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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.17 no.3 Lisboa Dec. 2016

https://doi.org/10.15309/16psd170306 

Estresse e qualidade de vida em crianças com doenças renais crônicas hospitalizadas

Stress and quality of life in children with chronic kidney disease hospitalized

 

Júlia Carmo Bezerra1, Luciana Carla Barbosa de Oliveira2, & Eulália Maria Chaves Maia3

1Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL/UFRN), Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. e-mail: juliacarmob@gmail.com. Parnamirim-RN. CEP: 59154-350;

2Setor de Psicologia do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL/UFRN) e UNIFACEX, Natal, CEP: 59067-400 Rio Grande do Norte, Brasil. e-mail: lucianacarla.psi@hotmail.com;

3Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, CEP 59078-970 Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. e-mail: eulalia.maia@yahoo.com.br

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

Introdução: A doença renal crônica consiste na perda progressiva e geralmente irreversível da função dos rins e desencadeia problemas físicos, psicológicos, sociais e econômicos. As crianças com doença renal crônica sofrem com as limitações e mudanças impostas pela doença que desencadeiam estresse e mudam o modo de perceber sua qualidade de vida. Objetivo: Essa pesquisa buscou avaliar o estresse e qualidade de vida das crianças com doença renal crônica hospitalizadas. Método: Participaram da pesquisa crianças entre 6 e 12 anos hospitalizadas na Unidade de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente do Hospital Universitário Onofre Lopes em Natal-RN. Os instrumentos utilizados nesta pesquisa foram um questionário sociobiodemográfico, a Escala de Stress Infantil (ESI) de Lipp e Lucarelli, o Questionário de Avaliação da Qualidade de Vida em Crianças e Adolescentes (AUQEI) de Manificat e Dazord validado por Assumpção Jr. Resultados: Evidenciou-se que as crianças com doença renal crônica apresentaram stress principalmente nas fases de alerta e quase exaustão e avaliaram sua qualidade de vida como ruim, sendo a dimensão da autonomia a mais prejudicada. Conclusão: Os resultados do estudo corroboram com a literatura e permitem compreender melhor os aspectos psicológicos que permeiam a doença, hospitalização e tratamento da criança com doença renal crônica.

Palavras-chave: Criança, doença renal crônica, estresse, qualidade de vida, hospitalização.

 

ABSTRACT

Introduction: The renal chronic disease consists in progressive and, usually, irreversible lost on the renal function aspects, bringing physical, psychological, social and economic consequences. Children with that disease suffer because of the limitations and changes as an outcome of the illness process. The consequent modifications in life becomes, eventually, stress and it will change the way of realizing their own quality of life. Goals: This research aimed to measure the stress and quality of life on hospitalized children diagnosed with renal chronic diseases. Method: Were included in this study children between 6 and 12 years old hospitalized at the Children’s Health Attention Unity at the Academic Hospital Onofre Lopes in Natal – RN. The instruments used were the Scale of Children Stress from Lipp and Lucarelli, the Questionnaire to avaliate the Quality of Life in Children and Adolescents from Manificat and Dazord validated by Assumpção Jr, and also the Sociodemographic Questionnaire. Results: Results has shown that children with renal chronic disease got stressed specially in the alert and exhaustion phases, also they evaluate their own quality of life as poor, being the autonomic dimension the most damaged. Conclusion: The results matches with the literature and allows us to understand better the psychological aspects that goes through with the disease, hospitalization and treatment for children with renal chronic diagnostic.

Key-words: Child, chronic kidney disease, stress, quality of life, hospitalization.

 

A doença renal crônica (DRC) consiste na perda progressiva e geralmente irreversível da função dos rins (Schawartz et al, 2009). O indivíduo com DRC sofre redefinições, tendo a necessidade de adaptação e adesão aos cuidados especiais na alimentação, além das sérias restrições hídricas (Erbs, Luz, Deboni, Vieira & Silva, 2011).

