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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.18 no.3 Lisboa Dec. 2017

https://doi.org/10.15309/17psd180318 

Auto conceito masculino e auto cuidado em saúde

Auto concept male and self care health

Amanda Trajano Batista 1, Ana Alayde Werba Saldanha1, Francisca Marina Freire Furtado1

 

1Universidade Federal da Paraíba, Programa de Pós-graduação em Psicologia Social, João Pessoa, Brasil (amandatrajano92@hotmail.com)

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

Diversos estudos vêm discutindo a questão da saúde do homem, buscando compreender as diferentes motivações para os altos perfis de morbimortalidade masculina. Dessa forma o conceito que os indivíduos elaboram deles próprios atua nessa interpretação e auxilia no porque certas emoções surgem em determinados contextos ou porque se inibe ou desenvolve determinado comportamento, permitindo compreender a continuidade e a coerência do comportamento do homem ao longo do tempo. O objetivo desse estudo foi identificar o auto conceito masculino, buscando avaliar as implicações no auto cuidado em saúde. A amostra foi composta de 400 homens na faixa etária de 24 a 59 anos, residentes em João Pessoa-PB. Os instrumentos utilizados foram um questionário sócio-demográfico e o Inventario de Papéis Sexuais de Bem (BSRI). Os dados sócio-demográficos forma avaliados por estatística descritiva e o BSRI analisado tendo por base a categorização de sujeitos em papéis sexuais (andróginos, tipificados e indiferenciados). No tocante à escolaridade, verificou-se que 50 % possui ensino médio completo, renda mensal entre 1 e 3 salários mínimos(48,8%). De acordo com as resposta obtidas no BSRI, 115 participantes ajustaram-se a categoria andrógino. Verificamos assim, que o modelo tradicional de masculinidade vem sendo questionado e repensado como pilar da identidade masculina hegemônica.

Palavras-chave: autoconceito, masculinidade, saúde do homem, auto cuidado, papeis sexuais

 

ABSTRACT

Several studies have been discussing the issue of human health, seeking to understand the different motivations for the high profile of male morbidity and mortality. In this way, the concept that individuals elaborate of themselves acts on this interpretation and helps in why certain emotions arise in certain contexts or because they inhibit or develop certain behavior, allowing to understand the continuity and coherence of man's behavior over time. The aim of this study was to identify the male self-concept, seeking to assess the implications on auto care in health. The sample was made up of 400 men ranging in age from 24 to 59 years, residents in João Pessoa-PB. The instruments used were a socio-demographic questionnaire and the Sexual Roles of inventory (BSRI). The socio-demographic data form evaluated by descriptive statistics and the BSRI parsed based on the categorization of subjects in sexual roles (androgynous, typed and undifferentiated). With regard to education, it was found that 50 has full secondary education, monthly income between 1 and 3 minimum wages (48.8). According to the answers obtained in the BSRI, 115 participants set the androgynous category. We note that the traditional model of masculinity has been questioned and rethought as a pillar of the hegemonic male identity.

Keywords: self-concept, masculinity, men's health, self care, sexual roles

 

Observa-se que atualmente, diversos estudos vêm discutindo a questão da saúde do homem, buscando compreender as diferentes motivações para os altos perfis de morbimortalidade masculina. Parte desses estudos se baseia na perspectiva de gênero para a reflexão das condições de saúde masculina (Nascimento & Gomes, 2011). Alguns autores associam essas elevadas taxas ao processo de socialização dos homens, no qual poder, força e sucesso, considerados atributos característicos destes agentes sociais, resultaria em comportamentos que predispõem a doenças e mortes. Para outros autores (Brito & Camargo, 2011; Costa, 2002), o cuidado com a saúde não é valorizado como uma questão importante nas vivências masculinas. Assim, os homens reprimem suas necessidades de saúde e têm dificuldades para expressá-las, procurando menos que as mulheres pelos serviços de saúde(Silva, Furtado, Guilhon & Souza, 2012).

