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Psicologia, Saúde & Doenças

versión impresa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.19 no.2 Lisboa ago. 2018

https://doi.org/10.15309/18psd190223 

Perfil psicológico de mulheres atendidas por equipe multiprofissional de atenção à saúde

Psychological profile of women attended by team multi-practical health care

Nathália Tavares Bellato Spagiari1, Sílvia Nogueira Cordeiro1,Carolina Lopes Tambelini1, Lorrayne Caroline Garcia Silva1, Maria Elizabeth Barreto Tavares dos Reis1

1Departamento de Psicologia e Psicanálise, Universidade Estadual de Londrina (UEL), Campus Universitário, Londrina - PR, Brasil.


 

RESUMO

O presente estudo teve como objetivo descrever as características de adaptação psicológica por meio da Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada Revisada (EDAO-R) e sua relação com o contexto de vida das mulheres atendidas pelo programa de residência multiprofissional no Ambulatório Multiprofissional de Atenção à Saúde da Mulher. Participaram da pesquisa 40 mulheres com idade entre 24 e 77 anos. Foi utilizada a EDAO-R desenvolvida por Ryad Simon, que consiste em uma avaliação quantitativa e qualitativa das respostas quanto ao processo de adaptação. A coleta de dados foi realizada a partir de entrevistas semiestruturadas de acordo com a metodologia proposta pela EDAO-R. A análise de dados foi feita de acordo com os critérios da escala utilizada, considerando a adequação das respostas para os quatro setores da vida. Os resultados indicaram que mais da metade da população participante apresentou adaptação ineficaz severa ou grave. Conclui-se que o alto índice de problemas psiquiátricos em mulheres influencia a baixa eficácia adaptativa e os quadros de crise.

Palavras-chave: saúde da mulher, psicologia, adaptação, EDAO-R


 

ABSTRACT

This study aimed to describe the characteristics of psychological adaptation through Simon's Scale of Adaptation-Revised (EDAO-R) and its relation to the life context of women served by the multidisciplinary residency program in the Multidisciplinary Clinic of Attention to Women's Health. Forty women aged 24 to 77 participated in the research. The EDAO-R consists of a quantitative and qualitative assessment of answers regarding the adaptation process. Data collection was carried out through semi-structured interviews in accordance with the methodology proposed by EDAO-R. Data analysis followed the criteria of the scale, considering the adequacy of the answers to the four sectors of life. The results indicated that more than half of the participating population showed severe or serious ineffective adaptation. We concluded that the high rate of psychiatric problems in women influences the low adaptive efficacy and frameworks crisis.

Keywords: women's health, psychology, adaptation, EDAO-R


 

A atenção à saúde da mulher, na história das políticas de saúde no Brasil e no mundo, tem sido reduzida em grande parte aos parâmetros da atenção materno-infantil e, mesmo assim, frequentemente, relegada a segundo plano. A atenção voltada para a saúde mental da mulher também se encontra defasada, devido à insuficiência de serviços especializados para atendê-la nas diversas fases da vida (Ramada et al., 2010, Rennó et al., 2005). Observa-se que, além dos poucos serviços, os focos das campanhas são voltados às doenças orgânicas, como disfunções relacionadas à menstruação, ao climatério, câncer de mama ou de colo do útero e doenças sexualmente transmissíveis. Assim, questões emocionais da mulher ainda são percebidas somente associadas a seus ciclos biológicos - como gestação, parto, puerpério, climatério (Ministério da Saúde, 2016) -, e as ações do serviço público de saúde buscam alcançar as disfunções biológicas como causadoras de psicopatologias e não o contrário.

