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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.17 no.3 Lisboa dez. 2016

https://doi.org/10.15309/16psd170320 

Demanda psicológica no trabalho e dor musculoesquelética em professoras

Psychological demands at work and musculoskeletal pain among female teachers

 

Cleber Souza de Jesus1, Fernando Martins Carvalho2, & Tânia Maria de Araújo3

1Departamento de Saúde II, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, CEP: 45206-000, Brasil.; e-mail: cleber.uesb@gmail.com

2Departamento de Medicina Preventiva, Universidade Federal da Bahia, CEP:44031-460, Brasil. e-mail: araujotania@hotmail.com;

3Departamento de Saúde, Universidade Estadual de Feira de Santana, CEP:40026-010 Brasil. e-mail: fmc@ufba.br/fmc.ufba@gmail.com

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

O estudo teve por objetivo investigar o efeito do controle sobre o trabalho na associação entre demandas psicológicas do trabalho e dor musculoesquelética nos membros superiores de professoras (DMEMS). Estudo transversal, com 677 docentes do sexo feminino com atividades exclusivas de sala de aula, do ensino fundamental e médio do município de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. Os aspectos psicossociais do trabalho (demanda psicológica e controle sobre o trabalho) foram avaliados pelo Job Content Questionnaire. Foram estimadas prevalências, razões de prevalência (RP) e intervalos de confiança de 95% (IC95%), brutas e ajustadas. Usaram-se técnicas de regressão logística. A prevalência geral de DMEMS foi de 66,0%. Professoras em situações de trabalho ativo (alta demanda e alto controle) (RP = 1,34; 1,16 – 1,56) e em alta exigência (alta demanda e baixo controle) (RP=1,28; 1,05 – 1,56) apresentaram prevalências de DMEMS mais elevadas, comparadas àquelas em baixa exigência (baixa demanda e alto controle), após ajuste por variáveis de confundimento. Professoras com alta demanda psicológica do trabalho apresentaram maior prevalência de DMEMS (RP=1,40; IC95% 1,07 – 1,84) que aquelas com baixa demanda. Entretanto, esta associação foi mais forte nas professoras com baixo controle (RP = 1,57; 1,08 – 2,29) do que naquelas com alto controle sobre seu trabalho (RP = 1,33; 1,09 -1,63), ajustando por faixa etária, escolaridade, número de turmas, número de horas/aula por semana, rede de ensino, carga doméstica e apoio social no trabalho. A prevalência de DMEMS em professoras associa-se mais à demanda psicológica do que ao controle sobre o trabalho.

Palavras-chave: Estresse Psicológico, Ensino Fundamental e Médio, Transtornos Traumáticos Cumulativos, Trabalho Feminino.

 

ABSTRACT

The study aimed to investigate the effect of control (decision latitude) on the association between psychological demands at work and upper limbs musculoskeletal pain (ULMSP) among female teachers. Cross-sectional study with 677 individuals was female teachers, with exclusive classroom activities, from the elementary and high school level at Vitória da Conquista, State of Bahia, Brazil. Work psychosocial aspects (psychological demands and control) were evaluated by the Job Content Questionnaire. Prevalence rates, global and adjusted Prevalence Ratios (PR) and respective 95% Confidence Intervals (95% CI) were estimated. Global prevalence of ULMSP was 66.0%. Teachers in active work (high demand and high control) (PR = 1.34; 1.16 – 1.56) and teachers in high strain (high demand and low control) (PR=1.28; 1.05 – 1.56) presented higher ULMSP prevalence as compared to those in low strain (low demand and high control), adjusting for confounding variables. Teachers with high psychological demands presented higher ULMSP prevalence (PR = 1.40; 1.07 – 1.84) than those with low psychological demands. This association was slightly stronger among teachers with low control (PR = 1.57; 1.08 – 2.29) than among those with high control (PR = 1.33; 1.09 - 1.63), adjusting by age, education, number of teaching classes, number of hours per week, private or public system, domestic overload and social support at work. The prevalence of upper limbs musculoskeletal pain is more associated to psychological demands than to control.

Keywords: Stress, Psychological; Education, Primary and Secondary; Cumulative Trauma Disorders; Women, Working. 