Nesse sentido, a categoria gênero pode contribuir para um alcance maior na compreensão das questões relacionadas à saúde masculina. Para Figueiredo e Schraiber (2011), gênero é compreendido como uma construção social da diferença sexual e tem um sentido relacional, envolvendo homens e mulheres e constrói-se em cima de valores que remontam às vivências na vida cotidianas. Explicações sobre os processos de identidade de gênero têm sido desenvolvidas por três abordagens principais, a teoria psicanalítica, a teoria da aprendizagem social e a teoria do desenvolvimento cognitivo. A teoria psicanalítica enfatiza que a estruturação da vida psíquica ocorre através do desenvolvimento de identificações da criança com o pai e a mãe. A aquisição de papeis, sejam feminino ou masculino tem inicio com complexo de Édipo, através dele a criança formará um identificação com o progenitor do sexo oposto, e desenvolverá sentimentos hostis com o de mesmo sexo, tal conflito será resolvido quando a criança passa a internalizar e se identificar com características do progenitor de mesmo sexo. A resolução do Édipo determinará a aquisição dos papéis masculino ou feminino, e as diferenças de personalidade (Souza & Ferreira, 1997).

A teoria da aprendizagem social se detém no papel exercido pelos fatores ambientais, diferentemente da abordagem psicanalítica que enfatiza as motivações internas. Nesta abordagem, é através da observação e imitação, bem como recompensas e punição que será assimilado os comportamentos adequados ao seu sexo (Miguel, 2005). Já a teoria do desenvolvimento cognitivo, acentua um papel mais ativo da criança no desenvolvimento, é enfatizada a importância dos mecanismos cognitivos e estágios (Miguel, 2005). Ao atingir o primeiro estágio denominado identidade básica de gênero a criança vai adquirindo a capacidade de rotular a si mesma e aos outros, por volta dos quatro anos chega ao estágio de estabilidade de gênero, o qual compreende que o gênero se mantém estável ao longo do tempo, já no terceiro estágio, por volta dos sete anos, há uma compreensão da consistência de gênero, nesse estágio há um entendimento que o gênero se constitui de um aspecto imutável do auto conceito e de há uma identificação com seu próprio sexo, havendo preferências com essa identidade (Souza & Ferreira, 1997).

Dessa forma modelos teóricos recentes destacam tanto mecanismos cognitivos, como o papel do meio para a explicação da identidade de gênero. Desse modo, Bem (1981) formula a teoria de esquemas de gênero. A teoria do esquema de gênero propõe que o fenômeno de tipificação sexual deriva, em parte, do processamento esquemático de gênero, e em parte de uma prontidão de informações ligados ao sexo constituinte. Um esquema é uma unidade genérica de estrutura cognitiva que forma uma rede de associações, organizando e guiando a percepção de um indivíduo. Funciona como uma estrutura antecipatória, uma disponibilidade para procurar e assimilar a entrada de informações. O Processamento esquemático é, portanto, altamente seletivo, a prontidão com que um indivíduo utiliza um esquema em vez de outro é chamado de disponibilidade cognitiva do esquema. A teoria do esquema de gênero evidencia que alguns indivíduos possuem uma predisposição para assimilar e organizar informações de acordo com as definições culturais de masculinidade e feminilidade (Bem, 1981). Essa tendência então de categorizar informações em masculino e feminino demonstra a presença de esquemas de gênero.

Dessa forma, o BSRI (Bem Sex Role Inventory) avalia de acordo com o contexto cultural, como as pessoas percebem a partir de padrões culturais e sociais vigentes, os estereótipos sexuais e imagem do homem e da mulher, sendo assim, através desses estereótipos sexuais e padrões convencionais de socialização do homem e da mulher pode-se explicar, pelo menos parcialmente, as diferenças de gênero observadas (Tamayo, 2001).

A masculinidade é então uma configuração prática em torno da posição dos homens nas relações de gênero, existindo uma masculinidade culturalmente hegemônica que serve de modelo e é construída nas relações de homens e de mulheres. Mas nem todos os homens assumem o modelo como sendo o seu, o que indica a coexistência de inúmeras manifestações de masculinidades, envolvendo aspectos tais como virilidade, agressividade, ambição, competitividade, coragem, autoridade (Figueiredo & Schraiber, 2011). Sendo homens e mulheres presos em um modelo culturalmente estabelecido que traçasse modos de se vestir, de se comportar e de ser, que a concepção de gênero resulta de uma representação histórica, relacional e construída, que dessa forma é passível de mudanças. Atualmente tendo vivenciado mudanças, como o declínio do patriarcado, resultante de transformações políticas, sociais e, sobretudo econômicas, Ceccarelli (2002) diz que se conjuga assim uma crise do masculino, o que foi evidenciado com tais mudanças, responsáveis pelo surgimento do homem moderno.

