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Psicologia, Saúde & Doenças

versión impresa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.19 no.3 Lisboa dic. 2018

https://doi.org/10.15309/18psd190307 

Caracterização dos utentes de uma unidade de psico-oncologia extra-hospitalar

Characterization of the patients of a non-hospital psycho-oncology unit

Rita Albergaria1, Rita Amorim1

1Liga Portuguesa Contra o Cancro, Núcleo Regional do Sul, Unidade de Psico-Oncologia, Lisboa, Portugal, rita.albergaria@ligacontracancro.pt, rita.amorim@ligacontracancro.pt


 

RESUMO

A vivência do cancro resulta, geralmente, em altos níveis de sofrimento emocional para doentes oncológicos e familiares. Com o objectivo de contribuir para o bem-estar e a qualidade de vida destes sujeitos, a Liga Portuguesa Contra o Cancro, Núcleo Regional do Sul (LPCC-NRS) criou, em 2011, a Unidade de Psico-Oncologia (UPO). Nesta Unidade é prestado acompanhamento psicológico especializado através da promoção da adaptação ao diagnóstico e ao tratamento; da facilitação de estratégias para gestão dos sintomas; e da promoção da comunicação entre doente e profissionais de saúde e/ou familiares/cuidadores. O presente estudo pretendeu caracterizar os utentes seguidos na consulta de Psicologia da LPCC-NRS-UPO, desde a data da sua criação até junho de 2017, de forma a adaptar o serviço às necessidades desta população e prestar um acompanhamento cada vez melhor a quem é afectado pelo cancro. A amostra foi constituída por 522 sujeitos, 341 dos quais doentes oncológicos. Os resultados revelaram que os utentes da consulta eram, maioritariamente, mulheres com cancro mama, com mais de 60 anos, residentes em Lisboa e academicamente diferenciadas. A maioria, em tratamento no Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPOLFG), chegou à consulta através de amigos ou familiares por sofrimento associado à doença oncológica. O acompanhamento psicológico, maioritariamente baseado no modelo de psicoterapia de apoio, contou, geralmente, com 2 a 5 sessões. O estudo permitiu caracterizar os utentes seguidos na UPO e propor estratégias para melhorar a actuação da LPCC-NRS na sua missão de apoio ao doente oncológico e família.

Palavras-chave: consulta de psicologia, doentes oncológicos, familiares, caracterização


 

ABSTRACT

Experiencing cancer generally results in high levels of emotional suffering both in cancer patients and their relatives. Aiming to contribute to the well-being and quality of life of these individuals, in 2011, Liga Portuguesa Contra o Cancro, Núcleo Regional do Sul (LPCC- NRS) created a Psycho-Oncology Unit (UPO). This Unit provides specialized psychological support through the promotion of: adaptation to diagnosis and treatment; strategies to facilitate symptom management; and communication between the patient and health professionals and/or family/caregivers. This study aimed to characterize the psycho-oncology patients of LPCC-NRS-UPO, from the date of its creation until June 2017, in order to further adapt this service to this population’s needs and to provide an improved service to those who are affected by the oncological disease. The sample consisted of 522 subjects, 341 of which were cancer patients. The results showed that the individuals followed at the LPCC-NRS-UPO were mostly women with breast cancer, aged over 60, residents in Lisbon and highly educated. Most were having treatment at Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPOLFG) and reached the Psychology service through friends or relatives due to cancer-related suffering. Psychological help was generally based on the supportive psychotherapy model and the average number of therapy sessions was between 2 and 5. This study allowed us to characterize the patients followed at the LPCC-NRS-UPO and propose strategies to enhance the LPCC-NRS in its mission to support cancer patients and their relatives.