 

O número de estudos epidemiológicos sobre saúde e trabalho docente vem aumentando e tem demonstrado, principalmente, três grupos de problemas de saúde: problemas relacionados à voz, à saúde mental e a distúrbios osteomusculares (Araújo & Carvalho, 2009). Citam-se o volume excessivo de trabalho, a precariedade das condições das escolas, as relações interpessoais com alunos, funcionários e colegas de trabalho, bem como a expectativa de excelência imposta pela sociedade sobre esses profissionais podem estar na origem de queixas de adoecimento mental e físico desses profissionais (Gasparini et al., 2006).

Existem crescentes evidências de que os aspectos psicossociais do ambiente de trabalho estão associados à ocorrência de dor muscular crônica (Blyth et al., 2007; Chapman, 2008). A influência das condições e da organização do trabalho tem sido estudada extensivamente nas últimas duas décadas (Araújo & Carvalho, 2009). As três características relacionadas com a saúde mais pesquisadas são as demandas psicológicas, o controle sobre o trabalho e o apoio social (Rusli et al., 2008, Ribeiro et al., 2011).

As relações entre os distúrbios musculoesqueléticos nos membros superiores e fatores físicos e psicossociais do trabalho foram abordadas em muitos estudos (Bongers et al., 2002; Cardoso et al., 2009). Associações entre distúrbios musculoesqueléticos e fatores de risco tais como trabalho pesado, atividade monótona, postura estática no trabalho, vibrações e repetitividade foram encontrados em estudos transversais para regiões como pescoço, ombro, mãos e punhos (Devereux et al., 2002; Fernandes et al., 2009a).

Diversos estudos com professores de ensino fundamental estimaram prevalências elevadas de dor musculoesquelética variando de 55%, em professores da rede municipal pública de Salvador, Bahia (Cardoso et al., 2009), até 93%, em professores da rede de ensino pública de Natal, Rio Grande do Norte (Fernandes et al., 2009a).

As respostas musculares a estressores do trabalho podem diferir segundo as regiões anatômicas distintas, em virtude da influência direta da organização do trabalho sobre elementos como força, movimento e posturas adotadas (Devereux et al., 2002). Portanto, de acordo com a região anatômica, a prevalência de dor muscular variou de 23,7% em membros superiores (Cardoso et al., 2009; Ribeiro et al., 2011), 14,6% em punhos e mãos (Carvalho & Alexandre, 2006) a 25% nos braços, em professores da rede particular de Salvador, Bahia (Araújo e Carvalho, 2009).

A maioria dos estudos realizados encontrou resultados discordantes, indicando ser a carga física e fatores ergonômicos as variáveis determinantes na ocorrência de dor musculoesquelética (Feuerstein et al., 2004). Portanto, a relação entre os aspectos psicossociais do trabalho e dor musculoesquelética ainda apresenta controvérsias (Blyth et al., 2007).

O modelo biopsicossocial pressupõe que as demandas psicológicas relacionadas ao trabalho, em conjunto com habilidade de enfrentamento (coping), exercem influência sobre o estresse ocupacional (Ribeiro et al., 2011). Nessa perspectiva, as demandas psicológicas, assim como o nível de controle sobre o próprio trabalho, estão associadas ao estresse psíquico e biomecânico (Huang et al., 2002).

As alterações biomecânicas, tais como posturas inadequadas podem sofrer influência dos aspectos organizacionais do trabalho na sala de aula, uma vez que o estresse pode gerar situações de desequilíbrio no sistema composto por professor-aluno-sala de aula. Dessa maneira, o aumento de tensão na estrutura muscular e tendínea poderão propiciar a ocorrência de dor musculoesquelética (Araújo et al., 2006; Blyth et al., 2007).

O ambiente de sala de aula produz nas professoras uma série de situações estressoras do ponto de vista intelectual, emocional e biomecânico. O ensino envolve lidar com um conjunto de situações delicadas, tais como os atos de indisciplina de alunos, as dificuldades de aprendizado que se distribui de forma heterogênea pela turma, a coordenação do bom andamento da aula e a tensão gerada pelo incremento da violência no ambiente escolar. Essas situações, relacionadas à execução do ensino, podem estar no cerne do desenvolvimento do estresse ocupacional (Araújo & Carvalho, 2009; Fernandes et al., 2009b).

