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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.19 no.3 Lisboa Dec. 2018

https://doi.org/10.15309/18psd1912 

Fatores associados ao uso de preservativo e relações com prostitutas entre caminhoneiros do brasil

Factors associated with condom use and prostitution among truck drivers in brazil

Poliana Freitas Costa1, Elder Cerqueira-Santos1

1Universidade Federal de Sergipe, Departamento de Psicologia, São Cristóvão, Brasil.


 

RESUMO

Este trabalho objetiva investigar a relação entre o uso de preservativo e relações sexuais com prostitutas entre caminhoneiros do Brasil e suas variáveis associadas. A amostra é composta por 680 homens caminhoneiros, entre 19 e 73 anos (M=42,52 DP= 10,78). O instrumento abordou o uso de preservativo, o consumo de álcool, as práticas sexuais na estrada e uma escala de conservadorismo. A coleta de dados foi realizada através de Inserção Ecológica, por conveniência em pontos de parada ou filas de carga e descarga. Os resultados indicaram que o maior percentual de uso de preservativo é encontrado entre os solteiros (42,1%), assim como entre os católicos (35%). Apenas 24,9% da amostra fazem uso consistente do preservativo. O uso de álcool e o conservadorismo não mostraram correlação significativa entre si, no entanto, o álcool apresentou uma correlação positiva com o número de parceiras por ano, uso de camisinha e frequência de relações sexuais na estrada. O estado civil, a frequência sexual na estrada e o número de parceiras por ano também mostraram um forte valor preditivo no uso consistente de camisinha na regressão binária. Este estudo confirmou a relação do uso de preservativo com alguns fatores associados tais como álcool, número de parceiras por ano, estado civil e frequência de relações sexuais por semana, conforme já foram apresentadas em estudos anteriores.

Palavras-chave: caminhoneiro, epidemiologia, preservativo, prostituição


 

ABSTRACT

This work aims to investigate the relationship between condom use and sexual relations with prostitutes among Brazilian truck drivers and their associated variables. Sample is composed of 680 men truck drivers, between 19 and 73 years (M = 42.52 SD = 10.78). Instrument addressed the use of condoms, alcohol consumption, sexual practices on the road and a scale of conservatism. Data collection was performed through Ecological Insertion, for convenience, in resting areas or loading and unloading queues. Results indicated that the highest percentage of condom use was found among single people (42.1%), as well as among Catholics (35%). Only 24.9% of the sample makes consistent condom use. Alcohol use and conservatism did not show a significant correlation with each other; however, alcohol had a positive correlation with the number of partners per year, condom use and frequency of sexual relations on the road. Marital status, sex on the road and number of partners per year also showed a strong predictive value for consistent condoms use in a binary regression. This study confirmed the relationship of condom use with some associated factors such as alcohol, number of partners per year, marital status and frequency of sexual intercourse per week, as previously reported in revised studies.

Keywords: truck driver, epidemiology, condom, prostitution


 

O uso de preservativo durante as relações sexuais é uma questão discutida mundialmente (Castro, Caldas, Morcillo, Pereira & Velho, 2016; Takakura, Wake & Kobayashi, 2007) levando em conta que a sua não utilização é considerada enquanto um comportamento de risco, por expor o indivíduo sexualmente ativo a uma gravidez indesejada e à contaminação por infecções sexualmente transmissíveis e HIV. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, mais de um milhão de novos casos de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) são reportados por dia no mundo, assim como, por ano são estimados 357 milhões de novas infecções com 1 dentre 4 DSTs (clamídia, gonorreia, sífilis e tricomoníase), além de haver mais de 290 milhões de mulheres infectadas com HPV (WHO, 2016). No Brasil, a mais recente estimativa é de que existem 937 mil pessoas infectadas com sífilis; quase dois milhões com clamídia e 685 mil pessoas infectadas com HPV (Governo Brasileiro, 2016).

