SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.17 issue3Adolescence, hiv and human figure drawing: projecting experiencesParental concerns definition: a literature review author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.17 no.3 Lisboa Dec. 2016

https://doi.org/10.15309/16psd170309 

Adaptação portuguesa da escala de perceção da qualidade de relação pais-cuidadores

Contributions for the portuguese adaptation of the parent-caregiver relationship scale

 

Hélia Soares1, Marina Fuertes2, & Margarida Santos3

1Centro de Saúde de Angra do Heroísmo, Unidade de Saúde da Ilha Terceira, 9700-704, Angra do Heroísmo, Portugal. helia.soares@azores.gov.pt ;

2Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico, 1549-003 Lisboa, Portugal. e-mail: marinaf@eselx.ipl.pt

3Escola Superior de Tecnologia da Saúde, Instituto Politécnico, 1990-096 Lisboa, Portugal. e-mail: margarida.santos@estesl.ipl.pt

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

O presente estudo pretende descrever o processo de adaptação portuguesa da Escala de Perceção da Qualidade da Relação entre Pais e Cuidadores (EPQR) para os cuidados em enfermagem; Apresentar os resultados do estudo das propriedades psicométricas da EPQR e do estudo da perceção materna da qualidade da relação com enfermeiros que realizam a vigilância de saúde do filho. Foi utilizada a análise fatorial exploratória pelo método de análise dos componentes principais com transformação ortogonal varimax. A consistência interna foi avaliada através do alpha de Cronbach e a fidelidade dos itens através das correlações de Kendall. Participaram 126 mães com filhos de 2 anos. Foram extraídos 3 fatores: Confiança/Cuidado; Relacional/Emocional; Colaboração/Parceria com índices de alfa de Cronbach entre 0,94 e 0,77, explicando 54,8% da variância. A fidelidade dos itens mostrou correlações altamente significativas (α=0,01). As mães percecionam positivamente a qualidade da relação com os enfermeiros (M=4,32; DP=0,40). A subescala Confiança/Cuidado obteve os melhores resultados (M=4,42; DP=0,42) e a subsescala Relacional/Emocional os menos elevados (M=4,13; DP=0,60). A escala mostrou valores psicométricos adequados para a utilização na população portuguesa. A sua implementação no contexto dos cuidados em enfermagem poderá permitir identificar as perceções/aspirações dos pais face à relação com o enfermeiro.

Palavras-chave: Relação pais-enfermeiro(a); Parceria; Confiança; Escala

 

ABSTRACT

The present study aim to describe the process of the Portuguese adaptation to nursing care of the Parent-Caregiver Relationship Scale – parents’ version (PCRS); to describe the results’ study of psychometric properties of the Portuguese version; to present the results of a first study on maternal perception of the relationship quality with nurses who were monitoring their children’s health. The validity of the scale construct was performed through an exploratory factor analysis and the method of principal component analysis through a varimax rotation. Internal consistency was assessed by Cronbach’s alpha and for items reliability the Kendall correlations were used. The sample comprised 126 mothers of two year old children. Three factors were extracted: Trust/Care; Relational/Emotional; Collaboration/Partnership with Cronbach alpha index between 0.94 and 0.77 explaining the 54.8% variance. The items reliability was assessed through significant correlations (α=0.01). Mothers had positive perception on the quality of the relationship with nurses (M=4.32; SD=0.40). From the variables under study, Trust/Care (M=4.42; SD=0.42) have reached major significance whereas the Relational/Emotional variables evidenced the worst results (M=4.13; SD=0.60). The scale has a psychometric value for the Portuguese population. Its use in nursing care contexts may enable to identify the clients’ perceptions/expectations when establishing a relationship with the nurse.

Keywords: Parents-Nurse Relationship; Partnership; Trust; Scale

 

Numa primeira sistematização sobre a enfermagem centrada na criança e na família (Blake, 1954) foi destacada a necessidade do enfermeiro atender ao contexto social e familiar da criança, reconhecendo e respondendo aos seus receios e preocupações, e estabelecendo com a criança e com a família uma relação de confiança.

