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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.16 no.3 Lisboa dez. 2015

 

Percepção da doença, indicadores de ansiedade e depressão em mulheres com câncer

Illness percetion, indicators of anxiety and depression in women with cancer

Elisa Kern de Castro¹,*, Fernanda Bittencourt Romeiro¹, Natália Britz de Lima¹, Priscila Lawrenz¹, & Silvia Hass²

 

1Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Brasil

2Departamento de Psicologia, Hospital Santa Rita, Complexo Santa Casa de Misericórdia, Porto Alegre, Brasil.

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

O objetivo do estudo foi compararas percepçõesda doença e os indicadores de ansiedade e depressão em mulheres com câncer cervical e mulheres com câncer de mama. Participaram 76 mulheres (38 com câncer de mama e 38 com câncer cervical) que responderam a questionário sociodemográfico e clínico e de percepção da doença, ansiedade e depressão. Apesar de tratar de tipos de câncer diferentes, a percepção da doença foi semelhante nos grupos. Todas as mulheres apresentaram nível de ansiedade de moderado a grave. Conclui-se que o tipo de câncer pode não ter um papel fundamental nas percepções da doença. O elevado nível de ansiedade das participantes evidencia que a experiência do câncer merece atenção dos profissionais da saúde.

Palavras-chave: percepção sobre a doença; depressão; ansiedade; neoplasias da mama; neoplasias do colo do útero.

 

ABSTRACT

The purpose of this study was to compare illness perceptions and indicators of anxiety and depression in women with cervical and breast cancer. Participants were 76 women (38 with breast cancer and 38 women with cervical cancer), who answers sociodemographic and clinical data, illness perceptions, anxiety and depression questionnaires. Despite the type of cancer is different, illness perceptions was similar between two groups. All participants presented moderate to severe levels of anxiety. It is concluded that type of cancer maybe is not the main factor to understand illness perceptions in women with cancer. The high levels of anxiety showed that cancer experience is need more attention from health psychologists.

Keywords: illness perception, depression, depression, anxiety, breast cancer, cervical cancer.

 

Atualmente, o câncer é considerado uma das principais causas de mortes no mundo, tornando-se um problema de saúde em países desenvolvidos e em desenvolvimento (Gonçalves, Padovani, & Popim, 2008). Ainda que algumas pessoas apresentem predisposição genética para o desenvolvimento de alguns tipos de tumor, o aparecimento da doença envolve, também, fatores comportamentais e de estilo de vida (Gaviria, Vinaccia, Riveros, & Quiceno, 2007). Os tumores que afetam as mamas e o útero constituem-se como os mais frequentes entre as mulheres brasileiras e têm um grande impacto na sua feminilidade e sexualidade. Para 2014 é estimado cerca de 15.590 novos casos de câncer do colo do útero e 57.120 novos casos de câncer de mama no Brasil (Instituto Nacional do Câncer, 2014a).

O câncer de mama é o segundo tipo de neoplasia mais comum no mundo e o de maior incidência entre as mulheres (Instituto Nacional do Câncer, 2014a). Atinge frequentemente, mulheres acima dos quarenta anos, embora se tenha observado um aumento de incidência em faixas etárias mais jovens. Os fatores de risco envolvem envelhecimento, pré-disposição genética, obesidade, ingestão de álcool, exposição a radiação ionizante, uso prolongado de contraceptivos orais (Brasil, 2013a). O tratamento pode envolver cirurgia e radioterapia como formas de tratamento local. A quimioterapia, a hormonioterapia e a terapia biológica, são utilizadas com o objetivo de combater a doença de forma sistêmica. O procedimento cirúrgico pode envolver cirurgias conservadoras que retiram parte da glândula mamária que contém o tumor, ou a mastectomia que visa à retirada total da glândula mamária (Majewski, Lopes, Davoglio, & Leite, 2012).