Segundo Wang, Jablonki e Magalhães, (2006) a identidade masculina atualmente passa por uma fase de desvendar-se, através da chamada “crise da masculinidade” onde o paradigma identitário do ser masculino encontra-se em fragmentação, observada nos diversos comportamentos assumidos pelos homens na contemporaneidade. De acordo com Valério (2010), as posturas masculinas frente a paternidade, ao sexo, autocuidado e manutenção com o corpo suscitam questionamentos se há ou não uma modificação nesse ser masculino. O termo “masculino” pode acionar um conjunto de representações socialmente ancoradas, mas a masculinidade de cada um podendo ser definida em termos mais variados e idiossincráticos. Dessa forma o homem está sendo levado a repensar suas necessidades individuais para além dos estereótipos instituídos pela lógica patriarcal. Está sendo levado, enfim, a repensar as bases de sua própria identidade (Wang et al. , 2006).

A partir dessa diferença nos modos de enxergar a masculinidade, faz-se relevante compreender o auto conceito que os homens possuem acerca da masculinidade. A sociedade como um todo, e a psicologia, deste muito tempo considera um modelo de gênero baseado em duas dimensões, a masculina e a feminina. No entanto, estudos (Bem, 1974) se preocupam com um conceito que abrange ambas as dimensões num individuo, ou seja, a integração de feminilidade e masculinidade, que seria a androginia psicológica. O conceito de psicológico de androgenia traz que é possível um individuo ser assertivo e compassivo, tanto auto-suficiente e meigo, ou seja, tanto masculino e feminino, dependendo da adequação de tais características na situação (Bem, 1977).

Segundo Vaz Serra (1986) o auto conceito é um constructo psicológico o qual permite ter uma noção da identidade da pessoa e da sua coerência e consistência, um constructo teórico que nos esclarece sobre a forma como o individuo lida com áreas respeitantes às suas necessidades e motivações, e interage com os outros, também leva a perceber aspectos do auto controle, porque certas emoções surgem em determinados contextos ou porque é que uma pessoa inibe ou desenvolve determinado comportamento, permitindo compreender a continuidade e a coerência do comportamento humano ao longo do tempo. Corroborando com Noya e Leal (1998), auto conceito é conceituado como correspondente a idéia que o sujeito faz de si próprio, sendo uma dimensão psicológica, que tem raízes no social, e é da ordem do interno, se construindo com base nas relações interpessoais, as quais estão associadas a valores, crenças e situações vividas.

Nesta conjuntura Tamayo (2001) define o auto conceito como uma estrutura cognitiva que organiza as experiências anteriores do indivíduo, seja imaginárias ou reais, controlando o processo informativo relacionado consigo mesmo e exerce uma função de auto regulação. O autor considera três componentes do auto conceito: o cognitivo, avaliativo e comportamental. O componente cognitivo é composto pelas percepções do individuo, características que possui ou pretende possuir. O avaliativo, também denominado de auto-estima, é a avaliação global que o individuo faz de si, manifesta-se por autoconfiança e aceitação de si. E o componente Comportamental são as estratégias que o individuo possui para transmitir aos outros uma imagem positiva de si. Tais componentes são relacionados entre si.

A construção do auto conceito é influenciada pela cultura dessa forma sua natureza é dinâmica, sendo influenciada por variáveis diversas que refletem a imagem social e relacional que o individuo deseja transmitir, assim, o auto conceito se forma e se desenvolve pela internalização, por parte do indivíduo, da maneira como as pessoas de um grupo o avaliam (Tamayo, 2001). O auto conceito é então compreendido aqui como uma construção teórica, que o indivíduo realiza sobre si a partir de sua interação com o meio social. Esta autoconstrução é um reflexo das percepções, conjecturas e imaginações que o indivíduo realiza a respeito da influência que a sua imagem exerce sobre os outros, do julgamento que estes (outros significativos) realizam sobre o indivíduo, somados a uma espécie de auto sentimento (orgulho ou vergonha) resultante desta interação social (Giavani e Tamayo, 2003).