Os componentes do cuidado centrado na criança e na família, enunciados nessa primeira sistematização, estão subjacentes nos princípios e práticas orientadoras dos Cuidados Centrados na Família (CCF) apresentados pelo Institute for Patient and Family-Centered Care (2010) que defendem: a partilha com a família de toda a informação relevante; a dignificação e o respeito pelas suas crenças, valores, escolhas e perspetivas; e o envolvimento da família no cuidado da criança e nas decisões de tratamento, considerando a sua vontade quanto ao limite desse envolvimento (Institute for Patient and Family-Centered Care, 2010).

Nestes princípios dois aspetos assumem especial relevância. Em primeiro lugar a crença de que a família, e em especial os pais, devem ser considerados os cuidadores principais da criança, potencialmente capazes de participar na tomada de decisões em relação ao filho. Em segundo, a ideia que o adequado envolvimento da família só é possível através do estabelecimento de uma relação de parceria entre a família e os profissionais de saúde que permita a partilha de informação e a adequação dessa parceria à vontade e ao contexto de cada família.

Relativamente aos elementos principais da interação entre profissionais de saúde e a família, os resultados de estudos sobre as necessidades parentais (MacKean, et al., 2012), e sobre a satisfação parental (Ammentorp, Mainz, & Sabroe, 2005), têm indicado que os pais valorizam principalmente: (i) a confiança; (ii) as atitudes de disponibilidade, empatia e respeito; (iii) a colaboração/parceria.

(i) Confiança

Apesar das várias definições é consensual que a confiança envolve a crença de que a pessoa em quem o indivíduo confia irá agir no seu melhor interesse.

Considerando a avaliação da “confiança” dos doentes em relação aos profissionais de saúde, foram identificados 3 domínios: o técnico; o interpessoal; e a proteção e lealdade (Hillen, de Haes, & Smets, 2011). No domínio técnico foram incluídos os atributos de competência técnica do profissional de saúde para controlar ou resolver o problema de saúde e/ou o problema que é causador de sofrimento; no domínio interpessoal foram incluídas as competências de comunicação, a honestidade da informação prestada, e a prestação de cuidados centrado na individualidade do doente; no domínio de proteção e lealdade incluíram-se as crenças de que o profissional agirá sempre com autenticidade e na salvaguarda do interesse do doente. A estes domínios foram ainda acrescentados ao constructo de confiança, o valor ético da confidencialidade (i.e. a crença de que a informação privada do doente não será tornada desnecessariamente pública) (Hillen, et al., 2011).

A confiança tem sido identificada como estando associada a níveis mais elevados de satisfação parental (Ammentorp, et al., 2005). A confiança nos profissionais de saúde tem ainda sido associada a níveis mais elevados de bem-estar da criança e da família (King, Teplicky, King & Rosenbaum, 2004; Klassen, et al., 2010), de aceitação e adesão ao tratamento (Bell, & Duffy, 2009; MacKean, et al., 2012; Hupcey, Penrod, Morse, & Mitcham, 2001;) e de envolvimento parental na tomada de decisão em relação ao tratamento da criança (Holm, Patterson, & Gurney, 2003).

(ii) Atitudes de disponibilidade, respeito e empatia

Na grande maioria dos estudos sobre a vivência parental da doença, as atitudes positivas dos profissionais de saúde são identificadas não só como um dos elementos importantes da sua relação com a equipa de saúde, mas também como um determinante de adaptação (Barnard, & Kelly, 1990; Knapp, Madden, Sloyer, & Shenkman, 2011).

 Especificamente os pais valorizam o acesso facilitado aos profissionais que seguem a criança; sentir que o profissional de saúde está disponível para, de forma empenhada, os ouvir e responder às suas dúvidas, e sentir que são respeitados como pessoas, como pais e como cuidadores da criança (Fisher, 2001; Fisher, & Broome, 2011). Para além das atitudes de disponibilidade e respeito, os pais valorizam igualmente a empatia. A empatia é definida como “a perceção do quadro de referências do outro incluindo os componentes emocionais e de significados, como se do próprio se trata-se, sem que no entanto se perca o “se” como condição” (Rogers, 1959, p. 201-211). Deste modo, a empatia envolve atitudes de descentração do referencial do próprio, de neutralidade e sobretudo abertura à compreensão das reações e necessidades parentais considerando as suas crenças e o seu contexto (Neumann, Bensing, Mercer, Ernstmann, & Pfaff, 2009).

