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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.19 no.2 Lisboa Aug. 2018

https://doi.org/10.15309/18psd190208 

Rastreamento para cardiopatia: apego materno-fetal e enfrentamento em gestantes

Screening for cardiopathy: maternal-fetal attachment and coping in pregnant women

Camila de Matos Ávila1, Patricia Pereira Ruschel1, Nataís Bilhão Mombach Brites1, Raquel Lacerda Paiani1, Carolina Frota Medeiros1, Elisa Guterres Pereira1, Elisa Souza Hanke1, Paulo Zielinsky1

1Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul, Fundação Universitária de Cardiologia, Brasil, Av. Princesa Isabel, 370, 3º andar, Bairro Santana, Porto Alegre, RS. CEP 90620-000, editoracao-pc@cardiologia.org.br


 

RESUMO

O diagnóstico de cardiopatia pode ser realizado a partir dos exames de ecocardiografia fetal, por isso hoje é preconizado o rastreamento para toda gestante a partir da 18ª semana de gestação. Estes diagnósticos reduzem a taxa de morbimortalidade. O desenvolvimento do apego materno-fetal é essencial, já que este é base da relação mãe/filho. É natural que estratégias de enfrentamento sejam utilizadas de formas e intensidades variadas, nas situações e etapas do ciclo vital, incluindo a gestação. Este estudo teve como objetivo identificar se há associação entre o grau de apego materno-fetal e as estratégias de enfrentamento mais utilizadas pelas gestantes submetidas ao rastreamento para cardiopatia fetal. O delineamento utilizado foi um estudo transversal para o qual foram entrevistadas 280 gestantes, com média de 27 anos (DP= 7,2) e idade gestacional de 27 semanas (DP= 5,1). Os instrumentos utilizados para a coleta de dados consistiram em: Entrevista semiestruturada, que investigou dados sóciodemográficos, aspectos socioculturais e psicológicos da gestante, Escala de Apego Materno-Fetal (EAMF) e Escala Modos de Enfrentamento de Problemas (EMEP). Os dados coletados foram armazenados no programa Microsoft Excel para análise estatística do Programa PSW 18.0. Não houve associação significativa entre os níveis de apego e as estratégias de coping.

Palavras-chave: diagnóstico médico, cardiopatias, apego, enfrentamento, gravidez


 

ABSTRACT

Congenital heart disease can be diagnosed by fetal echocardiography, and that is why currently screening is suggested for every pregnant woman from the 18th week of pregnancy onwards. The development of maternal-fetal attachment is essential, since this is the base of the mother-child relationship. It is natural that coping strategies be used in different ways and with different intensities in life cycle situations and stages including pregnancy. The purpose of this study was to identify whether there is an association between the degree of maternal-fetal attachment and the coping strategies most frequently used by pregnant women screened for fetal cardiopathy. The design used was a cross-sectional study for which 280 pregnant women were interviewed, with a mean age of 27 years (SD=7.2) and gestational age of 27 weeks (SD=5.1). The instruments used to collect data consisted of: Semistructured interview that looked at sociodemographic data, sociocultural and psychological aspects of the pregnant woman Maternal-Fetal Attachment Scale (MFS) and the Scale on Ways of Coping with Problems (WCP). The data collected were stored in program Microsft Excel for statistical analysis by Program PSW 18.0. There was no significant association between the levels of attachment and coping strategies.

Keywords: medical diagnosis, cardiopathies, attachment, coping, pregnancy


 

É importante que toda gestante se submeta a uma ecocardiografia fetal, após a 18ª semana da gestação, já que mais de 90% das malformações cardíacas ocorrem em fetos que não tem fatores de risco (Barbosa et al., 2009; Camarozano et al., 2009; Donofrio et al., 2014; Hagemann, 2006). Com estratégias como estas, se pretende contribuir significativamente para redução das taxas de mortalidade infantil, uma vez que as cardiopatias são consideradas uma das três principais causas de mortalidade nas fases neonatal e perinatal (Guerchicoff et al., 2004).

