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Psicologia, Saúde & Doenças

versión impresa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.18 no.3 Lisboa dic. 2017

https://doi.org/10.15309/17psd180308 

Fatores contribuintes para a resiliência de adolescentes com câncer: um estudo piloto

Contributive factors for the resilience of adolescents with cancer: a pilot study

Amanda Muglia Wechsler1, Juliana Lopes Sartorelli2, Bruna Flávia Gomes Pereira2, & Bárbara Loss Paro2

 

1Centro Universitário UNIFAJ

2Centro Universitário UNIFAFIBE – Bebedouro – SP – Brasil

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

O câncer na adolescência demanda o uso de estratégias adaptativas para lidar com diversas alterações em sua rotina. O objetivo deste estudo foi analisar a presença de resiliência em adolescentes com câncer e os fatores que contribuem para este comportamento. Foram avaliados 30 adolescentes com câncer e 30 adolescentes sem histórico desta doença, com um questionário sócio demográfico/ médico, o Inventário de Estratégias de Coping, a Escala de Apoio Social e a Escala de avaliação da coesão e adaptação familiar. Os resultados mostraram que o grupo clínico apresentou mais estratégias de enfrentamento adaptativas, e similar resiliência ao grupo controle. Além disto, verificaram-se relações importantes entre a religiosidade e a busca de suporte social com a resiliência. Conclui-se sobre a importância de um enfoque centrado na resiliência no contexto da Oncologia Pediátrica e sobre o delineamento de intervenções psicológicas específicas dirigidas a esta população.

Palavras-chave: resiliência, câncer; adolescentes, fatores de risco, fatores de proteção

 

ABSTRACT

Cancer in adolescence demands some adaptive strategies to deal with several routine changes. The aim of this study was to analyze the presence of resilience in adolescents with cancer and the factors that contribute to this behavior. We evaluated 30 teenagers with cancer and 30 adolescents with no history of this disease, with a social-demographic/ medical questionnaire, the Inventory of Coping Strategies, the Social Support Scale and the Scale of Cohesion and Family Adaptation. Our results show that the clinic group presented more adaptive coping strategies and similar resilience as the control group. In addition, we observed some important relations between religiosity, social support and resilience. Our conclusions highlight the importance of a resilience approach in Pediatric Oncology and the design of specific psychological interventions to these patients.

Key-words: resilience, cancer, adolescents, risk factors, protection factors

 

O câncer pediátrico é a primeira causa de morte entre crianças e adolescentes brasileiros. No entanto, o índice de sobrevivência é de atualmente 85%, dependendo do tipo de tumor (Instituto do Câncer - INCA, 2010). Por outro lado, tanto o diagnóstico quanto o tratamento de uma neoplasia maligna são grandes fontes de stress, visto que são invasivos e dolorosos e produzem mudanças em todas as áreas de funcionamento do indivíduo (Valencia, Flores, & Sánchez, 2006). Os pacientes devem enfrentar todas as demandas do tratamento somadas às mudanças físicas e/ou emocionais, às alterações na rotina, aos riscos de sequelas a longo prazo, às ameaças de recaídas (Bragado, 2009), às incertezas sobre o prognóstico e ao medo da morte (Barrera et al., 2004).

A adolescência é um período de transição entre a infância e a vida adulta, em que ocorrem diversas mudanças biológicas, psicológicas e sociais, tais como a construção da personalidade, as mudanças corporais e a busca pela identidade e independência (Abrams, Hazen, & Penson, 2007). Entretanto, quando o adolescente se depara com o tratamento oncológico, tais necessidades são temporariamente bloqueadas, já que a doença acarreta ainda mais alterações do que se é esperado para essa fase (Iamin & Zagonel, 2011).

Ao contrário das crianças, os adolescentes tem maior consciência sobre seu prognóstico e sobre o risco de vida que estão implícitos neste processo (Perina, 2010). Esta questão, aliada a outras, próprias da sua fase de desenvolvimento, fazem com que o adolescente tenha que se adaptar tanto à adolescência em si quanto à doença (Iamin & Zagonel, 2011), gerando sentimentos de insegurança, instabilidade emocional e medo (Bessa, 2000).

