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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.16 no.3 Lisboa dez. 2015

 

Fatores que influenciam os comportamentos alimentares: questionário das escolhas alimentares dos adolescentes

Factors influencing eating behaviors: the adolescents food choices questionnaire

Cláudia Madeira Pereira1,*, Adelina Lopes da Silva1, & Maria Isabel de Sá1

 

1Centro de Investigação em Psicologia , Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

Esta investigação teve como objetivo identificar fatores que influenciam os comportamentos alimentares dos adolescentes. No estudo 1 procedeu-se à construção do Questionário das Escolhas Alimentares dos Adolescentes e à identificação dos referidos fatores com recurso à análise fatorial exploratória, através da aplicação do questionário a uma amostra de 247 adolescentes (12-19 anos). No estudo 2 procedeu-se à validação fatorial do questionário e à avaliação da replicabilidade dos fatores com recurso à análise fatorial confirmatória, através da aplicação do questionário a uma nova amostra de adolescentes (N=258). Os resultados permitiram identificar vários fatores, nomeadamente, a satisfação corporal/controlo de peso, as preocupações éticas, as qualidades sensitivas, a conveniência e o humor. Foram encontradas diferenças de acordo com o género e a idade. São discutidos os potenciais contributos desta investigação para o desenvolvimento futuro da teoria e das intervenções para a promoção da saúde dos adolescentes. Por fim, são discutidas as limitações e apresentadas sugestões para a investigação futura.

Palavras-chave: Comportamento alimentar, Adolescentes, Promoção da saúde, Análise fatorial, Questionário

 

ABSTRACT

This research aimed to identify factors that influence eating behaviours of adolescents. In study 1 we proceeded to construction of the questionnaire of adolescents food choices and identification of factors using exploratory factor analysis, by applying the questionnaire to a sample of 247 teenagers (12-19 years). In study 2 we proceeded to factorial validation of the questionnaire and assessment of replicability of the factors using confirmatory factor analysis, by applying the questionnaire to a new sample of adolescents (N = 258). Results identified a number of factors, in particular, body weight control/satisfaction, ethical concerns, sensory qualities, convenience and humor. Differences were found according to gender and age. We discuss potential contributions of this research for future development of theory and health promotion interventions for adolescents. Finally, we discuss limitations and present suggestions for future research.

Keywords: Eating behavior, Adolescents, Health promotion, Factor analysis, Questionnaire

 

O comportamento alimentar tem um papel determinante para a saúde, constituindo a prática de uma alimentação saudável um elemento essencial para a qualidade de vida e a saúde (física e psicológica) dos indivíduos, o que tem feito crescer o interesse da Psicologia nesta área de estudos.

Ao longo das últimas décadas, somam-se os estudos que têm alertado para e demonstrado a existência de uma estreita relação entre os comportamentos relacionados com o estilo de vida e um vasto conjunto de doenças crónicas (Plotnikoff, et al., 2009; Silva & Pereira, 2012). Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2012a), a obesidade representa um dos maiores desafios para a saúde pública do século XXI. Tal como a obesidade, também outras doenças crónicas, anteriormente encontradas apenas na população adulta, são hoje cada vez mais observadas em crianças e adolescentes. Desta forma, a prevenção da doença e a promoção da saúde de crianças e adolescentes têm constituído objetivos prioritários e transversais a diversos países (Pereira & Silva, 2011; WHO, 2012b).

Apesar de diversas intervenções proporem mudar os comportamentos alimentares da população adolescente, poucas são as que se baseiam num conhecimento compreensivo das razões que motivam as escolhas alimentares desta população. Da mesma forma, ainda que sejam diversos os estudos sobre os comportamentos alimentares dos adolescentes no contexto das perturbações alimentares, são escassos os que procuram investigar e compreender os fatores que influenciam as escolhas alimentares dos adolescentes saudáveis (Contento, Williams, Michela, & Franklin, 2006; Neumark-Sztainer, Story, Perry, & Casey, 1999; Sloan, Legrand & Chen, 2008). Neste sentido, as investigações recentes têm apontado para a necessidade de estudos nesta área, sugerindo que o desenvolvimento de estratégias de prevenção e de promoção da saúde dos adolescentes exige uma profunda compreensão dos fatores que influenciam as escolhas alimentares específicas desta população (Sloan et al., 2008; Viana, Santos & Guimarães, 2008).