Em comparação aos homens, as mulheres têm maior probabilidade de desenvolverem depressão e as mais variadas comorbidades - tanto físicas quanto mentais - como desordens afetivas, distúrbios de ansiedade, ataques de pânico, fobias e desordens alimentares (Ramada et al., 2010; Rennó Jr, Demarque, Lobo, Cavalsan, & Silva, 2012). Segundo Andrade, Viana e Silveira (2006), elas apresentam alta vulnerabilidade a sintomas ansiosos e depressivos, especialmente associados ao período reprodutivo. Desde a menarca até após a menopausa, há muitos transtornos a que as mulheres estão sujeitas, como o transtorno disfórico pré-menstrual, depressão perinatal, depressão perimenopáusica, psicose puerperal, problemas emocionais devido à infertilidade ou gestações abortadas, doenças autoimunes e quadros álgicos (Rennó Jr. et al., 2012). Portanto, esses estudos demonstram a importância do enfoque diferenciado sobre a saúde mental da mulher.

Apesar de ainda serem insuficientes os serviços voltados à saúde mental da mulher no Brasil, existem os que promovem a atenção multidisciplinar de saúde à mulher. Este tipo de atendimento está predominantemente nos hospitais-escolas que atuam com diversos profissionais da área da saúde. Os tratamentos oferecidos incluem atenção clínica, psicoterapias, acompanhamento multiprofissional e familiar e, muitas vezes, estão relacionados a atividades de ensino e pesquisa (Rennó Jr. et al., 2005).

Segundo Ramada et al. (2010), a mulher possui peculiaridades fisiológicas e socioculturais que poderão interferir em sua qualidade de vida. Os preconceitos, tabus e a forma como ela é vista pela sociedade, além das transformações fisiológicas por que passa desde a infância - menarca, gravidez e menopausa -, são fatores que poderão influenciar na sua saúde física e mental. Neste sentido, é importante identificar e modificar os fatores que afetam sua saúde e que auxiliariam na prevenção primária de algumas desordens. Os autores observam que há uma interação entre vulnerabilidade genética, fatores ambientais, fisiológicos e psicossociais, e a resiliência da paciente, a qual poderá influenciar no desenvolvimento das patogêneses sofridas pelas mulheres.

Considerando a importância de haver um serviço que possa oferecer um atendimento integral à saúde da mulher, a Residência Multiprofissional da Saúde da Mulher forma, desde 2013, profissionais aptos a realizarem ações de caráter multi e interdisciplinar voltadas para a promoção, prevenção e recuperação da saúde da mulher nos diferentes níveis de atenção. A equipe de residentes é composta por oito enfermeiros, dois profissionais de educação física, duas nutricionistas, dois farmacêuticos e dois psicólogos.

Em 2014, foi criado o Ambulatório Multiprofissional de Atenção à Saúde da Mulher (AMASM). Para planejar os atendimentos adequados ao contexto ambulatorial, é necessário conhecer as características psicológicas das mulheres encaminhadas para o AMASM. Isso fornece subsídios à equipe multiprofissional que facilitam o diagnóstico e planejamento de intervenções para a promoção e reabilitação da saúde física e mental. É importante ressaltar que o trabalho em equipe multiprofissional possibilita que cada profissional entenda o trabalho dos outros, tornando as discussões e intervenções terapêuticas mais integradas (Cordeiro, Reis, Sei, & Zanetti, 2014).

Para compreender as características adaptacionais psicológicas dessa população, foi utilizada como instrumento de entrevista a Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada - EDAO, desenvolvida por Ryad Simon na década de 1970. A escala busca avaliar a adaptação em quatro áreas da vida pessoal, classificados em Afetivo-Relacional (A-R), Produtividade (Pr), Sociocultural (S-C) e Orgânico (Or).

A EDAO-R é baseada na Teoria da Adaptação proposta por Simon, em que se atribui uma análise qualitativa à eficácia da adaptação, apesar de considerar um escore para cada setor da vida (Simon, 1989, 2005; Yoshida, 2013). Segundo essa teoria, a adaptação é um processo com o qual o indivíduo se defronta na busca da preservação da vida, procurando manter sua integridade física e psíquica por meio de respostas às condições externas e/ou adversas que o modificam (Simon, 1989, 2005).