Dessa forma o conceito que os indivíduos elaboram deles próprios atua nessa interpretação e auxilia no porque certas emoções surgem em determinados contextos ou porque se inibe ou desenvolve determinado comportamento, permitindo compreender a continuidade e a coerência do comportamento do homem ao longo do tempo. Desse modo, este estudo objetivou identificar o auto conceito dos homens, buscando associá-lo ao auto cuidado em saúde.

 

MÉTODO

Participantes

A amostra foi constituída por 400 homens residentes em João pessoa-PB e áreas metropolitanas, na faixa etária de 25 a 59 anos. Este recorte etário fundamenta-se nas Diretrizes da Política Nacional de Atenção à Saúde do Homem (Brasil, 2008). Para estimativa do tamanho da amostra, foi adotada a estratégia sugerida Barbetta (2008) para amostragem aleatória simples, considerando um erro amostral de 5% e o último senso demográfico realizado em 2007, quando a Paraíba possuía 724.373 homens com idades entre 25 e 59 anos.

Material

Foi utilizado um questionário socio-demográfico, que versava sobre as seguintes variáveis: orientação sexual, idade, renda, nível de escolaridade, estado civil, prática de atividades físicas e a procura dos serviços de saúde, para se construir o perfil dos entrevistados. Já para avaliar a percepção sexual ou de gênero utilizou-se o Bem Sex Role Inventory (BSRI), de Bem (1974), adaptado por Oliveira (1982) e revalidado por Trajano, Ribeiro, Freire, Silva, e Saldanha (2015), possibilitando a diferenciação dos sujeitos em função de quatro dimensões de papel de gênero: masculino, feminino, andrógino e indiferenciado.

O Bem Sex Role, é composto por um conjunto de adjetivos que se propõe a avaliar a percepção sexual ou de gênero dos indivíduos, sendo possível uma classificação em quatro dimensões de gênero, os tipificados e não-tipificados, ou esquemáticos e não-esquemáticos. Os indivíduos são considerados esquemáticos ou tipificados em relação à feminilidade e masculinidade, já aqueles que não apresentam essa prontidão em categorizar como pertinentes ao gênero são considerados não-esquemáticos ou não-tipificados, que são os andróginos e os indiferenciados (Bem, 1981). Através deste instrumento de avaliação de papéis sexuais é possível classificar os sujeitos em termos de seus papéis de gênero: masculino, se obtiver maior pontuação nos adjetivos estereotipados como masculinos, feminino se essa pontuação se der nos adjetivos ditos femininos, havendo uma elevação de uma dimensão em detrimento de outra . Permite também caracterizar os sujeitos em função da mediana, onde é tida a androginia pontuações elevadas em ambas às dimensões e indiferenciados se houver pontuações baixas em ambas as dimensões.

O BSRI é um conjunto de sessenta itens de adjetivos que compõem três escalas: Feminina, Masculina e Neutra. Os participantes usaram uma escala tipo Likert de 10 pontos (1=a característica nunca é verdadeira; 10=a característica sempre é verdadeira). Esse instrumento tem por base uma concepção de masculino e feminino que se assente nos padrões tradicionais e culturais da masculinidade e feminilidade, assim o sujeito é avaliado em função desses padrões. Dessa forma, os itens foram selecionados com base na definição cultural da desejabilidade social de cada um dos papeis de gênero e não tendo por base visões individuais de feminino e masculino.

Procedimento

O estudo foi realizado considerando-se os aspectos éticos pertinentes a pesquisas envolvendo seres humanos, tendo sido submetido à avaliação e aprovado pelo Comitê de Ética da Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba.Foi solicitado o Consentimento Informado dos participantes, cujo modelo foi elaborado de acordo com a Resolução no 466/2012 Sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos.

Após a autorização do comitê de ética, foi iniciada a fase de coleta de dados, em que os participantes da pesquisa foram informados, previamente, a respeito dos objetivos e procedimentos da pesquisa, bem como, da confiabilidade dos dados e do anonimato da sua colaboração. O instrumento foi respondido em locais diversos, tais como praças, logradouros, shoppings, e em residências.