O câncer cervical ou do colo do úteroé a segunda neoplasia mais incidente entre as mulheres brasileiras (atrás apenas do câncer de mama) e a quarta causa de morte de mulheres por câncer no país (Instituto Nacional do Câncer, 2014b). Ao contrário do que ocorre em países desenvolvidos, em que o número de casos de diagnóstico de câncer cervical tem diminuído, nos países em desenvolvimento como o Brasil as taxas estão estabilizadas. Essa neoplasia caracteriza-se por ser assintomática nos estágios iniciais e por ser mais frequente em mulheres entre 35 e 55 anos de idade. Mais de 90% dos casos de tal doença estão relacionados ao vírus do papiloma humano (HPV), que transforma as células cervicais em cancerosas. Outros fatores de risco são: má higiene íntima, início precoce da vida sexual, multiplicidade de parceiros, tabagismo e uso prolongado de contraceptivos orais (Brasil, 2013a).Quando diagnosticadas precocemente, as pacientes com câncer cervical tem grandes chances de cura. Mas, como dito, a prevenção anual nem sempre faz parte da rotina da população nacional. No Brasil, cerca de 30% das mulheres nunca fizeram o exame citológico do colo do útero, sendo diagnosticadas já em fase avançada da doença em 70% dos casos (Franco, 2008). Como medidas de prevenção, é importante o uso de preservativos (masculino ou feminino) durante as relações sexuais para evitar o contágio do HPV, e anualmente a realização da colposcopia oncológica (Papanicolau) para detecção de lesões cervicais (Bukhari et al., 2012). Além disso, o surgimento da vacina contra o HPV funciona também como método preventivo. A partir de 2014 o Ministério da Saúde iniciou a vacinação contra o HPV em meninas de 11 a 13 anos (Brasil, 2013a). O tratamento do câncer cervical depende do estadiamento da doença, tamanho do tumor e fatores pessoais, como o desejo de ter filhos e a idade da paciente (Brasil, 2013b). Geralmente a histerectomia (retirada total ou parcial do útero) é realizada, ou retirado juntamente com as trompas e ovários. Já a histerectomia radical é a remoção do útero, das trompas, ovários e parte superior da vagina. Como tratamentos secundários estão a quimioterapia e a radioterapia.

O conteúdo das percepções sobre a doença está relacionado à natureza das ameaças para a saúde do indivíduo. O modelo do Senso Comum (Leventhal, Brissete, & Leventhal, 2003; Leventhal et al., 1997) postula que a maneira como o sujeito pensa sobre seu problema de saúde e, consequentemente se comporta diante dele, tem relação com a percepção que ele tem da doença. O modelo mental das percepções é construído por cada pessoa, com base na realidade e na sua percepção de condição de saúde. Deste modo, a natureza e a organização das percepções podem conduzir a pessoa a comportamentos relacionados à sua saúde e ao modo como o paciente enfrenta a sua doença. (Leventhal et al., 2003). As cinco dimensões da percepção sobre a doença (Leventhal et al., 1997) são: a) identidade ou o nível de ameaça da doença e seus sintomas; b) percurso: o tempo que a doença toma para se desenvolver bem como a duração e a recuperação da mesma; c) causa: exposição a drogas, estresse, má alimentação, entre outros; d) consequências: reais ou imaginárias (ex. hospitalizações, faltas ao trabalho, disfunções sexuais); e) cura ou controle: percepção do grau que a doença pode ser tratada ou curada. O enfrentamento das mulheres em relação à doença oncológica vai depender dos recursos psíquicos desenvolvidos individualmente e de outras variáveis biopsicossociais bem como a situação específica vivida (Neme, 2010).

