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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.18 no.2 Lisboa ago. 2017

https://doi.org/10.15309/17psd180221 

Atualidades sobre a psicologia da saúde e a realidade Brasileira

Current affairs of health psychology and the Brazilian context

Railda Alves1,2,*, Gabriella Santos1,3, Patrick Ferreira1,4, Angelica Costa1,5, & Emanuel Costa1,6

 

1Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande - PB – Brasil.

2e-mail: raildafernandesalves@gmail.com; railda@uepb.edu.br.

3e-mail: gabriellacezar@hotmail.com.

4e-mail: patrick_raimond@hotmail.com;

5e-mail: angelicahigino11@gmail.com;

6e-mail:efcosta@gmail.com

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

Este artigo de revisão teórica dedica-se a discutir a psicologia da saúde a partir de três eixos principais: mostra o cenário histórico sobre o seu nascedouro, pontuando algumas discordâncias quanto à sua nacionalidade; apresenta conceitos clássicos e atuais; mostra o processo de desenvolvimento da vertente brasileira, apontando para uma definição dos níveis de intervenção em saúde, como uma alternativa para auxiliar os psicólogos em suas práticas de saúde. Situa a psicologia da saúde como disciplina ampla e autônoma tanto em relação à psicologia social como em relação à hospitalar. Defende que a psicologia da saúde, com suas características interdisciplinares, agrega o conhecimento de outras disciplinas. E apresenta como solução para os problemas de compreensão teórica e de intervenção prática, a articulação entre intervenção e níveis de complexidade de atenção em saúde. Conclui apontando que a psicologia clínica e a psicologia no contexto hospitalar devem ser entendidas como modelos de assistência psicológica, pertencente à psicologia da saúde.

Palavras chave: Psicologia da Saúde, Níveis de Assistência em Saúde, Psicologia Clínica.

 

ABSTRACT

This theoretical review article is dedicated to the discussion of health psychology from three main points: it shows the historical setting of its birth, punctuating some disagreements as to its nationality; it presents classic and current concepts; it shows the development process of the Brazilian branch, pointing to a definition of health intervention levels as an alternative in assisting psychologists in their health care. It defines health psychology as a wide and autonomous discipline in terms of both social and hospital psychology. It claims that health psychology, with its interdisciplinary characteristics, adds to knowledge in other disciplines. It presents the relationship between intervention and health care complexity levels as a solution to problems of theoretical understanding and practical intervention. It concludes pointing out that clinical psychology and hospital context psychology should be understood as psychological care models belonging to health psychology.

Keywords: Health Psychology, Health Care Levels, Clinical Psychology.

 

A construção deste artigo teórico se dedica a discutir a psicologia da saúde. Se justifica porque, sobretudo na realidade brasileira, ainda existem importantes divergências quanto a sua compreensão. Divergências que afetam diretamente a execução das práticas dos psicólogos, e favorece o aumento de dubiedades no que se refere a aplicação da psicologia clínica, com seu enfoque na enfermidade mental e na psicoterapia; e a psicologia da saúde, voltada à saúde geral e aos aspectos saudáveis e o potencial de saúde dos indivíduos. Trata-se de uma revisão teórica e conceitual que reúne também elementos históricos da realidade brasileira, buscando, dentro da diversidade de assistências, auxiliar o profissional de psicologia a compreender melhor suas práticas, mediante a lógica dos níveis de complexidade.

Surgimento e desenvolvimento da Psicologia da Saúde

O surgimento da psicologia da saúde tem provocado múltiplas discussões teóricas e revela a necessidade de sua justificativa como disciplina específica voltada à consecução da saúde geral das comunidades. Ruiperez (1997), argumentando em favor do desenvolvimento da psicologia da saúde como uma especialidade da psicologia, afirma que apesar da confusão a que pode levar a criação de uma nova especialidade, o surgimento desta disciplina não se justifica pela criação de postos de trabalho, mas para dar respostas às necessidades surgidas na sociedade. Assim como a psiquiatria é uma especialidade da medicina, seria defensável reconhecer algumas especialidades psicológicas da saúde. Para isso, haveria que fazer uma revisão teórica das mesmas desde um modelo de saúde pública. Ruiperez (1997), em defesa de uma psicologia da saúde voltada à prevenção de doenças e à promoção de saúde, afirma que ambas deveriam estar implícitas nos fazeres de cada uma das disciplinas e de suas especialidades. Cada disciplina, através de seus conhecimentos e técnicas, deve dar resposta às necessidades procedidas da nova concepção de saúde, levando em consideração a diversidade e a complexidade da realidade, para pensar diferentes modelos e maneiras de entendê-la desde cada uma das distintas parcelas da realidade científica.

