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Psicologia, Saúde & Doenças

versión impresa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.19 no.2 Lisboa ago. 2018

https://doi.org/10.15309/18psd190203 

A eficácia do biofeedback HRV na redução da ansiedade de performance musical: um estudo inicial

The effectiveness of HRV biofeedback in reducing musical performance anxiety: an initial study

Paulo Rabelo1, Cláudia Mármora2, & Luiz Ribeiro3

1Departamento de Música, Instituto de Artes e Design, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Brasil;

2Departamento de Fisioterapia do Idoso, do Adulto e Materno-Infantil, Faculdade de Fisioterapia - Universidade Federal de Juiz de Fora- Juiz de Fora, Brasil;

3Departamento de Estatística, Instituto de Ciências Exatas- Universidade Federal de Juiz de Fora- Juiz de Fora, Brasil


 

RESUMO

A ansiedade de performance musical é um medo exagerado de se apresentar em público, que gera, devido à forte ativação do sistema nervoso autônomo, sintomas fisiológicos extremamente prejudiciais à performance, tais como palpitações musculares, falta de ar, visão turva, boca seca, suor nas mãos, e aumento do nível de tensão muscular. Pesquisas mostram que aproximadamente 60% dos músicos apresentam algum tipo de ansiedade ligada à performance, o que coloca a profissão de músico no grupo de profissões de alto estresse ocupacional. As formas mais comuns de tratamento tem sido o uso de medicamentos, especialmente os betabloqueadores, as terapias cognitivo-comportamentais e a Técnica de Alexander. Neste trabalho foram avaliados os efeitos do treinamento de biofeedback HRV (Heart Rate Variability) na performance musical de 12 alunos do curso de graduação em música da UFJF. Os resultados foram submetidos a uma análise estatística e os mesmos sugerem que o treinamento é eficiente na redução da ansiedade e também na melhoria da qualidade da performance musical.

Palavras-chave: ansiedade, performance musical, biofeedback, HRV


 

ABSTRACT

The musical performance anxiety is an exaggerated fear of performing in public, which generates due to strong activation of the autonomic nervous system, physiological symptoms extremely detrimental to performance, such as muscle palpitations, shortness of breath, blurred vision, dry mouth, sweating in hands, and increasing the level of muscular tension. Researches show that approximately 60% of the musicians present some type of anxiety related to the performance, which places the profession of musician in the group of high occupational stress professions. The most common forms of treatment have been the use of medications, especially beta-blockers, cognitive-behavioral therapies, and the Alexander Technique. This study evaluated the effects of HRV (Heart Rate Variability) biofeedback training in the musical performance of 12 undergraduate students in Music of UFJF. The results were submitted to a statistical analysis and they suggest that the training is effective in reducing anxiety and also in improving the performance quality.

Keywords: anxiety, music performance, biofeedback, HRV


 

A ansiedade de performance, também chamada medo de palco, é um temor exagerado, muitas vezes incapacitante, de se apresentar em público. É um problema comum entre os performers (tanto profissionais quanto amadores), tais como músicos, dançarinos e atores. Também atinge atletas em competições. Este tema vem ganhando destaque notadamente com o aumento de pesquisas realizadas em todo mundo (Thurber, 2006; Lehrer, 2007), incluindo estudos brasileiros sobre a ansiedade de performance musical (APM) (Nascimento, 2013; Mendes, 2014).

Os sintomas são produzidos pela ativação do ramo simpático do sistema nervoso autônomo, com os conhecidos efeitos do aumento de adrenalina na corrente sanguínea (Fredrikson & Gunnarsson, 1992). Tais sintomas são: palpitações musculares, falta de ar, visão turva, boca seca, suor nas mãos, e especialmente aumento do nível de tensão muscular, que leva à diminuição da destreza física. Essas reações de alarme, geradas pela ativação do sistema de emergência do corpo seriam úteis no caso de um perigo real. Contudo, elas são extremamente prejudiciais numa performance musical, onde mente alerta e corpo relaxado são indispensáveis (Rabelo, 2014).

Os principais fatores que levam à ansiedade de performance são a ansiedade de caráter, ou seja, características de personalidade, constitutivas ou aprendidas, que influenciam a susceptibilidade ao stress; o nível de pressão ambiental, se execução pública, prova, ou concurso; e o domínio da tarefa, que será maior ou menor dependendo das habilidades do executante e de quanto ele preparou a peça musical (Wilson, 1990). A supervalorização da proficiência técnica, muito comum entre os músicos eruditos, é outro fator que contribui para o agravamento da APM.