O sofrimento psicológico é comum em pacientes com câncer, podendo variar de emoções adaptativas normais até níveis elevados de sintomas clinicamente significativos que se enquadram nos transtornos de adaptação, ansiedade ou depressão (Ziegler, Bennet, Higginson, & Murray, 2011). Alguns estudos vêm investigando a presença desses sintomas em mulheres com câncer de mama e câncer cervical (Cheung, Lee & Chan, 2012; Love, Grabsch, Clarke, Bloch & Kissane, 2004; Pasquini et al, 2006), porém é difícil distinguir quais sintomas são decorrentes da doença ou já estavam presentes antes dela.

A ansiedade e a depressão em pacientes com câncer pode reduzir a sua qualidade de vida (Brown, Kroenke, Theobald, Wu, & Tu, 2009), causar um impacto negativo na adesão ao tratamento e mortalidade (Arrieta et al, 2013) e gerar sintomas somáticos como perda de apetite e fadiga, que também estão associados ao próprio tratamento (Souza & Fortes, 2012). Sabe-se, também, que o sofrimento emocional tende a mudar durante as fases da doença e do tratamento, e o estresse emocional varia conforme o paciente está respondendo ao tratamento (Linden, Vodermaier, MaccKenzie, & Greig, 2012). Linden et al (2012) mostrou, através de uma revisão de literatura, que as mulheres com câncer tendem a apresentar maiores sintomas de ansiedade e depressão do que os homens. Idade avançada, prognóstico ruim e tratamento invasivo estão relacionados a elevados níveis de estresse emocional. No Brasil, o estudo de Cangussu, Soares, Barra e Noicolato (2010) encontrou, numa amostra de 71 mulheres com câncer de mama, que 29,6% delas tinham sintomas depressivos. Os fatores relacionados esses sintomas foram a realização de tratamento quimioterápico, presença de dor, limitação do movimento do membro superior e pior percepção da saúde.

As relações entre percepção da doença e sintomas depressivos e de ansiedade estão começando a ser investigadas na literatura internacional. Keeling, Bambrough e Simpson (2013) encontraram relações significativas entre depressão e as dimensões identidade e causas da doença, e entre ansiedade e as dimensões coerência da doença e causas da doença em pacientes com tumor cerebral de baixo grau. Já Dempster et al. (2011) encontrou relação fraca entre a percepção da doença e bem-estar psicológico (medidos através de índices de ansiedade e depressão) em pacientes sobreviventes de câncer de esôfago.

Considerando a possível relação entre percepção da doença e indicadores de ansiedade e depressão, o presente estudo tem por objetivo examinar e comparar as percepções da doença e os indicadores de ansiedade e depressão em mulheres com câncer de mama e com câncer cervical.

 

MÉTODO

Transversal e de grupos comparativos– mulheres com câncer de mama e câncer cervical (Flick, 2013).

Participantes

Participaram 76 mulheres em tratamento para câncer -38 com câncer cervical e 38 com câncer de mama. A amostra de mulheres com câncer cervical foi escolhida de forma consecutiva entre as mulheres adultas que tinham consultas agendadas num hospital especializado em oncologia na cidade de Porto Alegre (Brasil), no período de dez meses que durou a coleta de dados. A amostra de mulheres com câncer de mama foi escolhida a partir de uma amostra de 157 mulheres também selecionadas de forma consecutiva no mesmo serviço de oncologia. O critério para a escolha das 38 mulheres com câncer de mama, neste estudo, se deu através do pareamento com a amostra de mulheres com câncer cervical com relação à idade. A média das idades das mulheres com câncer de mama foide 45,87 anos (DP=9,42) com idade média do diagnóstico de 42,73 anos (DP=9,69); a média de idade das mulheres com câncer cervical foi de 45,71 anos (DP=10,44) com idade média do diagnóstico de 40,72 anos (DP=9,32). Todas as participantes abordadas e convidadas a participar da pesquisa aceitaram o convite. O Quadro 1 apresenta as principais características das participantes, separadas de acordo com o tipo de câncer.

