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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.19 no.1 Lisboa abr. 2018

https://doi.org/10.15309/18psd190111 

A relação de supervisão em psicoterapeutas

The supervision relationship in psychotherapists

João Serra de Almeida1,*, António Pazo Pires & Miguel Oliviera1

 

1ISPA-Instituto Universitário joaoalmeida_93@hotmail.com;apires@ispa.pt

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

A supervisão tem vindo a ser estudada com acrescida intensidade ao longo dos últimos vinte anos, no entanto, a relação de supervisão nomeadamente as suas dimensões têm sido pouco estudadas em psicoterapeutas. Pretende-se estudar as dimensões relacionais Abertura, Desafio, Estrutura, Base Segura, Educação Reflexiva e Suporte da relação. Utilizou-se um questionário em internet ao qual responderam 229 sujeitos portugueses e brasileiros com formação em psicoterapia. Foi efectuada a análise descritiva de alguns dos dados obtidos, análise da validade interna confirmatória e validade convergente referente às dimensões das escalas. Após a aplicação da validade interna confirmatória obtém-se que, de um modo geral, existe concordância entre o modelo obtido e o modelo original, contudo com a exclusão do item 4 da escala S-SRQ. Ambas as escalas demonstraram avaliar aspectos diferentes sobre a relação, contudo, suficientemente capazes de se relacionarem entre si.

Palavras-chave: Psicoterapia, Supervisão, Relação

 

ABSTRACT

The supervision has come to be studied with increased intensity throughout the last twenty years, however, the relation in supervision between supervisor and supervisee, namely its dimensions, have been little studied in psychotherapists. It is intended to study the relational dimensions Opening, Challenge, Structure, Safe Base, Reflexive Education and Support of the relation. An online questionnaire was answered by 229 Portuguese and Brazilian citizens with formation in psychotherapy. The descriptive analysis of some of the data (regarding the relational dimensions) has been done, confirmatory internal validity, with referring convergent validity to the dimensions of the scales. With the confirmatory internal validity it has been discover that there is no big differences between the original model and the present model, with the exception of the exclusion of the item 4 from S-SRQ scale. In other side, it has been found that the two scales converge by the application of them in the context of different aspects of the relation of the supervisor and the supervisee.

Key-words: Psychotherapy, supervision, relationship

 

A supervisão tem vindo a ser considerada fundamental ao longo da carreira do psicoterapeuta, visando responder às necessidades emergentes do ponto de vista clínico, educacional e social do psicoterapeuta (Vec, Vec, & Zorga, 2014). É, igualmente, considerada um requisito nas mais variadas sociedades de psicoterapia (Kernberg, 2008).

Os modelos de supervisão formulados (Rodrigues da Silva, 2007) têm feito uma demarcação clara do papel da supervisão e do supervisor mas não da relação entre supervisor e supervisando. Já Watkins e Milne (2014), referem que os modelos usuais, que visam explicar a relação de supervisão, vêm a ser entendidos enquanto partes explicativas da dimensão da relação em supervisão de psicoterapeutas. Neste sentido, surge a lógica do modelo de Bordin (1983) e do modelo de Holloway (2014), os quais visam inserir-se na dimensão estrutura de Cliffe, Beinart, e Cooper (2016), os modelos da vinculação (Watkins & Milne, 2014), o modelo da relação real (Watkins & Milne, 2014) e a lógica dos factores comuns (Fernàndez-Alvarez, 2015).

Tende a surgir um modelo empírico onde se conceptualizam dimensões relacionais. A base do referido modelo vem a consistir numa investigação qualitativa, que partindo do modelo de Bordin (1983) e de Holloway (2014), vem mover Beinart, (2014) a encontrar nove dimensões. Por sua vez, Palomo, Beinart, e Cooper (2010) utilizou o modelo obtido por Beinart, (2014) de forma a conceptualizar um instrumento de medida da relação de supervisão sob o ponto de vista do supervisando (SRQ). Numa redução do instrumento (SRQ), Cliffe et al., (2016) conceptualiza o instrumento S-SRQ, onde obtém as dimensões base segura, educação reflexiva e estrutura. A partir da análise sistemática da literatura, Lizzio, Wilson, e Que, (2009) conceptualizam, o instrumento Supervisor Relating Style Inventory (SRSI) obtendo as dimensões, abertura, suporte e desafio.