Os estudos têm salientado que, embora os adolescentes tenham um conhecimento adequado do conceito de alimentação saudável e conheçam as consequências que os seus comportamentos alimentares podem ter para a saúde, estes conhecimentos nem sempre se correlacionam com as suas escolhas alimentares (Pirouznia, 2001). Diversos autores sugerem, por isso, que a divulgação de conhecimentos e a educação para a saúde não são condições suficientes para a mudança de comportamentos, particularmente, nos adolescentes (Contento, 2007; Pirouznia, 2001). Os estudos sugerem ainda que a saúde constitui apenas um dos fatores que explica as escolhas alimentares dos adolescentes, destacando a necessidade de identificar fatores explicativos alternativos que não são contemplados nos atuais modelos teóricos e estudos de intervenção (Contento, 2007; Neumark-Sztainer, et al., 1999; Story & Stang, 2005).

Com o aumento da idade e a entrada na adolescência, as escolhas alimentares dos adolescentes tornam-se mais autónomas e independentes. Todavia, esta maior autonomia nas tomadas de decisão parece encontrar-se associada a um aumento de comportamentos alimentares inadequados, ao contrário do que seria desejável (Neumark-Sztainer, Wall, Larson, Eisenberg, & Loth, 2011). A contribuir para isto parecem estar diversos aspetos característicos da adolescência que têm implicações diretas nas escolhas alimentares dos adolescentes, tais como a procura de independência e aceitação social, a maior vulnerabilidade a pressões sociais e comerciais (e.g., marketing e publicidade), a preocupação com a aparência física e a despreocupação com a saúde (Spear, 1996). Em resultado, particularmente do último aspeto referido, as intervenções que se têm baseado somente na educação para a saúde e para os comportamentos alimentares saudáveis têm-se mostrado insuficientes com a população adolescente. Como tal, parece importante reforçar o estudo dos fatores que influenciam as escolhas alimentares dos adolescentes, no sentido de auxiliar o futuro desenvolvimento de intervenções mais eficazes na promoção da saúde e na prevenção de doenças associadas aos comportamentos alimentares dos adolescentes (WHO, 2012b).

A literatura sugere que as escolhas alimentares são determinadas por fatores diversos, nomeadamente, biológicos (Tepper, 2008), psicológicos (Martyn-Nemeth, Penckofer, Gulanick, Velsor-Friedrich, & Bryant, 2009), psicossociais (Contento, et al., 2006; Silva, Pais-Ribeiro & Cardoso, 2008), económicos (Macino, Lin, & Ballenger, 2004) e outros. Como resultado, têm sido desenvolvidos modelos explicativos da seleção alimentar (e.g., Hamilton, Mcllveen & Strugnell, 2000; Sloan et al. 2008), sendo a escolha alimentar definida como o conjunto de decisões, conscientes e inconscientes, que os indivíduos tomam no momento de adquirir, de consumir e em qualquer outro momento entre estes dois (e.g., Hamilton et al., 2000). Sloan, et al. (2008), baseando-se na Teoria Sociocognitiva e no Modelo Transteórico da Mudança, desenvolveram um modelo para explicar os fatores que influenciam as escolhas alimentares dos adolescentes, o qual sugere 4 dimensões: 1) fatores pessoais; 2) fatores relacionados com o estilo de vida; 3) fatores ambientais; e, 4) fatores éticos. Os fatores pessoais incluem a experiência pessoal do adolescente com as características sensoriais dos alimentos e as suas preferências alimentares. Os fatores relacionados com o estilo de vida incluem o prestígio (i.e., normas sociais), o preço, os métodos de confeção e a conveniência (i.e., facilidade na aquisição dos alimentos). Os fatores ambientais incluem os meios de comunicação (media) e a publicidade. E, por fim, os fatores éticos incluem os métodos de produção (e.g., uso de fertilizantes químicos e pesticidas) e a cadeia de produção (e.g., processamento, embalamento e distribuição).