Ao enfrentar este tipo de rastreamento evidencia-se a suspeita de uma malformação no feto, o que tende a ocasionar uma tensão psicológica para mulher grávida e a ansiedade costuma acompanhar o período de diagnóstico (Kowalcek, 2007; Kowalcek et al., 2003; Kowalcek, Lammers, Brunk, Bieniakiewicz, & Gembruch, 2002). Sendo assim, o diagnóstico de malformação fetal desperta uma vivência psicológica de desilusão e descrença que leva os pais a fazerem o luto pelo filho ideal (Caron & Maltz, 1994). No rasteio pré-natal ficam evidentes dois aspectos de estresse que devem ser diferenciados: estresse devido ao exame, que se caracteriza por medo de um exame doloroso ou medo que prejudique o feto e estresse derivado do medo de um resultado anormal, ou seja, que indique alguma patologia fetal (Sholler, Kasparian, Pye, Cole, & Winlaw, 2011; Sousa, 2003).

Contrariamente aos dados da literatura, pesquisa anterior realizada em grupo de gestantes que se submeteriam a rastreamento para cardiopatia fetal, na instituição em que realizamos esta pesquisa, identificou através de avaliação, pela escala BAI de Beck, que as gestantes apresentavam grau mínimo e leve de ansiedade (Ruschel et al., 2013).

A visualização do feto na ultrassonografia possibilita que o casal entre em contato com o filho real, que tende a ser confrontado com o bebê imaginário de seus sonhos. Neste sentido a visualização do corpo, da forma e do comportamento de seu filho, bem como a possibilidade de escutar batimentos cardíacos e ver seu corpo se movimentar, faz com que conceba seu filho como real. Estudos mostram que a ultrassonografia exerce impacto emocional importante nas gestantes, influenciando a relação mãe-bebê nas situações de diagnósticos de normalidade e também naquelas de anormalidade fetal (Piontelli, 1995).

O apego materno-fetal inicia durante a gestação, como resultado de eventos psicológicos, sendo definido como a intensidade com que as mulheres se engajam em comportamentos que representam uma afiliação e uma interação com seu filho na vida pré-natal (Cranley, 1981). A partir desta definição foi desenvolvida a Escala de Apego Materno-Fetal, que foi validada em amostra brasileira (Feijó, 1999). Quando é diagnosticada uma cardiopatia fetal e existem possibilidades de tratamento para este bebê existe um incremento do apego materno-fetal em comparação com a ausência desta condição (Ruschel et al., 2014).

Em estudo transversal de Faria e colaboradores (2013) comparou-se gestantes com diagnóstico de HIV com gestantes não portadoras do vírus, utilizando a Escala de Apego Materno-Fetal. As gestantes não portadoras faziam parte do projeto que investigava apego materno-fetal na presença de diagnóstico de cardiopatia fetal (Ruschel et al., 2014). O estudo verificou não haver diferença entre os grupos quanto ao escore total de apego materno-fetal. Entretanto, este aprofundou sua análise detalhando seus resultados na avaliação de subescalas e verificou que nas: Entregando-se ao feto e Desempenhando um papel, as gestantes sem problemas de saúde apresentam escores significativamente mais altos do que o outro grupo.

Diante da situação de crise emocional, que faz parte do desenvolvimento saudável da gestante que se adapta a condição da espera de um filho, surge o enfrentamento com a situação de mudanças e, para isso, elege-se uma série de mecanismos defensivos e estratégias de enfretamento, denominadas de Coping. Esse termo é originário do inglês e seu significado se aproxima das expressões lidar com ou enfrentamento. São mecanismos de defesa hierárquicos - vão desde defesas menos adaptativas às mais evoluídas - flexíveis e orientados para um propósito. Definidos com uma resposta ao estresse-comportamental ou cognitivo e com a finalidade de reduzir as suas qualidades aversivas.

As estratégias de coping podem centrar-se no problema, modificando a relação entre a pessoa e o ambiente ou então na emoção, adequando à resposta emocional ao problema. Ambas as estratégias são influenciadas pela percepção do sistema ambiental e pessoal, bem como pelos acontecimentos de vida. Os estilos de coping evasivo, emotivo e fatalista, estão associados a uma menor capacidade de controle pessoal sobre a doença, assim como ao aumento dos níveis de depressão e ansiedade (Savóia, Santana, & Mejias, 1996).