Keywords: psychology service, cancer patients, relatives, characterization


 

É expectável que o número de indivíduos com doença oncológica aumente cerca de 70% nas próximas duas décadas (World Health Organization, 2018). Para este aumento contribuirão: a modificação dos hábitos de vida, a crescente longevidade da população e a maior possibilidade de recidiva e novas neoplasias, efeito paradoxal do crescente sucesso das terapêuticas médicas (Direção Geral da Saúde - DGS, 2017). Apesar de a evolução no tratamento ter permitido o aumento da sobrevida, em muitos casos não é possível evitar efeitos secundários significativos e uma evolução crónica da doença (Moreira & Branco, 2015) o que torna, cada vez mais premente, a questão da adaptação do doente e da sua família à realidade do cancro.

O diagnóstico da doença oncológica é vivido, pela maioria das pessoas, como uma ameaça grave. Os tratamentos, associados a procedimentos médicos invasivos e o ambiente hospitalar, resultam, geralmente, em sofrimento físico e emocional (Nave & Moura, 2015). Não só a pessoa que adoece, mas também a família, no seio da qual a experiência se vai desenrolar, é envolvida no percurso da doença (Moreira & Branco, 2015), apontando a literatura para altos níveis de sofrimento psicológico nos familiares de doentes com cancro (Lewis, 2010). O estudo e a exploração das respostas psicológicas dos sujeitos ao adoecer oncológico constituem o objecto da Psico-Oncologia, área sistematizada de conhecimento que surgiu em meados de 1970, altura em que o estigma associado ao cancro diminuiu e a maioria dos doentes passou a conhecer o seu diagnóstico (Holland & Weiss, 2010).

Um dos objectivos da Psico-Oncologia é prestar acompanhamento psicológico especializado a doentes oncológicos e familiares, ao longo das várias fases da doença, promovendo uma maior adaptação ao diagnóstico e ao tratamento, facilitando estratégias para gestão dos sintomas e promovendo a comunicação entre a pessoa doente e os profissionais de saúde e/ou os seus familiares/cuidadores (Liga Portuguesa Contra o Cancro, n.d.), contribuindo, assim, para o bem-estar e a qualidade de vida destes sujeitos (Holland & Weiss, 2010).

No mundo ocidental, apesar de existirem unidades de Psico-Oncologia na maioria dos hospitais gerais e oncológicos, verifica-se uma escassez de recursos humanos nos centros onde os tratamentos são feitos em regime ambulatório (Holland & Weiss, 2010). Em Portugal, com o objectivo de prestar apoio psicológico aos doentes tratados na instituição, surgiu, em 2003, no Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPOLFG), a Unidade Autónoma de Psicologia e, em 2006, foi inaugurado o primeiro serviço com a designação de Psico-Oncologia no Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil (IPOPFG) (Silva et al., 2014). O aumento significativo de novos casos de cancro na população nacional, fruto de alterações da pirâmide populacional e de mudanças de estilo de vida, aliados ao crescimento da procura de meios técnicos e humanos (DGS, 2016), bem como a importância crescente do acompanhamento psicológico do doente com cancro (e sua família) (Holland & Weiss, 2010; Moreira & Branco, 2015), determinaram que, no âmbito da sua missão, a Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) inaugurasse, a partir de 2009, Unidades de Psico-Oncologia (UPOs) nos seus núcleos regionais.

A UPO do Núcleo Regional do Sul (NRS) começou a funcionar em abril de 2011 com o objetivo de prestar acompanhamento psicológico a doentes oncológicos e familiares ou cuidadores, independentemente da instituição em que os sujeitos são seguidos. A ajuda psicológica é disponibilizada em qualquer fase da doença (do próprio ou de familiar), i.e., de inicial a terminal (entendendo-se por terminal os últimos seis meses de vida) (Sociedade Portuguesa de Oncologia, n.d.); ao longo de todo o processo terapêutico, i.e., do diagnóstico à sobrevivência (considerando-se sobrevivente o sujeito que foi diagnosticado há, pelo menos, 5 anos) (Rowland et al., 2013), e para além deste, garantindo-se a continuidade da prestação de cuidados aos familiares em caso de óbito do doente oncológico.