Pensando de modo específico na população de caminhoneiros, a estimativa de risco às DSTs e HIV é alta, a literatura aponta como motivos uma maior rotatividade de parceiras e maior exposição às relações sexuais desprotegidas, ou seja, sem camisinha (Cerqueira-Santos, 2015). Há uma maior relevância na investigação com essa população, já que serve de “ponte" para doenças infecciosas. Por exemplo, ao se expor a riscos de infecção por HIV e outras DSTs, a amplitude da infecção se estende às esposas e parceiras fixas, uma vez que estudos (Rocha, 2008; Teles et al., 2008; Villarinho et al., 2002) apresentam que caminhoneiros não usam preservativos em suas relações sexuais em casa.

Esse trabalho intencionou investigar a relação entre as relações sexuais com prostitutas e o uso de preservativo entre homens motoristas caminhão que trabalham no sistema rodoviário brasileiro e suas variáveis associadas. A hipótese inicial era de que ter relações sexuais com prostitutas influenciava positivamente no uso de preservativo por parte dos caminhoneiros.

É relevante observar a importância da decisão do homem na utilização do preservativo masculino, já que esse é o mais distribuído e utilizado pela população brasileira na atualidade (Dourado, MacCarthy, Reddy, Calazans & Gruskin, 2015). Logo, se torna importante investigar os fatores que estão associados a esta decisão pelo uso de preservativo. De acordo com o estudo de Cruzeiro et al. (2010) o uso de drogas lícitas, como por exemplo, o álcool, está associado ao número de parceiros sexuais por ano dos caminhoneiros. Alguns estudos também apontam que o uso de preservativo é menos relatado por aqueles com parceiros fixos do que por aqueles com parceiros ocasionais (Teles et al., 2008; Madureira & Trentini, 2008) sendo apontado que os indivíduos dentro de uma relação estável acreditam que o sexo seguro e a prevenção de doenças não estão diretamente ligados ao uso de preservativo, mas à confiança e ao companheirismo existente entre o casal (Alessi & Alves, 2015).

Matos, Veiga & Reis (2009) apontam a importância da decisão de ambos os indivíduos da relação no uso consistente do preservativo. No entanto, foi encontrado em outro estudo que muitas vezes as mulheres têm pouco poder de negociação do uso do preservativo com os parceiros sexuais (Martins et al., 2006). A saúde sexual foi uma das primeiras preocupações das feministas que se interessavam pelo aumento da consciência para o debate sobre o planejamento familiar, na década 1980 (DeSouza, Baldwin & Rosa, 2000).

Entendendo que aspectos culturais influenciam comportamentos, é interessante apontar nesse estudo o impacto da cultura machista nos comportamentos sexuais (Maia et al., 2013). Cultura essa que entende a sexualidade masculina como possuidora de um caráter expansivo e quase incontrolável, incentivando que os homens iniciem logo cedo sua vida sexual e que tenham múltiplas parceiras sexuais, mesmo após o casamento (Sousa, 2014). O machismo que tolera a infidelidade masculina e retira o poder de negociação da mulher no uso de preservativo nas relações, além de propiciar um início precoce na vida sexual, torna os indivíduos vulneráveis a práticas sexuais de risco.

Quando se trata de comportamentos sexuais de trabalhadores migratórios, tais como caminhoneiros, é importante observar certas peculiaridades sobre o uso de preservativo; especialmente porque tais homens estão mais sujeitos ao sexo com múltiplos parceiros e sexo pago. Estudos apontam que essa população tem relevância na disseminação de doenças infecciosas tais como DSTs e HIV (Jackson et al., 1997; Teles et al., 2008). Estudos (Villarinho et al., 2002; Alessi & Alves, 2015) encontraram que o discurso da cultura machista na população de caminhoneiros faz com que eles se sintam menos vulneráveis à doenças e mais propensos a ter diferentes parceiras sexuais na estrada, levando à uma maior probabilidade de não uso de preservativo nas relações sexuais.