Entretanto, a EDAO-R avalia o processo de adaptação somente em relação aos setores afetivo-relacional (AR) e produtivo (Pr), uma vez que esses setores têm um peso estruturante na configuração adaptativa geral do sujeito. São atribuídos pesos distintos a cada setor: no setor AR, à adaptação adequada, pouco adequada ou pouquíssimo adequada é atribuído o escore 3, 2, 1, respectivamente, enquanto que, para o setor Pr, o escore é 2, 1, 0, 5. Os setores sociocultural (SC) e orgânico (Or) são avaliados somente qualitativamente (Simon, 1989, 2005).

O setor AR está relacionado aos sentimentos, atitudes e ações do indivíduo nos aspectos inter e intrapessoal. O Pr corresponde aos sentimentos, atitudes e ações relativos à principal atividade de trabalho, artística, filosófica ou religiosa. O SC refere-se ao contexto social, valores e costumes da cultura em que vive, e o Or corresponde ao funcionamento e os cuidados com o próprio corpo, sono e sexo. A avaliação das respostas de cada setor é realizada a partir de três critérios: se houve uma solução para o problema, se essa solução é gratificante e satisfatória ou não e se a solução gera ou não conflitos intrapsíquicos ou ambientais.

Dessa forma, os setores são classificados em três níveis: adequado, quando os três critérios são atendidos, pouco adequado, quando apenas dois dos critérios são satisfeitos, e pouquíssimo adequado, se apenas um dos critérios é satisfeito (Simon, 1989). Na avaliação adaptativa também deve ser considerado se o indivíduo apresenta crise ou não. A crise é uma situação-problema vital, nova e desconhecida para o indivíduo, à qual ele atribui significado simbólico e que, se não for adotada nenhuma solução, se torna cada vez mais aguda (Simon, 1989, 2005).

Considerando o contexto ambulatorial deste estudo e o envolvimento de diversos profissionais nesse meio, vale ressaltar o estudo de Gomes (2013), que teve como proposta a utilização prática da EDAO no contexto do Centro de Referência em Assistência Social (CRAS). A autora considerou relevante o uso da EDAO na prática de psicólogos que atuam no CRAS, no processo de triagem e constituição dos grupos e na realização de uma avaliação posterior à conclusão do trabalho. O estudo apontou que o instrumento, por ser de fácil aplicação, objetivo e por utilizar vocabulário acessível, contribui na comunicação entre diferentes profissionais. Tendo em vista o tema deste estudo, foi feito um levantamento na literatura de estudos que utilizaram a EDAO-R com o objetivo de verificar a eficácia adaptativa de seus pacientes.

O estudo de Heleno e Santos (2004) teve como objetivo conhecer a eficácia adaptativa de 27 pacientes portadores do vírus HIV que eram assistidos pelo Projeto Esperança de São Miguel Paulista - PROJESP. Os resultados indicaram que se tratava de uma população com dificuldades em lidar com as situações, visto que 77% da população apresentaram um nível de adaptação ineficaz severa e grave.

Corrêa, Vizzotto e Cury (2007) realizaram estudo com o objetivo de avaliar a eficácia adaptativa de 57 casais constituídos por homens férteis e mulheres inférteis inseridos em um programa de fertilização in vitro (PFIV) de um Centro de Reprodução Humana. Os resultados indicaram que os homens apresentaram melhor eficácia adaptativa em relação às mulheres durante PFIV, o que pode ser justificado pelo fato de se tratar de homens férteis e mulheres inférteis, ou seja, elas com maior comprometimento do setor orgânico, bem como pela grande importância que a mulher dá à gestação.

Guimarães e Yoshida (2008) investigaram a eficácia adaptativa e o nível de alexitimia de 25 pacientes ambulatoriais portadores da doença de Crohn e da RCUI (retocolite ulcerativa inespecífica). Os resultados indicaram alto comprometimento da qualidade da adaptação e do nível de alexitimia. A qualidade da adaptação não apresentou associação com a severidade da sintomatologia nem com o tempo da doença; entretanto, houve predomínio da adaptação ineficaz severa, moderada e grave.