Diferentes pesquisas mostram variação na incidência da APM, mas em geral constata-se que 60% dos músicos apresentam algum tipo de ansiedade ligada à performance, sendo que aproximadamente a metade destes, 30% portanto, apresenta APM debilitante, o que pode ser considerado uma taxa bastante alta (Nascimento, 2013).

Um certo grau de excitação, inerente à APM, na verdade ajuda na qualidade da performance. Isto pode ser mostrado pelo gráfico em U invertido da lei de Yerkes-Dodson, que descreve a relação entre excitação e performance. A qualidade da performance é assim diretamente proporcional à excitação até um certo ponto. A partir dai ela passa a ser inversamente proporcional. Em outras palavras, baixos níveis de excitação geram performances sem brilho, enquanto que a excitação excessiva prejudica a performance por causa dos sintomas psicofísiológicos advindos da APM (Wilson, 2013). A profissão de músico figura, com razão, no grupo de profissões de alto stress ocupacional e com propensão ao desenvolvimento de patologias físicas e psíquicas. A APM é um dos maiores responsáveis por essa colocação nefasta (Nascimento, 2013). As formas mais comuns de tratamento da ansiedade de performance têm sido o uso de medicamentos, especialmente os betabloqueadores , que diminuem a APM ao inibir a ação do sistema nervoso simpático. Apesar de muito usados pelos músicos, esses medicamentos não são aprovados pelas autoridades médicas para essa finalidade, por terem inúmeros efeitos colaterais, causarem dependência e, além disso, privarem o indivíduo da habilidade de produzir performances vivas, considerando-se que sua sensibilidade é temporariamente diminuída. As terapias cognitivo-comportamentais, que tentam reorganizar as maneiras habituais de pensar do indivíduo e torná-lo mais confiante, são preferíveis, pois, apesar de não terem um efeito imediato como o medicamento, atuam mais profundamente no seu comportamento. Além destas temos também a Técnica de Alexander, muito difundida entre os músicos, e definida como uma forma de reeducação cinestésica que tenta corrigir desvios posturais e, atuando indiretamente no sistema nervoso, tem efeitos na redução da ansiedade de performance (Wilson & Rolland, 2002). Cabe destacar o avanço das diferentes modalidades de terapias complementares tais como Ioga, Thai Chi, Mindfulness, Acupuntura e Reiki no tratamento e controle da ansiedade. No presente estudo será enfatizado o uso do biofeedback como uma nova e eficiente alternativa para o tratamento de ansiedade, tal como evidencia a pesquisa realizada em estudantes do ensino superior por Chaló et al (2016).

O biofeedback é uma técnica terapêutica complementar, não invasiva, que tem se difundido nas duas últimas décadas no tratamento de inúmeros distúrbios neurológicos, psicofisiológicos e psiquiátricos. Também é utilizado na otimização da performance em esportistas, músicos, atores e dançarinos. É definido como uma técnica que usa informações sobre funções corporais inconscientes a fim de proporcionar um controle consciente sobre elas. Durante o treinamento, sensores são colocados no corpo do indivíduo. Esses sensores medem funções corporais específicas tais como: pulsação cardíaca (HRV), tensão muscular (EMG), ondas cerebrais (EEG), suor na pele (GSR), temperatura corporal (ST), entre outros, e traduzem essa informação em sinais visuais ou sonoros (Rabelo, 2014). Através do monitoramento dessas funções corporais, com simultânea atuação sobre as mesmas, o indivíduo aprende a reduzir o stress gerado pela performance, por meio de técnicas respiratórias e cognitivas que irão facilitar o controle da autorregulação fisiológica do mesmo. (Pop-Jordanova & Chakalaroska, 2008).

O presente estudo tem como objetivo avaliar os efeitos do biofeedback HRV (Heart Rate Variability) na redução da ansiedade e na melhoria da qualidade da performance musical em alunos do curso de graduação em música do Instituto de Artes e Design da UFJF.

MÉTODO

Participantes

A amostra foi composta por 12 alunos do curso de bacharelado em música da UFJF, conforme mostra o Quadro 1, abaixo.