Ora, em acordo com Tangen e Borders (2016) as escalas de Cliffe et al. (2016) e Lizzio et al. (2009) serão as mais indicadas à medição dos processos/dimensões relacionais do ponto de vista do supervisando, que no presente estudo, serão generalizadas à amostra única de psicoterapeutas. Como tal, a pertinência do estudo debate-se à validação de ambas as escalas à população luso-brasileira, podendo veicular investigação em torno da limitação apontada a ambas as escalas no que toca à homogeneidade da população, análise da convergência entre ambas as escalas e falta da análise da validade interna por análise factorial confirmatória e validade concorrente entre dimensões relacionais.

 

MÉTODO

Participantes

Recolhemos um total de 229 participantes sendo 160 (69,9%) de nacionalidade Portuguesa e 69 (30,1%), Brasileira, 43 (18,8%) de género masculino e 186 (81,2%) do género feminino com idades compreendidas entre os 20 e os 71 anos. A seguinte tabela sintetiza os dados restantes relativos à amostra (cf. Quadro 1).

 

 

Material

Elaborou-se um questionário com informações socio-demográficas com a nacionalidade, idade, género, formação de base, se tem formação em psicoterapia, se actualmente exerce prática enquanto psicoterapeuta e há quantos anos, quantas horas de psicoterapia faz por semana e se fez terapia pessoal, e itens específicos sobre a supervisão, se fez supervisão, se fez supervisão e deixou de fazer (quais os motivos), durante quanto tempo, quantos supervisores teve, número de anos e impacto do supervisor de menor e maior impacto, número total de horas de supervisão, se actualmente faz supervisão, há quantos anos e qual o modelo teórico, se respondeu aos questionários pensando no supervisor de maior ou menor impacto, e duas escalas sobre relação de supervisão.

Short-Supervisory Relationship Questionnaire (S-SRQ) de Cliffe et al. (2016). Veio a ser constituída sob, inicialmente, uma amostra de 203 psicólogos clínicos de UK, e como test-re-test reliability 86 participantes (r=0,94). A referida escala divide-se em 18 itens, sob um referencial de resposta Likert [Discordo totalmente (1), Concordo Totalmente (7)], subdividindo-se os itens por três sub-escalas, base segura, educação reflexiva e estrutura, tendo por objectivo a recolha de informação sobre a relação supervisor-supervisando sob a perspectiva do supervisando. A referida escala apresenta fiabilidade com valores bastante adequados (total α=0,96; base segura α=0,97; educação reflexiva α=0,89; estrutura α=0,88).

Relating Style Inventory (SRSI) de Lizzio et al. (2009). Foi desenvolvido de forma a medir os níveis de desafio, suporte e abertura do supervisor pela percepção do supervisando. Foi concebida uma pool de 21 itens (sete por cada constructo) a partir das diversas construções teóricas existentes na literatura, pelo que após uma análise factorial exploratória, vêm a resultar um total de doze itens, divididos em três dimensões, abertura, desafio e suporte, tendo por base de respostas um sistema de resposta likert [(1) Discordo totalmente até (7) concordo totalmente]. A fiabilidade obtém-se com valores bastante adequados (abertura, α=0,83; suporte α=0,89; desafio α=0,82) constituindo-se enquanto três fortes dimensões da relação. Em relação à inter-relação das dimensões, no contexto da supervisão, as referidas dimensões tendem a agrupar-se em dois grandes grupos a abertura-suporte e a abertura-desafio.

Procedimento

O questionário foi enviado por e-mail para os membros de associações/sociedades portuguesas de psicoterapia, bem como associações/sociedades brasileiras de psicoterapia. Usou-se igualmente o método de recolha por bola de neve nas redes sociais. O processo de tradução foi efectuado em conjunto por António Pazo Pires, e João Almeida, e dado a apreciação a quatro profissionais Psicólogos e Psicoterapeutas bilingues. A nível dos procedimentos de análise estatística, efectuaram-se duas análises factoriais confirmatórias, quer à escala S-SRQ, quer à escala SRSI, bem como a constituição descritiva dos grupos socio-demográficos, conteúdos sobre psicoterapia e aos dados referentes à supervisão. Por fim, foi realizada a validade concorrente.