Devido a todas estas demandas, o adolescente deve criar estratégias de enfrentamento. Tais habilidades são denominadas de coping e consistem na adaptação do indivíduo às situações estressoras, utilizando-se de recursos cognitivos e comportamentais para obter um ajustamento positivo (Pesce, Assis, Santos, & Oliveira, 2004; Taboada, Legal, & Machado, 2006). Especificamente no caso do adolescente com câncer, as estratégias de enfrentamento mais utilizadas costumam ser a busca de apoio familiar e de amigos, a busca de informações e a religiosidade (Lombardo, Popim, & Suman, 2011).

O modo de enfrentamento positivo perante a adversidade, em que o indivíduo apresenta adaptação e recuperação de seu padrão funcional normal, é denominado resiliência (Luthar, Cicchetti, & Becker, 2000). A perspectiva centrada na resiliência se adequa ao câncer infanto-juvenil devido ao aumento expressivo das taxas de sobrevivência desta doença nas últimas décadas e ao fato de grande parte da literatura demonstrar uma boa adaptação desta população ao tratamento (Ritchie, 2001; Wallace, Harcourt, Rumsey, & Foot, 2007). Assim, uma abordagem centrada na resiliência enfatiza as estratégias de enfrentamento empregadas pelos pacientes, a sua adaptação e as suas habilidades positivas, mais do que seus déficits comportamentais ou psicopatologias (Woodgate, 1999).

Dentro desta perspectiva, os comportamentos adaptativos e mal-adaptativos não são opostos, e sim parte de um mesmo continuum (Garmezy, 1994). Neste sentido, a presença de resiliência não significa uma ausência de psicopatologias ou o final de um processo de enfrentamento, mas sim uma sucessão de eventos psicológicos que ocorrem através do tempo conforme o indivíduo vai aprendendo e se adaptando às demandas do seu ambiente, de forma dinâmica (Brennan, 2001; Reppold, Mayer, Almeida, & Hutz, 2012). Deste modo, os adolescentes com câncer não seriam indivíduos desviantes ou anormais, mas sim pessoas comuns que estão lidando com eventos excepcionais (Woodgate, 1999).

Neste processo de resiliência ao câncer, estão envolvidos diversos fatores de risco e de proteção. Considera-se como fatores de risco as condições adversas presentes no ambiente do indivíduo que aumentam a sua vulnerabilidade para problemas psicológicos (Silva, Elsen, & Lacharité, 2003). Já os fatores de proteção neutralizam e protegem os indivíduos da situação de risco e de seus efeitos negativos, estabelecendo e sustentando a autoestima e revertendo os efeitos do stress (Pesce et al., 2004; Sapienza, & Predomônico, 2005). Ambos fatores podem ser individuais (por exemplo, as estratégias de enfrentamento utilizadas) ou ambientais (como por exemplo: o clima familiar e o apoio social), e são críticos para uma adequada adaptação do paciente aos estressores presentes no tratamento oncológico (Woodgate, 1999). Assim, segundo esta perspectiva e baseando-se nos trabalhos de Haase et al. (2016) e Wu, Sheen, Shu, Chang, & Hsiao (2013), foi adotado na presente pesquisa o modelo conceitual ilustrado na Figura 1.

 

 

Modelo conceitual de stress, fatores de risco e de proteção e resiliência

Entende-se, a partir deste modelo, que os fatores de risco e proteção (estratégias de enfrentamento, clima familiar e apoio social) podem estar diretamente relacionados à resiliência ou funcionar como moderadores entre o estressor (câncer) e a resposta (resiliência). Neste processo, algumas variáveis sociodemográficas e médicas também podem influenciar no impacto do evento estressor, tais como: idade, sexo, escolaridade, religião e diagnóstico do paciente. Portanto, apoiando-se neste modelo, o objetivo da presente pesquisa foi realizar um estudo piloto sobre a presença de resiliência em adolescentes com câncer e os fatores que contribuem para que estes pacientes apresentem comportamentos adaptativos.

 

MÉTODO

Participantes

No grupo clínico, foi utilizada uma amostra por conveniência de 30 adolescentes em um primeiro tratamento ativo para câncer, com idades entre 12 e 18 anos e frequentadores de Casas de Apoio a pacientes no município de Barretos (São Paulo, Brasil). Foram excluídos os sujeitos que estavam em processo de remissão da doença, de recidiva, de cuidados paliativos ou com histórico psiquiátrico conhecido.