(3) Colaboração e parceria

No exercício profissional de Enfermagem a empatia e o estabelecimento de relações de parceria com os pais/família está inerente à satisfação dos clientes (Ordem dos Enfermeiros, 2010). Na verdade, os pais valorizam não só as competências dos profissionais para os informar e apoiar mas também para, considerando a sua vontade, os envolver na discussão, na elaboração e na implementação do plano de cuidados da criança (MacKean, et al., 2012).

Apesar de divergências quanto ao que deve ser considerado como o adequado grau de envolvimento parental ou qual o papel de pais e dos profissionais de saúde no processo de parceria (Coyne, & Cowley, 2007), os resultados de um amplo conjunto de estudos tem vindo a demonstrar que a maioria dos pais deseja ter um papel ativo de colaboração e de parceira com os profissionais de saúde (Choi, & Bang, 2010). Por outro lado, a parceria entre pais e profissionais de saúde tem sido associada a menor procura de consultas de emergência, melhoria de indicadores de saúde, níveis mas elevados de satisfação e de resposta às necessidades da criança e da família nas situações em que criança tem necessidades especiais de saúde, e níveis mais elevados de adesão ao tratamento (DiMatteo, 2000; Knapp, et al., 2011; Weiss, Goldlust, & Vaucher, 2010).

Apesar do reconhecimento da relevância da qualidade do relacionamento entre pais e profissionais de saúde para a melhoria dos cuidados de saúde, as escalas de avaliação da perceção parental sobre a qualidade desse relacionamento são ainda escassas. Subsequentemente rareia a investigação (especialmente em Portugal) sobre o índice de satisfação dos pais portugueses, os fatores que contribuem para esse nível de satisfação e especificamente as qualidades mais valorizadas pelos pais na sua interação com os enfermeiros. No intuito de contribuir para preencher esta lacuna, o presente estudo tem como objetivo a adaptação portuguesa para os cuidados em enfermagem da Escala de Perceção da Qualidade da Relação Pais-Cuidadores – versão para pais.

 

MÉTODO

Participantes

A escala foi utlizada com uma amostra de 126 sujeitos do sexo feminino, mães de crianças com 2 anos de idade que realizavam a vigilância de saúde infantil do filho no mesmo centro de saúde, e pela mesma equipa de enfermagem. Os participantes apresentavam uma média de idades de 31 anos (DP=6,5) e a faixa etária variou entre os 18 e os 48 anos.

Material

A Escala de Perceção da Qualidade da Relação Pais-Cuidadores (EPQRP) foi elaborada como medida de avaliação da qualidade percebida da relação entre pais e profissionais cuidadores da criança (Elicker, Noppe, Noppe, & Fortner-Woos, 1997). A escala tem uma versão para pais e outra, com a mesma estrutura, para profissionais, permitindo a comparação entre a perceção da qualidade da relação dos dois grupos. Para a sua construção, os autores basearam-se na revisão de literatura e nos resultados de entrevistas sobre as dimensões da interação, que realizaram com pais e com profissionais de creches. Dos conceitos que emergiram destas fontes foram identificadas oito dimensões que caracterizavam a relação: confiança; comunicação aberta; respeito/aceitação; cuidado (caring); competência/conhecimento; parceria/colaboração; partilha de valores; afiliação/”gostar de”. Para cada uma destas dimensões foram enunciadas 3 a 5 afirmações num total de 35 itens que constituem a EPQRP. Onze dos itens são apresentados na negativa carecendo de reversão para a sua análise. Os itens são avaliados numa escala de tipo Likert com opções de resposta de 1 (discordo absolutamente) a 5 (concordo absolutamente).

Tradução da EPQRP

Após autorização dos autores da escala original procedeu-se à sua tradução do Inglês Americano para o Português por dois investigadores experientes em tradução de escalas. Posteriormente foi submetida a uma retro-tradução, por um profissional de língua inglesa. Como a escala original se refere à interação entre pais e prestadores de cuidados na área de educação (i.e. educadores de infância) a linguagem foi, nesta fase, adaptada à enfermagem (e.g., a substituição da palavra educador por enfermeira) e revista por três enfermeiras de pediatria. Por fim a equivalência conceptual e linguística da escala foi analisada por 3 técnicos, um da área da Língua Portuguesa e dois da área de Enfermagem. O processo terminou com a aplicação da escala a três casais, pais de crianças com doença crónica, para avaliação da compreensão dos itens. 