No levantamento bibliográfico, foram encontrados dois artigos que utilizaram esta escala em pacientes com morbidades especificamente relacionadas à saúde feminina (Heleno, 2010; Silva, 2011). O estudo de Heleno (2010) analisou a eficácia adaptativa de dez mulheres de um ambulatório especializado em Reprodução Assistida, que haviam vivenciado abortamento, seja provocado ou espontâneo. Os resultados indicaram que tanto o abortamento quanto a infertilidade tiveram importante repercussão na eficácia adaptativa das mulheres, sendo que a maioria apresentou adaptação ineficaz severa e moderada.

Silva (2011) realizou um estudo com o objetivo de verificar a eficácia adaptativa e o funcionamento psicológico, social e ocupacional de 12 mulheres idosas submetidas à ablação mamária em decorrência do câncer de mama, atendidas no Setor de Mastologia Maligna do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU). Os resultados indicaram que as mulheres idosas com câncer de mama apresentavam baixa qualidade de vida e baixa eficácia adaptativa.

Considerando os estudos encontrados que utilizaram a EDAO, acredita-se que essa escala possa ajudar na caracterização do perfil psicológico das mulheres atendidas no AMASM. Neste sentido, o objetivo deste estudo foi analisar as características de adaptação psicológica das mulheres atendidas pelo programa de residência multiprofissional no AMASM.

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo 40 mulheres, com idade entre 24 e 77 anos (média = 29 ± 7,1 anos). Quanto ao estado civil, 26 eram casadas, sete solteiras, quatro divorciadas e cinco viúvas. Com relação a suas profissões, 17 eram donas de casa, 12 aposentadas ou afastadas, 10 tinham uma atividade profissional, uma estava desempregada. Todas as mulheres foram encaminhadas por profissionais da saúde, como psiquiatra, nutricionista, ginecologista, cardiologista, assistente social, entre outros.

Abaixo está descrito o diagnóstico clínico, realizado pelo médico, com o qual as mulheres chegaram para o atendimento psicológico e a frequência com que apareceram esses diagnósticos.

Quadro 1.

Diagnóstico Clínico com o qual as mulheres chegaram à triagem, pela frequência e porcentagem

Considerando o Quadro 1, pode-se observar que o diagnóstico clínico mais frequente entre as pacientes está relacionado a algum problema psiquiátrico, descrito como transtorno de ansiedade, transtorno do pânico, transtorno afetivo bipolar e depressão, correspondendo a 57,5% das mulheres entrevistadas. O segundo diagnóstico clínico inclui mulheres do grupo de doenças autoimunes, apresentadas por 20% da amostra, correspondendo às seguintes doenças: artrite, artrose, lúpus, hipotireoidismo etc.. Das mulheres, 12,5% apresentavam o diagnóstico de transtornos alimentares e 10%, doenças consideradas crônicas, como endometriose, hipertensão arterial, dislipidemia etc. É importante considerar que a maioria das participantes apresentava mais de um diagnóstico, podendo ser da mesma categoria ou de diferentes categorias.

 

 

Nota-se, no quadro abaixo, a diferença entre o diagnóstico clínico e a queixa trazida durante a triagem.

Considerando o Quadro 2, percebe-se que 50% das queixas apresentadas na entrevista estavam relacionadas a algum problema psiquiátrico, como transtorno borderline, depressão, transtorno afetivo bipolar, transtorno do pânico, estresse, transtorno de ansiedade. Em seguida, com frequência de 17,5%, seguem queixas relacionadas a alguma dificuldade nos relacionamentos afetivos familiares e a algum transtorno alimentar. A queixa menos frequente está relacionada a problemas ginecológicos, como endometriose, climatério, menopausa e gigantomastia, correspondendo a 15% da população.

 

 

Material

O instrumento utilizado para as entrevistas foi a Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada Redefinida (EDAO-R).