No grupo controle, participaram 30 adolescentes, de 12 a 18 anos, sem histórico de câncer ou outras doenças crônicas, e de nível socioeconômico similar ao grupo clínico, recrutados em escolas públicas da cidade de Barretos.

Materiais

Escala de Resiliência (Wagnild & Young, 1993; Pesce et al., 2006)

A Escala de Resiliência, adaptada por Pesce et al. (2006) para o contexto brasileiro, mede o nível de adaptação psicossocial positiva frente a eventos de vida importantes. Esta escala possui 25 itens dispostos em formato likert (1 a 7 pontos). Escores altos nesta escala indicam elevada resiliência. A consistência interna da versão brasileira é de 0,80.

Inventário de Estratégias de Coping (Lazarus & Folkman, 1985; Savoia, 1999)

O Inventário de Estratégias de Coping, adaptado por Savoia (1999) para o português, avalia pensamentos e sensações utilizados pelos indivíduos para lidar com demandas estressantes. Tal instrumento contém 66 itens, graduados de 0 a 3, agrupados em oito fatores: confronto, afastamento, autocontrole, suporte social, aceitação de responsabilidade, fuga/ esquiva, resolução de problemas e reavaliação positiva. Quanto maior a pontuação em cada dimensão, maior o uso desta estratégia. A consistência interna do instrumento adaptado oscila entre 0,42 a 0,69.

Escala de Apoio Social – MOS (Sherbourne, 1991; Griep, Chor, Faerstein, Werneck & Lopes, 2005)

Este instrumento, adaptado para o contexto brasileiro por Griep et al. (2005), visa avaliar a percepção sobre o apoio recebido pelo indivíduo em suas relações interpessoais. A escala contém 19 itens distribuídos em três fatores: apoio material, apoio afetivo e apoio emocional. Além disto, a escala oferece uma pontuação total, derivada da soma dos três fatores. Cada item está disposto em uma escala likert, com graus que variam de 0 a 4, sendo que uma maior pontuação indica maior apoio social. A consistência interna por alfa de Cronbach do instrumento adaptado é de 0,83.

Escala de avaliação da coesão e adaptação familiar – FACES III (Olson, Portner & Lavee, 1985; Nunes & Lemos, 2010)

Esta escala, adaptada para o português por Nunes e Lemos (2010), mede a coesão familiar (capacidade da família manter-se unida apesar das adversidades) e a adaptação familiar (capacidade dos membros familiares modificarem seus papeis e regras de funcionamento de acordo com a situação). O instrumento possui 20 perguntas dispostas em escala likert de 1 a 5, e oferece uma pontuação total de coesão familiar e uma de adaptação familiar. O coeficiente alfa da versão adaptada é de 0,71.

Questionário sócio demográfico e médico

Os dados sociodemográficos e médicos dos participantes foram obtidos a partir de questionário elaborado pelas pesquisadoras, contemplando: idade, sexo, escolaridade, religião e diagnóstico.

Procedimento

O presente projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa com Seres Humanos. Após a explicação da pesquisa aos pais e posterior assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os instrumentos foram aplicados oralmente em todos os participantes, devido à dificuldade de compreensão de alguns. A mesma ordem de aplicação foi utilizada com todos os participantes, de forma a não enviesar os resultados em função do cansaço dos sujeitos.

Análise dos dados

Os dados foram analisados primeiramente através de uma análise univariada com a frequência, a média e o desvio padrão. Foram estruturadas como variáveis binárias (dummies) todas as variáveis categóricas (codificação presente na legenda de cada tabela). Utilizou-se o teste t de Student para comparar os grupos com relação às variáveis sociodemográficas contínuas, e o teste de chi-quadrado para as variáveis categóricas. O teste t de Student também foi utilizado para comparar os dois grupos com relação aos níveis de resiliência, às estratégias de enfrentamento empregadas, à coesão e adaptação familiar e ao apoio social recebido.

