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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.19 no.2 Lisboa ago. 2018

https://doi.org/10.15309/18psd190213 

Violência nas relações íntimas juvenis e ideação e comportamentos suicidas

Dating violence, ideation and suicidal behaviors

Sónia Caridade1, Sara Barros1

1Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal. Praça 9 de Abril, 349. 4249-004 Porto. Portugal. soniac@ufp.edu.pt, 21512@ufp.edu.pt


 

RESUMO

Este estudo procurou analisar a relação entre violência nas relações íntimas juvenis e a ocorrência de ideação e comportamentos suicidas. Para tal recorreu-se à Escala Tática de Conflitos que permite avaliar a prevalência de diferentes tipos de abuso íntimo e ao Inventário de Ideação e Comportamentos Suicidas. Participaram neste estudo 262 jovens, maioritariamente raparigas (75.2%), cuja média de idades era de 23.7 (D.P. = 4.14), que admitiram estar envolvidos numa relação de namoro no último ano. Em termos de resultados o abuso psicológico assume maior preponderância sobre todos os outros tipos de abuso, na perpetração (51.1%) e na vitimação (45.4%). As análises de associação revelaram que ofensores e vítimas apresentam pensamentos e/ou comportamentos suicidas. Quando se considerou o sexo dos participantes, detetamos mais associações estatisticamente significativas entre a ideação e/ou comportamentos suicidas pelo sexo feminino e a perpetração e a vitimação de diferentes tipos de abuso. Os resultados encontrados neste estudo confirmam assim a necessidade de se continuar a desenvolver esforços de identificação e prevenção da violência íntima juvenil, procurando-se igualmente e de forma específica implementar estratégias de prevenção do suicídio junto desta população.

Palavras-chave: violência íntima, jovens, comportamentos suicidas, ideação suicida


 

ABSTRACT

This study analyzes the relationship between dating violence and ideation and suicidal behaviors. We used the Conflict Tactics Scale Revised that evaluates the prevalence of different types of intimate abuse and the Inventory ideation and suicidal behavior. In this study participated 262 young people, mostly girls (75.2%), whose average age is 23.7 (S.D. = 4.14), who admitted to being involved in a dating relationship last year. In results psychological abuse takes greater dominance over all other types of abuse, in the perpetration (51.1%) and victimization (45.4%). The association analyzes revealed that offenders and victims have thoughts and/or suicidal behavior. When we consider the gender of the participants, we detected more statistically significant associations between ideation and/or suicidal behavior by women and the perpetration and victimization of different types of abuse. Thus, the results of this study endorse the need to develop efforts to identify and prevent dating violence. It is still necessary to implement suicide prevention strategies with this group.

Keywords: dating violence, youngs, suicidal behaviors, suicidal ideation


 

O fenómeno da violência nas relações íntimas juvenis (VRIJ) é hoje uma problemática amplamente difundida ao nível da comunidade científica e social. Não obstante, o estudo da violência na intimidade começou por se centrar na violência marital e só posteriormente, sob o impulso do estudo desenvolvido por Makepeace (1981), nos Estados Unidos da América, surgiu o interesse em investigar este assunto junto dos mais jovens. Este estudo pioneiro permitiu verificar que um em cada cinco estudantes universitários tinha sido vítima de violência física por parte do/a seu/sua companheiro/a e que 61% da sua amostra conhecia alguém que já tinha sofrido este tipo de comportamentos abusivos na intimidade (Makepeace, 1981). A partir de então, assistimos, sobretudo ao nível da comunidade científica internacional, a uma proliferação da investigação em torno da VRIJ, sendo hoje possível encontrar vários estudos dispersos por diferentes países, comprovando que se trata de um problema comum e amplamente disseminado (Caridade, 2011, Caridade, 2018a). A análise dos vários indicadores de prevalência apurados por diferentes estudos revelam grande disparidade e variabilidade, podendo situar-se entre os 12.1% (Henton, Cate, Royal, Lloyd, & Christopher, 1983) e os 72.4% (Aldrighi, 2004).

Em Portugal, assistimos também a uma proliferação da investigação produzida neste domínio, sobretudo nos últimos 20 anos (e.g., Lucas, 2002; Faias, Caridade, & Cardoso, 2016; Machado, Caridade, & Martins, 2010; Paiva & Figueiredo, 2004; Santos & Caridade, 2017; Neves, Correia, Torres, Borges, Silva, & Topa, 2018) e a qual tem sido particularmente útil no reconhecimento deste fenómeno como sendo um problema sério, especialmente entre os mais jovens. A título exemplificativo, cita-se um estudo recente (Neves et al., 2018) conduzido com uma amostra de 609 estudantes universitários e o qual permitiu comprovar que uma percentagem significativa de estudantes já esteve exposto a situações de violência no namoro (22.4% das raparigas e 10.7% dos rapazes), surgindo as raparigas como as principais vítimas; também neste estudo a violência psicológica registou valores mais expressivos (22.2% no caso das raparigas e 24.3% no caso dos rapazes).