Para a elaboração da versão final do instrumento (instruções, itens e opções de resposta) foram consideradas todas as informações recolhidas ao longo do processo, relativas a concordância de termos e de conceitos, e compreensão dos itens. Depois de terem sido introduzidas as alterações que derivaram dos procedimentos descritos passou-se à fase de análise das características psicométricas da escala.

No estudo que serviu para a construção da escala original, em que participaram124 pais e 124 profissionais de educação (i.e. educadoras), a análise fatorial exploratória com rotação varimax revelou como melhor estrutura uma solução com três fatores que explicam 43% da variância na escala dos pais e 48% da variância na escala dos profissionais. Os três fatores integram as oito dimensões que deram origem à escala organizando-as numa estrutura mais simples. Foram assim identificados como fatores: a “confiança”; a “colaboração”; e “afiliação” para os pais, esta última designada por “caring” para os profissionais. A “confiança” integra a atribuição de competência técnica e de competência relacional assim como valores de respeito e de envolvimento no cuidado da criança; no fator colaboração são referidas atitudes de promoção da parceria no cuidado da criança, a comunicação e a partilha de informação; o fator afiliação/caring inclui os aspetos de índole relacional/emocional na escala versão pais, e a atribuição aos pais de capacidade para “cuidar” a criança, na escala versão profissionais.

Para avaliação da fidelidade foi utlizado o coeficiente alpha de Cronbach tendo sido obtidos valores para a escala global de 0,93 (versão pais) e de 0,94 (versão profissionais). Para as sub-escalas foram obtidos os seguintes valores de alpha: versão pais “confiança” – 0,91, “colaboração” – 0,90, afiliação – 0,75; versão profissionais “confiança” – 0,92, “colaboração” – 0,90, e “caring” – 0,84. Os resultados do Teste-reteste de 2 a 4 semanas após a primeira administração mostraram estabilidade adequada com valores entre r=0,59 a 0,78 (M=0,69). A EPQRP foi considerada um instrumento fidedigno para o que pretende avaliar.

Neste estudo pretendeu-se: (1) Analisar as propriedades psicométricas da adaptação da Escala de Perceção da Qualidade da Relação Pais-Cuidadores quanto à interação pais-enfermeiros. Paralelamente procurou-se ainda (2) Avaliar a perceção maternal da qualidade da relação com o enfermeiro que faz a vigilância da saúde do filho.

Procedimento

De forma a salvaguardar os princípios éticos, foi obtida autorização por parte dos autores da escala, da instituição de saúde e dos participantes para a realização do estudo. Procedeu-se ao pedido de autorização para realização do estudo, dirigido ao Presidente do Conselho de Administração do Centro de Saúde onde seria aplicada a escala. Além disso, foi garantido o anonimato e confidencialidade dos dados e proporcionada informação essencial acerca do estudo a todos os participantes, de modo a que pudessem proceder a um consentimento informado, livre e esclarecido.

As mães participantes no estudo foram contactadas pessoalmente pelos investigadores.

Após a escala ter sido apresentada e o consentimento ter sido obtido, solicitou-se às mães o preenchimento da mesma e a sua colocação em envelope fechado numa caixa selada.

A aplicação da escala decorreu de abril a dezembro de 2013.

 

RESULTADOS

Objetivo (1) - Analisar as propriedades psicométricas da adaptação da Escala de Perceção da Qualidade da Relação Pais-Cuidadores quanto à interação pais-enfermeiros.

Propriedades Psicométricas da EPQRP

Para a análise da validade do constructo da escala foi feita uma análise fatorial exploratória, utilizando o método de análise de componentes principais com transformação ortogonal varimax (do SPSS-IBM).

O cálculo da consistência interna foi feito através do cálculo do coeficiente alpha de Cronbach. Para a análise da fidelidade dos itens foi ainda avaliada (através do coeficiente de Kendall) a correlação entre os itens de cada sub-escala e o respetivo sub-total dessa escala.