 

 

Como critério de inclusão estabeleceu-se estar matriculado no curso de bacharelado em música, habilitações violino, violoncelo, canto, violão, flauta ou piano. Como critério de exclusão estabeleceu-se a existência de contato anterior com o biofeedback HRV, ou algum histórico de doença mental ou neurológica auto-relatado.

Material

Foi utilizado o BAI (Beck Anxiety Inventory) elaborado por Beck (2001) amplamente utilizado em estudos relacionados à ansiedade de performance musical ou esportiva. É composto por 21 itens de sintomas de ansiedade que variam desde dormência ou formigamento até medo de morrer auto-referidos pelo indivíduo demonstrando níveis crescentes de gravidade: a) absolutamente não; b) levemente: não me incomodou muito; c) moderadamente: foi muito desagradável, mas pude suportar; d) gravemente: dificilmente pude suportar.

Os itens investigados são: 1) dormência ou formigamento; 2) sensação de calor; 3) tremores nas pernas; 4) incapaz de relaxar; 5) medo que aconteça o pior; 6) atordoado ou tonto; 7) palpitação ou aceleração do coração; 8) sem equilíbrio; 9) aterrorizado; 10) nervoso; 11) sensação de sufocação; 12) tremores nas mãos; 13) trêmulo; 14) medo de perder o controle; 15) dificuldade de respirar; 16) medo de morrer; 17) assustado; 18) indigestão ou desconforto no abdômen; 19) sensação de desmaio; 20) rosto afogueado; 21) suor (não devido ao calor). O total acumulado de pontos do teste de Beck vai de 0 a 63. Os níveis de ansiedade são classificados da seguinte forma: de 0 a 7 pontos (nível mínimo), de 8 a 15 (nível leve), de 16 a 25 (nível moderado), e de 26 a 63 (nível grave).

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora em 16/05/13. Todos os alunos que participaram da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Procedimento

Os alunos recrutados foram divididos em dois grupos: um grupo de controle e um grupo experimental, ambos compostos por 6 membros. O grupo controle realizou apenas o treinamento usual da peça musical. Já o grupo experimental realizou o treinamento de biofeedback além do treinamento usual.[1]

No primeiro encontro todos os estudantes assistiram a uma palestra apresentada pelo pesquisador, explicando os princípios do biofeedback HRV (Heart Rate Variability). Também foram explicadas as fases e procedimentos da pesquisa e oferecido aos participantes do grupo controle a possibilidade de receber o treinamento de biofeedback após o término do experimento, caso fosse do seu interesse.

O experimento consistiu de duas apresentações de uma mesma peça musical curta (cerca de 5 minutos), por cada estudante, para uma plateia composta de aproximadamente 5 alunos. Essas apresentações foram intercaladas por um período de 6 semanas, quando foi feito o treinamento de biofeedback. As duas performances foram gravadas para posterior comparação. As peças musicais foram escolhidas pelo próprio aluno dentro do repertório estudado no semestre. Dessa forma elas ficaram num nível de dificuldade adequado ao aluno, nem muito fáceis nem muito difíceis. A uniformização total das peças não seria possível pelo fato de estarmos lidando com alunos de diferentes instrumentos e diferentes níveis. Também foram aplicados testes de ansiedade imediatamente após as duas apresentações, relativos às sensações experimentadas pelos alunos durante as performances.

Os participantes do grupo experimental receberam 3 sessões de biofeedback por semana (com duração de aproximadamente 30 minutos) durante um período de 6 semanas, totalizando 16 sessões. Em alguns casos esse período teve de ser dilatado devido à ocorrência de feriados, mas o número total de sessões por aluno foi o mesmo. A primeira das 16 sessões foi ministrada pelo pesquisador e as seguintes por bolsistas treinados para a função, sempre sob a supervisão do pesquisador, nas dependências da universidade. Os participantes do grupo de controle não receberam treinamento.

A gravação em vídeo das performances públicas dos alunos de ambos os grupos (experimental e controle), com as respectivas avaliações fisiológicas (através do software emWave Pro) e psicológicas (através do inventário de ansiedade de Beck), pré e pós-treinamento, foram enviados a 5 professores de música que os avaliaram (atribuindo notas de 0 a 10) segundo os seguintes parâmetros: competência instrumental, musicalidade, e habilidade comunicativa. Os avaliadores não tinham conhecimento da ordem das gravações, ou seja, se elas eram pré ou pós-experimento. Para a análise foram consideradas as médias dos valores atribuídos em cada quesito aos participantes. Esses dados foram introduzidos no programa de computador SPSS versão 14, que nos proporcionou uma análise quantitativa dos dados, através de tratamento estatístico, como será mostrado posteriormente.