Entre abril de 2011, data de criação da Unidade, e junho de 2017 foram atendidos 633 utentes e realizadas 6046 consultas. O presente estudo teve como objectivo caracterizar os utentes seguidos na consulta de Psicologia na LPCC-NRS-UPO, desde a data da criação da Unidade até junho de 2017, de forma a adaptar o serviço às necessidades desta população e prestar um acompanhamento cada vez melhor a quem, directa ou indirectamente, é afectado pela doença oncológica.

Método
Participantes

Participaram no estudo 522 de um total de 633 utentes que recorreram à consulta de Psicologia da LPCC-NRS-UPO entre abril de 2011 e 30 de junho de 2017. A falta de transposição, da ficha clínica para a grelha de análise, de dados relativos a variáveis consideradas essenciais, designadamente dados socio-demográficos (i.e., género, idade e área de residência) determinou a exclusão de 111 utentes.

Material

Os dados relativos à forma de conhecimento da consulta foram recolhidos pela coordenadora da LPCC-NRS-UPO através de conversa telefónica com o utente (na sequência do pedido de ajuda) e registados em folha de triagem. Os restantes dados foram recolhidos pelo psicólogo do utente através de entrevista, registados em ficha clínica e actualizados ao longo do processo psicoterapêutico. Da ficha constavam: dados do utente da consulta (i.e., doente ou familiar - especificar caso seja familiar, nome, data de nascimento, estado civil, habilitações literárias, situação profissional, morada, telefone e e-mail); motivo da consulta; situação médica do doente oncológico (i.e., diagnóstico, instituição onde é/foi seguido, data do diagnóstico, médico, tratamentos realizados, tratamentos programados, limitações/estado de saúde actual); história médica do utente da consulta (i.e., antecedentes médicos/doenças actuais, medicação actual, histórico de intervenção psicoterapêutica/psiquiátrica, medicação psiquiátrica, perturbações do sono, perturbações da alimentação/alterações do apetite, antecedentes clínicos familiares de especial relevância); avaliação psicológica/dificuldades actuais do utente da consulta; contexto familiar/rede de apoio social do utente; resultados dos instrumentos de avaliação; factores de vulnerabilidade; factores de protecção; formulação de caso clínico; proposta de intervenção; observações; e resumo clínico.

Foi elaborada uma grelha de análise para compilação de dados, com as seguintes variáveis:

1) tipo de utente (i.e., doente oncológico ou familiar e, no último caso, que grau de parentesco tinha com o doente);

2) dados socio-demográficos (do utente, i.e., género, idade, área de residência e escolaridade; e do doente oncológico, i.e., género, idade e área de residência);

3) falecimento (sinalização da morte do doente oncológico no decurso do acompanhamento psicológico);

4) aspectos relacionados com a doença oncológica: instituição de saúde em que o doente é/foi seguido, tipo de cancro (e.g., bexiga, boca, cérebro), mutilações físicas (i.e., alimentação entérica, amputação de membros, estoma de eliminação, estoma respiratório, mastectomia com reconstrução mamária, mastectomia sem reconstrução mamária e orquiectomia), fase da doença (i.e., inicial, avançada, crónica, recidiva, remissão e terminal), fase de tratamento (i.e., diagnóstico, tratamento, follow-up, cuidados paliativos e sobrevivência) e tipo de tratamento (i.e., cirurgia, hormonoterapia, imunoterapia, quimioterapia, radioterapia e múltiplo) a que o doente foi/está a ser sujeito. Em relação ao tipo de tratamento, foi escolhida a designação “múltiplo” quando o doente tinha sido ou estava (durante o processo de acompanhamento psicológico) a ser submetido a mais do que um dos tratamentos descritos. Independentemente dos conceitos teóricos adoptados, toda a informação sobre a doença oncológica do próprio ou de familiar teve, como fonte exclusiva, a narrativa do utente (e.g., só se considerou avançada a doença descrita como tal);

5) informação relativa à consulta e aos dados clínicos do processo psicoterapêutico: forma como o utente teve conhecimento da consulta (e.g., site LPCC), motivo que levou o sujeito a procurar ajuda (i.e., luto, relações sociais/familiares, sofrimento associado à doença), datas de início e fim da intervenção, duração do acompanhamento (em meses), número de sessões, forma (e.g., psicoterapia de casal) e modelo de intervenção (e.g., psicoterapia de apoio).