Análise fatorial

Na versão original a análise fatorial exploratória inicial concluiu a existência de 8 fatores. Estes fatores correspondiam às dimensões extraídas da revisão de literatura que fundamentaram a construção da escala. Numa análise posterior os autores consideraram mais adequada e interpretável uma solução com apenas três fatores: Confiança, Colaboração e Afiliação. Os três fatores explicaram 45% da variabilidade dos dados.

O estudo da versão portuguesa confirma a existência dos oito fatores que explicam 70% da variância. Seguindo a orientação dos autores da escala original procedeu-se a uma análise forçada a três fatores. Numa primeira análise verificou-se que esta solução era sustentada pelo critério scree-plot. Após a realização de uma rotação ortogonal (varimax) os valores próprios dos três fatores foram de 8,99; 5,36; e 4,04. A variância explicada foi de 52,5% e a consistência interna de (coeficiente alfa de Cronbach) entre 0,94 e 0,70.

No entanto, nesta solução os itens 6, 7, 12, 13, 27, 29, 32 e 35 apresentaram valores de comunalidade inferiores a 0,4 (sendo que no caso do item 12, este valor é inferior a 0,3), o que significa que os três fatores extraídos explicam uma parte diminuta da variância destes itens. Para além disso o item 29 apresentava saturações semelhantes no fator 1 (0,43) e 2 (0,42). Estes resultados levaram à análise mais detalhada destes itens. Considerando que o estudo da escala original foi feito em relação a avaliação parental da sua interação com educadores de infância, procurou-se perceber se os valores obtidos nestes itens não estariam a refletir menor adequabilidade à enfermagem. Assim, de novo um painel constituído por 4 enfermeiras e 4 casais analisou os itens em questão. Dessa análise foi decidido anular os itens 12, 29 e 35 por se considerar menos aplicáveis na avaliação da interação pais-enfermeiros.

Fez-se em seguida nova análise fatorial exploratória, forçada a três fatores. De novo esta análise foi sustentada pelo critério scree-plot. Os valores próprios associados aos três fatores foram: 12,3; 3,4; e 1,9 (primeiro, segundo e terceiro fatores, respetivamente). Após a realização de uma rotação ortogonal varimax, os valores próprios dos três fatores alteram-se para 8,6; 5,0; e 3,9, conseguindo-se deste modo obter um maior equilíbrio entre o poder explicativo de cada fator.

O quadro 1 apresenta os valores da saturação das variáveis (itens) nos três fatores extraídos (após rotação varimax). O primeiro fator contempla 19 itens, o segundo 9 e o terceiro 4. Os níveis de consistência interna, alpha de Cronbach são adequados, sendo superiores a 0,76 nos três fatores.

 

 

Nesta solução a variância explicada é de 54,8%. Os itens 6, 13, 27 e 32 apresentam valores de comunalidade inferiores a 0,4. No entanto os valores são superiores a 0,3 para todos os itens.

Apesar de algumas diferenças na distribuição dos itens a estrutura é muito similar às três sub-escalas encontradas na versão original, nomeadamente: Fator 1- Confiança/Cuidado; Fator 2- Relacional/Emocional; Fator 3- Colaboração/Parceria.

A fidelidade dos itens foi ainda analisada através do cálculo da correlação entre cada um dos itens que compõem cada uma das sub-escalas (correspondentes aos três fatores encontrados) e o total dessa mesma sub-escala. Verificam-se correlações (Kendall) significativas (p=0,01) entre os vários itens que compõem as sub-escalas e as sub-escalas respetivas. Conforme se constata igualmente pelo quadro 2 todos os 32 itens considerados correlacionam de forma também altamente significativa com a Escala global.

 

 

Objetivo (2) - Avaliar a perceção materna da qualidade da relação com o enfermeiro que faz a vigilância da saúde do filho.

Como se pode observar no quadro 2, de uma forma geral, as participantes mostraram uma perceção positiva relativamente à qualidade da relação com os enfermeiros na globalidade das dimensões estudadas (M=4,32; DP=0,40).

Comparando os resultados das médias encontradas em cada uma das dimensões podemos constatar que a sub-escala - Confiança/Cuidado - foi aquela em que se verificou um valor médio mais elevado (M=4,42; DP=0,42), seguida da sub-escala - Colaboração/Parceria- (M=4,29; DP=0,51) e da sub-escala - Relacional/Emocional - (M=4,13; DP=0,60).