Para o treinamento foi utilizado o software emWave Pro (da empresa norte americana HeartMath), que mede as variações de pulsação cardíaca do indivíduo através de um sensor acoplado ao lóbulo de sua orelha. Este sensor, do tipo BVP (Blood Volume Pulse), emite sinais de luz infravermelha através da pele, capta a luz refletida e assim avalia as variações de corrente sanguínea e, consequentemente, a pulsação cardíaca. Através do processamento das informações transmitidas pelo sensor, o computador dá ao usuário informações (visuais ou sonoras) sobre o equilíbrio de seu sistema nervoso autônomo.

Uma das maneiras mais simples de observar como os sentimentos afetam o nosso corpo está nos efeitos que eles têm sobre os ritmos cardíacos. Quando as emoções são fortes, elas podem ser detectadas nas alterações do padrão dos nossos ritmos cardíacos. Se as pessoas estão frustradas, assustadas, ou com raiva, seus ritmos cardíacos são desiguais e irregulares. Vistos em uma tela de computador, esses ritmos se parecem com formas dentadas, como mostrado na figura 1.

 

 

No entanto, quando nos sentimos confiantes e seguros, ou apreciamos alguém ou alguma coisa, os nossos ritmos cardíacos são suaves como os do diagrama abaixo, figura 2.

 

 

Padrão gráfico com ondas suaves mostrando a variação no padrão de batimento cardíaco típico de sentimentos de estima ou simpatia. Fonte: Childre & Martin, 2000

Basicamente a sessão de biofeedback consiste em treinar a respiração a taxas mais lentas do que o normal, observando-se simultaneamente na tela do computador a consequente variação do ritmo cardíaco. Esse procedimento é usado, desde tempos imemoriais, na Yoga e nas Artes Marciais, e leva à redução dos efeitos do stress e à autorregulação dos ramos simpático e parassimpático do sistema nervoso autônomo.

Um coração saudável não bate com absoluta regularidade. Uma certa variabilidade é mais desejável do que a constância de um relógio, e está fisiologicamente associada a uma maior capacidade de adaptação aos desafios do dia a dia. Na verdade, o ritmo do coração está constantemente sendo ajustado por uma série de fatores fisiológicos, como os níveis de oxigênio e CO2 no sangue, a pressão sanguínea, a temperatura corporal, a taxa de respiração, etc. (Basics of Heart Rate Variability, 2010). Como foi dito, o batimento cardíaco e a respiração estão intimamente associados, e o treinamento da respiração é a chave para o sucesso do biofeedback HRV. Normalmente, quando estamos em repouso, nossa frequência de respiração é de 12 a 15 ciclos por minuto. Se diminuirmos conscientemente essa taxa para 5 a 6 ciclos (de acordo com a pessoa) com a ajuda de um relógio (inspirando em 5 a 6 segundos e expirando da mesma forma) em dado momento o batimento cardíaco entrará em sincronia com a respiração, ou seja, o coração acelerará na fase de inspiração e desacelerará na fase de expiração. Nesse estado a eficiência cardiorrespiratória é máxima, tendo como consequências a diminuição da taxa média de batimento cardíaco, o aumento de sua variabilidade, e o aumento da coerência psicofisiológica. O último termo indica o equilíbrio entre os sistemas nervoso simpático (responsável por funções de ativação) e o parassimpático (responsável por funções de desativação). Na maioria das pessoas que vivem em sociedades modernas o sistema nervoso simpático está sobreativado e o parassimpático subativado, sintomas de stress e hiperatividade. Praticando a respiração lenta e compassada o indivíduo aumenta o seu equilíbrio interno e se coloca em condições mais favoráveis para a performance. Esse é o raciocínio subjacente ao treinamento de biofeedback proposto (Rabelo, 2014).