No Brasil, o transporte rodoviário tem um forte impacto sobre a eficiência e a produtividade sistêmica da economia brasileira, já que 61,1% do transporte de cargas do ano de 2016 foi realizado utilizando rodovias, sendo transportadas 485.625 milhões de toneladas por quilômetro útil (Confederação Nacional do Transporte, 2016). Neste sentido, tornam-se importante os estudos sobre a forma de trabalho e hábitos desses indivíduos. Numa pesquisa comparativa entre caminhoneiros brasileiros e portugueses feito por Souza, Paiva e Reimão (2008) foi encontrado que os caminhoneiros brasileiros dirigem por mais horas, apresentam mais dores no corpo e piores índices de qualidade de vida que os portugueses. Os trabalhadores dessa área sofrem com condições de trabalho, muitas vezes, insatisfatórias, que podem levar a prejuízos na saúde por favorecer hábitos pouco saudáveis tais como sedentarismo, inadequados hábitos alimentares, sobrepeso, uso de álcool e outras drogas, além de comportamentos sexuais de risco (Masson & Monteiro, 2010a; Cerqueira-Santos & Santana, 2014) Dentre os comportamentos sexuais de risco está, muitas vezes, o restrito conhecimento sobre prevenção a DSTs e HIV que foi associado à baixa escolaridade por Masson e Monteiro (2010b).

Método
O banco de dados utilizado neste estudo é um recorte de uma pesquisa maior sobre Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (ESCA) nas estradas do Brasil encomendada pela Organização Não-Governamental Childhood Brasil, buscando conhecer o fenômeno para um melhor enfrentamento da questão. Trata-se de um estudo exploratório do tipo survey de abrangência nacional. O banco de dados é referente à terceira onda de coleta dessa pesquisa realizada em 2015 e que teve sua primeira onda em 2005, sendo assim feita a cada 5 anos. A partir dessa pesquisa foram produzidos estudos similares (Morais et al., 2007; Cerqueira-Santos et al., 2008; Cerqueira-Santos et al., 2015).

Participantes

Os participantes foram 680 homens caminhoneiros brasileiros, que viviam fora de casa e engajados no transporte rodoviário. Com idade entre 19 a 73 anos, com média de 42,52 anos (DP=11,782) e renda média de R$3.680,15 (DP= R$2.408,15).

No quadro 1 são apresentados outros dados sociodemográficos, mostrando que a maioria dos sujeitos (48,2%) tem escolaridade até o ensino fundamental, 74,4% está em algum tipo de relacionamento, enquanto 86,6% têm filhos. A doutrina/religião da maioria é a católica (64,5%). A maior parte da amostra (72,1%) declarou não ter relações sexuais quando está na estrada, sendo que 16,5% afirmaram ter relações com prostitutas quando estão na estrada. Apenas 46,8% afirmaram não terem bebido no último mês. A variância de parceiras sexuais por ano foi de 0 até 50, ou seja, tem uma grande amplitude no número de relações sexuais por ano entre os caminhoneiros. Quando na estrada, 74% dos sujeitos não fazem sexo, do restante, 16,5% fazem sexo com prostituta.

 

 

Material

O instrumento utilizado se baseou em um questionário desenvolvido e descrito por Morais et al. (2007) e Cerqueira-Santos et al. (2008) produzido para estudos sobre exploração sexual de crianças e adolescentes com caminhoneiros contendo questões sociodemográficas, assim como itens que abordavam temas relacionados ao uso de preservativo e às práticas sexuais na estrada e também uma escala de conservadorismo que constava de 13 itens. O instrumento era aplicado em forma de entrevista no qual o entrevistador preenchia o questionário de acordo com as respostas do participante. Para este artigo foram utilizadas as perguntas acerca do uso de preservativo, do consumo de álcool, da frequência de atividade sexual na estrada, do número de parceiras sexuais por ano, da busca por prostitutas, além de dados sociodemográficos (idade, escolaridade, estado civil, religião) e um instrumento de conservadorismo Childhood (2005) que contem 13 itens referentes a opinião a cerca do papel do homem e da mulher, pena de morte, porte de arma, infidelidade e redução da maioridade penal.

