescente presença dos transtornos mentais e de comportamento no ambiente ocupacional na atualidade, o presente trabalho objetiva, a partir de uma revisão bibliográfica narrativa, discutir sobre as implicações do TEPT para trabalhadores e organizações de trabalho.

Segundo Cordeiro, Oliveira, Rentería e Guimarães (2007), a revisão bibliográfica narrativa apresenta uma temática mais aberta, não partindo de uma questão específica bem definida e não exigindo um protocolo rígido para sua confecção.

Método
Para o desenvolvimento da revisão bibliográfica proposta, foram consultadas as bases de dados SCielo e BVS-Psi, onde foram encontrados 14 artigos e uma tese de doutorado sobre o tema, restringindo-se a publicações nacionais, publicados no período entre 2002 e 2017. Os descritores utilizados para a busca de textos foram: estresse pós-traumático e trabalho. Dos textos encontrados, nove foram utilizados para o propósito do trabalho já que apresentavam, mesmo que de forma sucinta, a relação entre o TEPT e o trabalho.

Resultados
O Quadro 1 apresenta os textos encontrados na pesquisa e que foram utilizados nessa revisão, seus autores e o ano de publicação. Deles, três representaram estudos de casos individuais, sendo dois sobre pessoas que trabalhavam em bancos e um sobre o desenvolvimento de TEPT em um vigilante de uma organização. Em três artigos, o TEPT foi adquirido após um assalto. Outros três artigos são revisões, duas sobre a literatura com o foco no envolvimento do TEPT com empregos de alta periculosidade e um a respeito de TEPT e atividades profissionais em geral. Foi relatado um estudo descritivo a respeito de todos os transtornos mentais, apontando como o TEPT apresenta maior incidência, segundo estudo realizado na Bahia. Um artigo abordou a história do Transtorno, desde seu início como “neurose traumática” até as concepções do DSM IV. O último artigo teve como objetivo estimar a prevalência de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e investigar se variáveis ocupacionais que estão associadas a esse desfecho em bombeiros de Belo Horizonte.

 

 

Todos os textos apresentaram uma definição básica das características do TEPT e como ele afeta o trabalho. Entretanto, em três textos, o foco principal do artigo não foi a relação entre TEPT com o trabalho, mas sim, discorrem sobre os transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho de maneira geral.

O texto de Schaefer, Lobo e Kristensen. (2012) foi o único que abordou sobre a dificuldade do diagnóstico de TEPT e de fazer a relação desse diagnóstico com as relações do trabalho. Quatro dos artigos que foram revisados relacionavam o TEPT com trabalhos de alta periculosidade ou que possuíam responsabilidades acerca da vida de terceiros como bombeiros, enfermeiros e equipes de resgate.

Dos nove artigos lidos, três mencionaram a comorbidade, ou seja, a pessoa sofrer de outro transtorno em conjunto com o TEPT, como abuso de álcool e de outras drogas, distúrbios de sono, depressão e estresse agudo. Em quatro artigos são apresentadas intervenções que podem ser realizadas para evitar o TEPT e formas de encaminhar o tratamento caso o transtorno ocorra.

Discussão
Pode-se verificar que, considerando o método utilizado para a revisão, não há muitos estudos acerca do tema e a maioria dos textos encontrados abrange estudos de casos específicos ou de pequenos grupos. Almeida (2012) enfatiza que, apesar da frequência de casos de TEPT que incidem os profissionais, pouco se estuda este tema - sendo notável a escassez de revisões sistemáticas. Já Schestatskty et al. (2003) avaliam que o transtorno de estresse pós-traumático é um conceito novo e devido a isso ainda existe falta de conhecimento acerca desse transtorno - uma dificuldade no diagnóstico especialmente pela demora que o quadro sintomático possa vir a surgir.

Vieira (2009) ressalta que a sociedade como um todo, incluindo os órgãos previdenciários, ainda encontram dificuldades em entender e reconhecer os distúrbios psíquicos causados em virtude do trabalho. Ele sugere que isso é fruto das diversas concepções teóricas sobre a gênese da doença mental, já que existem autores que acreditam que ela advém de fatores orgânicos, enquanto outros defendem a tese da psicogênese e alguns acreditam na multideterminação do fenômeno e na importância de integrar fatores biopsicossociais. No entanto, Bucasio (2005) chama a atenção para a importância do reconhecimento do TEPT nos contextos do trabalho, principalmente para orientar serviços de saúde, administradores e profissionais de gestão de pessoas para a promoção de programas voltados para a prevenção, realizando intervenções na organização do trabalho que evitem o aparecimento do transtorno.