O treinamento se dá em três fases distintas:

1. Na primeira fase do treinamento, foi determinado o nível inicial de cada aluno para o treino, de acordo com as gradações do programa: fácil, médio, difícil, muito difícil. Este nível está relacionado com a capacidade do aluno de sincronizar seu sistema respiratório com o sistema cardiovascular a fim de manter um nível de coerência psicofisiológica o mais alto possível. Foi também determinado empiricamente a duração em segundos do tempo inspiratório e do tempo expiratório necessário para manter alto o nível de coerência, visto que esse tempo varia ligeiramente de um indivíduo para outro. O treino consiste na manutenção do ritmo respiratório ótimo do aluno através do controle da respiração diafragmática. Além do controle respiratório o aluno é instruído a inibir pensamentos estressantes pois a atividade mental tem efeitos diretos na atividade cardiovascular.

No momento do treino, o programa oferece ao aluno duas formas de monitoramento em tempo real de sua atividade cardiovascular: um gráfico indicando a variação do batimento cardíaco versus tempo, e indicadores (em forma de barras) do nível da coerência cardíaca nas cores vermelha (baixo), azul (moderado), e verde (alto), conforme mostrado na figura 3.

 

 

Cada uma dessas cores está relacionada a um som pulsante específico, de forma que o aluno pode fechar os olhos para maior concentração e receber o feedback pela audição, se quiser. O número situado abaixo das barras verticais (ver figura 3) indica a porcentagem do tempo total em que o aluno se manteve naquela faixa. Deve-se esclarecer que as barras coloridas indicam faixas de valores relativos de coerência e não absolutos, pois elas estão relacionadas ao nível de dificuldade escolhido, conforme supracitado. A figura 4 mostra essa relação.

 

 

A existência de gradações na dificuldade no programa é útil para situar o aluno num nível de treinamento adequado, nem muito fácil, nem muito difícil. Não há aqui qualquer intenção de julgamento da capacidade inicial do aluno. O importante é que ele desenvolva essa capacidade. Como o biofeedback é uma ferramenta que utiliza parâmetros quantitativos, esse crescimento é facilmente mensurável e incentiva o aluno no treinamento. Nessa primeira fase do treinamento o aluno pratica até conseguir permanecer durante 80% do tempo de uma sessão de 10 minutos no nível de coerência cardíaca alto e médio (indicado pelo software). Isto significa que ele conseguiu, durante aquele tempo, se manter razoavelmente equilibrado e tranquilo sentado em frente ao computador, sem atividade musical. Algumas pessoas conseguem superar essa fase com relativa facilidade. Já aquelas mais ansiosas e tensas demoram várias sessões.

2. Já tendo aprendido o processo da respiração diafragmática, regular e controlada, em inatividade, o aluno passa agora ao ensaio mental da música (vendo a partitura, ouvindo a gravação, ou os dois) ao mesmo tempo em que pratica a respiração controlada e recebe o feedback do computador. Dessa forma ele associará o estado de equilíbrio gerado pelo biofeedback com a música, sem os fatores de stress gerados pela execução da mesma. Muitos alunos, mesmo tendo conseguido bons resultados na 1ª fase, têm dificuldade em manter níveis elevados de coerência cardiorrespiratória ao se deparar com a música. Isto se deve, sem dúvida, à associação da execução musical com o stress, adquirida em muitas horas de estudo do instrumento (Rabelo, 2014).

3. A terceira fase, a performance em si, é uma consequência do que foi conseguido nas fases anteriores. Agora não é mais possível tentar controlar a respiração, pois a música tem um ritmo e uma respiração próprios, e a tentativa de fazê-lo apenas atrapalharia a performance. Se o aluno aprendeu a manter um estado de equilíbrio interno, ele saberá usá-lo no momento da performance. Foi solicitado aos alunos que sempre praticassem o biofeedback ou a respiração controlada antes e durante as sessões de estudo, ou seja, interrompendo o estudo de 20 em 20 minutos, por exemplo, para não permitir que o rendimento da sessão decaia continuamente, como normalmente acontece (Rabelo, 2014).

RESULTADOS

No quadro 2 temos uma descrição do experimento, ou seja, as variáveis pesquisadas na 1ª coluna, o nº de sujeitos da amostra na 2ª coluna, e os valores médios e desvio padrão[2] de cada variável, para os dois grupos, nas colunas seguintes. Assim, observando a 1ª variável do quadro pode-se visualizar que a coerência psicofisiológica média passou de 1,15 para 1,73 no grupo controle e de 1,32 para 2,85 no grupo experimental, após o treinamento. O mesmo raciocínio se aplica às outras variáveis.