Material

1) Ficha de dados sociodemográficos e clínicos: contém informações sobre dados pessoais, familiares e da doença e do tratamento da paciente (estado civil, escolaridade, religião, função ocupacional, número de filhos, tipo de câncer, tipos de tratamento).As informações foram obtidas através do seu prontuário e também do autorrelato da paciente.

2) Illness Perception Questionnaire Revised (IPQ-R) (Moss-Morris, Weinman, & Petrie, 2002): avalia a percepção/crença que pessoas acometidas poruma doença têm sobre sua condição de saúde. A dimensão identidade da doença é medida através da apresentação de 14 sintomas habituais em situações de doença crônica, em que o paciente avalia a sua presença ou ausência. As seguintes dimensões avaliam as percepções sobre a duraçãoda doença, consequências, controle pessoal, controle do tratamento, coerência da doença e representação emocional através de 38 questões em uma escala Likert de cinco pontos. A última dimensão examina, através de 18 possíveis causas da doença numa escala likert de 5 pontos, o quanto o paciente acredita que aquela afirmação seja verdadeira. Quanto maior a pontuação no questionário, mais percepções negativas sobre a doença possui o indivíduo. O instrumento possui uma versão e adaptação realizada para o português por Figueiras, Machado e Alves (2007). Nesse estudo, por uma questão de fiabilidade da escala, optou-se por analisar apenas as dimensões com alfas de Cronbach superiores a 0,60, o que levou à exclusão das dimensões controle pessoal, controle do tratamento e duração aguda/crônica. Essa opção segue as orientações de Maroco e Garcia-Marques (2006), que sugerem uma fiabilidade apropriada acima de 0,70 a fiabilidade, sendo aceito nas ciências sociais e humanas índices de fiabilidade a partir de 0,60. Os alphas encontrados foram 0,74 (duração cíclica), 0,72 (coerência da doença), 0,75 (representação emocional) e 0,69 (consequências).

3) Beck Depression Inventory (BDI) (Beck et al., 1975): instrumento para a medida de intensidade da depressão.É uma escala de autorrelato de 21 itens, cada item com 4 alternativas, relacionadas a graus crescentes de gravidade da depressão (escore de 0-3). A versão em português é traduzida e validada por Cunha (2001a).

4) Beck Anxiety Inventory (BAI) (Beck et al., 1988): mede a intensidade de sintomas de ansiedade.É também uma escala de autorrelatocomposta por 21 itens, numa escala de 4 pontos, que reflete os níveis de gravidade crescente de cada sintoma. A versão em português foi traduzida e validada por Cunha (2001b).

Procedimento

O projeto foi aprovado pelo comitê de ética [nome da instituição omitido]. Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A aplicação dos instrumentos foi realizada em uma sala reservada, no hospital. A paciente era convidadaa participar da pesquisa enquanto esperava por sua consulta médica. As perguntas dos questionários foram lidas pela pesquisadora que coletou os dados, visto que a maioriadas participantes tinha baixa escolaridade e várias apresentavam dificuldades de leitura e/ou interpretação de texto.

Para a análise dos dados foi utilizado o programa estatístico SPSS 20 (StatisticalPackage for Social Sciences). Inicialmente foram realizadas análises descritivas para os resultados em geral, teste de Kolmogorov-Smirnoff para verificar a distribuição da amostra. Em seguida, realizou-se teste t para amostras independentes a fim de comparar os índices de percepção sobre a doença, indicadores de ansiedade e depressão nos dois grupos. Correlação de Pearson foi utilizada para verificar a associação entre percepção sobre a doença, indicadores de ansiedade e depressão e algumas variáveis biossociodemográficas e clínicas.

 

RESULTADOS

Através do teste Kolmogorov – Smirnov comprovou-se que a distribuição das respostas das participantes é normal. Assim, foram feitas análises de comparação de médias (teste t) das dimensões: duração cíclica, consequências, coerência e representação emocional (percepção sobre a doença) e dos indicadores de ansiedade e depressão entre mulheres com câncer de mama e câncer cervical, conforme mostra o Quadro 2.