Foi concebido um manual com a lista dos valores que cada variável poderia assumir, de forma a uniformizar o preenchimento da grelha. Recorreu-se ao software Excel e, posteriormente, ao Statistical Package for Social Sciences - SPSS versão 22.0 para proceder à análise estatística dos dados obtidos.

Procedimento

Foi pedido a cada psicólogo que, com base na folha de triagem, na ficha clínica e no manual, preenchesse a grelha de análise garantindo o anonimato de todos os seus utentes: cada processo foi identificado de forma alfanumérica, com as iniciais do respectivo psicólogo (de forma a evitar repetições) e com uma numeração sequencial (em relação à data da primeira consulta). Foram dadas indicações para que, nos casos em que o utente era o doente oncológico, a caracterização socio-demográfica fosse feita, sempre e exclusivamente, nos dados do utente.

O levantamento da informação junto de cada psicólogo foi realizado no período compreendido entre novembro de 2014 e novembro de 2017. Os dados foram compilados com o auxílio do software Excel e, posteriormente, a partir da base de dados em SPSS, foi realizada uma análise de estatística descritiva, que inclui frequências e percentagens para os valores de cada variável.

Resultados
Os utentes da consulta são, maioritariamente, mulheres (n = 404). Estes utentes têm idades compreendidas entre os 5 e os 87 anos (média = 52,22; desvio padrão = 14,95). Os sujeitos apresentam-se distribuídos pelos seguintes grupos etários: grupo 1 (até 18 anos) - 1,7%; grupo 2 (19-30 anos) - 5,6%; grupo 3 (31-40 anos) - 16,3%; grupo 4 (41-50 anos) - 19,5%; grupo 5 (51-60 anos) - 24,7%; grupo 6 (mais de 60 anos) - 32,2%.

O grupo maioritário é composto por doentes oncológicos. A maioria dos utentes familiares é casada ou vive em união de facto com o doente (quadro 1).

 

 

O predomínio do género feminino é semelhante nos dois sub-grupos: doentes oncológicos (78%) e familiares (76,2%) (quadro 2).

 

 

Mais de 80% dos utentes residem no distrito de Lisboa (61,1%) ou de Santarém (21,8%). Apesar da variação quanto ao grau de escolaridade, a maioria dos sujeitos completou o 12º ano (53,3%), com predomínio do ensino superior (32,6%) (quadro 3).

 

 

Os resultados do quadro 4 mostram que a maioria dos doentes é ou foi seguida no IPOLFG (34,5%).

 

 

O cancro mais frequente é o de mama (41,2%), seguido do cancro colo-rectal (8,6%). A maioria dos doentes não apresenta mutilações físicas e, de entre as mutilações comuns, as mastectomias sem (7,3%) e com reconstrução (6,3%) são as mais frequentes (quadro 5). Durante o processo de acompanhamento psicológico (próprio ou do familiar), 30,1% dos doentes encontravam-se em fase de doença avançada, 48,5% estavam em fase de tratamento e 66,5% tinham sido ou estavam a ser submetidos a mais do que um tratamento (e.g., quimioterapia e radioterapia). 43 doentes faleceram no decurso da psicoterapia (própria ou do familiar) (quadro 5).

 

 

Sabe-se que 36,4% dos utentes tomaram conhecimento da consulta através de amigos e/ou familiares, sendo o sofrimento associado à doença o motivo mais frequentemente apontado para marcação da consulta (62,8%) (quadro 6).

 

 

A forma de intervenção mais usada é a individual (95,4%) e a psicoterapia de apoio o modelo escolhido na maioria dos casos (49,2%) (quadro 6).