O surgimento da psicologia da saúde resulta da evolução dos modelos de compreensão do processo saúde-enfermidade, resultantes das revoluções da saúde (Pais Ribeiro, 2007), que avançam em direção à perspectiva psicossocial. De acordo com Carrobles (1993), no mundo ocidental se há dado uma grande ênfase à saúde. Tal ênfase se vê refletida nos múltiplos níveis e instâncias sociais desde o sistema sanitário até as instâncias populares, todos assumindo o papel de tutores da saúde (por exemplo; o Estado, os meios de comunicação, instituições sociais dentre outros). Nessa perspectiva o autor assinala que a saúde é entendida em seu sentido mais amplo, ou seja, como o estado integral de bem-estar e não só a saúde física com a que o termo saúde tem estado tradicionalmente identificado. Inclui o sentir-se bem, tanto consigo mesmo como nas relações e papeis que desempenhamos em nosso trato com os demais e com o meio ambiente. A saúde é bem-estar ou vida nas três dimensões que constituem a natureza humana: a biológica, a psicológica e a social, e cujo desfrute, combinado ou integradamente, institui a principal aspiração do ser humano e o ideal ou protótipo de felicidade da atualidade.

Com base nesta perspectiva de saúde, ou seja, a saúde entendida como uma realidade total e integrada, é possível encontrar de acordo com Carrobles (1993) a origem e desenvolvimento do novo campo aplicado da psicologia da saúde. Tal campo, por sua vez, tem nas duas disciplinas: psicologia e medicina, a origem para o desenvolvimento da medicina comportamental, a qual é entendida como o campo interdisciplinar integrado da ciência biomédica e da psicologia, ciência do comportamento, e a aplicação dos conhecimentos e práticas derivadas das duas disciplinas para a compreensão e o tratamento das doenças, sua prevenção e a promoção da saúde.

Para Godoy (1999) a característica principal da medicina comportamental é a interdisciplinaridade. Que a define como “conjunto integrado de conhecimentos biopsicossociais relacionado com a saúde e as enfermidades físicas” (p.51). Este mesmo autor explicita que ela resulta da aplicação dos conhecimentos originários da psicologia experimental à prática médica, através da aplicação das técnicas de terapia e transformação de conduta na prevenção e tratamento da enfermidade física, de modo a ficar de fora as técnicas não comportamentais e os problemas de natureza não física. Godoy conclui, a partir de suas definições, que a medicina comportamental representou o primeiro intento de incorporar a psicologia à abordagem da enfermidade física, fato que contribuiu à ampliação do modelo biomédico com o aporte biopsicossocial da saúde-enfermidade.

Carrobles (1993) comenta que o desenvolvimento do modelo biopsicossocial integrado e aplicado aos problemas de saúde tem estado impulsionado pelas mudanças observadas nas últimas décadas nos padrões característicos das enfermidades no mundo ocidental, pelo qual, as infecções foram em sua maioria controladas e em seu lugar apareceu uma nova maneira de adoecer, resultante das enfermidades crônicas ou funcionais, não produzidas por agentes patogênicos específicos. Esse novo padrão de adoecer se explica por causas múltiplas e de natureza não exclusivamente orgânica, ficando evidenciados os fatores psicológicos, sociais, culturais e meio ambientais na configuração das doenças entendidas sem a distinção entre o físico e o psicológico.

A mudança na forma de adoecer e a posição adotada frente à multicausalidade na gênese das enfermidades, favoreceu ao reconhecimento do meio socioambiental e a conduta pessoal dos indivíduos como os principais determinantes dessas enfermidades. Tal fato ampliou a importância do papel das ciências da conduta, a exemplo da psicologia e também mudou a assistência às enfermidades que passa de um enfoque exclusivamente reabilitador ou terapêutico a um enfoque preventivo. Um enfoque mais preventivo que curativo foi também impulsionado pela OMS desde sua Conferência Internacional sobre atenção primária de saúde em Alma-Ata (1978), cujo objetivo principal foi proteger e promover a saúde em lugar de somente tratar ou reabilitar o enfermo.

Carrobles (1993) comenta que a ênfase na prevenção de doenças e na promoção de saúde foi progressivamente transformando a medicina comportamental na atual psicologia da saúde. A primeira centrada no tratamento e na reabilitação e a segunda centrada na prevenção e na modificação dos hábitos e estilos de vida inadequados dos indivíduos, assim como de seu meio social e ambiental.

