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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.15 no.3 Lisboa Dec. 2014

https://doi.org/10.15309/14psd150318 

Inclusão de usuários de hospital-dia em saúde mental: uma revisão

Inclusion of patients of a mental health day hospital: a review

 

César Augusto Trinta Weber & Mário Francisco Juruena

Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo/Brasil

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

Revisar os estudos sobre hospital-dia em saúde mental no Brasil para conhecer as estratégias terapêuticas de inclusão social de seus usuários, as medidas de apoio e o grau de satisfação da família com o serviço de saúde mental. Revisão realizada em bases de dados eletrônicas (Lilacs e SciELO), em artigos nacionais publicados entre janeiro de 2001 e dezembro de 2012. Foram selecionadas 21 publicações em que o assunto principal indicado em cada artigo foi: ajuste social, apoio social, centro de reabilitação, centros comunitários de saúde mental, desinstitucionalização, família, hospital-dia, inclusão social, pessoas mentalmente doentes, psiquiatria, reforma de serviços de saúde, saúde mental, serviços comunitários de saúde mental, serviços de saúde mental, transtorno mental. Os estudos brasileiros sobre o funcionamento dos hospitais-dia em saúde mental mostraram-se insuficientes levando-se em conta à importância da internação parcial em hospital-dia para o projeto de desospitalização em curso e o alcance do objetivo de reinserção social de seus usuários. As pesquisas correlacionando as abordagens terapêuticas para pacientes de hospital-dia e as estratégias de manejo com a família e/ou comunidade, ou as investigações que se ocuparam em estudar a inclusão social de usuários do hospital-dia - a partir da perspectiva da família e/ou do responsável -, apresentam-se ainda mais reduzidas no cenário científico nacional.

Palavras-chave - apoio social; família; hospital-dia; psiquiatria comunitária.

 

ABSTRACT

To review studies on day-hospital mental health in Brazil to meet therapeutic strategies for social inclusion of its members, support measures and the degree of family satisfaction with mental health service. A review carried out in electronic databases (Lilacs and SciELO) in national articles published between January 2001 and December 2012. Were selected 21 publications as the main subject was mentioned in each article: social adjustment, social support, rehabilitation center, community mental health centers, deinstitutionalization, family, day hospital, social inclusion, mentally ill people, psychiatry, reform health services, mental health, community mental health services, mental health services, mental disorder. The Brazilian studies on the functioning of day hospitals in mental health, based on articles published in this century, appear insufficient taking into account the importance of partial hospitalization in day hospitals for the design of deinstitutionalization in Course objective and scope of social reintegration of its members. The research correlating therapeutic approaches for patients and day hospital management strategies with family and / or community, or investigation that occupied in studying the social inclusion of users of day hospital - from the perspective of the family and / or guardian - are even lower in the national scientific scenario.

Key- words - social support; family; day hospital; community psychiatry.

 

A Política Nacional de Saúde Mental – PNSM instituída no Brasil após a Lei nº 10.216/01 (Brasil, 2001) apoia-se nas noções de desospitalização e desinstitucionalização propagadas pela Reforma da Assistência Psiquiátrica com o propósito, entre outros, de inclusão social do doente mental. Para dar forma a esse modelo de atenção à saúde mental o Ministério da Saúde (MS) adotou medidas que privilegiam a formação de uma rede de atenção psicossocial notadamente de serviços ambulatoriais e ações de base comunitária em detrimento da internação em hospitais psiquiátricos (Brasil, 1992, 1994, 2001, 2003). Dos equipamentos de saúde integrantes da rede de atenção psicossocial destaca-se o Hospital-Dia em Saúde Mental – HDSM, previsto na Portaria SAS/MS nº 224 (Brasil, 1992), por se tratar do objeto de interesse deste artigo.

É importante ressaltar que apesar do HDSM existir no Brasil desde a década de 60 (Blaya, 1962; Campos, 1986) foi somente em 1992 - com a edição de ato administrativo do MS que disciplinou as diretrizes para o seu credenciamento, as normas do seu funcionamento e a forma de remuneração dos serviços prestados -, é que essa modalidade terapêutica passou a fazer parte, oficialmente, entre as possibilidades de atendimento em saúde mental (Brasil, 1992). O HDSM representa um recurso intermediário entre a internação e o ambulatório, desenvolvendo programas de atenção de cuidados intensivos por equipe multiprofissional, visando substituir a internação integral. Entre outras atividades este serviço deve oferecer, de acordo com a necessidade de cada paciente, as seguintes atividades: o atendimento grupal (grupo operativo, psicoterapia em grupo, atividades sócio-terápicas) e a abordagem à família incluindo orientação sobre o diagnóstico, o programa de tratamento, a alta hospitalar e continuidade do tratamento (Brasil, 1994).

Na atenção ao doente mental é fundamental o apoio da família e da comunidade. De um lado, as terapias de suporte à família para a compreensão do fenômeno do adoecimento, desmistificando a doença e as suas formas de tratamento e, de outro, os mecanismos de estímulo as redes de apoio social, como formas de amparo na perspectiva de um novo olhar sobre o cuidado em saúde mental.

Este artigo tem o objetivo de revisar os estudos sobre hospital-dia em saúde mental no Brasil, publicados entre janeiro de 2001 e dezembro 2012, para conhecer as estratégias terapêuticas de inclusão social de seus usuários, as medidas de apoio e o grau de satisfação da família com o serviço de saúde mental.