Conjuntamente aos aspectos ocupacionais, a sobrecarga física e mental da sala de aula, os aspectos culturais da nossa sociedade impõem às mulheres um papel quase exclusivo na organização das atividades domésticas (Araújo et al., 2006). Portanto, a carga doméstica representa uma ampliação da carga total de trabalho, constituindo-se em elemento fundamental numa investigação epidemiológica dessa natureza.

Os aspectos psicossociais do trabalho operam em diferentes níveis na ocorrência de doenças crônicas, tanto entre trabalhadores formais quanto nos informais (Araújo & Karasek, 2008). O modelo demanda-controle, proposto por Karasek, considera o estresse ocupacional como resultado de diferenças entre as condições de trabalho, as capacidades de resposta dos trabalhadores envolvidos no desempenho da tarefa e o nível de controle disponível para responder às demandas (Karasek, 2008).

Dessa maneira, o modelo propõe uma análise a partir dos componentes, autoridade de decisão, demandas psicológicas, uso de habilidades, demandas físicas percebidas, suporte social do supervisor e dos colegas. Assim, a partir desses componentes é definido o nível de controle, de demandas psicológicas e de apoio social no trabalho.

Demandas psicológicas referem-se ao ritmo do trabalho, o quanto ele é excessivo e difícil de ser realizado, assim como à quantidade de conflito existente nas exigências do trabalho (Huang et al., 2002). Controle pode ser definido como a amplitude ou margem de decisão que o trabalhador possui em relação a dois aspectos: a autonomia para tomar decisões sobre seu próprio trabalho, incluindo o ritmo em que esse é executado, e a possibilidade de ser criativo, usar suas habilidades e desenvolvê-las, bem como adquirir novos conhecimentos (Karasek, 2008).

Destacam-se alguns fatores determinantes que contribuem para ocorrência dos distúrbios musculoesqueléticos relacionados à ocupação docente: fatores individuais (idade, sexo), fatores físicos (uso de computadores e monitores visuais, duração e postura adotada durante o trabalho) e fatores psicossociais (relação professor-aluno, satisfação, demanda psicológica no trabalho e apoio social dos colegas e da direção da escola) (Chiu et al., 2006; Fernandes et al., 2009b; Ribeiro et al., 2011).

Este estudo objetiva investigar a associação entre as demandas psicológicas do trabalho e dor musculoesquelética nos membros superiores de professoras do ensino fundamental, mediada pelo nível de controle do trabalho em sala de aula.

 

MÉTODO

Participantes

Integraram o estudo professores da rede municipal de ensino pública e particular do município de Vitória da Conquista, cidade situada na região sudoeste da Bahia, Brasil. Para isso, foram selecionadas as 10 maiores escolas da rede particular de ensino e as 219 escolas públicas do ensino fundamental. A população alvo foi formada pelo conjunto de professores dessas modalidades de ensino em atividade no município. Com base em listas da Secretaria Municipal de Educação e de sindicatos, a população estimada foi de 963 professores da rede municipal e 272, das escolas particulares. Destes 1.235 professores elegíveis, participaram da pesquisa 808 professores da rede pública e 250 das escolas particulares, totalizando 1.058 indivíduos. No grupo de professores que participaram do estudo, foram identificadas 776 exclusivamente em atividades de sala de aula. Contudo, a população final do estudo foi de 677 professoras que apresentaram respostas completas para variável demanda psicológica no trabalho.

Excluíram-se professoras de educação física, xadrez, artes, informática, de orientação de sala de leitura, aquelas com exercício exclusivo de direção ou coordenação, pois não seguiam o padrão comum de sala de aula. Foram excluídas também as professoras que possuíam outra atividade remunerada, uma vez que as mesmas estariam expostas a outras demandas que poderiam atuar como potencializadores ou atenuantes das vivências da sala de aula.