Estudos com as estratégias de coping são, frequentemente, foco de pesquisa em psicologia da saúde, que é um campo de natureza interdisciplinar. Tais estudos tem por finalidade a compreensão de aspectos relacionados à promoção, prevenção e tratamento da saúde do individuo e da população para a melhoria da qualidade de vida. Os mecanismos de coping têm sido entendidos como a adaptação psicossocial do ser humano diante da adversidade. Esses mecanismos são influenciados pelas exigências situacionais, limitações, recursos disponíveis e fatores pessoais relacionados ao significado que a pessoa atribui ao contexto (Calvetti, Muller, & Nunes, 2007).

Quando utilizadas estratégias de enfrentamento ativas, voltada para as estratégias de resolução de problemas e para a busca de suporte social promove maior proximidade com a gestante o que fortalece o vinculo materno-fetal (Benute et al., 2011).

Pesquisa realizada com 50 gestantes, avaliadas 22 dias após receberem o diagnóstico de cardiopatia fetal, verificou que a estratégia de enfrentamento mais utilizada foi a de resolução de problema, seguida da de suporte social. Estas estratégias foram relacionadas à responsabilidade e a necessidade de cuidados com o bebê, sendo assim, promove o fortalecimento do vínculo materno-fetal (Guerra et al., 2011). Em outro estudo com 22 gestantes foi observado que frente ao diagnóstico de malformação fetal as gestantes tendem a manter o apego materno-fetal e utilizam diversas estratégias de enfrentamento, com predomínio pelas práticas religiosas (Vasconcelos & Petean, 2009).

A relevância do rastreamento para cardiopatia fetal é bem conhecida pela literatura, pois quando há diagnóstico é imperativo o acompanhamento da gestação, otimizando ações terapêuticas que diminuam a mortalidade e melhoram a qualidade de vida do bebê cardiopata. Uma vez que as gestantes são avaliadas para a verificação de diagnósticos de cardiopatia fetal, cabe que sejam também estudadas com a finalidade de um melhor conhecimento de suas reações e sentimentos, objetivando traçar estratégias para acompanhamento destas gestantes em momento de crise. A relação de apego da gestante com o feto e de seus modos de enfrentamento ainda é pouco conhecida, o que justifica esta pesquisa.

Frente ao apresentado, o estudo teve como objetivo identificar a associação entre o grau de apego materno-fetal e os modos de enfrentamento com o problema, no momento anterior a ecocardiografia fetal.

 MÉTODO

 Participantes

 Foi realizado estudo transversal com um grupo de gestantes que participaram do rastreamento para cardiopatia fetal, em uma ação em saúde no mês de maio de 2013 em hospital especializado de cardiologia. Critérios de inclusão na pesquisa foram: ser gestante, a partir da 18° semana; submeter-se ao rastreamento para cardiopatia fetal na Unidade de Cardiologia Fetal; consentir com o estudo assinando termo de consentimento livre e esclarecido; ser capaz de responder as questões: da ficha sociodemográfica, da EAMF (Feijó, 1999) e da EMEP (Seidl et al., 2001)

Material

 Os instrumentos utilizados foram Entrevista semiestruturada, que investigou dados sóciodemográficos, aspectos socioculturais e psicológicos da gestante, Escala de Apego Materno-Fetal (EAMF) (Cranley, 1981), validada para amostra brasileira (Feijó, 1999), composta por 24 itens, com pontuação em cinco níveis (quase sempre, frequentemente, as vezes, raramente e nunca), este instrumento divide o apego materno-fetal em três níveis, baixo (entre 24 e 47 pontos), médio (entre 48 e 97 pontos) e alto (entre 98 e 120 pontos). Também foi utilizada a Escala Modos de Enfrentamento de Problemas (EMEP) para avaliar as estratégias de enfrentamento mais utilizadas pelas gestantes. Esta escala é um instrumento psicológico adaptado para versão brasileira por Queiroz e Gimenes (1997), e validada por Seidl, Tróccoli e Zannon (2001), que avalia quais os tipos de estratégias de enfrentamento são mais utilizadas pelo individuo quando confrontado a estressores. Para cada uma das 45 questões a pontuação varia entre 1 e 5 e depois calcula-se a média das respostas.

As estratégias e as respectivas questões que a definem são: Enfrentamento focalizado no problema (1, 3, 10, 14, 15, 16, 17, 19, 24, 28, 30, 32, 33, 36, 39, 40, 42 e 45), Enfrentamento focalizado na emoção (2, 5, 11, 12, 13, 18, 20, 22, 23, 25, 29, 34, 35, 37 e 38), Enfrentamento baseado em práticas religiosas e pensamento fantasioso (6, 8, 21, 26, 27, 41 e 44) e Enfrentamento baseado na busca por suporte social (4, 7, 9, 31 e 43).