No que respeita aos instrumentos existentes, são escassos os que têm sido desenvolvidos para estudar os comportamentos e as escolhas alimentares dos adolescentes no campo da saúde, ainda que sejam diversos aqueles desenvolvidos no campo das perturbações alimentares. Harmatz e Kerr (1981) criaram uma escala, a Reasons for Eating Scale, que Williams, Spence e Edelman (1987) aplicaram a uma amostra de estudantes. Embora a escala tenha sido concebida no âmbito do estudo da obesidade, os resultados de Williams et al. (1987) permitiram concluir que o afeto/humor, os aspetos sensitivos, o hábito (i.e., familiaridade) e o prazer na preparação dos alimentos constituem fatores que podem influenciar os comportamentos alimentares dos adolescentes. Steptoe, Pollard e Wardle (1995) desenvolveram para a população adulta o Food Choice Questionnaire que foi utilizado em diversos países (Canadá, Bélgica e Itália) (Eertmans, Victoir, Notelaers, Vansant, & Van den Bergh, 2006), e mais recentemente foi revisto (Fotopoulos, Krystallis, Vassallo & Pagiaslis, 2009), para avaliar a importância atribuída pelos indivíduos a uma variedade de fatores relacionados com as escolhas alimentares. Segundo os estudos desenvolvidos com este instrumento, a saúde, o humor, a conveniência, as qualidades sensitivas, o conteúdo natural, o preço, o controlo do peso, a familiaridade e as preocupações éticas constituem fatores que influenciam as escolhas alimentares dos indivíduos (Eertmans et al., 2006; Fotopoulos et al., 2009; Pollard, Steptoe & Wardle, 1998; Steptoe, et al., 1995). O Food Choice Questionnaire tem sido um dos instrumentos mais utilizados com a população adulta, tendo sido usado inclusivamente em Espanha (Jáuregui-Lobera & Bolaños Ríos, 2011) e em Portugal (Cardoso & Vale, 2010), onde os estudos parecem reforçar os resultados encontrados no estudo original (Steptoe et al., 1995).

Sendo escassos os estudos que se conhecem nesta área com a população adolescente, surge a necessidade de estudar e compreender os fatores que explicam as escolhas alimentares dos adolescentes. Assim, e pretendendo dar resposta à necessidade de estudos nesta área, a presente investigação estabeleceu como objetivos: (1) identificar fatores que influenciam as escolhas alimentares dos adolescentes; (2) analisar as diferenças significativas de acordo com o género dos adolescentes; e, (3) analisar as diferenças significativas de acordo com a idade dos adolescentes.

Em seguida apresentam-se os dois estudos que fizeram parte desta investigação. Procede-se à descrição do Questionário das Escolhas Alimentares dos Adolescentes, das suas qualidades psicométricas e dos resultados obtidos através das análises efetuadas.

 

ESTUDO 1

Neste estudo procedeu-se à construção e aplicação do Questionário das Escolhas Alimentares dos Adolescentes e à identificação dos fatores com recurso à análise fatorial exploratória.

 

MÉTODO

Participantes

Considerando a ausência de acordo entre autores relativamente aos critérios que sugerem para a determinação do número de participantes com base no número de itens de determinado instrumento em estudo, optou-se por seguir a proposta de Moreira (2009) que sugere o número mínimo de 200 para a dimensão da amostra. Assim, participaram neste estudo 247 adolescentes, alunos de escolas secundárias e colégios do distrito de Lisboa, Portugal. Utilizou-se uma amostra não probabilística de conveniência, constituída por 92 (37,25%) adolescentes do género masculino e 155 (62,75%) do género feminino, estudantes do ensino secundário (7º-12º ano), com idades entre os 12 e os 19 anos (M = 14,57; DP = 1,87).

Material

Considerando a definição de escolha alimentar como o conjunto de decisões, conscientes e inconscientes, que os indivíduos tomam nos momentos de adquirir e consumir, e, em qualquer momento entre estes dois (e.g., Hamilton et al., 2000), procedeu-se à construção do Questionário das Escolhas Alimentares dos Adolescentes. O Food Choice Questionnaire (Steptoe, et al., 1995) constituiu o ponto de partida para a construção do questionário dada a sua construção baseada numa extensa revisão da literatura e na sua vasta utilização. A literatura e os estudos empíricos sobre os fatores que influenciam as escolhas alimentares dos adolescentes (Contento, 2007; Contento, et al., 2006; Hamilton et al., 2000; Neumark-Sztainer, et al., 1999; Sloan et al., 2008; Sobal & Bisogni, 2009; Story & Stang, 2005) auxiliaram igualmente a identificação de fatores, assim como a construção dos itens.