Material

Os instrumentos desta pesquisa abordaram questões relativas às condições de saúde e sociodemográficas, do trabalho e relativas aos aspectos psicossociais do trabalho, avaliados a partir do Job Content Questionnarie (JCQ) (Araújo & Karasek, 2008). Atualmente o formato recomendado do JCQ possui 49 questões, sendo 9 questões relativas as demandas psicológicas do trabalho, que incluem aspectos ligados as demandas gerais, ambiguidade de papéis, nível de concentração e carga mental. Todas as questões são do tipo Likert (concordo fortemente, concordo, discordo e discordo fortemente), assim são atribuídos valores aos quesitos e por fim calculado um escore da dimensão avaliada.

 O aspecto extra-ocupacional foi avaliado pelo indicador de sobrecarga doméstica, composto pelo somatório das atividades lavar, passar, limpar e cozinhar, ponderadas pelo número de moradores no domicílio (Pinho & Araújo, 2012).

A variável resposta do estudo foi definida a partir da queixa de dor musculoesquelética nos membros superiores (dor nos braços/ombro), mensurada com uma escala de frequência (nunca; raramente; pouco frequente; frequente; muito frequente). A escala de dor foi categorizada em: “Ausência de Dor” (nunca + raramente + pouco frequente) e “Presença de Dor” (frequente + muito frequente). A variável preditora principal foi caracterizada pela demanda psicológica do trabalho, medida a partir do JCQ, que após construção do escore foi categorizada pela mediana (baixa demanda; alta demanda).

Foram investigadas co-variáveis de natureza sociodemográfica: faixa etária, situação conjugal e escolaridade; e co-variáveis ocupacionais: tempo de profissão, horas semanais de sala de aula, trabalhar em outra escola, rede de ensino, número de alunos por turma e número de turmas. As co-variáveis sobre aspectos psicossociais do trabalho foram: controle sobre o trabalho, caracterizado em alto e baixo, a partir da mediana do escore calculado; apoio social no trabalho, formado pela soma de apoio social provido pelos colegas de trabalho e pela coordenação/direção da escola, sendo categorizado a partir da mediana do escore obtido em baixo e alto apoio; sobrecarga doméstica, categorizada pela mediana em baixa e alta sobrecarga doméstica; bem como a ajuda recebida em casa, nas tarefas do lar.

Procedimento

Os dados foram coletados por equipe previamente treinada, sendo elaborado um manual de instruções básicas para orientar os procedimentos durante a coleta. Foram efetuadas visitas prévias para contatos com a direção das escolas, a fim de obter permissão para a realização da pesquisa. O presente estudo foi submetido e aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia com parecer número 048/10.

Análise de dados

Como medida de associação, estimou-se a razão de prevalência e intervalos de confiança a 95%. A modelagem seguiu procedimento do tipo backward para seleção das variáveis e o melhor ajuste foi avaliado a partir do teste de Hosmer-Lemeshow (Goodness of Fit). Para calcular as razões de prevalência a partir da regressão logística, utilizou-se a fórmula correspondente (Kleinbaum et al., 1994) e os intervalos de confiança, com o uso do método Delta (Oliveira et al., 1997). A análise dos dados foi realizada com o software STATA v10.0. Neste estudo o nível de significância foi fixado em 5,0%.

Na análise multivariada logística as potenciais variáveis modificadoras de efeito foram analisadas com aplicação do teste de Razão de Máxima Verossimilhança, usando-se termos produtos e comparando-se o ajuste dos modelos saturado e reduzido para as variáveis em análise, separadamente.

As variáveis de confusão, a priori identificadas na literatura, foram idade e número de turmas. As demais co-variáveis que atingiram nível de significância menor que 25%, na análise multivariada, no modelo saturado, foram mantidas no modelo final para ajuste de confundimento. Assim, permaneceram no modelo final: número de horas/aula semanais e apoio social no trabalho, sendo forçada a permanência, no modelo final, das variáveis, escolaridade, rede de ensino, carga doméstica e receber ajuda em casa, devido à importância dessas variáveis no modelo teórico.

 

RESULTADOS

Dentre as 677 professoras, 97,7% (662) forneceram respostas completas para a dor musculoesquelética. A prevalência de dor musculoesquelética nos membros superiores foi de 66,0%. Aproximadamente 74,0% das professoras estavam em situação de alta demanda psicológica e 31,7%, possuíam baixo nível de controle sobre seu trabalho. Baixo apoio social no trabalho foi referido por 73,8% das professoras.