Observa-se no quadro acima que as mulheres com câncer cervical apresentaram maior pontuação nadimensão representação emocional (t=-2,09; p<0,05) que as mulheres com câncer de mama de forma significativa, o que mostra que elas sentem-se mais aborrecidas e com raiva pela sua condição de doente.

Com relação à pontuação de ansiedade e depressão, segundo Cunha (2011a; 2011b), eles podem ser classificados em sintomas mínimos, leves, moderados e graves. O Quadro 3 mostra a frequência e porcentagem de pacientes em cada uma dessas classificações, segundo o grupo ao qual pertencem. Chama a atenção que todas as pacientes, dos dois grupos, apresentaram níveis de ansiedade moderada ou grave. Já com relação à depressão, a maioria das mulheres, dos dois grupos, apresentavam níveis mínimos ou leves.

Com relação à dimensão identidade da doença, o Quadro 4 mostra os principais sintomas atribuídos ao câncer. Observam-se os sintomas fadiga e perda de forças foram os mais citados pelas mulheres com câncer de mama (71,1%). As mulheres com câncer cervical citaram também a fadiga em primeiro lugar (63,2%), seguido da perda de peso (57,9%)1.

 

DISCUSSÃO

Este estudo objetivou comparara percepção sobre o câncer e os sintomas de ansiedade e depressãoem mulheres com câncer cervical e de mama. Em geral, as percepções da doença foram bastante semelhantes, indicando que o tipo de câncerpode não ter um papel fundamental nas percepções e crenças sobre essa doença. O câncer, em geral, ainda é uma doença que carrega um estigma de morte, gera um impacto emocional profundo e está associado a tratamentos invasivos e dolorosos (Carvalho, 2008). É possível, portanto, que as percepções sobre o nome generalista da doença – câncer – seja mais impactante do que as percepções sobre tipos de câncer específicos, no caso aqui o câncer cervical e de mama.

De um modo geral, a percepção formada por nossas experiências frente à doença pode ser influenciada por crenças sociais do senso comum (Leventhal, Breland, Mora, & Leventhal, 2010). O câncer é uma doença quecausa muito sofrimento, angústia, dor, como também mudanças na imagem corporal. A construção histórica do câncer é de doença incurável, que corresponde a morte (Silva et al, 2008). Portanto, apesar do câncer se referir a um conjunto de mais de cem doenças, as peculiaridades clínicas e do tratamento de cada uma dessas doenças podem não ser os fatores mais importantes na investigação das percepções e crenças sobre a doença. A palavra câncer pode se sobrepor às particularidades de cada tipo de câncer na percepção que as pessoas têm da doença.

A única dimensão que apresentou diferença nas médias entre os grupos foi representação emocional, que mostra o quanto a pessoa percebe a experiência de sentimentos como raiva, tristeza, medo e preocupação relacionados à sua doença (Cameron, 2003). As mulheres com câncer cervical apresentaram maiores pontuações nesta dimensãodo que as mulheres com câncer de mama, o que pode indicar que, para as mulheres com câncer cervical, a doença tem uma maior conotação de sofrimento psicológico. Para Mello e Barros (2009), a ameaça à possibilidade de ter filhos e de perda de um órgão característico da mulher, como é o caso do útero, podeestar relacionado à ideia de punição ou fracasso na vida da mulher. É possível que o câncer cervical traga em si a ideia dupla de morte– dela e da fertilidade - pelo significado que o útero tem para a mulher de geração da vida. Nessa perspectiva, o significado do útero se diferencia da mama, já que o útero é indispensável para a formação da vida, e a mama não. Contudo, cabe ressaltar aqui que as participantes desse estudo, apesar de ainda estarem em idade fértil, já estavam em fase final de época reprodutiva, o que pode ter amenizado essa diferença e minimizado outras possíveis.