Segundo Simón (1999), as mudanças sucedidas no campo do cuidado da saúde e de todas as ciências relacionadas direta ou indiretamente com ela sofreram grandes modificações, principalmente em seus planejamentos teóricos. O autor explica que tais mudanças têm contribuído ao surgimento da psicologia da saúde e destaca como fenômenos contribuintes para o desenvolvimento deste campo a nova conceituação da saúde-enfermidade, o desenvolvimento da noção de estado de bem estar, as mudanças no perfil epidemiológico das comunidades, a comprovação da importância das variáveis psicológicas e sociais na determinação dos estados de saúde-enfermidade, e, principalmente, a caracterização da atenção primária de saúde (APS) como integral e embasada no trabalho em equipe. Este mesmo autor argumenta que o mais recente desenvolvimento de procedimentos e técnicas para a modificação do comportamento, deu à psicologia maior reconhecimento e consideração no âmbito das ciências da saúde, fato que aumentou sua incorporação, de modo mais efetivo, no entorno da saúde pública, em uma perspectiva mais ampla e para além dos limites da tradicionalmente denominada saúde mental (Simón, 1999).

A psicologia da saúde no mundo: as várias versões para sua origem

O surgimento do termo psicologia da saúde, em nível mundial, resulta difícil demarcar, já que norte americanos e cubanos reivindicam, para cada um para si, tanto a origem da psicologia da saúde quanto sua demarcação como novo campo de aplicação da psicologia. Autores europeus consideram os Estados Unidos como os que inauguraram as discussões e o termo, e não fazem menção a Cuba. Neste artigo, é preferível situar a origem e desenvolvimento em cada país, para mostrar as múltiplas versões sobre a origem ou, como querem alguns, ‘a nacionalidade da psicologia da saúde'.

Em Cuba, de acordo com Calatayud (2011), os anos 1960-1969, marcaram o começo da formação profissional de psicologia nas universidades. Os primeiros psicólogos egressos se inseriram em diferentes instituições. Ocorre o início da integração da psicologia no sistema de saúde, priorizando o trabalho na atenção primária e nas comunidades; surge o conceito de psicologia da saúde; aparecem os primeiros estudos de psicologia institucional. Vários estudos tratam de temas psicológicos em saúde reprodutiva e materno-infantil, nutrição, saúde dos escolares, entre outros tópicos. Nestes anos começa a integração da psicologia na formação de ensino médio dos profissionais de saúde. Isto reflete uma visão muito avançada sobre fazer promoção de saúde. Em 1974 foi criada a Sociedade Cubana de Psicologia da Saúde que foi possivelmente a primeira sociedade científica com essa denominação no mundo (García, 1980, 1981).

Nos Estados Unidos dois fatos importantes merecem ser destacados: a criação do Programa de Doutorado com o título: Health-CarePsychology, pela Universidade de Minnesota, em 1974; e a elaboração de um documento interno, no âmbito da Universidade da Califórnia, com o objetivo de propor um novo currículo em psicologia, que alude especificamente a Health Psychology (Abalo & Meléndez, 2005). Para Simón (1999), o termo e denominação psicologia da saúde surge no seio da American Psychological Association (APA), resultante de uma série de acontecimentos, ademais dos acima citados, como por exemplo: o estudo de William Schofield, em 1976, sobre a investigação na saúde que utilizou como material de análise os resumos publicados nos Psychological Abstracts, entre os anos 1966 a 1973. Os resultados mostraram que até aquela data os psicólogos norte americanos não estavam muito atraídos pelos problemas de saúde e doença como áreas de interesse para a investigação básica ou aplicada. Estes psicólogos tampouco percebiam os benefícios que aportavam para seu trabalho, a hora de conseguir melhoras para a manutenção da saúde, a prevenção da enfermidade e o sistema de prestação de cuidados.

Tal fato originou a formação de grupos, associações e reuniões científicas cujo objetivo foi, entre outros, promover a psicologia como disciplina interessada na compreensão da saúde e da enfermidade através da investigação básica e clínica, e promover a formação de profissionais e a criação de serviços especializados na psicologia da saúde. Tudo isso repercutiu sobre a produção de livros, artigos científicos e eventos. Assim, de acordo com Simón (1999), esse conjunto de fatos representam a origem da psicologia da saúde nos Estados Unidos e datam dos fins da década dos anos setenta.

Na Europa as discussões sobre a psicologia da saúde se iniciam na década de 1970, por Espanha, Portugal e Inglaterra. Nos anos 1980 se ampliam por Áustria, Suíça e Alemanha (Baptista, Baptista & Dias, 2003). Nestes anos também foram organizadas seções de psicologia da saúde em quase todas as Sociedades e Associações de Psicologia (Sociedade Britânica, Sociedade Portuguesa, Federação Europeia de Associações de Profissionais de Psicologia, Colégio Oficial de Psicólogos).