Concomitantemente têm sido igualmente investigados e identificados os efeitos negativos que este tipo de abuso poderá ter no ajustamento psicossocial das vítimas, a diferentes níveis: individual, académico e social (Close, 2005). Uma análise da literatura internacional (cf. Caridade, 2018a) neste âmbito permitiu perceber que para as vítimas os efeitos são múltiplos, sabendo-se que para além das consequências mais físicas/fisiológicas, as consequências psicológicas e sociais parecem ter um impacto mais desestruturante no seu funcionamento individual. Considerando o género da vítima, tem sido documentado que as raparigas vítimas de VRIJ são mais vulneráveis a experienciar sentimentos de tristeza e desânimo (Santos & Caridade, 2017); apresentar tentativas de suicídio, possuir um maior envolvimento em lutas, envolver-se no consumo de substâncias nomeadamente tabaco, álcool e substâncias ilícitas, bem como adotar comportamentos sexuais de risco (Howard & Wang, 2003). Outros autores (e.g., Callahan, Tolman, & Saunders, 2003) defendem que o sexo feminino propende mais a desenvolver Perturbação de Stress Pós-Traumático (PTSD) e comportamentos dissociativos. Por sua vez, os rapazes que sofreram VRIJ parecem envolver-se mais facilmente em lutas, podendo experienciar sentimentos de tristeza e desânimo e iniciar o abuso de substâncias, tal como o sexo feminino (Howard & Wang, 2003). De acordo com Callahan e seus colaboradores (2003), os jovens rapazes tendem também a experienciar ansiedade, depressão e PTSD nas relações de intimidade.

A ideação e os comportamentos suicidas têm sido identificados como uma outra consequência da experienciação de VRIJ, conhecendo-se estudos (e.g., Bossarte, Simon, & Swahn, 2008) que comprovaram que os adolescentes que foram expostos ou sofreram algum tipo de violência interpessoal constituem um grupo de grande risco para a prática de violência autoinfligida. Além disso, a literatura da especialidade tem vindo a demonstrar a existência de uma associação estatisticamente significativa entre VRIJ e os comportamentos suicidas (cf. Belshaw, Siddique, Tanner, & Osho, 2012).

Tal como a VRIJ, o suicídio, as tentativas de suicídio e a ideação suicida constituem um importante problema de saúde pública (Baggio, Palazzo, & Aerts, 2009; Brezo, Paris, Barker, Tremblay, Vitaro, Zoccolillo, Hébert, & Turecki, 2007), os quais exigem uma intervenção atempada e adequada. De notar ainda que a ideação suicida constitui um importante preditor de risco para o suicídio (Werlang, Borges, & Fensterseifer, 2005). Ainda que, de acordo com o Plano Nacional de Prevenção do Suicídio (DGS, 2013), as taxas de suicídio jovem em Portugal sejam pouco significativas, sendo que neste século a taxa foi sempre inferior a 5 por 100.000, é sabido que no final da adolescência, a taxa de suicídio e tentativas de suicídio tem maior incidência (Santos & Sampaio, 2013). De referir ainda um estudo (Bridge, Golstein, & Brent, 2006) que envolveu 15 países europeus, com jovens entre os 15 e os 24 anos e o qual concluiu que apesar de Portugal apresentar as taxas de suicídio mais baixas para homens (5.5%) e mulheres (1.3%), entre os 15 e os 29 anos, o suicídio era a segunda causa de morte.

Braga e Dell'Aglio (2013) referem que os elevados números de suicídios na adolescência estão relacionados com a dificuldade que os jovens apresentam em enfrentar as exigências sociais e psicológicas impostas pela fase desenvolvimental em que se encontram. O período da adolescência, de acordo com Borges e Werlang (2006), constitui uma fase pautada por vários conflitos e mudanças, podendo o adolescente recorrer a comportamentos agressivos, impulsivos ou suicidas para fazer face aos seus problemas. Tem sido ainda sustentado que um jovem que pensa, ameaça, tenta e concretiza o suicídio tende a apresentar deficits em termos dos seus mecanismos adaptativos, recorrendo ao suicídio como forma de aliviar a dor e o sofrimento (Borges & Werlang, 2006). Segundo Ullman (2004), a maioria das tentativas de suicídio no sexo feminino, tendo em conta a vitimização sexual feminina, estão associadas a desordens psiquiátricas (70%), à violação sexual (12%) e a abusos (7%).