Quando a criança é portadora de doença crônica, como as renais, as transformações esperadas para esta fase do desenvolvimento são particularmente incômodas em decorrência das limitações impostas pela doença (Frota, Machado, Martins, Vasconcelos & Landin, 2010). Nesta condição, a criança pode ser confrontada com uma variedade de circunstâncias geradoras de stress, tais como os aspectos aversivos dos tratamentos (Santos & Silva, 2002). Para Lipp e Lucarelli (2011) o stress é um conjunto de reações do organismo que ocorrem quando a pessoa é exposta a uma situação que a irrite, amedronte, excite ou que a faça feliz. Eventos estressores exigem adaptação por parte da criança e levam a mudanças psicológicas e fisiológicas no seu organismo (Lipp & Lucarelli, 2011).

No contexto hospitalar, as crianças com DRC estão suscetíveis a uma série de eventos estressores como a exposição a procedimentos invasivos e traumáticos, bem como o tempo de permanência no hospital e a hospitalização recorrente. Por isso, a internação também é considerada um fator estressor repercutindo sobre o desenvolvimento infantil e a qualidade de vida (Carnier, Rodrigues & Padovani, 2012). Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a qualidade de vida refere-se “a percepção do indivíduo acerca de sua posição na vida, no contexto cultural e sistema de valores do local onde vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (Ravagnani, Domingos & Miyazaki, 2007, p. 178).

Nesse sentido, a presente pesquisa tem como objetivo avaliar a qualidade de vida e o stress em crianças hospitalizadas com doença renal crônica. Espera-se proporcionar contribuições para literatura a respeito desta temática, bem como uma melhor compreensão de aspectos psicológicos que acompanham o paciente renal crônico infantil hospitalizado.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo piloto de caráter exploratório inicial, de metodologia quantitativa, realizado com crianças de idade entre 6 e 12 anos hospitalizadas na Unidade de Pediatria de um Hospital Universitário no estado do Rio Grande do Norte. O projeto de pesquisa foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do referido hospital o qual foi aprovado com o Parecer nº 732.422/2014 em 30/7/2014.

Participantes

A amostra da pesquisa foi escolhida por conveniência entre os meses de agosto a novembro de 2014, obedecendo aos critérios de inclusão e exclusão da pesquisa. Os critérios de inclusão são a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos pais ou responsável legais; a criança e o responsável concordar em participar da pesquisa; ter idade entre 6 e 12 anos; estar hospitalizado na Unidade de Pediatria do Hospital Universitário escolhido entre os meses de agosto a novembro de 2014. Enquanto os critérios de exclusão são: apresentar condições incapacitantes para a participação na pesquisa, como incapacidade de fala ou de responder aos instrumentos; ter comorbidade de doença mental ou neurológica que impossibilite a participação no estudo; estar sedado ou sob efeito de medicamentos que possam alterar o estado de consciência.

A faixa etária escolhida justifica-se devido a tratar-se das idades as quais a escala e os questionários utilizados na pesquisa foram validados. Entre os meses de coleta de dados foram internadas 27 crianças e adolescentes com doenças renais crônicas de etiologias diversas na unidade de saúde, no entanto dessas apenas 6 crianças se adequaram aos critérios de inclusão da pesquisa.

Material

Nesta pesquisa foi utilizado um questionário sociobiodemográfico elaborado pelas autoras da pesquisa, a Escala de Estresse Infantil (ESI) (Lipp & Lucarelli, 2011), o Questionário de Avaliação da Qualidade de Vida em Criança e Adolescentes (AUQEI) (Assumpção, Francisco, Kuczynski, Sprovieri & Aranha, 2000). Os instrumentos usados nesta pesquisa são validados para a realidade brasileira.

Procedimento

Após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos pais, foi aplicado o questionário sociobiodemográfico a estes. Posteriormente foi realizada a aplicação dos dois instrumentos às crianças, ESI e AUQUEI. Os instrumentos foram aplicados através da leitura padrão das questões às crianças que responderam ao pesquisador, este anotou as respostas.

Após a coleta, os dados foram transcritos para ficha padronizada e digitados em computador, para gerenciamento do banco de dados e análise estatística através do programa estatístico SPSS, versão 20.0 for Windows. Na análise descritiva as variáveis quantitativas são apresentadas por média e desvio-padrão enquanto os dados categóricos são apresentados na forma de quadro por frequência absoluta e relativa.

