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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.19 no.3 Lisboa Dec. 2018

https://doi.org/10.15309/18psd190305 

A sintomatologia depressiva e as memórias autobiográficas em universitários

The depressive symptoms and autobiographic memories in university

Mirna Bezerra1, Joyce Silva de Gusmão1, André Fermoseli2, Vanina Teixeira3

1 Centro Universitário Tiradentes, Maceió/AL, Brasil.

2 Centro Universitário Tiradentes, Maceió/AL, Brasil; Universidade de São Paulo - USP, São Paulo, Brasil.

3 Centro Universitário CESMAC, Maceió/AL Brasil. e-mail: vanina.papini@ig.com.br


 

RESUMO

A depressão é um dos transtornos mais prevalentes na atualidade, seus sintomas provocam sofrimento clínico significativo, prejuízo no funcionamento social e em outras áreas da vida do sujeito, como a recuperação de memórias. Indivíduos que apresentam o quadro depressivo possuem dificuldade em recordar eventos positivos de sua vida. Em contrapartida, por estarem deprimidos a evocação de memórias negativas são mais prováveis. Para tanto o presente estudo objetivou investigar a relação entre a sintomatologia da depressão a as memórias autobiográficas em uma amostra de 25 estudantes de uma IES. Foram utilizados como instrumentos para a pesquisa uma ficha sociodemográfica, o Inventário de Depressão - Beck (BDI) e o Teste de Memória Autobiográfica (TMA). Neste estudo, os resultados apresentados através da correlação de Pearson mostravam que o escore do BDI e as Memórias Específicas Positivas foram estatisticamente significativa inversamente proporcional (r= -0,541; p< 0,01), bem como o escore do BDI e as Memórias Categóricas Negativas foram estatisticamente significativa diretamente proporcional (r= 0,528; p<0,01). Houve correlação significativa inversamente porporcional entre o escore do BDI e as Memórias Específicas Geral, sem considerar a sua valência, (r= -0,437; p< 0,05). E correlação significativa diretamente proporcional entre o escore do BDI e Memórias Categóricas Geral (r= 0,498; p< 0,05). No entanto, é possível concluir que maior intensidade em sintomas depressivos, mais inespecífica é a memória autobiográfica.

Palavras-chave: depressão, memória autobiográfica, psicologia


 

ABSTRACT

Depression is one of the most prevalent disorders at present, its symptoms cause significant clinical suffering, impairment in social functioning and in other areas of the subject’s life, such as recovery of memories. Individuals with depressive symptoms have difficulty remembering positive events in their life. In contrast, because they are depressed the evocation of negative memories are more likely. For this purpose the present study aimed to investigate the relationship between the symptoms of depression and the autobiographical memories in a sample of 25 students from an IES. A sociodemographic record, the Beck Depression Inventory (BDI) and the Autobiographical Memory Test (TMA) were used as instruments for the research. In this study, the results presented through the Pearson correlation showed that the BDI score and the Specific Positive Memories were statistically significant inversely proportional (r = -0.541, p <0.01), as well as the BDI score and the Categorical Memories Negatives were statistically significant directly proportional (r = 0.528, p <0.01). There was a significant inversely correlated correlation between the BDI score and the General Specific Memory, without considering its valence, (r = -0.437, p <0.05). And a significant correlation was directly proportional between the BDI score and the General Categorical Memories (r = 0.498, p <0.05). However, it is possible to conclude that greater intensity in depressive symptoms, the more nonspecific is the autobiographical memory.

Keywords: depression, autobiographical memory, psychology


 

O Transtorno Depressivo Maior é caracterizado pela presença dos seguintes sintomas: humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias; acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades; perda ou ganho significativo do peso sem estar fazendo dieta; insônia ou hipersonia; agitação ou retardo psicomotor; fadiga ou perda de energia; sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva; capacidade diminuída para pensar ou se concentrar e pensamentos recorrentes de morte (DSM V, 2014).

Beck (2011) apresenta a tríade primária na depressão, em que há a conexão entre os aspectos cognitivos e os fenômenos afetivos, motivacionais e físicos da depressão. O primeiro componente da tríade é o padrão de interpretar as situações de maneira negativa. Estes indivíduos interpretam as situações em seu ambiente de forma derrotista e depreciativa e enxergam a própria vida preenchida de derrotas, obstáculos ou de situações traumáticas. O segundo componente é o padrão de ver a si mesmo de forma negativa e o terceiro componente consiste na visão negativa do futuro, os pacientes anteveem que suas dificuldades irão permanecer ou que o sofrimento irá continuar, enxergam uma vida de penúria, frustração e de privação.