Um dos maiores estudos interculturais realizados neste domínio (Chan, Straus, Brownridge, Tiwari, & Leung, 2008), que envolveu 15.927 estudantes universitários de 21 países, procurou caracterizar a prevalência do abuso íntimo e analisar a relação deste com a ideação suicida entre os estudantes universitários. Este estudo comprovou que, em média, 32% (8 - 48%) dos estudantes universitários inquiridos admitiram ter tido ideias suicidas. Portugal integrou este estudo, tendo-se constatado que 6.3% dos rapazes e 6.9% das raparigas reportaram ter apresentado ideias suicidas. Do estudo concluiu-se ainda que os países (China, Hong Kong, Índia, Israel, Singapura, Austrália, Nova Zelândia, Bélgica, Alemanha, Grécia, Lituânia, Holanda, Portugal, Rússia, Suíça, Suécia, Inglaterra, Brasil, México, Canadá e Estados Unidos da América) que apresentavam índices de ideação suicida mais elevados do que a média, tiveram taxas de violência no namoro superior à média.

Swahn e seus colaboradores (2008) tendo por base uma amostra de adolescentes verificaram que, quer a violência entre pares quer a violência nas relações íntimas se encontram associadas ao comportamento suicida. Por sua vez, também Kreiter e seus colaboradores (1999) encontraram uma associação positiva entre VRIJ e comportamentos suicidas, para ambos os géneros, embora esta associação fosse mais robusta no caso das raparigas. Esta maior propensão das raparigas para a violência autodirigida foi igualmente identificada por Howard e Wang (2003), mediante uma amostra de grandes dimensões (7.824 participantes) recolhida através de um dos maiores inquéritos internacionais realizados com jovens - Youth Violence Survey.

Se considerarmos as diferentes tipologias de violência, há estudos (e.g., Belshaw et al., 2012; Silverman, Raj, Mucci, & Hathaway, 2001) que comprovam que a violência física e sexual poderão redundar em consequências muito nefastas, incluindo o comportamento suicida. Assim, em 2012, um outro estudo (Belshaw et al., 2012) verificou que os adolescentes que foram alvo de violência nas relações íntimas relataram mais, comparativamente com as não vítimas, a prática de violência autoinfligida. O recurso à violência autodirigida foi atribuído por alguns adolescentes para fazer face às exigências e dificuldades inerentes às relações íntimas e também como estratégia de coping para lidar com o sofrimento físico e psicológico de que eram alvo. Buttar, Clements-Nolle, Haas e Reese (2013) desenvolveram um estudo com uma amostra de 305 adolescentes do sexo feminino integrado no sistema de justiça juvenil em Nevada, com idades compreendidas entre os 13 e os 17 anos de idade, de forma a analisar a prevalência da violência no namoro, os problemas psicológicos e as tentativas de suicídio em adolescentes do sexo feminino. Verificaram que 18% das adolescentes já teriam tentado o suicídio com intenção de morrer e que em 40% dos casos a violência no namoro estava associada a problemas psicológicos e em 27% dos casos estava associada a tentativas de suicídio.

Os estudos internacionais comprovam, desta forma, que a ideação e comportamentos suicidas constituem uma das consequências da experienciação de violência (física e sexual) no âmbito das relações íntimas (cf. Belshaw et al., 2012). Não obstante, importa referir que há estudos que comprovam que o suicídio poderá apresentar um efeito bidireccional na violência. A título exemplificativo cita-se o estudo longitudinal desenvolvido por Roberts, Klein e Fisher (2003), o qual sustenta que os sintomas depressivos e os comportamentos suicidas poderão constituir quer percursores quer consequências da violência na intimidade dos jovens. Também Kreiter e colaboradores (1999) apuraram que as adolescentes com história de tentativa de suicídio apresentavam mais probabilidades de virem a experienciar pelo menos um acto de violência física na sua relação amorosa, do que as adolescentes sem este historial.

Em território nacional, e pese embora comecemos a assistir a um franco desenvolvimento e progresso da investigação sobre a VRIJ (Caridade, 2018a), não se conhecem ainda estudos que procurem especificamente analisar a relação entre a ocorrência de VRIJ e a ideação e os comportamentos suicidas. O presente estudo pretende assim dar um contributo útil nesta matéria ao explorar a relação entre violência no namoro e ideação e comportamentos suicidas, com vista a auxiliar as políticas de prevenção e intervenção neste domínio. Como hipótese de investigação considera-se que existirá uma associação positiva entre VRIJ e ideação e comportamentos suicidas, sendo esta associação particularmente mais robusta no caso das raparigas que relataram sofrer violência íntima.

MÉTODO

Participantes

O presente estudo possui uma amostra com 262 jovens que admitiram possuir experiência de namoro nos últimos 12 meses e com idades superiores a 16 anos. Dos 262 jovens que participaram no estudo, a grande maioria 197 (75.2%) pertenciam ao sexo feminino e 65 (24.8%) ao sexo masculino. A idade dos inquiridos encontrava-se compreendida entre os 16 e os 39 anos e cuja média de idades era de 23.7 (D.P. = 4.14).

Em termos de habilitações literárias dos inquiridos, a maioria dos jovens era licenciado (50.4%). Uma percentagem considerável dos jovens inquiridos referiu possuir o 12º ano (29.8%), 14.5% o mestrado, 3.4% dos participantes situou a sua escolaridade entre o 4º ano - 9ºano, 1.5% referiu possuir bacharelato e apenas 1 participante se apresentou como sendo doutorado.