 

 

Para verificação da significância[3] das diferenças entre as médias antes e depois do experimento, para cada grupo separadamente, foi aplicado o teste t para dados pareados[4], mostrado no quadro 3.

 

 

Os resultados da comparação antes e depois do experimento indicam que houve diferença significativa nas médias do grupo experimental referentes à competência (p=0,023), à musicalidade (p=0,009) e à comunicação (p=0,011). As variáveis coerência psicofisiológica e ansiedade apresentaram valores ligeiramente superiores à significância (0,078 e 0,079). Já no grupo controle, os valores foram todos superiores à 0,05[5]. Isso mostra que a diferença observada nos testes pré e pós-experimento para o grupo controle não foram significativas, enquanto que essas mesmas diferenças para o grupo experimental foram bastante significativas e, provavelmente, o seriam mais ainda caso a amostra fosse maior.

A comparação entre os dois grupos foi verificada com a aplicação do teste t para amostras independentes, mostrado no quadro 4.

 

 

Os resultados da comparação entre os dois grupos mostram que ambos eram, no início do experimento, estatisticamente equivalentes com relação aos aspectos estudados - os valores de p são bem superiores a 0,05. Os resultados referentes às comparações posteriores ao experimento indicam diferenças significativas para a competência (p=0,030) e musicalidade (p=0,033). Para comunicação (p=0,139) e cpf (p=0,085) os valores de p estão ligeiramente acima da significância. Vê-se assim que o grupo experimental se distanciou do grupo controle após o experimento na maioria das variáveis. No item ansiedade (p=0,516), o alto valor de p pode ser considerado um ponto fora da curva. Isto aconteceu porque o grupo experimental iniciou o experimento com um valor muito alto de ansiedade média. Apesar deste grupo ter reduzido bastante seu valor de ansiedade média após o treinamento de biofeedback (de 24,00 para 13,00), ao passo que o grupo controle foi de 17,83 para 16,17, os valores de ansiedade-pós para os 2 grupos ficaram próximos (ver quadro 2).

É interessante notar que os cantores tiveram melhor aproveitamento do que os instrumentistas. Isto se deve provavelmente à maior intimidade deles com o processo da respiração, fator básico para o treinamento de biofeedback proposto. Não houve instrumentistas de sopro entre os participantes, apenas cantores, instrumentistas de cordas e pianistas.

Concluindo, era esperada alguma melhora na 2ª performance de todos os participantes, visto que ambos os grupos, experimental e de controle, estudaram a peça musical durante as 6 semanas de duração do experimento. No grupo de controle pudemos observar uma melhora variável, de nenhuma a pouca, de acordo, obviamente, com o nível de rendimento individual das sessões de estudo do instrumento. Já os 6 componentes do grupo experimental tiveram sensível melhora na ansiedade de performance, e também na qualidade da performance, em decorrência da maior espontaneidade e relaxamento ao tocar. Embora os dados apontem na direção da eficiência do treinamento proposto, uma amostra maior de sujeitos seria necessária para comprovar estatisticamente tal hipótese.

Outro detalhe a ser mencionado é a inexistência do efeito placebo neste experimento. Normalmente nos estudos destinados a comprovar a eficácia de remédios, é praxe o uso de pílulas de farinha (falsas) no grupo de controle. Deste modo tenta-se inibir o efeito psicológico causado pelo tratamento no paciente. No nosso caso não houve treinamento falso: um grupo recebeu o treinamento e o outro não. Contudo ambos continuaram preparando a peça, que afinal era parte do conteúdo do semestre. Diferentemente do uso de pílulas falsas (que não causam mal aos sujeitos) o uso de um treinamento falso não seria eticamente admissível, por existir a possibilidade de ele prejudicar os estudantes de música. Creio ser esse o entendimento dos pesquisadores da área, pois em nenhum artigo sobre o assunto (melhoria da performance através do biofeedback) foi detectado o uso do treinamento falso. Já a introdução de um treinamento alternativo no grupo de controle, introduziria novas variáveis no estudo e só prejudicaria a verificação da eficácia do biofeedback.

DISCUSSÃO

Os resultados desse estudo demonstram que estudantes universitários de música podem aprender a usar o biofeedback HRV como uma ferramenta efetiva para diminuir a ansiedade de performance e melhorar a qualidade da mesma. Esse aprendizado se dá em um tempo relativamente curto (um a dois meses) e pode ser administrado por um professor de música, devido à sua simplicidade.