 

RESULTADOS

Análise descritiva

Foram utilizadas as referências Hill e Hill (1993) e Marôco (2014) à estruturação dos dados e análises estatísticas do ponto de vista descritivo.

No Quadro 1, representada em baixo, ter-se-á referência aos dados socio-demográficos dos sujeitos referentes à amostra do presente trabalho, onde se diferem entre género, nacionalidade e formação base.

Sobre os dados referentes à prática de psicoterapia têm-se os dados preconizados no Quadro 2, quer em referência à formação base, ao exercimento de psicoterapia, às horas praticadas, aos anos de exercimento de psicoterapia e se fez psicoterapia pessoal.

 

 

Pelo Quadro 3, têm-se os dados referentes à prática de supervisão, e se pratica actualmente, quantos supervisores teve até hoje, horas de supervisão praticadas e modelo teórico da presente supervisão. Dos principais resultados, retira-se a ambiguidade no que respeita à prática de psicoterapia (pratica – n=226, não pratica – n=3) e a quem tem formação em psicoterapia (tem formação - n=188, não tem formação - n=33). Por outro lado, outro dado interessante dirá respeito a se actualmente exerce supervisão onde 148 profissionais referem praticar e 81 referem não praticar.

 

 

Relativamente à análise factorial confirmatória, resumiram-se os dados relativos aos procedimentos e às inferências retiradas da análise das mesmas, pelo que, se apresentam os modelos obtidos relativos às escalas SRSI e S-SRQ.

Neste sentido, e recorrendo a Marôco (2014a) à análise das respetivas Análises Factoriais Confirmatórias, tem-se o modelo relativo à escala SRSI de Lizzio et al. (2009), onde se pode verificar a validação dos pressupostos que permitem a estruturação do modelo, bem como se refere que todos os itens seguem distribuição normal. Percebeu-se a fiabilidade compósita dos

 

 

Modelo Análise Factorial Confirmatória escala RSRI

factores, a qual varia entre bom e muito bom FC≥0,73. A VEMA=0,55 revelou-se inferior ao r2AS=0,56 pelo que não podemos afirmar que a dimensão Abertura tem validade discriminante quando comparada com a dimensão de Suporte. A VEMD=0,41 e a VEMA=0,55 revelaram-se superiores ao r2AD=0,28, pelo que se pode afirmar existir validade discriminante entre os dois factores Desafio e Abertura. De forma análoga, a VEMD=0,41 e a VEMS=0,79 revelou-se superior ao r2DS=0,28 assim podendo afirmar que existe validade discriminante entre os dois factores Desafio e Suporte.

Posteriormente, tem-se o modelo relativo à escala S-SRQ de Cliffe et al., (2016), onde se pode verificar a validação dos pressupostos que permitem a estruturação do modelo, bem como se refere que todos os itens seguem distribuição normal. Percebeu-se a fiabilidade compósita dos factores, a qual varia entre aceitáveis a muito bom FC≥0,68, logo, a escala apresenta-se enquanto fiável. Quanto à validade discriminante a VEMBS=0,65 e a VEME= 0,36 revelaram-se superiores ao r2BS/E=0,23 pelo que podemos afirmar que existe validade discriminante quando a dimensão base segura é comparada com a dimensão estrutura. A VEMER=0,55 e a VEME=0,36 revelaram-se inferiores ao r2E/ER=0,72, não existe validade discriminante entre a dimensão educação reflexiva e a dimensão estrutura. A VEMBS=0,65 revelou-se superior ao r2BS/ER=0,64 e a VEMER=0,55, revelou-se inferior, logo não existe validade discriminante entre a dimensão base segura e a dimensão educação reflexiva

 

 