Foi utilizada correlação de Pearson tanto para verificar a relação entre a resiliência e as estratégias de enfrentamento, a coesão e adaptação familiar e o apoio social, como para avaliar a associação entre as variáveis sociodemográficas/ médicas e a resiliência apresentada pelos participantes. Por fim, para verificar os efeitos de moderadores (estratégias de enfrentamento empregadas) na relação com as variáveis sociodemográficas/ médicas e a resiliência dos adolescentes, foi empregada uma regressão hierárquica múltipla.

 

RESULTADOS

As características sociodemográficas e médicas dos participantes estão dispostas no Quadro 1. Foi realizada uma análise preliminar para verificar se era necessário controlar alguma delas. No entanto, os dois grupos não diferiram significativamente em nenhuma destas variáveis, como pode ser observado nesta mesma tabela.

 

 

Apesar da Escala de Resiliência não fornecer pontos de corte do que seria alta ou baixa resiliência, a presente pesquisa dividiu as pontuações em duas metades (de 25 a 87,5 pontos, que seria considerada baixa resiliência, e de 88 a 175 pontos, que seria considerada alta resiliência). Considerando estes pontos de corte, 83,3% dos pacientes com câncer e 80% dos adolescentes do grupo controle apresentaram alta resiliência.

Ao analisar se os grupos (clínico e controle) diferiam entre si com relação à resiliência, tal diferença não foi constatada (t (39,45)= 0,25; p=0,805). Também não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos em relação à coesão e adaptação familiar (coesão: t(58)= 0,33; p=0,740; adaptação: t (58)= 0,24; p=0,813) e ao apoio social recebido (vide Quadro 2).

 

 

A estratégia de enfrentamento mais utilizada pelo grupo clínico (adolescentes com câncer) foi a de reavaliação positiva (M=14,07; DP=3,87), seguida da busca de suporte social (M=9,07; DP=3,85) e da aceitação de responsabilidade (M=9,07; DP=3,66). No grupo controle, a estratégia mais frequentemente empregada também foi a de reavaliação positiva (M=13,77; DP=4,48), seguida da aceitação de responsabilidade (M=11,30; DP=4,12) e da busca de suporte social (M=9,73; DP=3,63). Apesar disto, houve diferenças estatisticamente significativas nas estratégias de enfrentamento utilizadas pelos participantes dos dois grupos (vide Quadro 3). Neste sentido, observa-se que o grupo de adolescentes com câncer apresentou significativamente menos estratégias de confronto (p=0,002) e de aceitação da responsabilidade (p=0,030) que o grupo controle.

 

 

Diferenças entre os grupos com relação às estratégias de enfrentamento empregadas

Não foi observada nenhuma relação estatisticamente significativa entre a resiliência apresentada pelos participantes dos dois grupos e as suas estratégias de enfrentamento, sua coesão e adaptação familiar e/ou o apoio social por eles recebido (Quadro 4).

 

 

Ao analisar a relação entre as variáveis sócio demográficas e médicas com a resiliência dos participantes e com as suas estratégias de enfrentamento, verificou-se que os adolescentes com câncer que possuíam uma religião apresentavam níveis significativamente mais elevados de resiliência (p=0,008) em relação aos que declararam não possuir religião. No grupo controle, uma maior idade esteve relacionada a maiores níveis de coping de fuga/esquiva (p=0,037), e a presença de religião se associou significativamente com maiores índices de coping de resolução de problemas (p=0,005) e de aceitação de responsabilidade (p=0,004). Quanto às demais variáveis, não se constataram associações estatisticamente significativas (vide Quadro 5).

 

 

Apesar de não ter sido encontrada uma relação direta entre a resiliência apresentada pelos adolescentes com câncer e as estratégias de enfrentamento que eles empregavam, foi detectado um efeito moderador destas estratégias. No grupo clínico, observou-se um efeito moderador da estratégia de busca de apoio social entre a religiosidade e a resiliência dos participantes, aumentando o valor explanatório do modelo em 15% (R2), de acordo com o explicitado no Quadro 6. Assim, quando a presença de uma religião é combinada com a busca de suporte social, a resiliência tende a ser significativamente aumentada (p=0,017).