Apesar de ser uma ferramenta poderosa na otimização da performance artística, quando incorporada à prática diária do instrumento, o biofeedback HRV ainda é desconhecido pela maioria dos músicos, especialmente no Brasil. Considerando a provável eficiência desse novo tipo de treinamento e seu baixo custo de aplicação, acredito tratar-se de uma alternativa viável para ajudar os músicos no enfrentamento da ansiedade de performance, tanto no meio escolar quanto profissional.

 

REFERÊNCIAS

Basics of Heart Rate Variability Applied to Psychophysiology. Montreal: Thought Technology Ltd. (2010). Recuperado em 05 fev. 2014 do http://www.emfandhealth.com/HRVThoughtTechnology.pdf.         [ Links ]

Beck, A. T (2001). Inventário de Ansiedade de Beck. Casa do Psicólogo. Manual da versão em português das Escalas Beck.

Chaló et al. (2016). Biofeedback e ansiedade no ensino superior: comparação da eficácia entre dois programas breves. Psicologia, Saúde & Doenças, 17(1), 60-66. doi: 10.15309/16psd170109.         [ Links ]

Childre D., & Martin H. (2000). The HeartMath Solution: The Institute of HearthMath's Revolutionary Program for Engaging the Power of the Heart's Intelligence. San Francisco: Harper Collins.         [ Links ]

Fredrikson M., & Gunnarsson, R. (1992). Psychobiology of stage fright. Biological Psychology, Queensland, Australia, 33, 51-61.

Lehrer, P. M., & Sime W. E., & Woolfolk R. L. (2007). Principles and Practice of Stress Management. New York: The Guilford Press.         [ Links ]

Mendes, D. G. (2014). Habilidades e Estratégias para gerir a ansiedade antes e durante o recital: um estudo multicaso com pianistas estudantes e profissionais. Música e Perspectiva, vol. 7 n. 1.

Nascimento, S. E. F. (2013). Ansiedade de performance musical: um estudo sobre o uso de betabloqueadores por bacharelandos em música. Dissertação de Mestrado não publicada, Escola de Música, Universidade Federal de Minas Gerais.

Pop-Jordanova N., & Chakalaroska I. (2008). Comparison of Biofeedback Modalities for Better Achievement in High School Students. Macedonian Journal of Medical Sciences, Skopje, Republica da Macedonia,1, 21-26.

Rabelo, P. C. M. (2014). O Uso do Biofeedback (HRV) na Redução da Ansiedade de Performance Musical. Anais do II Congresso da Abrapem, Brasil, 243-250.         [ Links ]

Thurber, M. R. (2006). Effects of Heart-Rate Variability Biofeedback Training and Emotional Regulation on Music Performance Anxiety in University Students. Unpublished doctoral dissertation, University of North Texas.         [ Links ]

Wilson G., & Martin D. (2002). Performance Anxiety. In: Parncutt R. & McPherson G. The Science & Psychology of Music Performance: Creative Strategies for Teaching and Learning (pp. 47-61). New York: Oxford University Press.         [ Links ]

 

Recebido em 13 de Dezembro de 2016/ Aceite em 26 de Junho de 2018

 

[1] A manutenção dos procedimentos usuais de prática musical são fundamentaais para a realização do experimento. Sem eles não haveria progresso no nível das performances em estudo. O biofeeback é um treinamento complementar à prática diária do instrumento.

[2] O desvio padrão é a medida mais comum da dispersão estatística. Ele mostra o quanto de variação ou "dispersão" existe em relação à média (ou valor esperado). Um baixo desvio padrão indica que os dados tendem a estar próximos da média; um desvio padrão alto indica que os dados estão espalhados por uma gama de valores.

[3] Um resultado é estatisticamente significante quando as diferenças encontradas são grandes o suficiente para não serem atribuídas ao acaso.

[4] O teste t é um teste estatístico cujo objetivo é testar a igualdade entre duas médias. O teste supõe independência e normalidade das observações. As variâncias dos dois grupos podem ser iguais ou diferentes, havendo alternativas de teste para as duas situações.

[5] Um resultado tem significância estatística se for improvável que tenha ocorrido por acaso, ou seja, se a hipótese nula puder ser rejeitada em 95% dos casos. Normalmente adota-se esse ponto de corte para o valor de p (p deve ser menor do que 5%, ou 0,05).

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