A estrutura do questionário compreendeu três partes. A 1ª parte incluiu: a) informação sobre o estudo; b) instruções de preenchimento do questionário; e, c) recolha de dados dos participantes (e.g., género, idade, ano de escolaridade). A 2ª parte compreendeu 47 itens, construídos para avaliar as dimensões identificadas como fatores influenciadores dos comportamentos alimentares, designadamente: a) Satisfação corporal – contentamento com a forma física e imagem corporal do próprio; b) Controlo do peso – preocupações com o ganho, perda e/ou manutenção do peso corporal; c) Humor – consequências emocionais da ingestão e recurso a esta como estratégia de coping; d) Conveniência – qualidades práticas dos alimentos, sua disponibilidade e acessibilidade; e) Qualidades sensitivas – características sensitivas dos alimentos em termos de sabor, cheiro, aparência e textura; f) Preço – custo dos alimentos; g) Familiaridade – conhecimento e contato habitual com os alimentos; h) Influência social – influência da família, dos pares e da cultura; i) Preocupações éticas – preocupações políticas e ambientais relacionadas com a produção dos alimentos; e, j) Saúde – preocupações com a saúde associadas ao comportamento alimentar.

O questionário iniciou-se com a frase “Na minha rotina diária tento escolher alimentos que…”, seguida pelos 47 itens, cuja resposta era dada segundo o grau de concordância: concordo totalmente; concordo; não concordo nem discordo; discordo; ou discordo totalmente. Os itens foram dispostos aleatoriamente, tendo sido alguns invertidos, conforme sugere Moreira (2009), para controlar eventuais enviesamentos ou tendências de resposta. O questionário foi ainda composto por uma 3ª parte com vista à análise de: a) obstáculos percecionados à prática de alimentação saudável; e, b) aspetos facilitadores dos comportamentos alimentares saudáveis. Os resultados obtidos nesta 3ª parte do questionário não serão apresentados no presente artigo que irá limitar-se à apresentação dos resultados obtidos na 1ª e 2ª parte do questionário.

Procedimento

Partiu-se da tradução e adaptação para a população adolescente de diversos itens do questionário original Food Choice Questionnaire (Steptoe, et al., 1995) e da construção de novos itens tendo por base a literatura e os estudos empíricos realizados nesta área (Contento, 2007; Contento, et al., 2006; Hamilton et al., 2000; Neumark-Sztainer, et al., 1999; Sloan et al., 2008; Sobal & Bisogni, 2009; Story & Stang, 2005). A tradução, adaptação e construção dos itens foram, posteriormente, alvo de revisão por duas professoras universitárias. Depois da construção do questionário, procedeu-se à análise da sua validade através do exame de conteúdos e do exame dos processos de resposta (Moreira, 2009). O exame de conteúdos foi assegurado pela revisão do questionário por psicólogos e outros profissionais de saúde, de forma a garantir a representação do construto (escolhas alimentares) e das dimensões em estudo no conteúdo dos itens, assim como avaliar a possibilidade de problemas de compreensão ou atitudes de resposta. O exame dos processos de resposta foi realizado através de aplicações-piloto do questionário a adolescentes com idades entre os 12 e os 19 anos, com vista à recolha de dados sobre os processos utilizados na elaboração de respostas. Para tal, procedeu-se à observação do comportamento dos adolescentes durante o preenchimento do questionário e à realização de uma entrevista após a sua aplicação, de forma a avaliar eventuais problemas na compreensão ou interpretação dos itens, das instruções e/ou do formato de resposta. Procedeu-se depois às alterações consideradas necessárias ao questionário. Após a obtenção da autorização da Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (DGIDC) para a aplicação do questionário em meio escolar, foi estabelecido o contato com diversas escolas e colégios a fim de recrutar uma amostra significativa de participantes. O consentimento informado dos adolescentes e dos pais (dos menores de 18 anos) foi obtido, o anonimato e a confidencialidade dos participantes foram assegurados, tendo sido cumpridos os demais princípios éticos do Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP). Foram realizadas doze aplicações coletivas em contexto de sala de aula (i.e., 12 turmas), duas por ano de escolaridade, do 7º ao 12º ano. Foram excluídos da análise os questionários que se mostraram inválidos, devido a elevado número de respostas omissas ou de tendência central.

 

RESULTADOS

Para a análise dos resultados utilizou-se o software PASW Statistics 18. A possibilidade de realizar uma análise fatorial (em componentes principais) foi confirmada pelo Teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO=0,79) e pelo Teste de Esfericidade de Bartlett (p=0,00), tendo-se submetido os itens do questionário a uma análise fatorial exploratória com rotação Varimax.

Foram consideradas várias soluções a partir da análise, tendo demonstrado maior consistência em termos de interpretação, a que identificou dez fatores que explicavam 57,46% da variância total dos resultados. Os itens que demonstraram saturações inferiores a 0,30 e/ou que saturaram em mais de um fator, dificultando a interpretação dos dados, foram excluídos da análise (Maroco, 2011; Moreira, 2009; Pestana & Gageiro, 2008). Isto resultou na eliminação do fator 10, tendo sido assim obtidos nove fatores e quarenta e três itens (Quadro 1).