A Organização das Nações Unidas (ONU, 2016) indica, em sua estimativa global, que 350 milhões de pessoas sofrem de depressão. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2014) apresentou que 7,6% da sociedade brasileira acima de 18 anos possui diagnóstico de depressão.

Em alguns casos, indivíduos em episódio depressivo reconhecem suas memórias autobiográficas, porém são referidas a experiências negativas, em outros casos de depressão percebe-se que ela é acompanhada pelo acesso diminuído e mais lento a eventos autobiográficos passados de valência positiva, isso acontece porque quando estão deprimidos tendem a recordar lembranças negativas, pois essas estão mais disponíveis, essa evocação é conhecida como memória congruente com o humor. Porém mesmo após a essa lembrança de memórias positivas, os indivíduos diagnosticados com depressão não conseguem experimentar a melhora no humor. (Baddeley, 2010; Beck 2013; Kohler et al, 2015).

A Memória Autobiográfica (MA) diz respeito às memórias que são guardadas pelo sujeito em relação a si mesmo e ao seu redor, acompanha um senso de re-experiência do evento original e da crença de que ele aconteceu (Baddley et al, 2011; Dutra et al, 2012). A MA está relacionada à capacidade que o indivíduo possui de recordar eventos e fatos pessoais de sua vida que foram vividos e conhecidos pelo sujeito no seu passado como: situações, nomes e faces, podendo apresentar a supergeneralização, de modo que a recordação do próprio passado do indivíduo é feita de maneira genérica e inespecífica e sem especificidade espaço-temporal (Frank; Fernandez, 2006; Dutra et al; 2012).

A presença de memórias supergeneralizadas sobre o passado é uma das características observadas em indivíduos depressivos, podendo comprometer a visualização de eventos relacionados ao futuro, comprometimento na capacidade de na resolução de problemas, facilitação de atos suicidas e aumento da ruminação (Pergher, Stein, Wainer, 2004).

Como um aspecto bem conhecido no funcionamento da memória em episódios depressivos, a memória autobiográfica supergeneralizada apresenta-se em sujeitos deprimidos através da recordação de um período inteiro de sua vida, ao invés de recuperar um evento específico que ocorreu em um momento preciso de sua história, enquanto indivíduos que não sofrem de depressão são capazes de recordar memórias específicas facilmente (Nandrino et al, 2002).

As memórias autobiográficas vão se moldando ao longo da vida e estas fornecem aos indivíduos a capacidade de planejar e enfrentar os desafios do cotidiano, assim, essas memórias definem o “eu”. A disfunção da memória autobiográfica é marcante em transtornos de humor e que talvez possa ser uma causa para a recuperação de memórias negativas na depressão (KOHLER et al, 2015). Recordar uma memória autobiográfica pode ser uma tarefa agradável e reconfortante, porém em alguns casos acontece o oposto, idosos com amnésia ou demência, não conseguem acessar as memórias autobiográficas tão facilmente (BADDLEY et al, 2011).

Portanto, este estudo objetivou investigar o comprometimento da memória autobiográfica em indivíduos com sintomatologia depressiva, bem como analisar se há correlação entre esses sintomas depressivos e as memórias autobiográficas de valência positiva e negativa.

Método
Trata-se de uma pesquisa realizada através de uma amostragem não probabilística acidental e por conveniência. Para a execução deste, obteve-se aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 66901717.0.0000.5641; parecer nº 2.056.936). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A coleta de dados foi realizada nos meses de maio a setembro de 2017 em uma IES da cidade de Maceió/AL.

Participantes

Foi realizado um estudo descritivo e transversal, com indivíduos a partir de 18 anos, universitários do Centro Universitário Tiradentes, na cidade de Maceió/AL, através de uma amostragem não probabilística por conveniência. O estudo foi feito com 25 estudantes com idades entre 18-44 anos, de forma voluntária, de acordo com as regras estabelecidas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Material

Foram coletados os dados dos participantes através de uma ficha sociodemográfica para identificação da amostra. Foi realizada também a aplicação do Inventário de Depressão Beck (BDI) e Teste de Memória Autobiográfica (TMA).