Procedimento

A coleta de dados foi baseada na metodologia da Inserção Ecológica descrita por Cecconello e Koller (2003) para uso no estudo do desenvolvimento-no-contexto. Foi realizado um treinamento com aqueles que coletaram os dados, sendo todos estudantes de graduação de Psicologia do sexo masculino. A coleta ocorreu em diferentes Estados do país, sendo eles, Pará, Rio Grande do Norte, Rio grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. O objetivo dessa coleta era abranger variados contextos e rotas frequentadas pelos participantes da pesquisa. A amostragem foi selecionada por conveniência, contando com a participação dos motoristas que concordaram em responder o questionário em seus momentos de folga. Sendo que ao final do questionário o participante podia indicar outros sujeitos para responder ao questionário. Os motoristas eram abordados em locais de parada (posto de combustíveis, paradas de apoio, pátios) ou em filas para carga e descarga. Cada entrevista durava em média 45 minutos, podendo variar de 30 minutos a 2 horas.

Análise de Dados

Os dados coletados foram submetidos a tratamento quantitativo, criando-se índices e grupos com bases nas respostas às escalas e a algumas questões específicas. Utilizando o SPSS (versão 23) foi realizada uma análise descritiva dos dados sociodemográficos resultando na tabela 1. Para que partindo das informações obtidas fossem escolhidas as variáveis que poderiam ser associadas ao uso consistente de preservativo. Assim, foi executado um cruzamento qui-quadrado dos fatores associados ao uso consistente de preservativo que culminou na tabela 2, onde também se enfatizou as relações sexuais com prostitutas. Foi feita também uma correlação de Pearson com os fatores selecionados resultando na tabela 3 e uma regressão logística binária com desfecho em uso consistente de preservativo que se tornou a tabela 4.

Questões Éticas

Foi garantida a integridade dos participantes deste estudo sendo assegurado durante a realização da pesquisa o seu anonimato. Além da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, desde o contato inicial com o participante, foi garantida a compreensão das características da pesquisa e dos seus direitos como respondente, inclusive o caráter voluntário da participação e o sigilo das informações. Todos os procedimentos do estudo foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade sob o número 30300814.1.0000.5546.

Resultados
Quanto à análise dos dados relativos ao uso da camisinha, foi verificado que a porcentagem de sujeitos que alegavam usar camisinha ‘sempre’ e a porcentagem dos sujeitos que declarava ter usado camisinha na ultima relação sexual eram discordantes, sendo o valor dos que usaram camisinha na ultima relação, menor. Mostrando que alguns sujeitos mesmo declarando usar camisinha ‘sempre’ também afirmavam não ter usado na última relação, possivelmente provocando essa discordância. Assim, foi realizado um “double check” onde utilizando o SPSS foi feito um cruzamento para filtrar os casos e ter como ‘Uso consistente de preservativo’ apenas aqueles que marcaram que usam ‘sempre’ assim como usaram camisinha na última relação sexual. Assim, foi encontrado que apenas 24,9% da amostra tinha uso consistente de preservativo.

No quadro 2 são apresentados os fatores associados ao uso de preservativo, dividindo a amostra entre grupos de ‘Uso consistente’, que passaram pelo “double check” e de ‘Uso inconsistente’, considerando o sexo com prostitutas como diferencial no comportamento uma vez que a maior parte que faz sexo nas estradas o faz com prostitutas. As duas únicas variáveis que tiveram diferenças significativas foram estado civil e religião. Assim, fica claro que o estado civil tem influência significativa no uso consistente de camisinha, sendo que os que não estão em algum relacionamento e fazem sexo com prostitutas, são os que mais frequentemente usam camisinha. Os que não estão em relacionamento, mas não fazem sexo com prostitutas, também apresentaram um uso consistente significativo (p<0,001). No entanto, o dado aponta para o fato de que mesmo em relacionamento estável, um percentual considerável desses homens faz sexo com prostituas sem camisinha (63,4%).