 Procedimento

As gestantes foram entrevistadas, durante a espera para realização do rastreamento para cardiopatia fetal, por psicólogos e estudantes de treinados especificamente para essa pesquisa.

Os dados coletados foram armazenados no programa Microsoft Excel, para análise estatística do Programa PSW 18.0. Para o cálculo da amostra foi considerado um nível deconfiança de 95%, média de 94,6 (DP=9,66) e margem de erro de 4 pontos. As variáveis qualitativas são descritas através de frequência absoluta e relativa e as quantitativas por meio de média e desvio padrão. A associação entre as variáveis qualitativas foram realizadas através do teste de qui-quadrado para heterogeneidade. Já a comparação das médias dos índices de estratégias de coping em relação ás variáveis dicotômicas (planejamento, tem companheiro, grau de apego) foi realizada pelo teste t de Student. Os níveis de apego materno-fetal e das estratégias predominantes de enfrentamento foram estudados pelo do teste de associação através do qui-quadrado de Pearson. Para analise da associação entre níveis de apego e estratégias predominantes de enfrentamentos foi desconsiderado o nível baixo de apego por ter somente duas gestantes. Foram considerados significativos os valores de p<0,05.

O projeto foi submetido e aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa. Na fase de coleta de dados, os pesquisadores tiveram o cuidado de esclarecer aos participantes os objetivos do trabalho, explicando sobre a preservação do sigilo, da individualidade de cada caso, comprometendo-se a divulgar o material sem a sua identificação. Após os esclarecimentos os pesquisadores solicitaram a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, quando foi aceita a participação na pesquisa.

 RESULTADOS

As gestantes pesquisadas têm idades entre 14 e 46 anos e variam suas semanas gestacionais entre 14 e 39. Dados que estão mais detalhados no Quadro 1.

 

 

Em relação ao seu estado civil 77,2% são casadas ou tem uma relação estável com companheiro (casadas 36,1% e com companheiro 41,1%). A maior parte das gestantes tem escolaridade de nível médio ou inferior (87,9%), os respectivos percentuais referentes à escolaridade estão descritos no Quadro 1.

Denotou-se que 92% das gestantes estavam realizando a primeira ecografia para rastreamento de cardiopatia na vida fetal, quase metade delas fez acompanhamento pré-natal na capital do estado, 20,7% na região metropolitana e 30% em cidades do interior. A gestação foi planejada para 53,2% das gestantes, entretanto 82,1% aceitaram bem a gestação e 15,4% aceitaram com resistência.

Estudando as variáveis com relação à diferença da utilização de estratégias de enfrentamento predominantes, verificou-se que esta era significativa, em relação a variável: ter ou não companheiro. Aquelas que não tinham companheiro utilizaram mais estratégias de suporte social (35,9%) em relação as que tinham companheiro (20,4%), com diferença significativa, X²(3, N=280) = 7,82, p=0,049. Das gestantes que utilizam predominantemente a estratégia focada no problema, aquelas que aceitaram a gravidez apresentaram escore significativamente maiores de apego materno fetal (M= 91,50, DP= 10,90) em relação as que não aceitaram (M= 84,29, DP=9,63), t(160)= 3,19; p=0,002.

Foi observado um apego maior entre as gestantes que aceitaram a gravidez. No grupo em que o apego materno-fetal era alto observou-se maior aceitação da gestação (91,3%) do que no grupo com apego médio com diferença significativa, X² (1, N= 278) =5,37, p=0,020.

Em relação ao apego materno-fetal, quando comparado com as estratégias de enfrentamento (teste t), as gestantes que apresentaram escore médio na EAMF obtiveram escores significativamente menores M= 3,94; DP= 0,63 do que as que obtiveram apego materno-fetal alto (M= 4,15; DP= 0,49), t (276)=2,47, p=0,006 no fator focado no problema. Também houve diferença significativa nos escores relacionados ao fator busca por suporte social (M= 3,41; DP= 0,83 e M= 3,64; DP=0,75, respectivamente, t(276)= -2,05, p = 0,041.