DISCUSSÃO

Pela análise descritiva descriminaram-se a amostra geral (n=229) e a amostra referente à população que pratica supervisão de modelo dinâmico (n=104). Relativamente à análise confirmatória tem-se o seguimento do modelo original de Lizzio et al., (2009) e a retirada do item 4 do modelo de Cliffe et al., (2016). Pela análise da validade descriminante, e da validade concorrente às dimensões, percebe-se a possibilidade da utilização de ambas as escalas à medição do constructo relação, nas diferentes dimensões, quer pela sua inter-ligação, quer pela sua diferenciação ao que se pretende medir. Surgem semelhanças entre as dimensões (S-SRQ) educação reflexiva e estrutura, educação reflexiva e base segura, (SRSI) abertura e suporte e desafio e suporte, bem como, propostas a estudos futuros, no sentido de explicitar as diferenças e semelhanças encontradas no modelo da análise factorial confirmatória. Pela validade concorrente, aponta-se a semelhança entre todas as dimensões e, principalmente, entre as semelhanças às dimensões base segura e abertura (r=0,72, p<0,001), base segura e suporte (r=0,84, p<0,001) e base segura educação reflexiva (r=0,71, p=0,001).

 

REFERÊNCIAS

Beinart, H. (2014). Builging and sustaining the supervisory relationship. In C. E. Watkins, & L. Milne, The Wiley international handbook of clinical supervision (pp. 257-281). Oxford: Wiley Blackwell.         [ Links ]

Bordin, E. S. (1983). A working alliance based model of supervision. The Counseling Psychologist, 35-42.         [ Links ] doi: 10.1177/0011000083111007.

Cliffe, T., Beinart, H., & Cooper, M. (2016). Development and validation of a short version of the supervisory relationship questionnaire. Clinical Psychology and Psychotherapy, 77-86.         [ Links ] doi: 10.1348/014466509X441033.

Fernàndez-Alvarez, H. (2015). Reflections on supervision in psychotherapy. Psychotherapy Research, 1-10. doi: 10.1080/10503307.2015.1014009.

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Kernberg, O. (2008). Controvérsias contemporâneas acerca da teoria, prática e aplicação psicanalíticas. Lisboa: Climepsi Editores.         [ Links ]

Lizzio, A., Wilson, K., & Que, J. (2009). Relationship dimensions in the professional supervision of psychology graduates: Supervisee perceptions of processes and outcome. Studies in Continuing Educations, 127-140. doi: 10.1080/01580370902927451.

Marôco, J. (2014). Análise estatística com o SPSS Statistics. Pêro Pinheiro: Report Number - Análise e Gestão de Informação, LDA.         [ Links ]

Marôco, J. (2014a). Análise de equações estruturais – Fundamentos teóricos, Software e Aplicações. Pêro Pinheiro: Report Number - Análise e Gestão de Informação, LDA.         [ Links ]

Palomo, M., Beinart, H., & Cooper, M. J. (2010). Development and validation of the Supervisory relationship questionnaire (SRQ) in UK trainee clinical psychologists. British Journal of Clinical Psychology, 131-149. doi: 10.1348/014466509X441033.

Rodrigues da Silva, F. - O desenvolvimento dos psicoterapeutas portugueses: uma contribuição para o estudo da mudança ao longo da carreira. Lisboa: ISPA – Instituto Superior de Psicologia Aplicada, 2007. Tese de Mestrado.

Tangen, J. L., & Borders, D. (2016). The supervisory relationship: A conceptual and psychometric review of measures. Counselor Education e Supervision, 159-181. doi: 10.1002/ceas.12043.

Vec, T., Vec, T. R., & Zorga, S. (2014). Understanding how supervision works and what it can achieve. Em C. E. Watkins, & D. L. Milne, The Wiley international handbook of clinical supervision (pp. 103-127). Oxford: Wiley Blackwell.

Watkins, C. E., & Milne, D. L. (2014). Clinical supervision at the international crossroads - Currents status and future directions. Em C. E. Watkins, & D. L. Milne, The Wiley international handbook of clinical supervision (pp. 673-696). Oxford: Wiley Blackwell.

 

Endereço para Correspondência

Rua Jardim do Tabaco, Nº74, Lisboa. e-mail: joaoalmeida_93@hotmail.com

 

Recebido em 30 de Setembro de 2017/ Aceite em 31 de Dezembro de 2017

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