 

 

A religião foi outra variável de forte influência no uso de camisinha sendo prevalente entre os católicos. Para a variável religião, o uso é mais frequente entre os católicos (35%) do que entre os evangélicos (14,9%) com valor significativo em p<0,001. Os católicos que fazem uso consistente e não fazem sexo com prostitutas (25,8%) são maioria em relação às outras orientações religiosas (evangélicos = 9,3%; outros = 24,6%) tendo um valor significativo em p=0,002. Não foram encontradas diferenças significativas em relação à idade, escolaridade e renda dos sujeitos.

No quadro 3, é mostrada uma correlação de Pearson onde as variáveis ‘Conservadorismo’, ‘Frequência de consumo de álcool no último mês’, ‘Quantas parceiras sexuais por ano’, ‘Frequência de uso de camisinha para evitar AIDS e outras DSTs’ e ‘Frequência de relações sexuais por semana na estrada’. A frequência de relações sexuais na estrada se relacionou positiva e significativamente com todas as outras variáveis (p<0,001). No entanto o uso de álcool, se mostrou com uma correlação significativa e positiva com quase todas variáveis, exceto conservadorismo (r=0,014 e p=0,712). Mostrando que apesar de conservadorismo e uso de álcool se relacionar de forma similar com as outras variáveis, elas não se relacionam entre si, e o álcool parece ter uma relação mais significativa com as outras variáveis que o conservadorismo. O uso de camisinha também tem uma relação significativa com o número de parceiras por ano (r=0,349 e p<0,001), mostrando que o uso de camisinha é mais frequente quanto mais parceiras tiver no ano.

 

 

Uma regressão logística foi realizada tendo como variável de desfecho o uso consistente de preservativo. O modelo final é exposto no quadro 4. As variáveis ‘estado civil’ e ‘frequência sexual na estrada’ foram as de maior força associadas ao uso de preservativo e pouco menos intensa foi a força do ‘número de parceiras sexuais’. Sendo que tanto a ‘frequência sexual’ quando o ‘número de parceiras’ tiveram uma preditividade diretamente proporcional, enquanto que o estado civil se direcionava ao valor que representava aqueles sem relacionamento estável. A variância explicada final para o modelo foi de r² = 0,264.

 

 

Discussão
Esse estudo, dentre outras contribuições, mostra sua importância no campo da epidemiologia, já que os hábitos sexuais de trabalhadores migratórios tais como caminhoneiros podem servir como condutor de diversas doenças infecciosas. De acordo com Alessi e Alves (2015), eles são um grupo que está vulnerável às DST/AIDS, uma vez que, assim como as prostitutas, são descritos como “população-ponte”, em função de suas múltiplas parcerias sexuais. Estudos anteriores com a população de caminhoneiros (Jackson et al., 1997; Villarinho et al., 2002; Teles et al., 2008; Alessi et al., 2015) buscaram também analisar fatores associados ao uso de camisinha nessa população. É importante apontar que de acordo com este estudo, 63,4% dos homens que tem um relacionamento estável faz sexo com prostitutas sem uso consistente do preservativo. Sendo assim, verificado o risco que representam enquanto “população-ponte”.

Os dados encontrados nesse estudo mostraram que o álcool se correlaciona fortemente com o número de relações sexuais por semana, o número de parceiras por ano e o uso de camisinha. O que corrobora o estudo de Cruzeiro e cols. (2010) em que o uso de drogas lícitas e ilícitas se relaciona de forma diretamente proporcional com o número de parceiras por ano. Gibney et al. (2003) afirmam que homens caminhoneiros de Bangladesh que apresentam outros comportamentos de risco, tais como uso de drogas recreativas e consumo de álcool têm mais chances de ter tido sexo com garotas de programa no último ano.