 

 

DISCUSSÃO

Este estudo piloto comparou a resiliência apresentada por adolescentes com câncer com adolescentes que nunca tiveram esta doença. Os resultados obtidos mostraram que os adolescentes com câncer apresentaram altos níveis resiliência, similares aos de adolescentes “saudáveis”, confirmando a literatura na área (Ritchie, 2001; Wallace et al., 2007). Tais resultados sugerem que estes indivíduos se adaptam bem e se recuperam frente às contingências do tratamento. Isto não significa que eles não sofram durante o processo da doença, não se sintam sobrecarregados ou não apresentem sinais de desadaptação, mas sim que o enfrentam de maneira positiva, valorizando a sua vida e as suas relações sociais (Bragado, 2009). O próprio ambiente hospitalar também pode contribuir com estes comportamentos resilientes, visto que oferece apoio emocional, modelos de comportamentos adequados, jogos, eventos sociais, apoio econômico e alojamento para as famílias que estão em tratamento.

Os participantes com câncer deste estudo também apresentaram níveis equiparáveis aos adolescentes do grupo controle com relação ao funcionamento familiar (coesão e adaptação familiar) e ao apoio social recebido, também confirmando estudos anteriores (vide revisão de literatura de Grootenhuis e Last, 1997). Neste sentido, um bom funcionamento familiar e uma rede de apoio social adequada podem funcionar como fatores de proteção, contribuindo para minimizar os efeitos psicológicos derivados do tratamento e promovendo o bem-estar dos pacientes (Fuemmeler, Brown, Williams, & Barredo, 2003; Han, Cho, Kim, & Kim, 2009).

No entanto, não se observou relação direta significativa entre o clima familiar ou entre o apoio social e a resiliência dos participantes, resultado também descrito por Conrad e Altmaier (2009). Apesar de muitas pesquisas relatarem uma relação significativa entre um melhor funcionamento familiar e um melhor ajustamento psicológico em crianças com câncer (Long & Marsland, 2011; Robinson, Gerhardt, Vannatta, & Noll, 2009), não se encontrou nenhum trabalho que avalie especificamente a relação entre a resiliência de adolescentes com câncer e o funcionamento familiar. Portanto, são necessárias mais pesquisas que avaliem tais associações, o que pode inclusive auxiliar no direcionamento de intervenções com subgrupos que estejam em risco psicológico.

Em relação às estratégias de enfrentamento empregadas pelos pacientes, este estudo não observou nenhuma relação significativa destas estratégias com a resiliência relatada pelos participantes. No entanto, os adolescentes com câncer parecem apresentar mais estratégias adaptativas que os adolescentes do grupo controle, já que se culpam menos pela doença (escores significativamente menores em coping de aceitação da responsabilidade) e mostram menos agressividade (coping de confronto) ao tentar manejar os estressores presentes em seu ambiente. Outros estudos já apontaram que esta população tende a usar estilos de coping mais adaptativos que indivíduos sem histórico de câncer (Derevensky, Tsanos, & Handman, 1998; Kupst & Schulmann, 1998). Assim, apesar destas estratégias de coping não estarem diretamente relacionadas à resiliência, elas parecem exercer um papel importante, que merece ser investigado com mais detalhes futuramente.

Ao relacionar variáveis sociodemográficas e médicas com as estratégias de enfrentamento, não foram encontradas associações estatisticamente significativas no grupo clínico, um resultado similar ao relatado por Wu et al. (2013). Por outro lado, observou-se uma associação positiva entre a resiliência apresentada pelos adolescentes com câncer e o fato de possuírem uma religião. Apesar de tal relação não ser muito relatada na literatura, dois estudos recentes demonstraram que a espiritualidade é um importante fator protetor, e está significativamente relacionada a maior resiliência em adolescentes com câncer (Haase et al., 2016; Park & Cho, 2017). Outras pesquisas também mostraram, de forma geral, a tendência desta população para buscar apoio espiritual (Motta & Enumo, 2002; Nichols, 1995).