Material

A seleção dos instrumentos a utilizar no presente estudo foi efetuada tendo em conta a problemática em estudo, ou seja, focar-se no tópico da violência nas relações íntimas, considerando apenas a população jovem, assim como analisar a relação existente entre o abuso íntimo e a ideação e/ou comportamentos suicidas.

Neste sentido, para a realização desta investigação foram utilizados dois intrumentos: Escala de Táticas do Conflito Revisada (CTS2), a qual foi adaptada por Carla Paiva e Bárbara Figueiredo (2002) e a Escala de Ideação e Comportamentos Suicidas, construída para o efeito do presente estudo.

O CTS-2 permite avaliar a qualidade do relacionamento íntimo e identificar os casais que vivenciam os seguintes diferentes tipos de abuso: a) abuso físico sem sequelas, b) agressão psicológica, c) abuso físico com sequelas e d) coerção sexual. Este questionário permite-nos contabilizar o número de ocorrências durante o último ano por parte do/a inquirido/a e pelo/a companheiro/a. Apresenta oito categorias de resposta, sendo as primeiras seis destinadas a determinar a incidência e cronicidade no último ano: (1) uma vez no ano anterior, (2) duas vezes no ano anterior, (3) 3-5 vezes no ano anterior, (4) 6-10 vezes no ano anterior, (5) 11- 20 vezes no ano anterior, (6) mais de 20 vezes no ano anterior e as outras duas categorias destinadas a determinar a prevalência (7) não no ano anterior mas ocorreu anteriormente e a inexistência deste tipo de abuso (8) nunca aconteceu. O instrumento permite ainda determinar diferentes níveis de severidade do abuso, entendido no sentido do risco de sequelas para a vítima, classificando os itens em ligeiro ou severo. Os valores da consistência interna (alpha) para a versão portuguesa da CTS-2 são os seguintes: agressão psicológica é 0.67, abuso físico sem sequelas é 0.74, coerção sexual é 0.40, abuso físico com sequelas é 0.66 (Paiva & Figueiredo, 2006). No presente estudo, foram encontrados valores mais elevados em termos de consistência interna, sendo o alpha para a agressão psicológica de 0.90, 0.81 para o abuso físico sem sequelas,0.56 para a coerção sexual e para 0.61 para o abuso físico com sequelas.

Para avaliar a ideação e comportamentos suicidas, foram apresentados quinze itens aos participantes, os quais tinham de responder em que medida nos últimos 12 meses experienciaram algum dos pensamentos e/ou comportamentos suicidas apresentados, tendo por base uma escala de likert de 5 pontos: 1. Nunca; 2. Raramente; 3. Algumas vezes; 4. Muitas vezes; 5. Sempre. A análise da coerência existente nas respostas dos sujeitos aos itens da escala, mediante o coeficiente alfa de Cronbach, evidenciou bons níveis de consistência interna (.81).

Procedimento

Uma vez obtida a aprovação da comissão de ética para a realização do presente estudo, foram solicitadas as autorizações às autoras do instrumento de caracterização de prevalência do abuso íntimo - CTS 2 - a ser utilizado nesta investigação. Seguidamente, procedeu-se à recolha de dados, tendo-se recorrido para o efeito a uma plataforma online - Google Docs - onde foram publicados os instrumentos e respetivo consentimento informado aos participantes. Inicialmente, os participantes foram confrontados com toda a informação referente ao estudo (objetivos, critérios de inclusão na amostra: ter estado envolvido em relação de namoro no último ano e possuir mais de 16 anos) e aos fins a dar aos resultados obtidos, sendo dadas garantias de anonimato e de confidencialidade aos inquiridos, num registo de cumprimento de todos os procedimentos éticos e deontológicos. Neste âmbito e para que o participante pudesse prosseguir com o preenchimento do protocolo de instrumentos, deveria primeiramente prestar o seu consentimento informado. No final do preenchimento do protocolo de instrumentos, aos participantes foram disponibilizados contactos de várias linhas de apoio (como a APAV, a CIG e a UMAR), a quem poderiam recorrer, se assim entendessem e considerassem necessário. O protocolo de instrumentos foi divulgado através das redes sociais.

 Análise de dados

 Os dados recolhidos neste estudo foram sujeitos a análises estatísticas com recurso ao programa informático IBM SPSS 23.0 (Statistical Package for the Social Sciences), tendo sido realizadas análises descritivas para a caraterização da amostra e para determinar a prevalência dos diferentes tipos de abuso íntimo medidos pela Escala Tática de Conflitos, bem como dos pensamentos e comportamentos suicidas. Nas análises inferenciais, optou-se por cruzar apenas o sexo dos participantes com a Escala Tática de Conflitos e a Escala de Ideação e Comportamentos Suicidadas, por esta constituir a variável sociodemográfica mais frequentemente analisada nos estudos conduzidos neste domínio. Assim, realizamos testes de associação (Qui-Quadrado) para analisar a relação entre o sexo dos participantes e os diferentes tipos de abuso íntimo; o sexo dos participantes e a presença de pensamentos e comportamentos suicidas, bem como a relação entre experiênciação de abuso íntimo e a presença de pensamentos e comportamentos suicidas e o sexo dos participantes.