Não houve associação significativa entre o apego materno-fetal e as estratégias de enfrentamento predominantes (Quadro 2). Os níveis de apego mostram-se predominantemente médio e alto, 74,6% e 24,6 % respectivamente. Para análise de associação entre o apego e a estratégia de enfrentamento foi desconsiderado o nível baixo de apego, por ter somente duas gestantes na categoria. Ainda em relação ao nível de apego, identificou-se que as mães com grau de apego alto usaram mais a estratégia focalizada no problema do que a estratégia baseada na busca por suporte social.

 

 

DISCUSSÃO

 No sul do Brasil, na cidade onde foi realizado este estudo, 41,7% das mulheres com filhos tem até 11 anos de estudo e 30,6% estudaram mais de 12 anos (Porto Alegre, 2010). Nesta pesquisa 87,9% das gestantes tinham até 12 anos de estudo e apenas 12,2% estavam acima desse nível de escolaridade. Evidenciou-se que durante essa ação de promoção de saúde estiveram presentes gestantes que fazem parte de uma parcela mais vulnerável da população regional, demonstrando que embora tenham menor escolaridade, estão atentas aos seus cuidados de saúde e do feto.

Pesquisa para detecção de doença cardíaca congênita avaliou 7032 mulheres grávidas, sendo 568 delas com suspeita de diagnóstico de cardiopatia fetal, estas apresentaram média de idade e idade gestacional média semelhante à da amostra desta pesquisa. Os autores consideram esta idade gestacional tardia, visto que algumas malformações podem ser difíceis de definir e uma doença cardíaca congênita grave diagnosticada precocemente permite o estabelecimento de condutas médicas mais adequadas e precisas. Estas condutas poderiam diminuir o tempo de internação em Unidade de Terapia Intensiva, melhorar o índice de morbidade e favorecer o desenvolvimento neurológico das crianças, diminuindo risco de morte neonatal (Barbosa et al., 2009; Donofrio et al., 2014; Kruel & Lopes, 2012; Mayorga et al., 2013).

Observou-se nos achados deste estudo que mesmo que a gestação não tenha sido planejada por todas participantes, o apego materno-fetal não foi influenciado, pois seus níveis apresentaram-se médio e alto. Em um estudo realizado no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia no estado de São Paulo, foi constatado que apenas 36,3% das gestantes submetidas ao estudo referiram planejamento da gestação e 95,4% demonstraram o nível alto de apego materno-fetal. Comparando estes dois estudos, pode-se inferir que independente do planejamento da gestação, as gestantes apresentaram boa vinculação com o feto evidenciando níveis de apego materno-fetal médio e alto. Além disto, as gestantes que tiveram uma aceitação tranquila da gestação obtiveram alto grau de apego se comparadas as que aceitaram com resistência ou não aceitaram. 

Em nosso estudo as estratégias de enfrentamento mais utilizadas pelas gestantes foram a focalizada no problema e a baseada na busca por suporte social. Corroborando com esses achados pesquisa realizada anteriormente (Benute et al., 2011) identificou os mesmos resultados. Embora as estratégias mais utilizadas pelas gestantes nesses dois estudos tenham sido as mesmas, não se observa a mesma relação com o planejamento da gestação, pois no último 66% das gestantes referiram que não tinham planejado a gestação. Observa-se que o fato de não ter planejado a gestação não interferiu no desenvolvimento do apego materno-fetal, que teve seu escore nos níveis médio e alto nesse estudo.

Quando se analisou a diferença entre as gestantes que apresentavam níveis de escores médio e alto de apego materno-fetal evidenciou-se que aquelas com nível alto apresentavam maior incidência da utilização da estratégia predominante focadas no problema e no suporte social. Esta constatação permite concluir que se a gestante está mais apegada a seu feto terá mais facilidade na resolução de problemas e na busca de suporte social. Porém quando avaliada a associação entre apego materno-fetal e estratégias de enfrentamento predominantes, isso não foi evidenciado. Avaliando os dados e a análise estatística é de se considerar que a homogeneidade da amostra não permite a constatação de diferenças maiores. Neste sentido julga-se que repetir a pesquisa com amostra de gestantes heterogênea poderia elucidar o conhecimento sobre questões aqui identificadas.