Na Espanha, a partir dos anos setenta, também se observou um grande desenvolvimento da medicina comportamental inicialmente, e da psicologia da saúde, posteriormente. Segundo Ruiperez (1997) o crescimento significativo da psicologia da saúde observado nos anos 80 e 90 se deu porque as tentativas anteriores de privilegiar a psicologia ao campo da saúde, haviam ficado reduzidas aos problemas de saúde mental. A forma como se fazia tal planejamento aportava uma visão dicotômica da saúde mental e física, fato que por sua vez privava a psicologia de uma aproximação integral à saúde.

Em Portugal, de acordo com Teixeira (2007), a psicologia da saúde começou a ser praticada nas maternidades e hospitais. Em seguida, foi implementada nos centros de saúde. Os psicólogos da saúde em Portugal participam nas assistências de saúde geral, nos cuidados primários, nas unidades de hospitalização, nos serviços de saúde mental, nas unidades de dor, nos serviços de oncologia, na saúde pública, nos serviços de saúde ocupacional entre outros. Apesar do grande quantitativo de psicólogos em Portugal os serviços de psicologia da saúde, ainda não foram devidamente aproveitados, nem nos setores privados, tampouco em nível social do Sistema Nacional de Saúde (SNS).

De acordo com Trindade e Teixeira (2007) desde o início dos anos 2000 se constata um aumento crescente de intervenções de psicólogos nos centros de saúde, sobretudo, nas Regiões de Lisboa e Braga. Tal fato está relacionado ao desenvolvimento da psicologia da saúde nos últimos dez anos em Portugal. A intervenção de psicólogos em APS é, hoje em dia, algo mais reconhecida e recomendada por técnicos de saúde e, em particular pelos clínicos gerais/médicos de família. Tal reconhecimento se deve à compreensão da influência positiva que exerce as intervenções psicológicas na atenção de saúde, na melhora da qualidade dos cuidados e na humanização dos serviços.

Num âmbito mais global, Spink (1992) mostra que existem dados da evolução nas atuações do psicólogo na Inglaterra e em Cuba. As mudanças incluem medidas como: aumento do número de profissionais de psicologia nos serviços de saúde; intervenções nos níveis primário, secundário e terciário de saúde; diminuição do uso de intervenções fixadas exclusivamente nos processos psicológicos e psicopatológicos, que caracterizam a psicologia clínica; inclusão dos conhecimentos sociopsicológicos na manutenção da saúde; entre outros.

Características da psicologia da saúde no Brasil

No Brasil autores importantes como Spink (Spink 1992; Spink, 2003; Spink, Menegon, Gamba & Lisboa, 2007) vinculam a psicologia da saúde ao modelo da psicologia social e comunitária. Para Spink (2003) a Psicologia da saúde é considerada um novo campo de saber que se reestrutura a partir da inserção de psicólogos na Rede de atenção à saúde pública e a abertura de novos campos de atuação do psicólogo. Tal contexto vem introduzindo transformações qualitativas na prática profissional que requer novas perspectivas teóricas. O novo Campo de saber, como pretende Spink, situa as questões de saúde entre o individual e o social, e configura-se como área de especialização da psicologia social.

A configuração da psicologia da saúde como área de especialização da psicologia social é problemática e não consensual. Analisando a produção de Spink foi possível identificar que estas ideias foram elaboradas entre os anos 1990 e 2000, em um momento em que o Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil estava estruturando-se e se inaugurava a entrada dos psicólogos nos serviços de APS, fato que desvelou a fragilidade da formação de psicólogos em termos de seu preparo para atuar na saúde pública em nível de atenção primária. Em seus escritos Spink critica as práticas de psicólogos emigradas da clínica individual/privada cujo modelo de intervenção se ancora na psicoterapia. A crítica assegura que o discurso da clínica individual deve ser superado em favor de uma construção mais condizente com o campo da psicologia da saúde.

Spink (2003), ressalta a falta de preparo dos psicólogos para intervir em saúde pública e mostra que a formação desse profissional, assim como sua prática tradicional, foram fundados na psicologia clínica individual, com ênfase na clínica privada e no modelo médico/psiquiátrico. A perspectiva de Spink é pertinente no que se refere à predominância das assistências clínicas em todos os níveis de atenção de saúde, mas, problemática no que se refere à afirmação de que a psicologia da saúde seja uma área de especialização da psicologia social. Spink (2003) se refere à Psicologia Social e Saúde como suficiente para incorporar a psicologia da saúde. Esta perspectiva confunde Psicologia da Saúde com a práxis inapropriada de psicólogos em atuação no campo da saúde pública e principalmente em APS.