A validade fatorial do instrumento foi demonstrada pelos resultados obtidos no Teste de KMO (KMO=0,79), pela % de variância total explicada (>50%) e pela ausência de comunalidades inferiores a 0,50. A validade convergente dos fatores foi verificada através da Variância Extraída Média (VEM=0,50). E, a validade discriminante foi verificada através das VEM extraídas para cada par de fatores, que se mostraram superiores ao quadrado da correlação entre fatores (Maroco, 2011).

Através do Quadro 1 é possível verificar que o fator 1 incluiu nove itens relacionados com a imagem corporal e as preocupações com o peso tendo sido, assim, designado por satisfação corporal/controlo de peso (Cronbach a=0,86). O fator 2 incluiu três itens relacionados com preocupações políticas e ambientais, pelo que foi designado por preocupações éticas (a=0,73). O fator 3 foi composto por cinco itens relacionados com as características sensitivas dos alimentos em termos de sabor, cheiro, aparência e textura, tendo sido denominado por qualidades sensitivas (a=0,73). O fator 4 contemplou seis itens relacionados com as qualidades práticas dos alimentos e a facilidade na preparação dos mesmos, tendo sido denominado de conveniência (a=0,73). O fator 5 incluiu quatro itens relacionados com a facilidade na aquisição dos alimentos, associada à sua disponibilidade e à sua acessibilidade em termos de preço, tendo sido designado por disponibilidade/acessibilidade (a=0,59). O fator 6 reteve quatro itens sobre a influência da família, dos pares e da cultura nas escolhas alimentares, pelo que foi denominado de influência social (a=0,62). O fator 7 compreendeu três itens relacionados com questões emocionais e de coping, tendo sido designado por humor (a=0,76). O fator 8 foi composto por seis itens relacionados com questões de saúde, pelo que foi denominado de saúde (a=0,67). Por fim, o fator 9 incluiu itens sobre a familiaridade dos alimentos (a=0,53) (Quadro 1).

 

ESTUDO 2

Neste estudo procedeu-se à validação fatorial do questionário e à análise da replicabilidade dos fatores, com recurso à análise fatorial confirmatória. Procedeu-se ainda à análise de diferenças significativas nos resultados de acordo com o género e a idade.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram neste estudo 258 adolescentes, alunos de uma escola secundária do distrito de Lisboa. Utilizou-se uma amostra com características semelhantes à do estudo 1, constituída por 114 (44,20%) adolescentes do género masculino e 144 (55,80%) do género feminino, estudantes do ensino secundário (7º-12º ano), com idades entre os 12 e os 19 anos (M = 14,52; DP = 1,72).

Material

Utilizou-se o Questionário das Escolhas Alimentares dos Adolescentes, sendo este constituído pelos itens cujos fatores demonstravam uma consistência interna adequada (a = 0,70; ver Pestana & Gageiro, 2008): satisfação corporal/controlo de peso, preocupações éticas, qualidades sensitivas, conveniência e humor.

Procedimento

Foi estabelecido o contato com uma nova escola a fim de recrutar uma amostra significativa de participantes. Procedeu-se à aplicação do questionário a uma nova amostra de adolescentes, após a obtenção do consentimento informado dos jovens e dos pais. O anonimato e a confidencialidade dos participantes foram assegurados, tendo sido cumpridos os demais princípios éticos do Código Deontológico da OPP. À semelhança do estudo 1, foram realizadas doze aplicações coletivas em contexto de sala de aula, do 7º ao 12º ano.

 

RESULTADOS

Para a análise dos resultados recorreu-se ao software AMOS Graphics 19. A validade fatorial do questionário e a replicabilidade dos fatores foi avaliada através da análise fatorial confirmatória.

A existência de outliers foi avaliada pela distância quadrada de Mahalanobis (D2) e a normalidade das variáveis pelos coeficientes de assimetria (Sk) e curtose (Ku), uni- e multivariada (Maroco, 2010). Os resultados de D2 confirmaram a inexistência de outliers (p1 e p2 <0,001) e os coeficientes de Sk e Ku indicaram a inexistência de variáveis com violações à distribuição Normal (|Sk|<3 e |Ku|<10).