 

RESULTADOS

A amostra foi composta por seis participantes, sendo 4 do sexo masculino (66,7%) e 2 do sexo feminino (33,3%), com média de idade de 9,3 (DP=2,5) anos. Dos participantes, 66,7% estudam, moram com os pais e tem uma configuração familiar do tipo mononuclear, ou seja, composta por apenas um dos pais e irmãos, os demais 33,3% referem uma configuração familiar do tipo nuclear estendida composta pelo pai, mãe, filhos e outros parentes. Ademais, 60% tem uma renda familiar declarada de mais de um salário mínimo e referem ter uma atividade religiosa.

A respeito dos dados de saúde, metade das crianças refere ter o diagnóstico da doença renal crônica há menos de dois anos, desses apenas um participante relatou fazer hemodiálise, os demais referiram tratamento conservador. Quanto aos dados gestacionais e familiares, 100% dos responsáveis relatam que a criança tem irmãos, desses, 50% tem apenas um irmão. Foi questionado aos responsáveis através do questionário sociobiodemográfico sobre a gestação de seus filhos participantes da pesquisa. A maior parte das mães (83,3%) relatou que a gestação da criança não foi planejada, no entanto 100% delas afirmaram ter realizado pré-natal e negaram o uso de álcool ou drogas na gestação.

O quadro 1 mostra a relação entre a qualidade de vida e as variáveis sociodemográficas. Do ponto de vista descritivo, encontrou-se nesta pesquisa que em relação à idade, as crianças com qualidade de vida ruim eram mais novas que aquelas com boa qualidade de vida. No tocante ao sexo, a maioria das crianças com qualidade de vida ruim eram do sexo masculino.

 

 

Em relação às variáveis de saúde não foram encontradas relações entre elas e a qualidade de vida. No tocante aos dados gestacionais, a maioria das crianças com qualidade de vida ruim tem apenas um irmão. Também foi encontrado que a maioria das crianças que apresentaram qualidade de vida ruim foi proveniente de uma gestação não planejada e não desejada.

Por fim, foi observado que 88,3% das crianças avaliadas apresentaram estresse e 66,7% delas referiram uma qualidade de vida ruim. Na relação entre esses dados, observou-se ainda que a maioria das crianças com qualidade de vida ruim referiu ter estresse (60%).

 

DISCUSSÃO

Foi evidenciado que as crianças mais novas referiram pior qualidade de vida, tal fato pode ser justificado pela limitação de recursos de enfrentamento (coping) das situações de estresse por parte destas devido à idade e ao seu desenvolvimento cognitivo ainda imaturo. O nível de desenvolvimento cognitivo é um fator que influencia a utilização de determinadas estratégias de enfrentamento (coping) (Moraes & Enumo, 2008). Coping refere-se aos esforços pessoais utilizados para modular a experiência estressora (Benute et al., 2011). Visto que o stress influencia diretamente na percepção da qualidade de vida (Ravagnani, Domingos & Miyazaki, 2007), tal limitação nas estratégias de enfrentamento às situações de stress pode afetar diretamente os resultados da avaliação da qualidade de vida dessas crianças já que o instrumento utilizado trata-se de uma auto avaliação.

Observou-se ainda, através dos resultados, que a maioria das crianças com qualidade de vida ruim referiu ter stress. Essa relação pode justificar-se pelo fato da identificação do stress ser um importante preditor da qualidade de vida (Ravagnani, Domingos & Miyazaki, 2007).

A doença crônica constitui um fator de stress com impacto significativo para a criança, o próprio tratamento pode ser uma circunstância estressora (Santos & Silva, 2002). As alterações na vida da saúde da criança com doença renal crônica desencadeiam stress, desorganizam sua vida, atingem a autoimagem, bem como mudam o modo de perceber a vida (Frota et al., 2010). Nesse sentido, a identificação do stress influencia diretamente na percepção da qualidade de vida pela criança (Assumpção et al., 2000).

Foi observado neste estudo que 83,3% das crianças avaliadas referiram ter stress e 66,7% referiram uma qualidade de vida ruim. Esses dados ainda são preliminares e dificultam uma análise inferencial devido ao tamanho da amostra.