Isso aconteceu porque o contexto encontrado por Spink, naquele momento, indicava pouca clareza com respeito ao início do processo de institucionalização das práticas de psicólogos na rede de saúde pública, fato que desvelou a falta de preparo destes psicólogos para compreender seu papel nas instituições que passaram a recebê-los. Ou seja, os profissionais levaram as mesmas práticas clínicas tradicionais para os setores recém-criados que pediam uma intervenção psicossocial e amparada na psicologia da saúde.

O problema da inadequação das práticas do psicólogo no campo de saúde pública ainda é visível e precisa ser superado. Sem embargo, para definir o campo da psicologia da saúde será necessário acessar outros argumentos baseados nas práticas, experiências e desenvolvimentos teóricos de investigadores de várias partes do mundo, que vêm investindo desde décadas em estudos científicos sobre a delimitação teórico-prática da psicologia da saúde.

Yamamoto e Cunha (1998), também se opõem ao discurso de Spink (1992), com respeito a não haver necessidade de construir um novo corpo de conhecimentos para a psicologia da saúde, já que esta deveria constituir-se mais como uma ampliação dos conhecimentos subordinados à psicologia social que, propriamente, a construção de uma nova e distinta área de atuação. Outra questão problemática é a identificação da psicologia da saúde com psicologia hospitalar. Em investigações realizadas por Yamamoto e Cunha (1998) e Yamamoto, Trindade e Oliveira (2002), existe, entre os psicólogos brasileiros que atuam no contexto hospitalar, uma identificação da psicologia da saúde como sinônima da psicologia hospitalar. E, também, a defesa da psicologia hospitalar como campo próprio ou autônomo, tal como quer Angerami-Camon (1994). Para Yamamoto e Cunha (1998) a psicologia hospitalar não deveria ser compreendida como nova área, ou como campo autônomo, já que designaria um local aonde desenvolver a intervenção profissional, e não um campo de atuação.

Yamamoto e Cunha (1998) e Campos (1988), encontraram em suas investigações, naquele momento, psicólogos atuando em hospitais utilizando práticas clínicas muito pouco modificadas das práticas mais tradicionais. Para Yamamoto e Cunha (1998) o trabalho realizado no âmbito hospitalar, com suas peculiaridades em razão de sua inserção nesse novo espaço de atuação profissional, deveria ser mais bem considerado como uma vertente das ações do campo da saúde. Para eles, o trabalho feito no contexto hospitalar deveria estar situado dentro da perspectiva da psicologia da saúde, entendida em termos mais amplos sem enquadrá-la nos limites de uma especialização. Isto favoreceria a formação profissional com relação à necessidade de uma melhor instrumentalização técnica, fundamentada em aportes teóricos mais consistentes, de modo a subsidiar as ações e ampliar-lhes os limites tradicionais.

Tais visões, resumidas acima, levaram a que o Brasil fosse identificado como diferente do resto do mundo. Pais Ribeiro (2011), por exemplo, afirmou que a psicologia da saúde no Brasil tem uma organização distinta do resto do mundo, sendo identificada pela psicologia hospitalar.

Para Gorayeb (2010) é inadequado utilizar o termo psicologia hospitalar, como sinônimo de psicologia da saúde, já que são conceitos distintos. A confusão de termos é apenas encontrada no Brasil. O certo é que a psicologia da saúde é mais ampla e a psicologia hospitalar deveria ser uma área de aplicação da psicologia da saúde. Tal equívoco foi amparado Conselho Federal de Psicologia [CFP](2007), ao instituir uma psicologia hospitalar como área de especialização da psicologia e não da psicologia da saúde.

A perspectiva teórica assumida pelos autores deste artigo e baseada em Alves (2008) é a de que a psicologia da saúde não deverá estar vinculada a uma relação de pertencimento nem à psicologia clínica nem tampouco à psicologia social. Como já não está em relação à medicina comportamental. Ainda que não se possa reivindicar sua pureza teórica. Ao contrário, a compreensão da psicologia da saúde deve ser como uma disciplina autônoma, mas essencialmente interdisciplinar. Tal perspectiva é utilizada para propor que a psicologia da saúde, considerada como campo de saberes e de práticas, se desenvolve sobre uma base multi e interdisciplinar já que se articula entre os saberes e práticas originados de múltiplas disciplinas, como: a psicologia clínica, a psicologia social, a psicologia comunitária, a saúde pública/comunitária, a epidemiologia, a antropologia, a sociologia, a medicina comportamental, entre outras. Assim, a psicologia da saúde tem na construção de sua base teórica o conhecimento produzido por estas disciplinas. Para poder atuar com tal diversidade recomenda-se a superação das visões extremas. Para poder reconhecer a construção do conhecimento como um processo dinâmico - porque não para de desenvolver-se e mudar, e flexível – porque entende que não há nada de essencialmente novo -, senão que todo saber é construído a partir de outros saberes já estabelecidos (sejam eles científicos ou populares).