Em junho de 2017 mantinham-se, em seguimento, na consulta de psicologia da LPCC-NRS-UPO, 139 utentes. Dos utentes em seguimento, 11 tinham comparecido a 1 sessão, 34 a 2-5 sessões, 26 a 6-10 sessões, 34 a 11-20 sessões, 9 a 21-30 sessões e 25 a mais de 31 sessões. Dos 383 utentes com processos psicoterapêuticos concluídos, 128 compareceram a 1 sessão, 143 vieram a 2-5 sessões, 45 a 6-10 sessões, 33 a 11-20 sessões, 10 a 21-30 sessões e 24 a mais de 31 sessões.

Discussão
Considerou-se que o presente estudo poderá fornecer um importante contributo para a caracterização da população que recorre à consulta de Psicologia da LPCC-NRS-UPO e para a consolidação da Psico-Oncologia em Portugal.

Os resultados obtidos revelam que a idade dos utentes da consulta se situa, maioritariamente, acima dos 51 anos (56,9%), com predomínio do grupo de sujeitos com mais de 60 anos (32,2%). 70,2% das pessoas com mais de 60 anos que procuram ajuda psicológica na nossa consulta, são doentes oncológicos. Este resultado parece reflectir o aumento da esperança média de vida e o consequente impacto do primeiro no número crescente de pessoas mais velhas com cancro. O declínio fisiológico e o aumento de comorbilidades, consequências associadas ao processo de envelhecimento (Jolly et al., 2015; Pallis et al., 2010; Yancik & Riess, 2004), a par do sofrimento psicológico adjacente à doença e suas limitações, poderão explicar a maior procura de ajuda psicológica por parte desta população.

Verificou-se que são os doentes oncológicos quem mais recorre à consulta. A também elevada percentagem de familiares presentes (34,7%) ilustra o impacto que a doença tem no seio da família, ao afectar o quotidiano e a trajectória de vida de quem cuida (e.g., sobrecarga de papéis sociais, problemas financeiros associados, medo de perder o ente querido) e parece confirmar os estudos que apontam para experiências frequentes de sofrimento emocional nesta população (Grunfeld et al., 2004; Lewis, 2010; Longo, Fitch, Deber, & Williams, 2006).

Na mesma linha de um estudo que avaliou padrões de referenciação de doentes oncológicos para um serviço de Psico-Oncologia em Portugal (Silva et al., 2014), também o presente revelou que a maioria dos utentes da consulta da LPCC-NRS-UPO é do género feminino. A predominância de mulheres mantém-se nos sub-grupos utentes doentes oncológicos e utentes familiares (com predomínio para mulheres e filhas de doentes oncológicos). Os resultados obtidos poderão encontrar explicação na associação entre o género feminino e níveis de sofrimento mais elevado em reacção à doença oncológica, e fundamento nos estudos que apontam no sentido de os cuidadores informais serem, geralmente, mulheres - filhas e cônjuges (Couvreur, 2001; Loscalzo, Kim, & Clark, 2010; Valdés-Stauber & Bachthaler, 2017). De considerar também, na leitura destes resultados, estudos que indicam a possibilidade de existir uma maior resistência dos homens à intervenção psicoterapêutica (Fonseca, Fialho, Matos, & Figueira, 2013). Importa compreender se o apoio psicológico disponibilizado pela LPCC-NRS-UPO responde às necessidades psicossociais expressas pelos indivíduos do género masculino e explorar possíveis factores facilitadores do pedido de ajuda.

Tal como no estudo anterior de Nekolaichuk, Cumming, Turner, Yushchyshyn e Sela (2011), cuja população de doentes oncológicos seguidos num dos serviços de Psico-Oncologia era, na maioria, proveniente de centros urbanos e academicamente diferenciada, também os utentes da nossa consulta vivem, maioritariamente, em Lisboa e concluíram o ensino superior.

Os resultados apontam, igualmente, para uma coincidência entre a área onde o utente reside e a localização da instituição de saúde onde o doente é seguido (IPOLFG, 34,5% e Hospital de Santarém, 9,8%). Sendo a nossa consulta extra-hospitalar, e fora do âmbito de referenciação geográfica do Serviço Nacional de Saúde, seria importante avaliar, em estudos futuros, em que medida é que a proximidade dos serviços é um factor relevante na procura de ajuda psicológica.