Em relação às características sociodemográficas das professoras expostas a altas demandas psicológicas do trabalho observaram-se faixa etária de até 33 anos (54,6%), casadas (53,9%) e com nível de escolaridade médio/técnico (74,7%). Entre os aspectos ocupacionais destacaram-se lecionar mais de 20 horas de aula semanais (51,8%), assistir mais de duas turmas (63,5%), tempo de profissão inferior a 9 anos (51,4%), trabalhar em uma única escola (62,9%), trabalhar na rede pública de ensino (81,0%) e com baixo apoio social no trabalho (75,8%). No aspecto extra-escolar as professoras relataram alta sobrecarga doméstica (51,7%) e não receberem ajuda em casa (26,3%), conforme apresentado no quadro 1.

 

 

No quadro 2 é apresentado que maior prevalência de dor musculoesquelética nos membros superiores se associou a: carga horária de sala de aula semanal acima de 20 horas (RP = 1,13; 1,01 – 1,27), lecionar em mais de 2 turmas (RP = 1,20; 1,06 – 1,36), atuar na rede pública de ensino (RP = 1,23; 1,05 – 1,44), alta sobrecarga doméstica (RP = 1,18; 1,05 – 1,32) e não receber ajuda em casa (RP = 1,17; 1,05 – 1,31).

 

 

Professoras expostas a altas demandas psicológicas no trabalho apresentaram prevalência 40% maior (RP = 1,40; 1,07 – 1,84) de dor musculoesquelética nos membros superiores que as docentes com baixa demanda psicológica, independentemente da faixa etária, escolaridade, número de turmas, número de horas semanais de sala de aula, rede de ensino, sobrecarga doméstica, ajuda domiciliar e apoio social no trabalho. O controle sobre o trabalho apresentou associação limítrofe (RP = 1,04; 0,92 – 1,19) com a prevalência de dor musculoesquelética nos membros superiores, conforme quadro 3.

 

 

De acordo com o quadro 4, professoras com baixo nível de controle sobre o trabalho, a associação, apesar de não diferente estatisticamente, foi maior (RP = 1,57; 1,08 – 2,29) do que entre aquelas com alto controle (RP = 1,33; 1,09 – 1,63), ajustada por faixa etária, escolaridade, número de turmas, número de horas/aula por semana, rede de ensino, carga doméstica, receber ajuda em casa e apoio social no trabalho.

 

 

Foram encontradas associações estatisticamente significantes entre dor musculoesquelética nos membros superiores e trabalho ativo (RP = 1,34; 1,16 – 1,56) e trabalho de alta exigência (RP = 1,28; 1,05 – 1,56), ajustadas por variáveis de confusão (quadro 5).

 

 

DISCUSSÃO

Os resultados mostram que a demanda psicológica do trabalho em professoras do ensino fundamental se associa com dor musculoesquelética nos membros superiores. Todavia, o controle sobre o trabalho não modificou o efeito da associação demanda psicológica e dor musculoesquelética, porém as professoras com baixo nível de controle apresentaram magnitude da associação maior do que aquelas com alto nível de controle.

Estimou-se também uma alta prevalência de dor musculoesquelética entre essas professoras, que aumentava consistentemente quando se acrescentava o número de horas/aula semanal, número de turmas, rede de ensino, sobrecarga doméstica e não receber ajuda em casa.

As categorias relativas aos aspectos psicossociais do trabalho representadas por trabalho ativo e de alta exigência associaram-se significantemente a dor musculoesquelética nas professoras, mesmo após ajuste de variáveis de confusão.

Associação entre alta demanda psicológica no trabalho e dor musculoesquelética nos membros superiores de professores também foi um achado no estudo de Ribeiro et al. (2011). Considerando-se a dor crônica em diversos sítios anatômicos, tais como pescoço, ombro, cotovelo, punho e mãos, outros estudos também evidenciaram associações positivas com fatores psicossociais do trabalho (Menzel, 2007; Fernandes et al., 2009b).