Análise de dados

O banco de dados foi computado no PASW Statistis (SPSS), versão 20. Os dados sócio demográficos foram analisados através de estatística descritiva, com a utilização de medidas de posição (Média, Mediana) e de variabilidade (Desvio Padrão, Amplitude).

O Bem Sex-Role Inventory foi analisado tendo por base a categorização dos sujeitos em típicos femininos, masculinos, andróginos e indiferenciados. Foram reunidos os itens das escalas femininos e masculinos e calculado a média de cada sujeito em ambas as escalas; a escala neutra foi considerada nesses cálculos. Foi então calculada a mediana das médias para os sexos em cada uma das escalas feminina e masculina, sendo obtidas quatro medianas, duas para os homens e duas para as mulheres, essas medianas foram o ponto de corte para discriminar escores elevados ou baixos nas escalas. Assim feito, foi comparado à média de cada sujeito, conforme o sexo, com os pontos de corte nas escalas femininas e masculina, conforme é apresentado abaixo:

a) Masculino: Escores acima da mediana 6,65 na escala de masculinidade, e abaixo de 6,84 na escala de feminilidade. b) Feminino: Escores acima da mediana 6,84 na escala feminina, e abaixo de 6,65 na escala de masculinidade. c) Andrógino: Escores acima da mediana 6,65 na escala masculina, e acima de 6,84 na escala feminina. d) Indiferenciados: Escores abaixo da mediana 6,65 na escala masculina, e abaixo de 6,84 na escala feminina.

 

RESULTADOS

Participaram desse estudo de forma não probabilística e acidental, 400 homens, com idade variando de 25 a 59 anos (M=35), pode-se verificar que, no que concerne ao estado civil, a grande maioria dos participantes são casados (53,3%). No que diz respeito à escolaridade, a presente pesquisa verificou que parte dos homens da pesquisa (50%) possui o ensino médio completo, e com renda mensal entre 1 e 3 salários mínimos(48,8%). Grande parte se considera Católico (63,8%) apresentando um grau de religiosidade média.

Segundo Faria e Seidl (2005), a religiosidade pode ter implicações nos fenômenos relacionados à saúde e ao adoecer, principalmente no enfretamento religioso, que são estratégias cognitivas ou comportamentais para se lidar com eventos estressores, advindos da religião. No tocante a ingestão alcoólica, grande parte se revelou beber socialmente, algumas vezes 71,5%(N=286) e 85,5% se declaram não fazer uso do fumo.Demais características sócio demográficas podem ser observadas no Quadro 1.

 

 

DISCUSSÃO

A literatura aponta que algumas variáveis podem influenciar significativamente no auto conceito, características pessoais, tais como a idade, o estado civil, de acordo com pesquisas (Tamayo, 2001) tem revelado um efeito negativo sobre o auto conceito. Variáveis de uma dimensão social, se apresenta quase sempre com efeito positivo para o auto conceito, como popularidade, aceitação social, e variáveis situacionais é demonstrada como influenciador no auto conceito, tais como a religiosidade, situação socioeconômica, etnia (Tamayo, 2001).

No que diz respeito à prática de atividades físicas, observa-se que 36,6% dos participantes (N=146) declararam sempre praticar atividades físicas e 32,5% (N=130) declararam ter essa prática algumas vezes. Conforme pesquisa realizada por Tamayo (2001) com uma amostra de adultos sobre a influencia da atividade regular sobre o auto conceito, foi visto que há um impacto positivo, tendo a atividade física um efeito principal na auto confiança dos participantes. A prática de atividades físicas está bastante associada às questões do padrão culturalmente imposto na imagem de um corpo atlético, que conseqüentemente proporciona um bem-estar, independente do alcance de uma estética do corpo, dá a pessoa um sentimento que esses padrões estão sendo atingidos, proporcionando assim uma percepção mais positiva.

De acordo com os dados obtidos na analise do Bem Sex Role demonstramos na Quadro 2 a distribuição dos participantes da amostra de acordo com as respostas obtidas pelo BSRI.