RESULTADOS

Prevalência do abuso íntimo e sexo dos participantes

Um dos objetivos desta investigação consistiu em caracterizar a prevalência de abuso físico (com e sem sequelas), psicológico e sexual, atendendo aos padrões de vitimação e perpetração. Assim, a agressão psicológica surge como o tipo de abuso mais relatado pelos participantes, quer em termos de perpetração (51.1%), quer em termos de vitimação (45.4%). De forma surpreendente, a coerção sexual surgiu como sendo o segundo tipo de abuso mais prevalente nesta amostra, sendo que 22.5% dos participantes admitiu já ter recorrido a esta forma de violência nas suas relações íntimas e 24.5% referiu ter sido vítima deste tipo de abuso. Uma parte significativa da amostra (17.9%) assumiu recorrer ao abuso físico sem sequelas na sua relação de namoro e 16% referiu que foi vítima deste tipo de abuso por parte do seu companheiro/a. O abuso físico com sequelas apresentou uma reduzida taxa de prevalência, mas ainda assim preocupante, e em que 3.4% admitiu ter usado este tipo de abuso na sua relação íntima e, em igual percentagem (3.4%) admitiu ter sido vítima deste tipo de abuso por parte do seu companheiro/a na sua relação de namoro, no último ano.

Um segundo objetivo do nosso estudo prendeu-se com a análise da relação entre o abuso físico (com e sem sequelas), psicológico e sexual, considerando os padrões de vitimação e perpetração e o sexo dos participantes (cf. Quadro 1). Em termos de perpetração, o abuso psicológico assumiu maior preponderância comparativamente com os outros tipos de abusos, sendo assumido por 66% dos participantes do sexo masculino e por 68.2% dos inquiridos do sexo feminino, não se verificando, contudo, diferenças estatisticamente significativas (χ2=.086, p=.769). O abuso físico sem sequelas, ainda que menos prevalente foi admitido por 19.3% dos participantes do sexo masculino e por 20.5% do sexo feminino, e uma vez mais não se verificaram diferenças estatisticamente significativas (χ2=.036, p=.850). Por sua vez, O abuso físico com sequelas foi admitido por uma pequena percentagem dos participantes quer do sexo masculino (1.6%) quer do sexo feminino (4.2%), não se verificando diferenças estatisticamente significativas (χ2=.960, p=.327). Já no que respeita à coerção sexual, foram encontradas disparidades de sexo estatisticamente significativas (χ2=21.25, p =.000) e em que os rapazes assumiram mais frequentemente recorrer à coerção sexual (45.8%) quando comparados com as raparigas (16.7%).

 

 

No que respeita ao padrão de vitimação, não se verificaram dissemelhanças de sexo estatisticamente significativas nos diferentes tipos de abuso. De forma mais específica, o abuso psicológico torna a assumir a prevalência sendo admitido por 66.7% dos participantes do sexo masculino e por 56.3% do sexo feminino, não havendo diferenças estatisticamente significativas (χ2=2.151, p=.341). Por outro lado, uma percentagem significativa de inquiridos do sexo masculino (32.3%) admitiu ter perpetrado coerção sexual e 23.5% dos inquiridos de sexo feminino assumiu ter sofrido este tipo de abuso, não sendo as diferenças estatisticamente significativas (χ2=1.858, p=.173). O abuso físico sem sequelas foi mais reportado pelo sexo masculino (20.7%) do que pelo sexo feminino (17.4%), mas sem diferenças estatisticamente significativas (χ2=.307, p=.580). Por último, o abuso físico com sequelas foi assumido por 3.1% dos inquiridos do sexo maculino e por 3.6% do sexo feminino, não havendo igualmente diferenças estatisticamente significativas (χ2=.044, p=.834).

Prevalência da ideação e comportamentos suicidas e sexo dos participantes

Outro dos objetivos desta investigação era o de caracterizar a prevalência da ideação e comportamentos suicidas. Assim, a grande maioria dos participantes do estudo (80.5%) admitiu já ter tido, uma vez ou mais, algum tipo de pensamento e/ou comportamento suicida.

No que respeita à prevalência da ideação e dos comportamentos suicidas em função do sexo dos participantes, não foram encontradas quaisquer diferenças estatisticamente significativas (χ2=2.467, p=.116).

Assim e tomando em consideração o padrão de agressão, verificámos que o abuso psicológico e o abuso físico sem sequelas apresentam uma associação estatisticamente significativa (χ2=8.081, p=0.04; χ2=6.632, p=0.01, respetivamente) que avalia a ideação suicida e comportamentos suicidas.