 

DISCUSSÃO

Relativamente à adaptação da escala os resultados mostram que a EPQRP-C apresenta boas qualidades psicométricas, com valores de alfa de Cronbach indicativos de que se trata de um instrumento fidedigno.

Quanto à análise fatorial a versão portuguesa, adaptada aos cuidados em enfermagem, admite uma estrutura fatorial semelhante à da escala original com a distinção de três fatores coincidentes com 3 dimensões relacionais referidas na literatura nomeadamente: Confiança/cuidado; Relacional/emocional; Colaboração/parceria. Para a construção da versão portuguesa foram retirados os itens 12, 29 e 35 da versão original, não só porque apresentavam valores de comunalidade baixos mas também porque foi considerado por um painel de especialistas, como pouco adequados aos cuidados de enfermagem.

O fator Confiança/Cuidado, é definida pelos itens que saturam no fator 1 e diz respeito à confiança, incluindo a atribuição de competência técnica (e.g., O(A) enfermeiro(a) do meu filho/minha filha tem os conhecimentos e as competências necessárias para ser um bom enfermeiro(a). (item 9)), as competências comunicacionais e relacionais (e.g., O(A) enfermeiro(a) do meu filho/minha filha dá-me sugestões e conselhos, válidos, sobre como lidar com ele(a). (item 25)), e os valores de lealdade e de proteção (e.g., Eu sinto que o enfermeiro(a) do meu filho/minha filha se preocupa genuinamente com ele(a). (item 4)). O fator Relacional/Emocional integra os itens que saturam no fator 2 e traduz a qualidade relacional e aspetos de inter-relação e de disponibilidade do profissional para responder a necessidades parentais (e.g., Sei que o(a) enfermeiro(a) do meu filho/minha filha virá em minha ajuda quando eu precisar, mesmo que para isso tenha que alterar os seus planos. (item 24)). O fator Colaboração/Parceria inclui os itens que saturam no fator 3 e que dizem respeito à qualidade da colaboração, do envolvimento na discussão dos problemas da criança, e da parceria no que diz respeito à sua saúde (e.g., Eu e o enfermeiro(a) do meu filho/minha filha raramente discutimos assuntos relacionados com o cuidado dele(a). (item 6)). Neste fator estão também integrados itens relativos a valores de lealdade e ao respeito pela privacidade parental (e.g., Por vezes tenho receio que o(a) enfermeiro(a) do meu filho/minha filha discuta sobre os meus assuntos pessoais com outras pessoas. (item13)).

Os resultados da escala com a amostra de mães que participaram no estudo indicaram que a perceção materna, relativa à qualidade da relação com o enfermeiro que faz a vigilância da saúde do seu filho, é bastante positiva. Julgamos que este facto poderá ser um indicador de que os enfermeiros mobilizam, na prática, os três aspetos chave da relação interpessoal (Confiança/Cuidado; Relacional/Emocional; Colaboração/Parceria), conceito central ao exercício profissional, que se alicerça nos princípios da relação terapêutica, desenvolvida e fortalecida ao longo de um processo dinâmico em que o enfermeiro e o cliente/família/comunidade se assumem como parceiros em todo o processo (Regulamento n.º 190/2015 de 23 abril de 2015).

O fator em que as mães mostraram maior satisfação, “Confiança/Cuidado” tem um papel crucial na perceção parental relativamente à qualidade da interação com o enfermeiro e está relacionada com o grau de satisfação do cliente (Ammentorp, et al., 2005), o bem-estar da criança-família (King, et al., 2004; Klassen, et al., 2010), a aceitação e adesão tratamento (Bell, et al., 2009; Hupcey, et al., 2001; MacKean, et al., 2012) e o envolvimento parental na tomada de decisão em relação ao tratamento da criança (Holm, et al., 2003). Por sua vez os resultados muito positivos no fator “Colaboração/parceria” refletem satisfação e envolvimento parental na tomada de decisão em relação ao tratamento da criança (King, et al., 2004; Ordem dos Enfermeiros, 2010). São ainda demostrativos de que os pais desejam ter um papel ativo de colaboração e parceria com o profissional de saúde (Choi, et al., 2010) que quando se efetiva, conduz a uma menor procura de consultas de emergência, a melhoria nos indicadores saúde, e a maior satisfação pais (Knapp, et al., 2011; Weiss, et al., 2010). Por sua vez o fator “Relacional/Emocional” é consonante com a importância atribuída às atitudes positivas dos profissionais como determinante da adaptação dos pais e da própria relação estabelecida com a equipa de saúde (Barnard, et al., 1990; Kenney, et al., 2011; Knapp, et al., 2011) na qual a empatia é particularmente valorizada pelos pais (Neumann, et al., 2009; Ordem dos Enfermeiros, 2010).