No que se refere à ansiedade, sabe-se que ela está presente nos pacientes com câncer, sendo uma reação esperada devido à forte relação da doença com a morte e sofrimento, como também pelos vários procedimentos invasivos que o paciente passa durante o tratamento (Carvalho, 2008). Algumas mulheres que já passaram por internações e mutilações cirúrgicas podem apresentar estresse pós traumático, o que pode afetar/ alterar a percepção que esta tem do câncer e de si mesma.Porém, todas as mulheres da amostra apresentaram níveis de ansiedade grave ou moderada, o que é um dado que merece atenção. Um estudo que utilizou o BAI com mulheres com câncer (Cheung et al., 2012) encontraram níveis mais baixosde ansiedade, diferentes dos dados do presente estudo. De um total de 319 pacientes, 49,9% apresentaram ansiedade mínima, 27% leve, 20,4% moderada e 1,9% grave. Portanto, mesmo que seja esperado níveis elevados de ansiedade em pacientes com câncer de mama (Santos & Vieira, 2011), que podem estar relacionados às mudanças na imagem corporal e redução da funcionalidade do membro superior, e em pacientes com câncer cervical (Macieira & Maluf, 2008) relacionados às mudanças na sexualidade e interferência na vida conjugal, os resultados desse estudo são alarmantes. As participantes deste estudo apresentaram indicadores de grande sofrimento, o que mostra que o tratamento para o câncer necessita de intervenções interdisciplinares. Dado ao elevado nível de ansiedade encontrado, o desenvolvimento de intervenções que auxiliem essas pacientes a lidar com isso é uma necessidade básica para ajudá-las a passar por esse período.

Em relação à depressão, em ambos os grupos a maioria das mulheres apresentou depressão mínima ou leve. Graner, Cezar e Teng (2008), destacam que os estudos com mulheres com câncer de mama apresentam índices de depressão variáveis, de elevados a mínimos, e o que levaria a níveis maiores de depressão seria ter passado por algum procedimento cirúrgico. Outros estudos com amostras brasileiras maiores e que possam controlar o período e o tipo de tratamento a que as mulheres são submetidas poderão auxiliar na compreensão desse fenômeno.

Em resumo, não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos na percepção da doença, depressão e ansiedade. Somente a dimensão representação emocional apresentou diferenças, apontando que as mulheres com câncer cervical vivenciavam um maior sofrimento emocional frente à doença que as mulheres com câncer de mama. Outro dado a ser destacado é o elevado nível de ansiedadedas participantes, evidenciando que a experiência do câncer é aterradora e merecedora de mais atenção pelos psicólogos. É provável que em decorrência da subjetividade de cada paciente, sua história de vida e como lida com a sua feminilidade possa ter um significado único de como vivenciou esta experiência do adoecimento. Outro fator também que pode ter associação e influenciar a vivência com o tratamento oncológico é a qualidade do apoio de seus familiares e cônjuges e como esta mulher vivenciou este apoio.

Este estudo apresenta algumas limitações que impedem a generalização dos resultados, como número pequeno da amostra. Outro fator que pode gerar algum viés nos dados foi a baixa escolaridade das mulheres, o que dificultou a aplicação dos instrumentos e a impossibilidade de que eles fossem autoaplicáveis.No entanto, este estudo conseguiu mostrar que o tipo de câncer na mulher não é um fator fundamental para entender as percepções que elas têm sobre sua doença. Além disso, abre espaço para novos estudos brasileiros sobre a temática, que ainda é pouco explorada nesse contexto.

 

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Endereço para Correspondência

Telef.: (51) 35911122 ramal1259. E-mail: elisakc@unisinos.br

 

Recebido em 06 de Novembro de 2014

Aceite em 01 de Setembro de 2015

 

NOTAS

1 As participantes atribuíram mais de um sintoma ao câncer, por isso a soma excede 100%

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