Schaefer at al. (2012) mostra que em 2008 o INSS concedeu 13.078 novos benefícios, entre auxílios-doença e aposentadorias por invalidez por Transtornos Mentais e Comportamentais (Ministério da Previdência Social, 2009). Cordeiro, Mattos, Cardoso, Santos e Araújo (2016) informam que o transtorno do estresse pós-traumático no estado da Bahia é o principal responsável pelos afastamentos por doença mental no trabalho de trabalhadores ativos.

Para Almeida (2012), a consequente exposição a uma série de eventos traumáticos ou potencialmente traumáticos é um dos principais motivos para o adoecimento das pessoas, corroborando os artigos de estudos de caso que sinalizam que os serviços em que os trabalhadores são expostos à periculosidade ocupacional, ou seja, aqueles em que esses são expostos a situações mais violentas como assaltos e roubos, por exemplo, ou outras situações perigosas, possuem maior risco de desenvolver o TEPT. Segundo esses artigos, bombeiros, enfermeiros, policiais, bancários e seguranças são as profissões mais comuns a apresentar o TEPT. Entre os casos de violência no trabalho, foi constatado que de 10 a 18% dos casos desenvolvem sintomas condizentes com o TEPT, 44% dos trabalhadores que passaram por um acidente de trabalho também preenchiam critérios para TEPT (Schaefer et al. 2012).

Apesar da maioria dos artigos indicar que os trabalhadores que exercem atividades profissionais que envolvem riscos de morte e preservação da vida ou que envolvem responsabilidade com dinheiro (como trabalhar em bancos) serem mais susceptíveis ao desenvolvimento do TEPT, não há disponíveis no Brasil dados epidemiológicos referentes às ocupações e profissões que representam riscos ameaçadores para desencadeamento do transtorno. Esse fato indica a necessidade de maior acompanhamento e atenção dos órgãos responsáveis para esse fenômeno, como também a necessidade de mais estudos sobre essas ocupações, assim como acerca das causas de absenteísmo ou presenteísmo em organizações que pertencem a essas categorias de trabalho - e que possam estar associados, de alguma maneira, à presença do TEPT.

Lima & Assunção (2011), ressaltam que não é apenas a periculosidade do trabalho que faz com que as pessoas desenvolvam o TEPT mas, também fatores sociodemográficos e biológicos. Lima, Assunção & Barreto (2015) incluem características psicossociais como fatores essenciais para a ocorrência de TEPT, como, por exemplo, fraco apoio social, carga de trabalho elevada, críticas excessivas, falta de controle do trabalho e de como atuar por parte do trabalhador. Para Cardoso et al. (2018), há aspectos psicossociais do trabalho que precisam ser cuidados para preservar a saúde do trabalhador, o que inclui ambiente físico e condições para a realização adequada de tarefas, boas relações e comunicação, remuneração justa e compatível, dentre outros.

Como intervenções decorrentes do TEPT, destacam-se o acolhimento do sofrimento do trabalhador no local de trabalho e encaminhamentos adequados a cada situação. Além disso, aparecem como medidas preventivas a criação de uma rede de medidas de prevenção de acidentes, ações garantindo maior segurança para o trabalhador e a promoção de condições de um trabalho digno e menos hostil.

Os artigos estudados na revisão desse texto, de forma quase unânime, apontam para o fato de que o TEPT é maléfico às organizações e impacta sobremaneira o trabalhador que, quando acometido pelo TEPT, se torna solitário, apresenta maior dificuldade de interação social, podendo evitar o retorno ao local em que o evento traumático aconteceu. Redução da segurança e da satisfação com seu trabalho podem ser impactados pelo TEPT e, ao mesmo tempo, tendem a ampliar os índices de absenteísmo, de rotatividade, de licenças para tratamento de saúde e de aposentadorias precoces nas organizações.

Considerando o retorno do indivíduo ao trabalho, em muitos casos, se fazem imprescindíveis investimentos em programas de reabilitação profissional, favorecendo com que o indivíduo seja reconduzido de forma gradativa às atividades de trabalho, seja no mesmo cargo ou em outro que melhor se ajuste às suas condições atuais e que preserve sua integridade física e mental. .

No Brasil não há dados fidedignos sobre as perdas resultantes do adoecimento do trabalhador, como quando é acometido pelo TEPT. Entretanto, segundo Schaefer et al. (2012), nos Estados Unidos estimou-se que as pessoas com TEPT percam cerca de 3,6 dias de trabalho por mês, o que significa um prejuízo na produtividade anual acima de US$ 3 bilhões para o país. As perdas econômicas e relacionais vividas pelo trabalhador e por sua família são ainda mais difíceis de quantificar.