No que respeita ao padrão de vitimação, o abuso físico sem sequelas e a coerção sexual revelaram uma associação estatisticamente significativa com o total da escala (χ2=5.583, p=0.02; χ2=6.525, p=0.01, respetivamente).

Em suma, a experienciação de algum tipo de abuso medido pela Escala Tática de Conflitos, assim como o recurso por parte dos participantes aos diferentes tipos de abuso íntimo apresenta uma relação estatisticamente significativa com a ideação e/ou comportamentos suicidas.

Quando se considera o sexo dos participantes e o total da escala que avalia a ideação e comportamentos suicidas é possível perceber a existência de uma associação positiva com a perpetração da coerção sexual pelo sexo masculino (χ2=7.606, p=0.006), assim como pela vitimação desta forma de abuso pelos rapazes (χ2=7.457, p=0.006). Por sua vez, o total da escala apresenta uma associação estatisticamente significativa com a perpetração pelo sexo feminino do abuso psicológico e físico sem sequelas (χ2=9.640, p=0.002; χ2=4.535, p=0.03, respetivamente). A ideação e os comportamentos suicidas surgem ainda positivamente associados à vitimação feminina do abuso físico sem sequelas (χ2=5.307, p=0.02) (cf. Quadro 2).

 

 

Em suma, a ideação e/ou comportamentos suicidas apresentados pelo sexo masculino revelam uma associação positiva apenas com a perpetração e/ou vitimação da coerção sexual. Já no caso das raparigas encontramos um padrão de associações diferente, e em que não se verifica qualquer relação, seja no padrão de agressão, seja no de vitimação, entre a ideação e/ou comportamentos suicidas e a coerção sexual. As associações estatisticamente signitificativas detetadas situam-se sobretudo entre a ideação e/ou comportamentos suicidas da perpetração e vitimação do abuso psicológico, físico sem sequelas e físico com sequelas.

DISCUSSÃO

Este estudo procurou analisar a relação entre a perpetração e a experienciação de violência nas relações de namoro juvenis e a ideação e os comportamentos suicidas.

De uma forma global, este estudo veio comprovar a existência de elevados indicadores de violência nas relações íntimas juvenis. De forma mais específica, o abuso psicológico surgiu como o tipo de abuso mais mencionado pelos participantes, quer ao nível da perpetração (51.1%) e da vitimação (45.4%). Estes dados corroboram o que tem sido encontrado em outros estudos internacionais (e.g., Doroszewicz & Forbes, 2008; Muñoz-Rivas, Graña, O'Leary, & González, 2007; Ramirez, 2002) e nacionais (Costa & Sani, 2007; Faias et al., 2016; Machado et al., 2010; Neves et al., 2018; Paiva & Figueiredo, 2004; Santos & Caridade, 2017). Esta preponderância da violência psicológica nas relações de namoro não deverá conduzir a uma desvalorização do problema da violência neste contexto relacional, na medida em que a literatura tem vindo a sustentar a existência de uma escalada da violência (e.g., Wekerle & Wolfe, 1999), constituindo a violência psicológica um peditor da violência fisica e de que esta poderá acarretar consequências tão ou mais nefastas do que outras formas de violência (e.g., Shwartz, Magee, Griffin, 2004 citados por Cáceres & Cáceres, 2006).

Neste estudo, a coerção sexual surgiu como o segundo tipo de abuso mais reportado pelos participantes, quer ao nível da perpetração (22.5%), quer ao nível da vitimação (24.4%). Não obstante, outros estudos apuraram valores relativamente idênticos, sendos estes compreendidos entre os 15.9% e os 41.6% (Aldrighi, 2004; Costa & Sani, 2007; Doroszewick & Forbes, 2008; Paiva & Figueiredo, 2004; Ramirez, 2002).

Efetivamente, também outros estudos desenvolvidos em território nacional, mediante o recurso ao mesmo instrumento - Escala Tática de Conflitos, apuraram uma prevalência significativa do abuso psicológico e coerção sexual quando comparadas com a violência física (Figueiredo, Bifulco, Paiva, Fernandes, Matos, & Maia, 2004; Paiva & Figueiredo, 2004). O facto de estes tipos de abuso íntimo serem socialmente mais aceites e menos censurados (Paiva & Figueiredo, 2003) poderão ajudar a compreender a maior preponderância dos mesmos na nossa amostra.

Já no que concerne à prevalência do abuso físico encontrada no presente estudo, 17.9% dos participantes assumiram a perpetração do abuso físico sem sequelas e 16% referiram ter sido vítima deste tipo de abuso. Estes valores afiguram-se, deste modo, algo inferiores aos obtidos por outros estudos (valores compreendidos entre os 13.4% e os 29%) (Aldrighi, 2004; Caridade, 2011; Costa & Sani, 2007; Paiva & Figueiredo, 2004; Straus, 2004; Santos & Caridade, 2017). O facto de o abuso físico ser socialmente mais estigmatizado poderá ajudar a compreender o subrelato deste tipo de abuso íntimo por parte dos jovens (Paiva & Figueiredo, 2003).