Essa ficha tem por objetivo a coleta de informações para a caracterização da amostra, sendo registrado: sexo, idade, curso, se possui outra graduação, se já realizou algum tratamento psicológico e se faz uso de medicação controlada.

O BDI (Inventário de Depressão Beck) instrumento criado por Beck, Ward, Mendelson, Mock e Erbaugh (1961), para medir a intensidade da depressão. É uma escala de auto relato, contendo 21 itens, cada um com quatro alternativas, apresentando o grau crescente de gravidade da depressão, com escores de 0 a 3. É uma escala auto aplicável, em que o indivíduo deve marcar a alternativa que mais descreve o momento em que esteja vivenciando. Esta escala deve ser respondida com base nos acontecimentos da última semana. A recomendação para o uso do BDI é para indivíduos de 17 a 80 anos de idade. O escore total é o resultado do somatório dos escores individuais de cada item. O escore total permite a classificação de níveis de intensidade da depressão. Os pontos de corte foram sugeridos para avaliar a intensidade de depressão, de 0-9, depressão mínima; 10-16, leve; 17-29, moderada; 30-63 grave. O BDI é uma medida de intensidade, assim sendo não é indicado para identificar categorias nosológicas.

Procedimento

Para a seleção da amostra um convite foi divulgado entre os alunos desta instituição através das mídias digitais para a participação como voluntário da pesquisa e através de convite presencial em salas de aula. Após esse contato, foi marcado um horário com o participante voluntário na Clínica de Psicologia da Instituição para a coleta de dados e aplicação dos instrumentos.

O TMA (Teste de Memória Autobiográfica) utilizado pela primeira vez em pacientes com diagnóstico de depressão por Williams e Broadbent em 1986. O teste é utilizado para avaliar a especificidade de memória autobiográfica. Com base na versão adaptada para o Brasil por Pergher (2005), foram utilizadas 15 palavras, 5 palavras-estímulo neutra (infantil, moderado, novo, ocasião e rápido); 5 palavras-estímulo de valência positiva (elogio, agradável, diversão, animado e honesto); e 5 palavras-estímulo de valência negativa (trágico, infeliz, miséria, raivoso e decepcionado). É um teste verbal, em que o aplicador vai relatando as palavras, uma por vez, até que o indivíduo relate a memória em um prazo de 60 segundos para cada palavra dita. A codificação das respostas obtidas para cada palavra-estímulo é realizada de acordo com quatro categorias. Uma das categorias é relacionada a não memórias ou associados semânticos, duas dessas categorias referem-se às memórias supergeneralizadas (categóricas e estendidas) e a quarta categoria engloba as memórias específicas. O escore varia de 0 a 3.

Análise dos dados

Para fins de caracterização da amostra, foi realizada a análise descritiva dos dados da ficha sociodemográfica através de frequência absoluta e percentual. Foi utilizado o programa de estatística IBM SPSS versão 21, a fim de organizar e categorizar todos os dados obtidos. Foram realizadas análises de correlação de Pearson para verificar a existência significativa entre nível de depressão e memórias autobiográficas supergeneralizadas, bem como se são diretamente ou inversamente proporcionais. O nível de significância estabelecido foi de p<0,05.

Resultados
A amostra foi composta por 25 estudantes, dos quais, 88% (n=22) representava o sexo feminino e 12% (n=3) correspondeu ao sexo masculino. O que prevaleceu na pesquisa, foram estudantes do curso de Psicologia, com 64% (n=16), que se sentiam atraídos devido ao tema do estudo. Foi analisado também que 64% (n=16) dos participantes já haviam feito psicoterapia e 16% (n=4) fizeram uso de medicação controlada. O Quadro 1 mostra a caracterização dos participantes.

 

 

De acordo com o Quadro 2, que apresenta a classificação do Inventário de Depressão Beck -BDI, o nível depressão mínima houve maior incidência, em 36% (n=9) dos indivíduos, o segundo que teve maior incidência foi o nível leve, correspondendo 32% (n=8) dos indivíduos.