Outros aspectos mostram-se também relevantes, já que gestantes que tiveram uma aceitação tranquila da gestação utilizaram menos a estratégia focalizada na emoção do que as que aceitaram com resistência. Diante destes dados fica evidente que quando a gestante aceita com tranquilidade sua gestação pode utilizar-se mais de estratégias que focam na resolução de problemas, o que provavelmente a proporciona mais equilíbrio emocional.

Em relação à situação civil da gestante, foi encontrado que 77% das gestantes entrevistadas eram casadas ou tinham relação estável com companheiro, e os níveis de apego se mostraram predominantemente médio e alto. Em estudo anterior (Bordin Schmidt & de Lima Argimon, 2009) a maioria das gestantes que demonstrou tipo de vinculação segura, residia somente com o pai do bebê e tinham apego materno-fetal alto, enquanto as gestantes que apresentavam padrão de vinculação evitante e moravam com o pai do bebê e outros familiares apresentavam apego ansioso e apego materno-fetal médio. Portanto, esse achado valida e reforça a tendência a alta correlação entre relacionamento estável com o pai do bebê e apego.

Considerando que gravidez é um período de mudanças, com novas exigências biopsicossociais, esse resultado também aponta para a importância da presença do companheiro neste período. Resultados observados em pesquisa anterior mostraram que a adaptação emocional, assim como a conjugal é necessária, principalmente quando a primeira gestação ocorre. Além disso, o suporte social, que influencia o apego, está relacionado ao fato de o casal, adaptar-se ou não a nova situação (Hernandez & Hutz, 2008).

Os resultados de pesquisa, com 50 gestantes que receberam o diagnóstico de cardiopatia fetal e foram avaliadas 22 dias após a notícia, mostrou que estas se utilizaram de estratégias de resolução de problemas, e que, aquelas que tinham companheiro e um ou mais filhos o faziam de forma mais significativa. Os autores enfatizam que estas mães procuraram enfrentar o conflito, buscando formas de solucioná-lo e que o uso de estratégias utilizando apoio e suporte social pode auxiliar no enfretamento da situação. Além disto, chamam atenção para o fato de que a forma como os pais buscam suporte social esta relacionada ao fortalecimento da família, que faz com que se utilize de estratégias de enfrentamento mais adequadas ao estresse causado pela situação (Benute et al., 2011).

Conforme aponta a literatura é importante que na situação de diagnóstico as gestantes sejam atendidas com uma preocupação a suas reações emocionais e sua compreensão da patologia do filho (Donofrio et al., 2014). Nos casos em que o diagnóstico de cardiopatia foi realizado, as gestantes foram atendidas pelo Serviço de Psicologia Clínica, atendimento já tradicional na instituição onde foi realizada esta pesquisa. Aquelas gestantes que participaram da pesquisa e que apresentaram alguma alteração emocional, também foram atendidas pela equipe de psicologia e quando foi necessário foram encaminhadas para sequencia do atendimento.

A literatura registra a importância da atenção aos aspectos psicológicos evidenciados diante do diagnóstico na vida fetal, justificando-se o acompanhamento de profissionais da psicologia em ações de saúde. Quando é diagnosticada uma anomalia fetal pode precipitar um longo período de estresse, ansiedade ou desespero (Sklansky et al., 2002). Atualmente, é preconizado o estabelecimento de diretrizes para a oferta de suporte psicológico diante desta situação (Brosig, Whitstone, Frommelt, Frisbee, & Leuthner, 2007). É importante salientar que o presente estudo discutiu dados de uma amostra homogênea, em relação aos dados sociodemográficos e clínicos, sendo assim a interpretação dos resultados não deve ser generalizada.

Embora não tenha se evidenciado a associação entre os níveis de apego com as estratégias de enfrentamento, os achados mostram diversas relações entre aspectos sociodemográficos com o apego e/ou estratégias de coping que podem contribuir para uma melhor compreensão da população em estudo, bem como para que sejam traçadas abordagens de prevenção e promoção em saúde.

Diante de uma situação adversa como a gestação, que se mostra um momento delicado e de possíveis crises psicológicas, toda e qualquer abordagem que possa contribuir para um melhor desenvolvimento da gestação pode ser considerada uma ferramenta positiva no acolhimento e apoio emocional às gestantes e seus familiares.

 

 REFERÊNCIAS

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Recebido em 05 de Maio de 2015/ Aceite em 29 de Dezembro de 2016

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