Conceitos da Psicologia da Saúde

O contexto da psicologia da saúde discutido até agora mostra sua complexa conjuntura. Lovelle (2003) alerta que o conceito de psicologia da saúde apresenta uma história curta e, ainda, se encontra num período embrionário de seu desenvolvimento.

Ruiperez (1997) define a psicologia da saúde como a “ciência que estuda o comportamento no campo da saúde/enfermidade” (p.27). Para ele esta disciplina se refere aos aspectos da psicologia relacionados com a experiência da saúde e da enfermidade, ou com as condutas que intervêm na determinação e explicação da saúde. A psicologia da saúde também constitui a aplicação da teoria e das práticas psicológicas aos sistemas de saúde com o objetivo de solucionar seus problemas e questões fundamentais.

Santacreu (1991) afirma ser o objetivo da psicologia da saúde o estudo sobre a saúde e a intervenção na prevenção da enfermidade. Na definição da American Psychological Association (APA) a psicologia da saúde inclui as contribuições educacionais, científicas e profissionais da disciplina psicologia à promoção e a manutenção da saúde, a prevenção e o tratamento das enfermidades, a identificação da etiologia e o diagnóstico dos componentes associados à saúde, à doença, à análise do sistema de saúde e ao planejamento da política de saúde (Castro & Bornholdt, 2004). Carrobles (1993), apesar de reconhecer a dificuldade para delimitar o conceito de psicologia da saúde, defende que a psicologia da saúde deve ser entendida como disciplina e propõe o seguinte conceito:

A psicologia da saúde é o campo de especialização da psicologia que centra seu interesse no âmbito dos problemas de saúde, especialmente físicos ou orgânicos, com a principal função de prevenir a ocorrência dos mesmos ou de tratá-los ou reabilitá-los, utilizando para isso a metodologia, os princípios e os conhecimentos da atual psicologia científica, sobre a base de que a conduta constitui, junto com as causas biológicas e sociais, os principais determinantes tanto da saúde como da maior parte das enfermidades e problemas humanos de saúde existentes da atualidade (p.17).

Tanto a perspectiva da APA como a de Carrobles são genéricas e implica a ideia de uma psicologia da saúde apta a ser praticada nos diversos níveis de assistência. Rodríguez – Marín (1999) argumenta que a psicologia da saúde, em nível conceitual, ainda não está totalmente explicada. Além da diversidade de conceitos, algumas vezes ela é confundida com a psicologia clínica, com terapia comportamental e por último com medicina comportamental. O autor insiste em que ainda que as relações entre todas elas sejam inegáveis, é necessário estabelecer as diferenças entre elas.

Para Simón (1993) a psicologia da saúde é a “confluência das contribuições específicas das diversas parcelas do saber psicológico (psicologia clínica, psicologia básica, psicologia social, psicobiologia), tanto à promoção e manutenção da saúde como à prevenção e tratamento da enfermidade” (p. 19). Nesta definição Simón destaca a diversidade teórica da psicologia da saúde mais circunscrita aos âmbitos da psicologia que ao campo interdisciplinar.

Pérez (1991) estabelece uma diferenciação entre a psicologia da saúde e a psicologia clínica. A primeira se dedica aos assuntos psicológicos que estão nas bases dos problemas fisiológicos, e a segunda, se ocupa dos problemas psicológicos por si mesmos.

Rodríguez-Marín (1999) compartilha a opinião de Pérez e amplia a parte correspondente à psicologia da saúde. Diz que a psicologia da saúde “se ocupa com as consequências psicológicas que possam ter problemas fisiológicos incluindo nestes os comportamentos a interação com o sistema de provisão de cuidados sanitários” (p. 180). O mesmo autor segue afirmando que a psicologia da saúde tem a ver com os aspectos cognitivos, emocionais e comportamentais associados a saúde-enfermidade física. Se trata de uma aplicação da psicologia ao campo da saúde-enfermidade física que tem como uma das principais características o sistema sanitário como contexto de trabalho. “Assim, a psicologia da saúde não só dirige sua atenção ao indivíduo cuja saúde está em questão, senão ao conjunto complexo de instituições e forças dentro das quais se persegue a saúde” (p.181). Ainda com Rodríguez-Marín (1999), a psicologia da saúde é uma disciplina que se ampara de teorias e métodos de outras disciplinas psicológicas básicas, constituindo-se como uma área de prática profissional, implicada com os problemas do campo da saúde, os contextos e problemas do sistema sanitário.