 

 

Buscou-se avaliar a existência de relações entre os escores obtidos no Inventário de Depressão Beck com as respostas apresentadas no Teste de Memória Autobiográfica, como demonstra a Quadro 3. De fato, a correlação foi estaticamente significativa inversamente proporcional, correspondendo à hipótese deste trabalho, que maior intensidade em sintomas depressivos terá um prejuízo maior em evocar memórias específicas positivas, sendo assim, uma correlação inversamente proporcional (r= -0,541; p< 0,01).

 

 

Por outro lado, houve uma correlação significativa diretamente proporcional, em relação ao BDI e as respostas às memórias categóricas negativas, visto que, indivíduos em quadros depressivos, possuem as memórias negativas mais disponíveis, porém pouco específicas. (r= 0,528; p<0,01). Inicialmente, uma das hipóteses levantada para este estudo era de que as memórias autobiográficas negativas fossem mais específicas nos indivíduos que apresentassem alto índice de sintomas depressivos, correspondendo com seu estado deprimido, porém na avaliação dos resultados concluiu-se que os participantes com maior índice de sintomas depressivos apresentaram memórias autobiográficas negativas inespecíficas, ou seja, supergeneralizadas.

O Quadro 4 apresenta correlação significativa inversamente proporcional entre o Escore do BDI e respostas para Memórias Específicas de forma geral, sem considerar a sua valência. (r= -0,473; p< 0,05).

 

 

Houve correlação diretamente proporcional e estatisticamente significativa (r=0,498; p< 0,05) entre o Escore do BDI e respostas para Memórias Categóricas de forma geral.

Discussão
Confirmando a hipótese levantada para este estudo, quanto maior a sintomatologia depressiva menor a especificidade da memória autobiográfica de valência positiva. Nandrino e colaboradores (2002) em sua pesquisa chegaram à conclusão de que o acesso a memórias positivas é principalmente o mais prejudicado em pacientes deprimidos. Kolher e colaboradores (2015) observaram que a ausência de memórias autobiográficas positivas é um possível marcador para a recorrência de episódios depressivos, pois ao compararem indivíduos com depressão que recordaram uma memória autobiográfica positiva com indivíduos controles que também tiveram recordação positiva, perceberam que as memórias dos indivíduos com depressão são menos emocionalmente intensas. Sumner e colaboradores (2010) em sua pesquisa avaliaram as memórias autobiográficas de adolescentes que tinham histórico de depressão. Concluíram então que a diminuição da especificidade das memórias autobiográficas prediz uma probabilidade para o desenvolvimento da depressão.

No presente estudo os participantes com maior índice de sintomas depressivos apresentaram memórias autobiográficas negativas inespecíficas, ou seja, supergeneralizadas. Corroborando Kleim e Ehlers (2008) obtiveram os efeitos mais significativos em participantes com depressão, pois os mesmos recuperaram menos memórias autobiográficas específicas do que participantes sem depressão. Porém, contrariando esta afirmação no estudo de Nascimento e Pergher (2011), participantes em estado depressivo foram mais específicos quanto às memórias autobiográficas negativas.

Podemos atribuir à forma como as memórias autobiográficas de valência negativa se apresentaram quanto à ausência de especificidade apesar do índice significativo do BDI, ao fato do valor emocional atribuído a essas memórias, pois ao recordar podem provocar sentimentos dolorosos vinculados a lembrança. Raes (2006) afirma que a menor especificidade das memórias em sugestões negativas prediz um desfecho de níveis mais altos na depressão. Hermans e coloboradores (2006) afirmam que a supergeneralização das memórias se devem ao fato de que pessoas deprimidas tendem a parar a busca da memória que é reforçada negativamente, pois reduz o efeito negativo das memórias dolorosas.

No que diz respeito, a correlação entre o índice significativo de sintomas depressivos e a especificidade da memória autobiográfica, as análises indicaram uma correlação inversamente proporcional e estatisticamente significativa entre o escore de depressão e especificidade geral da memória. Nascimento e Pergher (2011) sugeriram que quanto mais deprimido estiver o paciente, menos específicas serão suas memórias autobiográficas. Porém, em sua pesquisa com 79 sujeitos durante consultas psicológicas, Costa (2010) não verificou memórias autobiográficas generalizadas significativas em participantes com sintomatologia depressiva comparados a participantes sem depressão. Pergher e colaboradores (2004) em seus estudos utilizaram o Teste de Memória Autobiográfica para vários transtornos de humor, com um dos resultados concluíram que na depressão e no transtorno do estresse pós-traumático os participantes obtiveram mais respostas de memórias supergeneralizadas quando comparados aos demais transtornos de humor. Assim, puderam concluir que a evitação de memórias dolorosas específicas esteja relacionada ao transtorno depressivo e de estresse pós-traumático. Esta afirmação corrobora com o presente estudo que identificou que quanto mais significativo os sintomas depressivos, maior a presença de memórias categóricas, que correspondem às memórias supergeneralizadas.