Por fim, os indicadores de vitimação e perpetração do abuso físico com sequelas apurados neste estudo são similares e assumem menor preponderância (3.4%) comparativamente com as outras formas de abuso. Estes dados corroboram o apurado por outros estudos desenvolvidos e que encontraram valores compreendidos entre os 3.8% e os 16% (Caridade, 2011; Costa & Sani, 2007; Paiva & Figueiredo, 2004; Ramirez, 2002; Straus, 2004). Conclui-se, assim, que os dados encontrados neste estudo no que respeita aos diferentes tipos de abuso íntimo são em tudo similares aos apurados por outros estudos nacionais e internacionais. Apenas os indicadores relativos ao abuso físico com sequelas se mostraram ligeiramente inferiores aos limites obtidos por outros estudos. De referir que a grande variabilidade registada nas taxas de prevalência pelos diferentes estudos conduzidos neste âmbito tem sido essencialmente atribuídas a questões metodológicas (e.g., definição de abuso íntimo, tipo de instrumentos utilizados, características da amostra, entre outros) (Caridade, 2018).

No nosso estudo, apenas encontramos diferenças de sexo estatisticamente significativas na perpetração da coerção sexual, em que os rapazes assumem recorrer mais a este tipo de abuso, comparativamente com as raparigas. Este dado corrobora aquilo que tem sido detetado pela maioria dos estudos neste âmbito. Efetivamente, a literatura documenta que é no domínio da violência sexual que se verificam maiores dissemelhanças de sexo, e em que a agressão masculina tende a apresentar índices de ocorrência consideravelmente mais elevados (cf. Caridade, 2011). Para a perpetração e vitimação dos restantes tipos de abuso íntimo medidos pela Escala Tática de Conflitos não se registaram diferenças de sexo estatisticamente significativas, apontando para a existência de alguma reciprocidade da violência entre rapazes e raparigas. Esta paridade da violência surge corroborada por um número significativo de estudos desenvolvidos neste domínio e os quais sustentam, portanto, a ausência de diferenças de género quantitativas na agressão íntima (e.g., Santos & Caridade, 2017; Straus, 2004; Straus & Ramirez, 2007). Não obstante, a análise da relação vitimação, agressão e sexo tem motivado algum debate ao nível da investigação científica neste âmbito, existindo estudos que obtiveram resultados divergentes neste sentido (cf. Caridade & Machado, 2013). Assim, e se os primeiros estudos empíricos (e.g., Makepeace, 1981) apontavam o homem como principal ofensor e a mulher como a principal vítima, estudos subsequentes (e.g., Straus, 2004) sustentaram a existência de níveis similares de vitimação entre rapazes e raparigas. Mais recentemente, estudos nacionais (e.g., Caridade, 2011) e internacionais (e.g., Windle & Mrug, 2009) encontraram resultados mais ambíguos em termos de sexo, evidenciando, por exemplo que os rapazes poderão experienciar níveis mais elevados de vitimação do abuso íntimo e de que as raparigas admitem mais frequentemente o recurso à violência (cf. Caridade & Machado, 2013).

O nosso estudo apurou ainda a existência de indicadores significativos de ideação e/ou comportamentos suicidas entre os participantes. A este respeito, será de referir que alguns estudos (e.g., Silva, Oliveira, Botega, Marin-León, Barros, & Dalgalarrondo, 2006) documentam que 60% dos sujeitos que cometem o suicídio já o teriam previamente idealizado, sabendo-se ainda que a ideação suicida e os comportamentos autolesivos são importantes preditores de suicídio (Plano Nacional de Prevenção do Suicídio, 2013).

Concomitantemente, foi possível perceber no presente estudo a existência de uma associação entre o abuso íntimo e a ideação e os comportamentos suicidas, indo ao encontro do apurado por estudos internacionais (e.g., Chan et al., 2008; Belshaw et al., 2013; Bossarte, Swahn, & Simon, 2008; Buttar et al., 2013). No presente estudo, no caso das raparigas, ao contrário do que se verificou nos rapazes, não encontramos qualquer relação estatisticamente significativa, seja no padrão de agressão, seja no de vitimação, entre a ideação e/ou comportamentos suicidas e a coerção sexual. Não obstante, já no caso das raparigas que relataram recorrer e sofrer de abuso psicológico, físico sem sequelas e físico com sequelas verificámos associações estatisticamente signitificativas com a ideação e/ou comportamentos suicidas. Em nosso entender, tais resultados poderão, de igual modo, ser explicados pelo facto de as raparigas tenderem para uma maior valorização das relações interpessoais (e amorosas), as quais ocupam um papel central no seu autoconceito (Broidy & Agnew, 1997) e neste sentido mais facilmente admitirem a sua cota-parte de responsabilidade nos problemas relacionais (e.g., Feiring, Deblinger, Hoch-Espada, & Haworth, 2002) e as suas consequências. Note-se ainda que a literatura comprova que perante dificulades nas relações interpessoais, as raparigas propendem sobretudo para o desenvolvimento de problemas de internalização e mais concretamente adoção de comportamentos autodestrutivos (Broidy & Agnew, 1997). Por oposição, os rapazes tendem mais a negar as suas dificuldades ao nível do relacionamento (e.g., Feiring et al., 2002), documentando-se ainda uma tendência masculina mais geral para minorar os sintomas e as dificuldades (e.g., Dutton & Hemphdl, 1992; Pederson & Thomas, 1992 citados por Feiring et al., 2002), o que poderá ajudar a compreender os resultados encontrados no presente estudo.