Deste modo, diante da incontrolabilidade da doença e das incertezas de recaídas, sequelas ou de possível óbito, se hipotetiza que os adolescentes com câncer busquem a religião para encontrar conforto, sentido e alguma certeza para a sua doença (Pargament et al., 1990). Como destacam Haase (2004) e Weisz, McCabe e Denning (1994), a incerteza sobre a doença está negativamente relacionada à resiliência e ao ajustamento psicológico dos pacientes. Além de fornecer alguma certeza, a religiosidade permite que os pacientes aceitem melhor a sua condição de saúde e a incontrolabilidade da situação (Smith, 2011), promovendo maior otimismo, maior qualidade de vida, menores índices de psicopatologias (Koenig, 2001) e, inclusive, maiores possibilidades de sobrevivência (Alves, Alves, Barboza & Souto, 2010). Assim, a espiritualidade poderia ser considerada um fator que aumenta a qualidade de vida e a adaptabilidade ao contexto oncológico, de acordo com Panzini et al. (2007).

Além disto, os resultados desta pesquisa demonstraram que quando a religiosidade é combinada com a estratégia de enfrentamento de busca de suporte social, o valor explanatório do modelo aumenta. Hill e Pargament (2003) sugerem que a religiosidade pode ter um efeito mediador ou estar combinada com outros mediadores na relação com a saúde mental. Observa-se, neste estudo, que apesar da busca de suporte social de forma isolada não estar diretamente relacionada à resiliência dos adolescentes com câncer, quando é vinculada à religiosidade, ela parece explicar um aumento desta característica. Desta forma, parece que o sentimento de maior conforto e diminuição da incerteza derivados da espiritualidade sejam potencializados quando se experimentam relações significativas, com ajuda emocional e/ou material. Tais condições estariam, assim, implicadas no processo de resiliência e adaptabilidade diante do tratamento oncológico, como também destacado em revisão de literatura realizada por Panzini, Rocha, Bandeira e Fleck (2007).

Estes resultados se assemelham ao diagrama qualitativo sugerido por Lombardo et al. (2011), que sugere que a busca de apoio familiar e de amigos, a busca de informações e a religiosidade estariam vinculados a uma maior resiliência em adolescentes com câncer. Pode-se concluir, portanto, assim como discutido por Gobatto e Araújo (2010), que a religiosidade parece ser um recurso importante de enfrentamento aos estressores presentes no tratamento oncológico e está relacionada a comportamentos adaptativos dos pacientes, funcionando como um importante fator de proteção à saúde.

Deste modo, pode-se inferir, de acordo com Miller et al. (2009), que os procedimentos médicos não são tão traumáticos como se supõe e que, inclusive, o tratamento pode fortalecer comportamentos adaptativos já existentes no repertório dos pacientes ou fomentar repertórios que não existiam. Assim, parece que a adaptação psicológica dos pacientes irá depender mais da sua vulnerabilidade individual, das experiências anteriores e de como os seus pais estão se adaptando a esta situação do que dos próprios procedimentos invasivos (Long & Marsland, 2011). Neste sentido, a resiliência em pacientes pediátricos com câncer parece desempenhar um papel importante durante o tratamento, e a investigação de fatores que possam contribuir para o seu aparecimento ou manutenção parece ser um caminho promissor no âmbito da Psicologia Positiva brasileira.

Portanto, pode-se concluir que os resultados da presente pesquisa sugerem que adolescentes com câncer apresentam estratégias de enfrentamento mais adaptativas e similar resiliência aos adolescentes que nunca tiveram esta doença. Ademais, tendem a recorrer mais à religiosidade combinada com a busca de suporte social para enfrentar os estressores presentes no tratamento.

Esta pesquisa inova ao mostrar a importância da religiosidade na resiliência dos adolescentes com câncer, algo muito mais investigado em pacientes adultos e pouco explorado nesta faixa etária. São poucos os estudos que se propõem a avaliar a religiosidade como uma forma de enfrentamento importante no processo de tratamento oncológico. Inclusive, a maioria dos instrumentos psicológicos de coping não inclui esta dimensão, o que empobrece a visão acerca do enfrentamento dos pacientes e das estratégias que favorecem sua resiliência. Portanto, esta dimensão merece maior atenção das pesquisas, investigando-a em amostras maiores e em diversas regiões brasileiras. Além disso, este estudo sinaliza a necessidade de um maior preparo dos psicólogos hospitalares no manejo de tais questões, de acordo com a proposta da Organização Mundial de Saúde (2017) de avaliar e atender as necessidades físicas, psicológicas e espirituais de pacientes com câncer.