 

 

Observa-se que grande parte da amostra (N=115) ajustou-se a categoria andrógina, possuindo simultaneamente traços identificados na cultura como fortemente feminino e masculinos, de uma forma equilibrada. Segundo Bem (1974) a androginia ao refletir tanto quantidades de masculinidade, quanto de feminilidades em sua descrição pessoal, é a que melhor caracteriza a natureza do papel sexual do individuo, adequando seus vários comportamento à situação. Os andróginos teriam assim uma forma particular de processar informações, não contam com conotações sexuais especificas para a orientação de seu processo de informação tal como os esquemáticos femininos e masculinos, que contam com a conotação de seus papéis sexuais específicos para o desempenho de processamento de informações, pode-se afirmar que os andróginos possuem uma flexibilidade quanto as tais conotações sexuais. Assim, de acordo com Bem (1975) a maioria das pessoas bem ajustadas é andrógina.

Observou-se que 104 participantes apresentam o gênero indiferenciado, que significa que obtiveram baixos índices tanto na escala masculina como feminina, em oposição aos andróginos. Em pesquisas realizadas por Bem (1979) os dados demonstraram que os indiferenciados apresentam um grau menor de auto estima que os andróginos, desempenhando em nível suficiente comportamentos femininos e masculinos, porém em menor grau, mas garantida as devidas designações.

E nota-se ainda que 61 participantes obtiveram altos índices na escala feminina, e 54 participantes obtiveram altos índices na escala masculina, sendo estão incluídos no gênero tipificado, o que significa que possuem papéis definidos socialmente como femininos e masculinos. Um vez que gênero é entendido como uma construção social de atributos e funções, que configuram diferenças e inter-relações entre os sexos, as quais incluem a dimensão biológica, mas não se limita a ela. Assim, gênero inclui a própria vivência subjetiva e as relações sociais subjacentes.

A conjectura de que, por se tratar de uma amostra totalmente masculina e ter sido realizada no contexto do nordeste, onde há crenças acerca dos elementos que comporiam os atributos da masculinidade nessa região, o ser “cabra macho” comumente falado, que são as características de ser forte, destemido, autoritário, valente, tratadas como próprias do ser do nordestino, vem sendo questionada. Como pode-se observar maior parte da amostra se alocou nas categorias andróginos(n=115)e indiferenciados(n=104). Diferentemente do esperado que seria a categoria tipificada masculinos.

Sendo o Nordeste uma sociedade onde a valentia, destemor, coragem dentre outras características influenciam no status dos indivíduos, causando um respeito, há uma necessidade permanente de se provar sua masculinidade, não pode ser “covarde” pois poderia ser rebaixado socialmente por isso. Então, a dominação por parte do masculino é tida como natural, como uma característica própria de sua identidade masculina, tendo assim uma necessidade de auto afirmação. Tal dominação masculina também seria fruto da fragilidade feminina, sendo a mulher figurada com um ser frágil e dependente (Albuquerque Junior, 1999). Diante desse quadro, verifica-se uma mudança de tais crenças acerca do ser masculino nesse contexto, evidenciada no homem pós moderno e no metrossexual, no qual se valoriza características relacionadas à afetividade, comunicação e aparência, vinculadas anteriormente ao sexo feminino. Considerando-se que a categoria andrógina possui uma flexibilidade no que diz respeito às conotações sexuais, ou seja, tanto características estereotipadas femininas com as masculinas estariam presentes nesse individuo, apresentando de acordo com a situação a melhor postura a ser tomada, observa-se de acordo com os dados obtidos no BSRI que está havendo essa mudança, que mesmo tal contexto nordestino impulsionando o homem a ter determinadas características estereotipada masculina, os homens estão adotando uma nova forma de processar informações de forma equilibrada.

Pesquisa realizada por Vicente e Souza (2006) corroborando com atuais resultados, demonstrando que as ambigüidades e transformações no modelo hegemônico de masculinidade demonstrou que no tocante a sensibilidade, os homens a consideram-na como normal no ser masculino e mesmo uma qualidade nos homens, indicando um distanciamento do modelo hegemônico que traz o homem como durões, insensíveis, não apresentando tal característica.