Na linha de estudos internacionais e nacionais sobre doentes oncológicos referenciados para serviços de Psico-Oncologia (Lavelle et al., 2017; Silva et al., 2014), o tipo de cancro mais frequente entre os doentes que recorrem ou cujos familiares procuram a consulta da LPCC-NRS-UPO é o cancro de mama. Este resultado poderá estar associado ao facto de este ser o tipo de cancro com maior incidência na população feminina (quer a nível mundial quer a nível nacional) (GLOBOCAN, 2013) e de as mulheres constituírem o grupo maioritário na nossa consulta. Dada a predominância de mulheres com cancro de mama, será de considerar, com o intuito de optimizar recursos, a criação de grupos psicoterapêuticos dirigidos a esta população.

O segundo tipo de cancro mais frequente é o cancro colo-rectal. A elevada frequência de doentes com cancro de cólon e recto na consulta de Psicologia da LPCC-NRS-UPO poderá estar associada não só ao facto de este ser o tipo de cancro mais incidente na população portuguesa (GLOBOCAN, 2013), como à crescente sobrevivência desta população e, consequentemente, às limitações físicas e psicológicas experienciadas (e.g., ansiedade e depressão) (Bours et al., 2016; Tsunoda et al., 2005). São também estes os tipos de neoplasia que motivaram mais pedidos de ajuda psicológica por parte dos cônjuges [cancro de mama (n = 13 maridos) e cancro colo-rectal (n = 13 mulheres e n = 2 maridos)].

A maioria dos doentes não apresenta mutilações físicas, sendo a mastectomia a mutilação mais frequente entre a população afectada. O impacto negativo da mastectomia na qualidade de vida da mulher, especialmente a nível relacional e sexual (e.g., retirada nas relações com os outros, nomeadamente, com o companheiro) (Ramos & Patrão, 2005; Patrão, 2015), recomendaria, para o bem-estar da doente, que o companheiro fosse envolvido em todo o processo (Patrão & Moura, 2012). Apesar de o cancro de mama ser o que mais motiva a procura da consulta por parte dos maridos/companheiros das doentes, nenhuma das mulheres mastectomizadas recorreu a psicoterapia de casal.

Durante o processo psicoterapêutico (do próprio ou de familiar) faleceram 43 doentes oncológicos. A maioria destes sujeitos sofria de cancro de mama (n = 8) (o cancro com maior taxa de mortalidade nas mulheres em Portugal) ou de cancro colo-rectal (n = 6) (o tipo de doença oncológica com maior taxa de mortalidade na população portuguesa) (GLOBOCAN, 2013).

A maioria dos utentes tomou conhecimento da consulta através de familiares e/ou amigos. Os resultados não são comparáveis aos obtidos nos estudos de Lavelle et al. (2017) e Silva et al. (2014), uma vez que nestes, realizados em Unidades inseridas em ambiente intra-hospitalar, os utentes eram referenciados por profissionais de saúde de outros serviços (e.g., radioterapia). Seria importante, em futuros estudos, tentar compreender de que forma familiares e amigos tomaram conhecimento da existência da consulta.

Tal como esperado, e em congruência com a literatura que identifica a doença oncológica e os procedimentos adjacentes, como desencadeantes de sofrimento físico e emocional tanto nos doentes como nos seus familiares (Lewis, 2010; Moreira & Branco, 2015; Nave & Moura, 2015), o motivo que levou mais sujeitos a pedir ajuda psicológica foi o sofrimento associado à doença. A segunda razão mais apontada para o pedido de ajuda foram as relações sociais/familiares. A preponderância do motivo relacional/familiar é maior no sub-grupo utentes familiares (31,5%) do que no sub-grupo utentes doentes oncológicos (15,8%).