Procedimento

As mulheres que participaram da pesquisa foram encaminhadas ao Ambulatório Multiprofissional de Saúde da Mulher no período entre março e setembro de 2015. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas pela residente de psicologia nos dias e horários previamente agendados para consulta de rotina. As mulheres foram informadas sobre a pesquisa e convidadas para participar do estudo, e, ao aceitarem o convite, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os dados obtidos foram analisados considerando o diagnóstico clínico, a queixa apresentada na triagem e o diagnóstico adaptativo. A avaliação da adaptação psicológica seguiu orientação de Simon (1989, 2005), ou seja, a adequação das respostas (adequadas, pouco adequadas ou pouquíssimo adequadas) para os setores afetivo-relacional (AR) e produtividade (Pr). Em seguida, somaram-se os pontos obtidos nos dois setores.

Ao final, obteve-se a classificação dos cinco grupos de diagnóstico adaptativo possíveis: Adaptação Eficaz (Grupo 1), Adaptação Ineficaz Leve (Grupo 2), Ineficaz Moderada (Grupo 3), Ineficaz Severa (Grupo 4) e Ineficaz Grave (Grupo 5). Não há grupos específicos para a pessoa “em crise” (Simon, 2005). Considera-se adaptação eficaz quando a adequação das respostas resulta em 5 pontos, adaptação ineficaz leve quando resulta em 4 pontos, ineficaz moderada quando resulta entre 3 e 3,5 pontos, ineficaz severa quando resulta entre 2 e 2,5 pontos, e ineficaz grave quando resulta em 1,5 ponto.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos, atendendo aos princípios éticos contidos na resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

Observa-se no Quadro 3 o resultado da classificação diagnóstica das participantes, obtida a partir das entrevistas semiestruturadas, segundo os critérios da EDAO-R, apresentando tanto a frequência quanto a porcentagem de cada resultado.

 

 

Classificação diagnóstica adaptacional das mulheres da amostra, em crise ou sem crise, pela frequência e porcentagem.

Nota-se no Quadro 3 que, das 40 participantes, 17 apresentaram adaptação ineficaz severa, das quais 11 não apresentaram características que pudessem ser classificadas como se elas estivessem em crise e seis apresentaram característica de que estavam em crise. Em seguida, vem a adaptação ineficaz grave, representada por 11 participantes, das quais duas mulheres apresentaram características de que estavam em crise. Encontraram-se oito mulheres classificadas com adaptação ineficaz moderada, das quais somente uma apresentou características de crise. Adaptação ineficaz leve foi encontrada em três mulheres, das quais nenhuma apresentou característica de crise. Apenas uma participante se classificou com adaptação eficaz e não apresentava características de crise.

DISCUSSÃO

Analisando o perfil das mulheres participantes nesta pesquisa, observou-se que 90% delas tinham idade menor que 60 anos. Assim, isto pode ser associado a preocupação nas políticas públicas com campanhas de prevenção aos problemas relacionados à saúde da mulher (Ministério da Saúde, 2016). Portanto, ocorre o incentivo às mulheres de buscarem os serviços de saúde cada vez mais cedo e, por isso, obterem diagnóstico cada vez mais cedo (Alves, Silva, Ernesto, Lima, & Souza, 2011; Pinheiro, Viacava, Travassos, & Brito, 2002). Ramada et al. (2010) apontam que as particularidades fisiológicas e socioculturais podem afetar a qualidade de vida da mulher, como sua atividade profissional. Também é notado que se parte do biológico para o psicológico na visão de alguns setores de saúde (Rennó et al., 2005; Ramada et al., 2010).