Os resultados em pouco inferiores na sub-escala “Relacional/Emocional” apontam para a necessidade de atender a estes aspetos na formação inicial e continuada dos profissionais de enfermagem.

Uma vez que a qualidade dos cuidados está relacionada com a qualidade da interação dos pais com o enfermeiro (Costa, & Jurado, 2006), e as dimensões que este instrumento integra permitem avaliar a perceção dos pais sobre a qualidade da interação com o enfermeiro poderá ser útil no processo de reflexão e análise das práticas tendo em conta a constante necessidade de atualização de conhecimentos e melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem prestados.

Este estudo tem limitações que devem ser consideradas na análise dos resultados. Assim, se por um lado, a dimensão da amostra não permite a extrapolação dos resultados para a generalidade da população, por outro lado, deve ser tido em consideração que o estudo foi realizado num serviço específico direcionado para a promoção da saúde e prevenção da doença através do acompanhamento da criança/família em consultas de vigilância de saúde infantil nas diferentes etapas do desenvolvimento da criança pelo que, pode não refletir a perceção parental noutros contextos de prática clínica. Acresce ainda que, apesar da valorização atribuída pelos investigadores ao papel do pai como cuidador da criança, não foi possível, neste estudo, a participação dos pais. Salvaguardando estas limitações considera-se, no entanto, que a escala pode constituir um instrumento válido para conhecer a perspetiva parental relativamente à qualidade da relação pais-enfermeiros, e possibilitando a adaptação dos serviços e a adequação das estratégias de abordagem e intervenção junto das famílias.

 

REFERÊNCIAS

Ammentorp, J., Mainz, J., & Sabroe, S. (2005). Parents’ priorities and satisfaction with acute pediatric care. Archives Pediatric Adolescents Medicine, 159, 127-31. doi: 10.1001/archpedi.159.2.127

Barnard, K., & Kelly, J. (1990). Assessment of parentchild interaction. In: Meisels SJ, Shonkoff JP. (Eds.). Handbook of early childhood intervention. United States: Cambridge University; p. 278-302.

Bell, L., & Duffy, A. (2009). A Concept Analysis of Nurse-Patient Trust. British Journal of Nursing, 18, 46-51. doi: http://dx.doi.org/10.4236/ojn.2015.53024.         [ Links ]

Blake, F. (1954). The child, his parents, and the nurse. Philadelphia: J.B. Lippincott.         [ Links ]

Choi, M., & Bang, K. (2010). Quality of Pediatric Nursing Care: Concept analysis. Journal of Korean Academy of Nursing Administration, 40, 757–64. doi: http://dx.doi.org/10.4040/jkan.2010.40.6.757.

Costa, E., & Jurado, R. (2006). Interaction in the Health Care. Revista de Enfermagem Referência, 2, 43-9.         [ Links ]

Coyne, I., & Cowley, S. (2007). Challenging the philosophy of partnership with parents: A grounded theory study. International Journal of Nursing Studies, 44, 893-904. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2006.03.002          [ Links ]

DiMatteo, R., (2000). Practioner-Family-Patient Communication in Pediatric Adherence: Implications for Research and Clinical Practice. In D. Drotar (Eds.) Promotinhg Adhernce to Medical Tratment in Childhood Chronica Illness (pp. 237-259). Lawrence Erlbaum Associates Inc. London

Elicker, J., Noppe, I., Noppe, L., & Fortner-Woos, C. (1997). The parent-caregiver relationship scale: Rounding out the relationship system in infant child-care. Early Education and Development, 8, 83-100.         [ Links ]

Fisher, H. R. (2001). The needs of parents with chronically sick children: a literature review. Journal of Advanced Nursing, 36, 600-607. doi: 10.1046/j.1365-2648.2001.02013.x        [ Links ]

Fisher, M. J., & Broome, M. E. (2011). Parent-provider communication during hospitalization. Journal of Pediatric Nursing, 26, 58-69. doi:10.1016/j.pedn.2009.12.071        [ Links ]

Hillen, M., de Haes, H., & Smets, E. (2011). Cancer patients’ trust in their physician-a review. Psychooncology, 20, 227–41. doi: 10.1002/pon.1745.