A qualidade de ajustamento global do modelo fatorial foi analisada de acordo com os seguintes índices e respetivos valores de referência: X2/df <5; CFI> 0,90; PCFI> 0,60; RMSEA< 0,08; P[rmsea=0,05] = 0,05; e MECVI (quanto menor for o valor, melhor) (Maroco, 2010). A qualidade do ajustamento local foi avaliada pelos pesos fatoriais e pela fiabilidade individual dos itens. Por sua vez, o ajustamento do modelo foi efetuado a partir dos índices de modificação (superiores a 11; p<0,001) produzidos pelo AMOS e com base em considerações teóricas. O modelo original ajustado revelou uma qualidade de ajustamento tolerável, mas passível de ser melhorada (X2/df=2,38; CFI=0,84; PCFI=0,74; RMSEA=0,07; P[rmsea=0,05]<0,001; MECVI=3,45). Como tal, e depois de eliminados os itens 5, 10, 12, 20 e 22, cujos índices de modificação sugeriam a sua saturação em fatores diferentes daqueles sugeridos na versão original do questionário, obteve-se uma melhor qualidade de ajustamento, em suporte da validade fatorial do questionário (X2/df=1,84; CFI=0,92; PCFI=0,78; RMSEA=0,06; P[rmsea=0,05]=0,117; MECVI=1,89). De salientar que o modelo simplificado apresentou uma qualidade de ajustamento superior à do modelo original (X2(179)=328,39, p<0,05 vs. X2(289)=688,88, p<0,05) e um MECVI consideravelmente menor (1,89 vs. 3,45).

A validade convergente dos fatores foi confirmada através das VEM (= 0,50) e a validade discriminante através da comparação das VEM com os quadrados da correlação entre fatores (Maroco, 2010).

A Figura 1 apresenta os pesos fatoriais estandardizados que demonstraram a validade fatorial dos fatores (λ = 0,5) e a fiabilidade individual apropriada (λ2 = 0,25) de cada um dos itens no modelo final simplificado.

A consistência interna dos fatores foi confirmada através da fiabilidade compósita (FC = 0,70; Maroco, 2010): satisfação corporal/controlo de peso, FC=0,93; preocupações éticas, FC=0,90; qualidades sensitivas, FC=0,78; conveniência, FC=0,77; e humor, FC=0,78.

Verificaram-se correlações moderadas (0,40 <R< 0,69; ver Pestana & Gageiro, 2008) entre as preocupações éticas, a satisfação corporal/controlo de peso e o humor; e entre as qualidades sensitivas e a conveniência. Verificaram-se também correlações positivas baixas (0,20 <R< 0,39) entre o humor e a satisfação corporal/controlo de peso, a conveniência e as qualidades sensitivas. Por fim, registou-se uma correlação negativa entre a satisfação corporal/controlo de peso e as qualidades sensitivas (Figura 1).

Os resultados deste estudo revelaram-se idênticos aos do estudo 1 (Quadro 2). O fator qualidades sensitivas obteve, em média, os resultados mais elevados e o fator preocupações éticas os resultados mais baixos.

As análises de variância multivariada permitiram identificar efeitos estatisticamente significativos das variáveis género e idade nos resultados. As análises univariadas identificaram um efeito significativo do género no fator 1 (F(1, 256)=29,75; p=0,00; η2p=0,10; p=1,00), sugerindo uma maior influência da satisfação corporal/controlo de peso nas escolhas alimentares do género feminino, comparativamente com o género masculino; e um efeito significativo da idade no fator 2 (F(3, 254)=3,16; p=0,03; η2p=0,04; p=0,73), indicando uma menor influência das preocupações éticas e ambientais nas escolhas alimentares dos adolescentes com mais idade.

 

DISCUSSÃO

A presente investigação teve como objetivo identificar fatores que estão subjacentes às escolhas alimentares dos adolescentes, tendo identificado nove fatores: satisfação corporal/controlo de peso, preocupações éticas, qualidades sensitivas, conveniência, disponibilidade/acessibilidade, influência social, humor, saúde e familiaridade.