Alves (2008) definiu a psicologia da saúde, como um campo autônomo de aplicação da psicologia. Recém delimitado em comparação ao da clínica, no âmbito das disciplinas da saúde. Se dedica às práticas de promoção de saúde e de prevenção de enfermidades e tem na APS seu campo de aplicação prioritário. Se orienta à saúde geral, aos problemas físicos e sua vinculação aos fatores psicossociais. Seu principal objetivo é a saúde dos indivíduos em seus meios sociais. É realizada através de programas institucionais cuja base de sua elaboração deverá ser o conhecimento epidemiológico da população a ser assistida. Nesta definição a psicologia da saúde mantém sua aplicação prioritária, mas não exclusiva, na APS.

Mediante a consideração da psicologia da saúde como disciplina matizada por vários conceitos, é possível ver que há muito que fazer para sedimentá-la e dar-lhe um caráter de especialidade da psicologia. O principal parece ser a delimitação do corpo teórico ao que se embasará para padronizar as atuações dos profissionais nesse campo. De modo que não é adequado recorrer aos mesmos conceitos da psicologia clínica para atuar em psicologia da saúde, não estabelecer uma relação de subordinação nem com a psicologia no contexto hospitalar e nem com a psicologia social.

É preciso trabalhar com o novo marco teórico que é o que pode dar suporte a estas práticas, ainda, emergentes no caso do Brasil. Uma recomendação importante para começar seria reconhecer as áreas e as intervenções do profissional dedicado a este campo. Conhecer bem a saúde pública/comunitária, no que se refere às políticas de saúde e as formas de intervir nos níveis de atenção de saúde (primário, secundário e terciário).

Psicologia da Saúde e os níveis de assistência em saúde

O vocabulário da saúde não recebeu, durante muito tempo, a importância adequada dentro dos programas de formação dos psicólogos. O olhar sobre a doença obteve mais destaque e favoreceu a criação de dificuldades em lidar com os termos da saúde. A psicologia da saúde fornece alternativas para solucionar vários dos problemas apontados. Uma possibilidade para diminuir o impasse tanto conceitual como em relação ao problema da inadequação das práticas dos psicólogos nos diversos setores da rede de atenção de saúde, sobretudo no caso da realidade brasileira, seria entender as práticas psicológicas por seus níveis de aplicação e complexidade, e não por locais de intervenção.

A compreensão da psicologia da saúde como ampla e autônoma permite sedimentar a natureza biopsicossocial do processo de saúde-enfermidade, ademais de mostrar as novas intervenções do psicólogo na promoção de saúde e na prevenção de enfermidades. Com este olhar é possível intervir tanto no sistema público de saúde como em outros sistemas sociais onde caibam as assistências de um psicólogo da saúde (Sistema Único de Saúde [SUS] e Sistema Único de Assistência Social [SUAS]).

Nesta linha de raciocínio, é imprescindível entender as práticas de saúde do psicólogo enquadradas por seus níveis de complexidade (primário, secundário e terciário) para poder saber o que fazer em cada lugar de atuação. Não seria uma definição do papel do psicólogo por lugar de atuação, ao contrário, seria uma definição feita a partir de princípios e conceitos amparados no modelo biopsicossocial de saúde-enfermidade e em sua aplicabilidade por níveis de complexidade.

Nesta perspectiva o primeiro nível de atenção de saúde é identificado como o que apresenta maiores problemas de inadequação das práticas (Alves, 2008), pois é o nível em que não há tradição das assistências de psicólogos. Neste nível cabem as assistências de promoção de saúde e de prevenção de doenças. As intervenções aqui, ainda que possam dirigir-se também a um indivíduo em particular, devem priorizar a saúde das comunidades. Ou seja, o fazer do psicólogo fundamenta-se no conhecimento do perfil de saúde-enfermidade da comunidade e volta-se para o desenvolvimento de seu potencial de saúde. Só assim, será possível pensar as práticas de promoção de saúde e de prevenção primária de doenças. Neste nível as práticas devem ser interdisciplinares e multiprofissionais, já que dependem do conhecimento e da contribuição das várias disciplinas relacionadas. Nesse sentido o trabalho é desenvolvido pela equipe multiprofissional de saúde, além de considerar possíveis interconsultas com outros profissionais de áreas afins.