Em relação ao tipo de encaminhamento, todas as mulheres chegaram ao ambulatório (AMASM) referenciadas por profissionais da saúde (psiquiatra, nutricionista, ginecologista, cardiologista etc.). Pode-se supor que a ausência de busca espontânea das pacientes se justifique pelo fato de o serviço ser de atenção secundária - o que necessita de encaminhamento de outro serviço do Sistema Único de Saúde - SUS- para seu acesso -, ou até mesmo por serem pacientes que apresentam vários problemas orgânicos. Essas disfunções orgânicas podem estar relacionadas a vários aspectos, inclusive emocionais. Todavia, pode existir uma dificuldade por parte das especialidades médicas em identificá-los, já que se utilizam de um olhar biomédico, voltado para o organismo e as doenças (Cordeiro & Ortiz, 2015).

Considerando ainda a caracterização dessa população, verificou-se que, tanto no diagnóstico clínico quanto nas queixas, os mais frequentes foram os distúrbios psiquiátricos. Isto pode estar relacionado à baixa eficácia adaptativa encontrada nos resultados a partir da EDAO-R, visto que mais da metade das mulheres apresentou adaptação ineficaz severa ou grave. Isso corrobora as pesquisas que apontam maior disposição da mulher para doenças psiquiátricas (Ramada et al., 2010; Rennó et al., 2012). É importante considerar que o diagnóstico clínico foi realizado por um médico, enquanto a queixa se constitui por questões que incomodam a mulher diariamente. Por vezes, a mulher apresentou um diagnóstico, mas se queixou de outras questões relacionadas à vida, ou seja, reportou dificuldades emocionais experienciadas, não as relacionando com o diagnóstico.

De forma semelhante, os estudos de Heleno e Santos (2004), Corrêa et al. (2007), Guimarães e Yoshida (2008), Heleno (2010) com pacientes com comprometimento na saúde apontaram para a adaptação ineficaz, principalmente severa e grave. Outro ponto apresentado nesses estudos (Corrêa et al., 2007; Guimarães & Yoshida, 2008; Heleno, 2010; Heleno & Santos, 2004), e que deve ser considerado, é que seus resultados mostram que a população participante tende a apresentar adaptação ineficaz nos diferentes setores adaptativos (afetivo-relacional, produtividade, orgânico e sociocultural), visto que eles estão relacionados uns aos outros.

Essa associação entre os setores, nesta pesquisa, pode ser percebida devido à baixa eficácia adaptativa dessas mulheres, que está ligada ao comprometimento no setor orgânico. Isto pode afetar direta e indiretamente nas dificuldades em lidar com as situações da vida, acarretando conflitos internos e externos (setor afetivo-relacional), como também na sua relação com a família e amigos (setor sociocultural) e, muitas vezes, até mesmo nas suas atividades e trabalho (setor de produtividade).

Segundo Andrade, Viana e Silveira (2006), das dez principais causas de incapacitação, metade está associada aos transtornos psiquiátricos, “sendo a depressão responsável por 13% das incapacitações, alcoolismo por 7,1%, esquizofrenia por 4%, transtorno bipolar por 3,3% e transtorno obsessivo-compulsivo por 2,8%” (p. 44). Logo, é importante considerar ainda que as nove mulheres que apresentaram características de que estavam em crise também têm algum problema psiquiátrico, o que mostra o quanto os fatores emocionais afetam a adaptação delas na vida.

Conclui-se, a partir dos resultados desta pesquisa, que as participantes não estão adaptadas psicologicamente, haja vista a baixa eficácia adaptativa e os quadros de crise encontrados com a aplicação da EDAO-R. Ao relacionar os resultados com o alto índice de problemas psiquiátricos apresentados por essas mulheres, compreende-se a relação entre os quatro setores de adaptação da EDAO-R, pois se um deles de encontra comprometido, os outros são afetados de alguma maneira.

Assim, observa-se que as mulheres têm buscado cada vez mais cedo os serviços de saúde, o que permite uma ação preventiva, como também um cuidado cada vez maior de seus problemas de saúde. O encaminhamento das mulheres pelas áreas médicas aos setores de psicologia indica o início de diálogo entre os profissionais de saúde e uma tentativa de atender a saúde da mulher além do campo biológico.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 25 de Agosto de 2016/ Aceite em 04 de Junho de 2018

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