O fator satisfação corporal/controlo de peso revelou-se um dos mais consistentes, tendo saturado neste fator itens sobre satisfação corporal e itens sobre controlo do peso, o que está de acordo com os estudos que mostram que a (in)satisfação corporal e o peso se encontram significativamente associados nos adolescentes (Mäkinen, Puukko-Viertomies, Lindberg, Siimes, & Aalberg, 2012). No presente estudo observou-se uma correlação entre este fator e as preocupações éticas que sugere que os jovens que demonstram maiores preocupações com a sua imagem corporal e com o seu peso são também aqueles que apresentam maiores preocupações éticas e ambientais. À semelhança de estudos anteriores (Martyn-Nemeth, et al. 2009; Steptoe et al., 1995), verificou-se uma correlação entre este fator e o humor, indicando que quanto maior é a satisfação com o corpo e o peso, mais elevado é o humor dos adolescentes. Registou-se ainda uma correlação negativa entre este fator e as qualidades sensitivas, sugerindo que as preocupações com o corpo e o peso se relacionam inversamente com a escolha de alimentos atraentes em termos de sabor, aparência, cheiro e textura. À semelhança de outros estudos (Cardoso & Vale, 2010; Steptoe et al., 1995), os resultados neste fator revelaram diferenças de acordo com o género, indicando que as preocupações com a satisfação corporal e o controlo de peso influenciam mais as escolhas alimentares das raparigas, do que as dos rapazes. Julga-se que esta influência é maior nas raparigas devido às pressões socioculturais para a magreza, predominantes sobre o género feminino, nas sociedades ocidentais (Gonçalves, Machado & Machado, 2011).

O fator preocupações éticas surgiu igualmente como um fator consistente e, à semelhança de estudos anteriores (Steptoe et al., 1995), apresentou uma correlação com o humor, sugerindo uma relação positiva entre as atitudes éticas e ambientais relacionadas com os alimentos e o humor dos adolescentes. Os resultados revelaram ainda que as preocupações éticas e ambientais diminuem com a idade, o que poderá ser explicado pela maior sensibilização que se verifica, nomeadamente em contexto escolar, para este tipo de questões junto dos mais novos.

O fator conveniência mostrou-se igualmente consistente e, à semelhança de outros estudos (Steptoe et al., 1995), apresentou uma correlação, ainda que baixa, com o humor. Verificou-se também uma correlação entre este fator e as qualidades sensitivas, sugerindo que os alimentos considerados pelos adolescentes como mais práticos e fáceis de preparar são também percebidos como mais apelativos em termos de sabor, aparência, cheiro e textura.

O fator qualidades sensitivas revelou-se um fator consistente, sendo aquele que maior influência demonstra sobre as escolhas alimentares dos adolescentes, o que corrobora os resultados de estudos anteriores (Neumark-Sztainer, et al., 1999). À semelhança de outros estudos (Steptoe et al., 1995), este fator demonstrou uma correlação, ainda que baixa, com o humor, o que sugere que a escolha de alimentos apelativos em termos de sabor, aparência, cheiro e textura está associada positivamente com o humor.

Por sua vez, o humor revelou-se também um fator consistente, corroborando os resultados dos estudos que demonstram a existência de uma relação entre o humor e os comportamentos alimentares dos jovens (Martyn-Nemeth, et al. 2009). Tal como em estudos anteriores (Steptoe et al., 1995), o humor demonstrou correlações positivas com todos os outros fatores.

A disponibilidade/acessibilidade, a influência social, a saúde e a familiaridade constituíram fatores adicionais que surgiram no presente estudo exploratório, contudo, a consistência interna destes fatores, avaliada através do a de Cronbach (a<0,70; ver Pestana & Gageiro, 2008), determinou a sua exclusão do estudo confirmatório. No entanto, a literatura mais recente tem questionado a validade da medida do a de Cronbach para avaliar a consistência interna, sendo vários os autores que têm sugerido a utilização de medidas alternativas (e.g., Maroco, 2010; Maroco & Garcia-Marques, 2006). Segundo Maroco (2010), a fiabilidade compósita (FC) consiste numa medida alternativa mais exata da consistência interna e da reprodutibilidade dos fatores. Considera-se FC =0,70 indicador de uma fiabilidade de construto apropriada, não obstante, Maroco (2010, p. 175) refere que valores abaixo de 0,70 são aceitáveis para investigações exploratórias. Neste caso, se o presente estudo exploratório (estudo 1) tivesse recorrido à FC, ter-se-iam verificado valores mais elevados de consistência interna: satisfação corporal/controlo de peso FC=0,89 (a=0,86); qualidades sensitivas FC=0,87 (a=0,73); humor FC=0,86 (a=0,76); preocupações éticas FC=0,81 (a=0,73); conveniência FC=0,80 (a=0,73); influência social FC=0,78 (a=0,62); saúde FC=0,75 (a=0,67); disponibilidade/acessibilidade FC=0,74 (a=0,59); e familiaridade FC=0,62 (a=0,53). O Quadro 3 mostra resultados semelhantes de consistência interna obtidos para fatores semelhantes em estudos anteriores (com adultos) (Cardoso & Vale, 2010; Eertmans et al., 2006; Fotopoulos et al., 2009; Steptoe et al.,1995). Resultados ligeiramente mais elevados foram obtidos no estudo confirmatório, sendo a consistência interna dos fatores satisfação corporal/controlo de peso (FC=0,93), preocupações éticas (FC=0,90) e qualidades sensitivas (FC=0,78) superior à dos fatores correspondentes obtidos em estudos anteriores.