Portanto, é plausível supor que fatores organizacionais do trabalho, como ritmo acelerado, volume excessivo de trabalho, tempo insuficiente para concluir tarefas e a intensa concentração na atividade docente, contribuam para o estresse psíquico e biomecânico das professoras. Dessa forma, estes aspectos podem ser responsáveis pela manutenção de posturas e atitudes inadequadas, as quais sobrecarregariam as estruturas musculares e tendíneas, que por tensão muscular crônica promovem a ocorrência da dor musculoesquelética nos membros superiores (Coury et al., 2002; Huang et al., 2002).

Pode-se considerar que o nível de controle na sala de aula por parte das professoras é relativamente elevado. Segundo Karasek (2008), situações de alto nível de controle sobre o trabalho representariam uma forma positiva de se adaptar a ambientes estressantes, com uma maior possibilidade de autonomia para tomada de decisões.

Contudo, os resultados apresentados apontam que, mesmo com maiores níveis de controle sobre o trabalho, o aumento das demandas psicológicas associou-se ao incremento significante na prevalência de dor musculoesquelética nos membros superiores. Assim, pode-se evidenciar que em circunstâncias onde as demandas psicológicas são elevadas, o controle sobre o trabalho tem seu poder moderador reduzido.

A associação encontrada entre trabalho ativo, representado por alta demanda e alto controle, e a dor musculoesquelética nos membros superiores é corroborado pelos achados de (Ribeiro et al., 2011). Todavia, conforme Araújo et al., (2003) o trabalho ativo representaria uma situação desejável, que propiciaria um conjunto de desfechos psicológicos benéficos, como aprendizado e motivação. Do ponto de vista biomecânico é possível conjeturar que a permanente exposição às situações estressantes vivenciadas por essas professoras seja responsável pelo adoecimento físico e mental.

A categoria de trabalho de alta exigência (alta demanda e baixo controle) também se associou a dor musculoesquelética das professoras. De maneira que esta categoria apresenta-se como a que traz maior possibilidade de repercussões sobre a saúde como desgaste psicológico, fadiga, ansiedade e depressão.

É importante destacar que a atividade docente por diversas vezes é tida como vocação e não como trabalho. Nessa perspectiva, Carlotto e Palazzo (2006) alertam que professores com fortes sentimentos vocacionais tendem a envolver-se de forma excessiva com o trabalho, tendo como resultado a sobrecarga laboral.

Assim, os resultados deste estudo corroboram em parte com os aspectos teóricos e conceituais do modelo demanda-controle, desde que o trabalho em alta exigência associou-se a dor musculoesquelética. Entretanto, contrariamente aos pressupostos do modelo, o trabalho ativo não se apresentou como categoria desejável para essas profissionais.

A plausibilidade sociológica do modelo biopsicossocial da dor musculoesquelética tem encontrado evidências empíricas em diversos estudos (Bongers et al., 2002; Devereux et al., 2002; Menzel, 2007; Chapman, 2008; Ribeiro et al., 2011). Entretanto algumas limitações devem ser destacadas. Por tratar-se de evento crônico e recorrente, pode-se considerar que as professoras tenham expressado os sintomas a partir de uma experiência cumulativa. Possíveis comparações devem ser feitas com cautela, uma vez que os diversos estudos com docentes são de populações de ambos os sexos. Além disso, os dados desse estudo podem servir de importante objeto de reflexão sobre a atividade docente, no que tange aos aspectos organizacionais e psicossociais, tais como as demandas psicológicas do trabalho.

Os resultados com professoras de Vitória da Conquista permitem apontar que o nível de controle sobre o trabalho exerce alguma influência na associação entre demandas psicológicas e dor musculoesquelética. A demanda psicológica do trabalho esteve fortemente associada à dor musculoesquelética.

Foi encontrada elevada prevalência de dor musculoesquelética nos membros superiores das professoras. As categorias de trabalho ativo e de alta exigência associaram-se a ocorrência de dor. Assim, as evidências apontam para a sustentação em parte do modelo demanda-controle.

Portanto, a busca por alternativas que permitam mudanças organizacionais, que visem reduzir ou minimizar as demandas psicológicas do trabalho, garantindo um maior nível de autonomia decisória da professora estão no cerne de estratégias preventivas e promotoras de saúde das trabalhadoras.

 

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Recebido em 19 de Janeiro de 2015/ Aceite em 08 de Novembro de 2016

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