O presente estudo também mostra que o conservadorismo apresentou correlação significativa e positiva com o uso de camisinha, número de parceiras por ano e relações sexuais por semana. Em relação ao uso de camisinha essa correlação com o conservadorismo, é também mostrada em uma intervenção na Nigéria baseada em ideias conservadoras (Jappah, 2013).

Na regressão foi encontrado que o estado civil, no caso ser solteiro, é um forte preditor para o uso consistente de preservativo, ou seja, ser solteiro aumenta as chances de usar camisinha. Também apareceu a frequência sexual na estrada e o número de parceiras por ano como preditores. Mostrando que quanto mais frequentes as relações sexuais na estrada e maior número de parceiras, maior a chance de o indivíduo usar camisinha na relação sexual.

Entre as limitações desde estudo está o fato das coletas de dados serem feitas através de auto relato em entrevistas orais, o que não permite atestar a veracidade das falas dos sujeitos, já que há uma tendência a que eles deem respostas socialmente mais aceitas. Como eles foram coletados por conveniência e indicações, não é possível uma reaplicação. A investigação foi realizada apenas com homens caminhoneiros, o que aumenta sua limitação acerca do impacto do conservadorismo no uso de preservativo, já que não foi analisado o impacto direto da decisão da parceira.

O presente estudo objetivou investigar a relação entre as relações sexuais com prostitutas e o uso de preservativo entre homens motoristas caminhão que trabalham no sistema rodoviário brasileiro, além das variáveis associadas, tais como número de parceiras por ano, álcool e conservadorismo, por exemplo. Foi encontrado que o álcool se correlaciona com intensidade positiva com o número de parceiras por ano, assim como com a frequência de relações sexuais na semana. O uso de camisinha mostrou relação positiva com o álcool, o numero de parceiras e frequência sexual.

Foi corroborada a hipótese inicial de que ter relações sexuais com prostitutas influenciava positivamente no uso de preservativo por parte dos caminhoneiros, já que maior parte dos que fazem sexo na estrada o faz com prostitutas e a frequência sexual na estrada e o numero de parceiras por ano foram variáveis de forte valor positivo em relação ao uso consistente de preservativo.

Conclui-se que é necessária a produção de investigações e intervenções com a população de caminhoneiros, focando na prevenção de DSTs/HIV através do uso de preservativo, principalmente entre os que têm um relacionamento estável e os que têm menos parceiras sexuais, que apresentaram menor uso consistente de camisinha. Afinal, basta apenas uma relação sexual desprotegida para se contrair DSTs e/ou HIV.

Foi observado num estudo de Cerqueira-Santos e Sousa (2015) que as variáveis de conservadorismo, o número de parceiras por ano, uso de drogas e o envolvimento com o comércio sexual se relacionam com o perfil de caminhoneiros perpetradores da exploração sexual de crianças e adolescentes nas estradas brasileiras. A relação entre o presente estudo e o de Cerqueira-Santos e Sousa (2015) aponta a amplitude infecciosa que tem os comportamentos sexuais de risco por parte dos caminhoneiros, ou seja, que não só as mulheres, prostitutas e caminhoneiros estão em risco como também crianças e adolescentes.

No caso de projetos e campanhas que visem algum tipo de intervenção em relação aos resultados deste e de outros estudos percebe-se a importância de identificar e correlacionar outros fatores tais como as crenças religiosas do indivíduo, as posturas machistas, o consumo de álcool e outras drogas, o comportamento de utilização da prostituição enquanto recurso para alívio sexual, entre outros. Leal (2008) já havia apontado como a maioria as intervenções focadas nos caminhoneiros concentram-se na redução de parceiras sexuais, na abstinência durante as viagens e na promoção do uso de preservativo, mas que desconsideram os comportamentos que são da dimensão do prazer percebido por eles, não só sexual, como também prazer no próprio risco.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 13 de Março de 2017/ Aceite em 29 de Outubro de 2018

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