Holm, K., Patterson, J., & Gurney, J. (2003). Parental involvement and family-centered care in the diagnostic and treatment phases of childhood cancer: Results from a qualitative study. Journal of Pediatric Oncology Nursing, 20, 301-13. doi: 10.1177/1043454203254984        [ Links ]

Hupcey, J., Penrod, J., Morse, J., & Mitcham, C. (2001). An exploration and advancement of the concept of trust. Journal of Advanced Nursing, 36, 282-93. doi: 10.1046/j.1365-2648.2001.01970.x        [ Links ]

Institute for Patient- and Family-Centered Care. (2010). Patient- and Family-Centered Care Core Concepts. doi: http://www.ipfcc.org/faq.html.

Kenney, M.,Denboba, D., Strickland, B., & Newacheck, P. (2011). Assessing family-provider partnerships and satisfaction with care among US children with special health care needs. Academic Pediatrics, 11, 144-51. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.acap.2010.08.001        [ Links ]

King, S., Teplicky, R., King, G., & Rosenbaum, P. (2004). Family-centered service for children with cerebral palsy and their families: A review of the literature. Seminars in Pediatric Neurology, 11, 78-86. doi:10.1016/j.spen.2004.01.009.         [ Links ]

Klassen, A., Raina, P., McIntosh, C., Sung, L., Klaassen, R., O’Donnell, M., et al. (2010). Parents of children with cancer: Which factors explain differences in health-related quality of life. International Journal of Cancer, 129, 1190-98. doi: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ijc.25737/pdf.

Knapp, C., Madden, V., Sloyer, P., & Shenkman, E. (2011). Effects of an Integrated Care System on Satisfaction and Quality of Care for Children with Special Health Care Needs. Maternal and Child Health Journal,16, 579-86. doi: 10.1007/s10995-011-0778-9        [ Links ]

MacKean, G., Spragins, W., L'Heureux, L., Popp, J., Wilkes, C., & Lipton, H. (2012). Advancing Family-Centred Care in Child and Adolescent Mental Health: A Critical Review of the Literature. Healthcare Quarterly. doi: http://www.longwoods.com/content/22939/doi/10.12927/hcq.2013.22939.

Neumann, M., Bensing, J., Mercer, S., Ernstmann, N., & Pfaff, H. (2009). Analyzing the “nature” and “specific effectiveness” of clinician empathy: A theoretical overview and contribution towards a theory-based research agenda. Patient Education and Counseling, 74, 339–46. doi:10.1016/j.pec.2008.11.013

Ordem dos Enfermeiros (2010). Guias Orientadores de Boa Prática em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica. (3.ª ed.). Cadernos OE, Série I, N.º 3, Vol. I. Lisboa: Ordem dos Enfermeiros; 136 p.

Regulamento n.º 190/2015 de 23 abril de 2015 (PT). Regulamento do Perfil de Competências do Enfermeiro de Cuidados Gerais: Ordem dos Enfermeiros - Diário da República nº 79/2015-II Série.

Rogers, C. (1959). A theory of therapy, personality and interpersonal relationships as developed in the client-centered framework, in Koch S, (Ed.) Psychology: A study of a science, Vol 3: Formulations of the person and the social context. New York: McGraw-Hill; p. 184-256.

Weiss, S., Goldlust, E., & Vaucher, Y. (2010). Improving parent satisfaction: an intervention to increase neonatal parent–provider communication. Journal of Perinatology, 30, 425-30. doi: 10.1038/jp.2009.163

 

Endereço para Correspondência

Caminho dos Diabretes, 38 Terra-Chã, 9700-704, Angra do Heroísmo. Telf.: 962556944. e-mail: helia.soares@azores.gov.pt;

 

Recebido em 24 de Agosto de 2016/ Aceite em 21 de Novembro de 2016

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License