O modelo de intervenção mais utilizado pelos psicólogos da LPCC-NRS-UPO é a psicoterapia de apoio e a forma maioritária de intervenção (decorrente do modelo escolhido) é a individual. Realizado por terapeutas de diversas origens teóricas e amplamente utilizado em contextos de saúde geral, este modelo dispõe dos meios necessários para facilitar a adaptação dos indivíduos às circunstâncias que estão a vivenciar, sendo, por isso, recomendado para sujeitos com doença crónica (Leal, 2005) como é, tendencialmente, o caso da doença oncológica.

Apesar da variação, e considerando apenas os utentes que em junho de 2017 tinham cessado acompanhamento, a maioria dos processos psicoterapêuticos da LPCC-NRS-UPO compreende 2-5 sessões. Dos 383 utentes com processos concluídos, 128 não voltaram após a primeira consulta. Para este facto, as autoras sugerem as seguintes hipóteses: 1) o objectivo do utente era obter informação relativa à doença, tratamentos e sintomas físicos e psicológicos associados, tendo este ficado esclarecido na primeira sessão, através da facilitação de técnicas psico-educativas (Lemes & Neto, 2017); 2) da evolução e progressão do cancro, decorreram limitações físicas que inviabilizaram a deslocação do doente ou do familiar-cuidador à consulta; 3) o utente abandonou a consulta por falta de compromisso psicoterapêutico ou insatisfação com o serviço prestado. De modo a distinguir os utentes que só compareceram a uma sessão para esclarecimento de dúvidas, dos utentes que o fizeram por falta de compromisso psicoterapêutico ou insatisfação com o serviço prestado, seria de considerar a inclusão do esclarecimento de dúvidas (psico-educação) na lista de motivos da consulta.

Autores como Nekolaichuk et al. (2011) relacionam a falta de compromisso psicoterapêutico com a ausência de compromisso monetário e com a hétero-referenciação para a consulta. Desta forma, o não pagamento das sessões e a ausência de iniciativa de pedido de ajuda/marcação da consulta, determinaria um menor envolvimento no processo de acompanhamento psicológico. Apesar de sabermos que a maioria dos utentes da LPCC-NRS-UPO tomou conhecimento da consulta através de amigos ou familiares, não analisámos informação sobre quem pediu e marcou a consulta. Embora esta questão requeira uma análise mais profunda, que avalie o possível peso de outros factores (e.g., satisfação do utente com o serviço de psicologia prestado), será de ponderar, no futuro, a manutenção do carácter gratuito do serviço e a possibilidade de outros, que não o utente, marcarem a consulta.

Ainda que investigações anteriores sugiram que a percepção de suporte social, além de evidenciar um menor recurso a estratégias de desânimo/fraqueza e preocupação ansiosa, atenua o impacto do diagnóstico e do tratamento no doente oncológico (Friedman et al., 2006; Tojal & Costa, 2014; Wong, Looney, Michaels, Palesh, & Koopman, 2006) e que a ficha clínica tenha um campo específico para registar esta informação, o presente estudo não contempla estas variáveis. Estudos futuros deverão debruçar-se, igualmente, sobre o contexto familiar/rede de apoio social do utente, a forma como este o percepciona e eventuais correlações com o motivo da consulta.

O manual descrito no método, na secção do material, limita-se a listar os valores que cada variável pode assumir (e.g., motivo da consulta: luto; sofrimento associado à doença; relações sociais/ familiares; outra), sem definir cada valor proposto, o que poderá ter enviesado os resultados e introduzido subjectividade na apreciação. No futuro, o manual deverá ser enriquecido com definições claras de conceitos, por forma a ultrapassar esta limitação.

A concretização deste estudo permitiu-nos caracterizar os utentes seguidos na LPCC-NRS-UPO e propor estratégias de actuação futura. Espera-se que esta investigação contribua para optimizar a intervenção em saúde mental na LPCC-NRS, continuando o caminho de adaptação do serviço de Psicologia às necessidades das pessoas com doença oncológica e seus familiares ou cuidadores.

 

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Recebido em 06 de Junho de 2018/ Aceite em 23 de Outubro de 2018

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