No segundo nível de atenção estão as assistências curativas, tratamento de doenças e de prevenção do agravamento das doenças (Alves & Eulálio, 2011). Já não cabe a prevenção primária nem tampouco a promoção de saúde, porque já haverá se instalado uma doença. Em todos os níveis de atenção de saúde o psicólogo pode assistir à saúde mental, mas o foco no tratamento deve ser feito no segundo nível de assistência de saúde. Ou seja, a intervenção clínica e psicoterápica, cujo objetivo é o tratamento e a modificação da personalidade individual.

No terceiro nível de atenção de saúde estão as assistências mais complexas. Estão relacionadas com as assistências no hospital geral, e na rede de assistências substitutivas e de apoio ao tratamento dos doentes mentais. Este nível também está inteiramente voltado à investigação dos processos biopsicossociais relacionados aos comportamentos doentios, aos estilos vida que agregam valor à saúde ou à doença, à qualidade de vida, e todos os temas relacionados (coping, resiliência, stress, aderência aos tratamentos de doenças crônicas, análise e melhora do sistema e atenção sanitária, entre outros).

A saúde mental, ao contrário do que se pensava no passado, deve ser assistida em todos os níveis de assistência, com observância do tipo de intervenção. Ou seja, a lógica para entender e desenvolver a assistência não é a doença, mas o nível de atenção de saúde. É possível encontrar listas de práticas em Godoy (1999), Trindade (2007), Alves (2008), Alves, Eulálio e Brobeil (2009), Alves e Eulálio (2011).

Espera-se, através do exposto, ajudar os psicólogos a diminuírem suas dificuldades na hora de intervir nos diversos sistemas públicos e setores específicos de saúde aonde sua ação é tão importante. Pensar em níveis de complexidade de ação permite localizar as práticas mais adequadas, bem como, também estabelecer limites entre as diversas possibilidades de intervenção. Utilizando tal lógica é possível demarcar as práticas a serem feitas na APS, como as de promoção de saúde e de prevenção primária de doenças; na atenção especializada ou de média complexidade, como as intervenções da psicologia clínica, aquelas dedicadas aos tratamentos e a prevenção secundaria; e as de atenção terciária ou de alta complexidade, como aquelas realizadas nos hospitais e a realização de pesquisa aplicada.

Mesmo com o reconhecimento de que o debate não se encerra aqui, bem como que no Brasil ainda restam incertezas conceituais e teóricas sobre o assunto, a recomendação dada é para o reconhecimento da psicologia da saúde como ampla e autônoma. Ampla porque pode agregar as diversas aplicações da psicologia no que se refere aos múltiplos contextos de saúde e capaz de ser aplicada a todos os níveis de atenção de saúde, e autônoma porque tem um corpo teórico, objetivos, objeto de estudo e práticas, distintos das outras especialidades da psicologia. Tal compreensão implica uma inversão da lógica atual, ou seja, a psicologia da saúde agrega a psicologia clínica e a hospitalar, e não o contrário; e, se complementa na correlação com as disciplinas básicas relacionadas.

Godoy (1999), década de 90, já havia proposto um novo modelo para entender a psicologia da saúde como Área que incorpora a clínica, a psicologia comunitária e a medicina comportamental. Ele reconheceu, naquele momento, a novidade e a dificuldade de ser aceita nos meios acadêmicos. Mas, indicou a necessidade de ter uma compreensão da psicologia da saúde num contexto mais integrador. O momento atual parece ser propício a reabertura desse debate.

 

REFERÊNCIAS

Abalo, J.A.G., & Meléndez, E.H. (2005). Psicología de la Salud: Aspectos Históricos e Conceptuales. In: E. Hernández, & J. Grau (Comps) Psicología de la Salud: fundamentos y aplicaciones (pp.33-84). Guadalajara: Centro Universitario en Ciencias de la Salud        [ Links ]

Yamamoto, O. H., & Cunha, I. M. F. F. O. (1998). O psicólogo em hospitais de Natal: uma caracterização preliminar. Psicologia, Reflexão e Crítica, 11, 345-362. doi: 10.1590/S0102-79721998000200012        [ Links ]

Yamamoto, O. H. Trindade, L. C. B. O. & Oliveira, I. F. (2002). O psicólogo em hospitais no Rio Grande do Norte. Psicologia USP, 13, 217-246. doi: 10.1590/S0103-65642002000100011        [ Links ]

 

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Recebido em 16 de Março de 2016

Aceite em 04 de Abril de 2017

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