Quanto à categoria do indiferenciado, na qual parcela considerável da amostra se encaixou, podemos inferir que sendo os indiferenciados uma categoria que apresenta níveis baixos de androginia, os homens ai alocados estariam um processo de identificação, ou seja, não há uma definição de papeis ao certo, como sendo tipificados masculinos, femininos, ou apresentando um orientação andrógina de se portar.

Estes dados demonstra, portanto, que sendo a concepção de gênero resultado de uma representação histórica, relacional e construída, é passível de mudanças e temos visto que há certas mudanças implicadas, como aponta Ceccarelli (2002) que com o declínio do patriarcado, resultante de transformações políticas, sociais e econômicas , surge essa crise do masculino.Sendo o auto conceito resultado do meio e da intersubjetividade dos indivíduos e influenciado pela cultura , sua natureza é dinâmica, sendo influenciada por variáveis diversas que refletem a imagem social e relacional, assim os dados obtidos vem contribuir para uma melhor percepção no que é ser homem na sociedade moderna.

De tal modo, tais dados contribuem para um maior entendimento de como o auto conceito influencia no auto cuidado em saúde, pois a concepção acerca do modelo hegemônico de masculinidade, no qual, certos atributos característicos desses agentes sociais favorecia uma percepção de invulnerabilidade do corpo masculino,resultando em comportamentos que predispõem a doenças e mortes, vem sendo desconstruído e um novo homem vem sendo gestado.

De acordo com Nolasco (1993) a chamada crise da masculinidade hegemônica estaria relacionada ao movimento feminista ocorrido no final da década de 60, levando alguns homens a buscarem um modelo que melhor conseguisse descrever suas subjetividades, assim, esta afetaria apenas uma parcela dos homens contemporâneos, corroborando assim com os dados apresentados. Tais homens apresentariam atributos ditos como femininos, tais como sensibilidade, o cuidado, emotividade, que ao ser vistos como características ditas femininas, os homens acabam afastando-se do ideal de masculinidade hegemônico. Segundo estudos recentes (Silva, 2006; Connell, Messerschmidt & Fernades, 2013) a crise da masculinidade hegemônica se configura a partir de um conflito identitário vivido pelo homem, no qual há uma tentativa de adequar-se as dois modelos, um hegemônico, baseado em modelos tradicionais e outro pluralistas, ou seja, os padrões modernos de masculinidade, levando assim a impossibilidade de sustentar essa hegemonia no que se refere às subjetividades da maioria dos homens. Dessa forma pode-se inferir que as crenças acerca do ser masculino vêm sendo repensada, na qual tal modelo hegemônico de masculinidade está sendo desfeito. E sendo gestadas novas formas de se pensar a masculinidade, e concomitante a isso um maior auto cuidado em saúde.

Diante do exposto, a partir desta pesquisa foram verificadas mudanças em relação a alguns elementos que constituem o modelo hegemônico de masculinidade,como também uma nova masculinidade que vem sendo gestada. E foi possível apreender crenças e atitudes que os homens possuíam sobre si mesmo.

 

REFERÊNCIAS

Albuquerque, C. M. S., & Oliveira, C. P. (2002) Características psicológicas associadas à saúde: A importância do auto conceito. Millenium,26, 01-16. Retirado de: http://repositorio.ipv.pt/bitstream/10400.19/625/1/Caracter%C3%ADsticas%20psicol%C3%B3gicas%20associadas%20%C3%A0%20sa%C3%BAd.pdf.         [ Links ]

Albuquerque Júnior, D. M. (1999) Quem é froxo não se mete: violência e masculinidade como elementos constitutivos da imagem do nordestino. Projeto História, 19, 173-188. Retirado de: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/download/10928/8089.         [ Links ]

Wang, M., Jablonski, B., Magalhães,A. S. (2006) Identidades Masculinas : Limites e Possibilidades. Psicologia em Revista - Belo Horizonte. 12(19), 54-65. Retirado de: http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/243 .         [ Links ]

 

Endereço para Correspondência

Amanda Trajano Batista – Cidade Universitária - João Pessoa - PB – Brasil, CEP: 58051-900, João Pessoa, Paraíba, Brasil. Telf.: +55(83) 988686261. E-mail: amandatrajano92@hotmail.com

 

Recebido em 02 de Setembro de 2016 / Aceite em 16 de Outubro de 2017

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