Mesmo diante dos avanços no diagnóstico e tratamento das doenças crônicas, os índices de stress e baixa qualidade de vida ainda são elevados e alertam sobre aspectos psicológicos que permeiam a doença renal crônica tanto em seu estágio inicial como em seu estágio mais avançado. Estudos realizados com crianças com insuficiência renal crônica referem resultados semelhantes e justificam tais resultados como consequência dos procedimentos dialíticos (Frota et al., 2010). No entanto, no presente estudo 83,3% dos pacientes encontrava-se em tratamento conservador, o que sugere que a doença renal crônica pode afetar negativamente os aspectos psicológicos da criança ainda no seu estágio inicial.

Conclui-se que tais dados provocam questionamentos sobre formas de melhorar a qualidade de vida dessas crianças, reduzir os efeitos estressores da doença e da hospitalização da criança com DRC. Os resultados dessa pesquisa abrem possibilidades para novas investigações acerca dos aspectos psicológicos que permeiam a doença, hospitalização e tratamento da criança com DRC, além de evidenciar a importância do trabalho do psicólogo como integrante em uma equipe multidisciplinar no cuidado aos pacientes renais crônicos em pediatria.

 

REFERÊNCIAS

Assumpção, J.R., Francisco, B., Kuczynski, E., Sprovieri, M.H., & Aranha, E.M.G. (2000). Escala de avaliação de qualidade de vida. Arquivo de Neuropsiquiatria, 58(1), 119-127.         [ Links ]

Benute, G.R.G., Nonnenmacher, D., Evangelista, L.F.M., Lopes, L.M., Lucia, M.C.S., & Zugaib, M. (2011). Cardiopatia fetal e estratégias de enfrentamento. Revista Brasileira de Ginecolia e Obstetrícia, 33(9), 227-33.         [ Links ]

Carnier, L.E., Rodrigues, O.M.P.R., Padovani, F.H.P. (2012) Stress materno e hospitalização infantil pré-cirúrgica. Estudos de psicologia(Campinas), 29(3).

Erbs, G.C., Luz, H.A., Deboni, L.M., Vieira, M.A., Silva, R.M.G. (2011). A insuficiência renal crônica: a qualidade de vida e as questões de gênero. Psicologia.pt. Recuperado em 28 de novembro de 2014, de http://www.prorim.org.br/2011/uploads/publication/794d2b89234dd4d531405f04704d3b96a43f3602.pdf

Frota, M.A., Machado, J.C., Martins, M.C., Vasconcelos, V.M., & Landin, F.L.P. (2010). Qualidade de vida da criança com insuficiência renal crônica. Escola Anna Nery (Rio de Janeiro), 14(3).

Lipp, M.E.N., & Lucarelli, M.D.M. (2011). ESI: escala de stress infantil: manual. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Moraes, E.O., & Enumo, S.R.F. (2008). Estratégias de enfrentamento da hospitalização em crianças avaliadas por instrumento informatizado. Psico-USF, 13(2), 221-231.         [ Links ]

Ravagnani, L.M.B., Domingos, N.A.M., & Miyazaki, M.C.O.S. (2007). Qualidade de vida e estratégias de enfrentamento em pacientes submetidos a transplante renal. Estudos de Psicologia, 12(2), 177-184.         [ Links ]

Santos, S.V., & Silva, A.L. (2002). A criança com Síndrome nefrótico e com doença celíaca: percepções relativas ao controlo da doença e à forma como lida com ela. Análise Psicológica, 2, 243-260.         [ Links ]

Schawartz, E., Muniz, R.M., Burille, A., Zillmer, J.G.V., Silva, D.A., Feijó, A.M., & Bueno, M.E.N. (2009). As redes de apoio no enfrentamento da doença renal crônica. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 13(2), 183-192.         [ Links ]

 

Endereço para Correspondência

Rua Serra do Caturité, 8005, Pitimbu, Natal-RN, cep: 59068-180; Telf.: (84) 3618-0004 / 8861-4453; e-mail: juliacarmob@gmail.com

 

Recebido em 09 de Março de 2015/ Aceite em 22 de Novembro de 2016

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