Também comprovamos neste estudo que de uma forma geral quanto maior o índice de sintomas depressivos mais categóricas serão as memórias autobiográficas. Hermans e colaboradores (2006) concluíram que pessoas com depressão respondem com mais frequência memórias supergeneralizadas ou categóricas. A presença dessas memórias pode impedir no curso da recuperação da depressão devido ao processo de ruminação. Maganini, Melo e Peixoto (2012) indicaram em seu estudo uma relação inversa estatisticamente significativa entre a especificidade da memória autobiográfica e o score do BDI, concluindo que sujeitos com maior nível de depressão possuem menos especificidade na memória autobiográfica. Costa (2010) obteve o mesmo resultado em sua pesquisa com indivíduos que apresentavam sintomatologia depressiva e mais memórias nas palavras de valência negativa, em comparação a sujeitos sem depressão.

Diante do exposto, este trabalho verificou como dado mais significativo que existe uma correlação inversa entre o índice nas respostas do BDI e na especificidade da memória autobiográfica a partir das respostas obtidas no TMA, ou seja, maior intensidade em sintomas depressivos, mais inespecífica é a memória autobiográfica comprovando a hipótese levantada para realização desta pesquisa. Este fenômeno da supergeneralização da memória autobiográfica nos possibilita supor que um de seus desencadeadores está na presença de sintomas depressivos.

Como fatores de limitação deste estudo, indica-se o tamanho da amostra pela dificuldade de adesão dos participantes, destacando maior adesão do público feminino. Abrindo a possibilidade da realização da pesquisa com maior número de participantes para um resultado mais significativo. Bem como a ausência de follow-up, especialmente com relação à especificidade das memórias em comparação aos sujeitos com sintomatologia depressiva, antes e depois de intervenções terapêuticas neste sentido para verificar a presença ou não de melhora das memórias e da depressão.

Como foi possível observar, a supergeneralização das memórias autobiográficas representa um fator de risco para o desenvolvimento da depressão, bem como um fator de risco para um melhor prognóstico, por isso dá-se a relevância deste estudo para um melhor entendimento clínico do quadro depressivo e ampliar as possibilidades de intervenções com foco nas memórias autobiográficas desses pacientes.

Vale destacar que quanto mais precocemente identificado esse comprometimento da memória autobiográfica melhor devem ser as possibilidades de intervenções do psicólogo direcionando o tratamento para a psicoeducação deste comprometimento no quadro depressivo e as implicações do não tratamento, pois a visão de futuro também é prejudicada pela valência negativa das memórias autobiográficas, bem como o processo de ruminação que contribui para a manutenção deste quadro. Então, um trabalho focado a dar mais importância às memórias de valência positiva pode contribuir no aumento da especificidade da memória.

A relevância de ter realizado este estudo com um público que não foi previamente diagnosticado com depressão, nem teve esse fator como critério, é que a maioria das pesquisas realizadas no Brasil acerca desta temática foi com população clínica previamente diagnosticada com a depressão, portanto esta pesquisa possibilita uma maior generalização dos resultados, pois o foco dessa pesquisa deu-se em observar o prejuízo da memória autobiográfica em indivíduos que possuíam ou não sintomas depressivos, analisando o nível da memória quando ainda o sujeito não possui diagnóstico para depressão, abrindo a possibilidade de perceber a presença ou não desse prejuízo prévio ao fechamento do diagnóstico.

Dada à importância da temática, intervenções podem ser propostas em universitários mediante ao resultado desta pesquisa e estudos futuros devem ser realizados, investigando o prejuízo e a correlação entre grupos (controle - indivíduos com depressão); bem como se há relevância significativa quando comparadas com grupos de faixas etárias distintas, também levando em consideração a escolaridade.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 01 de Junho de 2018/ Aceite em 25 de Outubro de 2018

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