Os resultados obtidos nesta pesquisa questionam os modelos psicopatológicos tradicionais, ao constatar que adolescentes com câncer apresentam níveis similares de resiliência ao de seus pares, demonstrando que mesmo quando esta doença está presente em uma fase de desenvolvimento característica pelas dificuldades enfrentadas, tal como a adolescência, os pacientes conseguem adaptar-se e superar as adversidades presentes neste contexto. Deste modo, entende-se que um modelo de resiliência é mais útil para promover intervenções clinicamente relevantes do que os modelos baseados em déficits psicológicos, já que pode identificar e promover habilidades importantes para o enfrentamento dos estressores e para uma boa adaptação a todo o processo do tratamento oncológico.

Implicações clínicas relevantes podem ser derivadas deste estudo. A importância do suporte social, combinado à religiosidade, sinaliza que a atenção psicológica deve ser ampliada para além do contexto hospitalar, permitindo que o adolescente tenha uma ampla rede de apoio social, não só de pais e irmãos, mas também de amigos anteriores à hospitalização, de companheiros que estão passando por situação semelhante e de membros da sua Igreja e/ou religião. Como a rede social do paciente tende a diminuir conforme o tratamento progride (Russell et al., 2006), é importante que os psicólogos possam ajudá-lo a mantê-la, de forma a promover sua qualidade de vida e prevenir possíveis dificuldades emocionais. Além disso, intervenções hospitalares grupais fazem-se necessárias, visto que podem promover, além de ventilação de emoções e modelação de comportamentos adequados, a construção de novas redes sociais que auxiliem o paciente durante e após o seu tratamento.

Por ser um estudo piloto, algumas limitações podem ser apontadas, tais como o tamanho amostral, o uso de uma amostra de conveniência não-aleatória, o local de recrutamento e a falta de uso de instrumentos específicos para adolescentes com câncer. Além disto, todos os instrumentos utilizados foram de auto-relato e aplicados de forma oral, o que pode ter produzido efeitos de desejabilidade social e, portanto, enviesado os resultados obtidos.

Por último, deve-se salientar que os resultados obtidos neste estudo não são conclusivos e mais pesquisas são necessárias a fim de investigar com mais profundidade os fatores aqui explorados. Assim, sugere-se que estudos futuros utilizem amostras maiores e mais abrangentes, além de delineamentos longitudinais, de modo a elucidar os mecanismos envolvidos na resiliência no contexto da oncologia pediátrica. Também são necessários mais trabalhos que expandam a compreensão sobre fatores de risco e de proteção para a resiliência de adolescentes com câncer, já que as publicações brasileiras nesta área são escassas. Ressalta-se também a importância de elaboração e/ou validação de instrumentos de avaliação psicológica específicos para esta população, assim como de pesquisas sobre programas de intervenção para adolescentes em risco psicológico e/ou seus pais, visto que pouco se sabe sobre formatos e técnicas psicológicas eficazes para estes pacientes.

 

REFERÊNCIAS

Abrams, A. N., Hazen, E. P., & Penson, R. T. (2007). Psychosocial issues in adolescents with cancer. Cancer Treatment Reviews, 33 (7), 622-630. doi: 10.1016/j.ctrv.2006.12.006.         [ Links ]

Alves, R. R. N., Alves, H. N., Barboza, R. R. D., & Souto, W. M. S. (2010). Influência da religiosidade na saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 15 (4), 2105-2111. doi: 10.1590/S1413-81232010000400024.         [ Links ]

Barrera, M., D´Agostino, N. M., Gibson, J., Gilbert, T., Weksberg, R., & Malkin, D. (2004). Predictors and mediators of psychological adjustment in mothers of children newly diagnosed with cancer. Psycho-Oncology, 13, 630-641. doi: 10.1002/pon.765.         [ Links ]

 

Endereço para Correspondência

Rod. Adhemar Pereira de Barros, km 127 – Jaguariúna – SP – Brasil . E-mail:amanda_wechsler@yahoo.com.br

 

Recebido em 23 de Março de 2016

Aceite em 30 de Outubro de 2017

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