Ainda que os fatores influência social, disponibilidade/acessibilidade e saúde tenham sido excluídos do presente estudo confirmatório, a influência destes fatores surge documentada na literatura (Contento et al., 2006; Neumark-Sztainer, et al., 1999; Steptoe et al., 1995). Não obstante, vários estudos têm demonstrado que as preocupações com a saúde e a sua influência sobre as escolhas alimentares predominam na idade adulta (Fotopoulos, et al., 2009; Rappaport, Peters, Huff-Corzine, & Downey, 1992; Steptoe et al., 1995).

Os resultados da presente investigação mostram ainda que o fator qualidades sensitivas constitui aquele que mais influencia as escolhas alimentares dos adolescentes. Por sua vez, estudos realizados com adultos mostram que as qualidades sensitivas, mas também a saúde, a conveniência e o preço, constituem os fatores mais importantes nas escolhas alimentares da população adulta (Cardoso & Vale, 2010; Rappaport, et al., 1992; Steptoe et al., 1995).

Poderá apontar-se como limitações à presente investigação a não inclusão, no estudo confirmatório, de quatro fatores que demonstraram resultados adequados de consistência interna medida através da FC (influência social, saúde, disponibilidade/acessibilidade e familiaridade); a utilização de uma medida de autorrelato, podendo as respostas dos participantes não refletir os seus comportamentos; e a utilização de amostras de adolescentes portugueses provenientes de meio urbano, podendo os resultados não ser generalizáveis a outras populações.

Apesar das limitações, as semelhanças encontradas entre os resultados da presente investigação e aqueles de estudos anteriores (Cardoso & Vale, 2010; Eertmans et al., 2006; Fotopoulos et al., 2009; Steptoe et al.,1995) permitem reforçar a consistência dos resultados obtidos e a validade do questionário desenvolvido. Os resultados obtidos respondem às questões de investigação, demonstrando que diversos fatores (para além da saúde) influenciam os comportamentos alimentares dos adolescentes, e que estas influências apresentam diferenças de acordo com o género e a idade dos adolescentes.

Os resultados reforçam a necessidade de se desenvolverem no futuro teorias explicativas das escolhas alimentares e intervenções específicas para a população adolescente (distintas daquelas para a população adulta) que possam ser mais eficazes na promoção da saúde e na prevenção das doenças associadas aos comportamentos alimentares dos adolescentes. Julga-se que a presente investigação dá um contributo nesse sentido, tendo identificado vários fatores que influenciam as escolhas alimentares dos adolescentes, os quais se julga que devem ser contemplados na teoria e na intervenção, enquanto fatores de motivação para a mudança. Todavia, uma vez que a motivação não é condição suficiente para a mudança de comportamentos (Armitage & Conner, 2001; De Wit, 2006; Silva & Pereira, 2012), torna-se necessário investigar no futuro novas estratégias de intervenção que promovam a mudança efetiva dos comportamentos, estratégias estas que não se limitem a educar ou instruir os adolescentes para a modificação de comportamentos de saúde específicos (e.g., comportamentos alimentares), mas os oriente a descobrir e a desenvolver por si um processo autorregulatório heurístico que lhes permita regular autonomamente, não só os seus comportamentos de saúde, como também todos os seus demais comportamentos que podem influenciar e ter implicações para a sua saúde. Crê-se que o avanço dos estudos no campo da autorregulação da saúde pode dar importantes contributos para o desenvolvimento futuro da investigação e da intervenção nesta área (Pereira, 2008; Pereira, 2014; Silva & Pereira, 2012).

 

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos ao Colégio de Santa Doroteia, à Escola Secundária D. Pedro V, Escola Secundária José Gomes Ferreira e Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho que possibilitaram a realização desta investigação.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para Correspondência

Telef.: 969 487 645. E-mail: psicologa@claudiamadeirapereira.com

 

Esta investigação teve o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH / BD / 60732 / 2009), no âmbito do Doutoramento de Cláudia Madeira Pereira (http://repositorio.ul.pt/handle/10451/15480).

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