O mundo atual se mostra mais violento o que amplia as chances da ocorrência de TEPT. Além disso, como citado anteriormente, fatores psicossociais ligados ao trabalho também aumentam a vulnerabilidade relacionada ao referido transtorno. O alto grau de exigências e de competitividade presentes nos contextos atuais de trabalho contribui para o aumento das alterações psicossomáticas nos trabalhadores, afetam sua saúde e bem estar e o seu desempenho no trabalho. Consequentemente, o trabalhador se expõe mais a riscos de acidentes e ao desemprego.

Para que ocorra uma diminuição dos quadros de transtorno de estresse pós-traumático relacionados ao trabalho, é necessário o cuidado com as condições estruturais das organizações, com a disponibilidade de meios e de recursos necessários ao correto e seguro desenvolvimento de atividades laborais, e com ações de gestão de pessoas que considerem o indivíduo como ser integral, entre outras ações. Faz-se importante que, além do bom ambiente de trabalho, políticas e práticas organizacionais sejam promotoras de saúde e de bem-estar, e que o trabalhador tenha disponível suporte social, psicológico e médico adequados quando necessitar. Esse conjunto de esforços realizados pela organização e pelos próprios trabalhadores deve ser pensado e planejado por equipe multidisciplinar, visando que o contexto de trabalho e suas práticas decorrentes não afetem negativamente a constituição física e psicossocial do trabalhador, mas, pelo contrário, que promovam seu desenvolvimento de maneira integral. Com uma gestão dinâmica e humanizadora, que apoia e oferece suporte ao trabalhador, é possível melhorar o clima organizacional e as condições de trabalho, refletindo na qualidade de vida e satisfação das pessoas, como também nos resultados organizacionais.

O TEPT é um fenômeno que tem sido cada vez mais frequente nos contextos de trabalho e a ele, não se atribui devida atenção e importância, tanto pelas organizações de trabalho, como pelos órgãos responsáveis pelas políticas publicas em saúde. Tal transtorno interfere na vida do indivíduo com prejuízos significativos nas relações familiares, sociais e no ambiento do trabalho; em alguns casos, sua prevenção é possível e em outros sua identificação pode ser mais ágil e o seu tratamento, mais eficaz. Desse modo, as questões que envolvem o TEPT decorrente de acidentes de trabalho precisam ser tratadas em diferentes vertentes, sobretudo em aspectos preventivos, considerando um minucioso planejamento e mapeamento de riscos e estratégias adequadas de enfrentamento. Entretanto, para o desenvolvimento dessas ações é necessário um maior conhecimento sobre o que é o TEPT, quais são as suas causas e as suas consequências.

Independentemente dos graves fatores que desencadeiam o TEPT ocorrerem no trabalho ou fora desse, sabe-se que o apoio da rede social, o fortalecimento do indivíduo e a redução ou interrupção da exposição ao evento traumático serão relevantes no processo de adoecimento ou de recuperação. Sendo a organização uma importante fonte de suporte aos trabalhadores, é importante que dela partam ações informativas sobre saúde mental e TEPT, políticas organizacionais preventivas e promotoras de saúde do trabalhador, decisões de mudança (de turno, de atividades ou de local de trabalho, se for o caso), além de encaminhamentos aos serviços de saúde e, em casos mais graves, afastamento e reabilitação.

Informações adequadas e compreensíveis e o fortalecimento do trabalhador mediante a oferta de suportes e apoios de diferentes ordens resultam em manifestação de cuidado com esse trabalhador, fortalecendo seus vínculos com a organização e com os demais colegas de trabalho. O resultado é maior satisfação e comprometimento com o trabalho e, consequentemente, ganhos de produtividade da organização.

As organizações de trabalho, em suas políticas e práticas de gestão de pessoas, para além das ações meramente tecnicistas e administrativas, precisam considerar ações de prevenção de riscos e da promoção da saúde e bem-estar do trabalhador. Nesse cenário, faz-se imprescindível a presença de equipes multidisciplinares atuando para identificarem fatores de riscos à saúde física e mental do trabalhador, propondo ações que venham na direção não somente de evitar os riscos, mas também de atuar sobre eles com cuidados exemplares, considerando que, em muitas ocupações os riscos são inerentes a atividade profissional.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 29 de Janeiro de 2018/ Aceite em 04 de Setembro de 2018

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