Tais evidências comprovam assim a relevância destes resultados e a importância de os programas preventivos neste domínio considerarem estratégias de prevenção do suicídio.

O problema da violência nas relações de namoro é uma realidade presente na vida relacional de muitos jovens portugueses, acarretando custos significativos para a saúde e desenvolvimento dos jovens, pelo que urge a identificação e implementação de múltiplas estratégias de intervenção para fazer face a este fenómeno (Caridade, 2018b) e que se revelem sensíveis às necessidades e especificidades desenvolvimentais destes jovens (Caridade, 2018a). O presente estudo ao analisar a prevalência dos diferentes tipos de abuso íntimo em jovens e da ideação e comportamentos suicidas enforma mais esforço importante na caracterização deste fenómeno. Para além disso, o facto de procurar analisar a relação entre o abuso íntimo e a ideação e comportamentos suicidas constitui, em nosso entender, um passo importante no progresso da investigação neste domínio, dada a inexistência de estudos neste âmbito no contexto português.

Não obstante os seus contributos, o presente estudo não está isento de limitações que poderão ter influenciado os seus resultados e sobre os quais interessa refletir, procurando a partir destas delinear pistas para a investigação futura neste domínio.

Uma primeira limitação prende-se, desde logo, com questões metodológicas e mais especificamente, o tipo de amostra. Tratando-se de uma amostra não probabilística, não permite a generalização dos resultados obtidos à população-alvo. Por outro lado, e tomando em consideração o design - correlacional - do presente estudo, apenas foi possível analisar as associações entre as variáveis estudadas (abuso íntimo e ideação e comportamentos suicidas), não sendo possível o estabelecimento de relações causa-efeito entre estas. Além disso, este estudo centrou-se em variáveis específicas - ideação e comportamentos suicidas, não explorando outras variáveis (e.g., depressão, ansiedade) que a literatura (e.g., Chan et al., 2008) tem vindo a demonstrar como possuindo uma associação igualmente importante com o abuso íntimo. Acresce ainda a modalidade eleita para a recolha de dados - online - e qual encerra, quer vantagens (e.g., reduzidos custos, permite uma recolha mais rápida e célere; resultados obtidos em tempo real), quer desvantagens (e.g., nem toda a gente tem ainda acesso a Internet; poderá ser difícil motivar os inquiridos a responder ao questionário, o que normalmente origina muitas faltas de resposta, o que será particularmente verdade quando o tipo de questões não tem utilidade ou algum tipo de relação com o inquirido; se houver alguma dúvida no preenchimento do questionário, não haverá hipótese de esclarecimento). Por fim, o facto de o estudo ser meramente quantitativo, com recurso a medidas de autorrelato, não nos permite obter uma compreensão mais fenomenológica do fenómeno.

Identificadas as limitações do presente estudo, parece-nos importante continuar a apostar no desenvolvimento de outras propostas de investigação neste âmbito que permitam não só aprofundar as variáveis analisadas neste estudo, mas também outro tipo de variáveis psicológicas (e.g., depressão, ansiedade, entre outras). O recurso por parte dos estudos a análises de regressão seria igualmente necessário e importante para apurar as relações causa-efeito entre o abuso íntimo e a ideação e comportamentos suicidas e outras variáveis. De igual modo, urge o desenvolvimento de estudos de carácter longitudinal no sentido de aprofundar e perceber o impacto que este tipo de violência relacional tem no funcionamento psicológico, físico e social dos mais jovens. Consideramos ainda que a realização de estudos de índole qualitativo neste domínio seria igualmente uma mais valia, na medida em que permitiram compreender melhor o contexto em que se instalam as dinâmicas abusivas, bem como as suas consequências no ajustamento psicossocial dos jovens. Só desta forma será possível recolher informação útil para a delineação de programas interventivos que contemplem verdadeiramente os problemas apresentados pelas vítimas deste tipo de abuso íntimo.

Como últimas considerações, esperamos ainda que os resultados alcançados pelo presente estudo permitam auxiliar o desenvolvimento de estratégias de prevenção da violência nas relações íntimas juvenis e, mais especificamente, na delineação de estratégias de prevenção da ideação e dos comportamentos suicidas.

 

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Recebido em 22 de Fevereiro de 2016/ Aceite em 27 de Fevereiro de 2018

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