 

MÉTODO

Revisão pela busca de artigos nacionais indexados nas bases de dados eletrônicas Lilacs e SciELO, publicados entre janeiro de 2001 e dezembro de 2012. As palavras ou termos utilizados foram: avaliação de serviços de saúde mental, hospital-dia em saúde mental, inclusão social de doentes mentais, psiquiatria comunitária, psiquiatria hospitalar e serviços comunitários em saúde mental, sendo localizadas 284 publicações.

Em uma segunda filtragem foram selecionadas 21 publicações pelo critério assunto principal, indicado em cada um dos artigos: ajuste social, apoio social, centro de reabilitação, centros comunitários de saúde mental, desinstitucionalização, família, hospital-dia, inclusão social, pessoas mentalmente doentes, psiquiatria, reforma de serviços de saúde, saúde mental, serviços comunitários de saúde mental, serviços de saúde mental, transtorno mental.

A metodologia de busca e seleção dos artigos para esta revisão está demonstrada no fluxograma constante na Figura 1.

 

RESULTADOS

Silva, Melo e Espiridião (2012) reconhecem que a necessidade de um processo de avaliação tornou-se fundamental na perspectiva de superar modelos tradicionais de atenção à saúde mental na tentativa de garantir a qualidade da assistência, além de alcançar as metas do movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira. As autoras defendem que a institucionalização da avaliação é emergente e que faltam investimentos em processos avaliativos dos serviços de assistência em saúde mental pelos pesquisadores brasileiros.

Lima e Botega (2001) realizaram o primeiro estudo brasileiro - de acordo com o que apuraram os próprios autores -, a avaliar prospectivamente e com instrumentos padronizados pacientes internados em Hospital-dia (HD), fato que contribuiu para a discussão da necessidade de se conhecer melhor quais são os usuários e quais os fatores que interferem na adesão ao tratamento, com vistas a levar à prática as mudanças na atenção psiquiátrica. Foi desenvolvida uma pesquisa da população internada no HD da Faculdade de Botucatu da Universidade Estadual de São Paulo e quais dos fatores que poderiam influenciar na melhora e na duração da internação. Concluíram que os portadores de transtornos afetivos e quadros "não-psicóticos" geralmente não necessitam de internação por período integral em hospital psiquiátrico.

Bandeira, Mercier, Perreault, Libério e Pitta (2002) descreveram a Escala Brasileira de Satisfação dos Familiares com os Serviços de Saúde Mental, Satis-BR, reformulada a partir da escala original elaborada pela Organização Mundial de Saúde. O questionário adaptado contexto brasileiro foi aplicado a 108 familiares de pacientes de cinco centros de atenção psicossocial do município do Rio de Janeiro para medir o grau de satisfação dos familiares, além de questões qualitativas e descritivas complementares e questões sociodemográficas. Concluíram os autores que a adaptação feita neste questionário permitirá maior facilidade de aplicação e de análise dos resultados referentes à satisfação dos familiares com os serviços de saúde mental no contexto brasileiro.

Silva (2002)relatou o processo de criação, funcionamento e fechamento de um HD da rede pública estadual, situado na cidade de São Paulo, que há dez anos vinha oferecendo atendimento de qualidade a psicóticos, neuróticos graves e seus familiares, segundo todos os critérios exigidos pela reformulação da assistência psiquiátrica no país: desospitalização, integração do usuário à comunidade e ressocialização, por meio de intervenção em equipe multiprofissional centrada em uma visão multidisciplinar da doença mental. A autora registrou a indignação e a perplexidade diante do desmantelamento de um equipamento que vinha funcionando bem, sem deixar de mostrar os efeitos paradoxais das políticas públicas de saúde mental no Brasil.

Ribeiro e Oliveira (2005) apresentaram algumas práticas de terapia ocupacional baseadas em paradigmas que enfatizam a importância do tratamento e da inclusão do doente mental na sociedade, destacando-se uma experiência que vem sendo realizada em Botucatu-SP (Brasil), por uma organização não governamental. Concluíram que a profissão, por congregar conhecimento interdisciplinar, e se ocupar das necessidades e dificuldades dos pacientes no cotidiano, apresenta um instrumental condizente com a assistência comunitária.

Bandeira, Calzavara, Freitas e Barroso (2007) avaliaram a confiabilidade da versão brasileira da escala Family Burden Interview Schedule, tendo em vista o fato de que a desinstitucionalização psiquiátrica resultou em maior envolvimento das famílias nos cuidados diários dos pacientes. Foram entrevistados 243 familiares cuidadores de pacientes psiquiátricos de serviços públicos de saúde mental. Uma subamostra de 42 familiares foi entrevistada novamente, após três semanas, para avaliação da estabilidade temporal teste-reteste. Concluíram que a versão brasileira da escala apresentou boas propriedades psicométricas de estabilidade temporal e consistência interna.

Oliveira, Caiaffa, e Cherchiglia (2008)analisaram os fatores associados à continuidade do cuidado em saúde mental de pacientes encaminhados a centros de saúde. Foi conduzido um estudo de seguimento de 98 pacientes encaminhados a oito centros de saúde com equipe de saúde mental da área de abrangência de um centro de referência à saúde mental, em Belo Horizonte, MG, atendidos entre 2003 e 2004. Os resultados mostraram que após o encaminhamento, 35 pacientes não compareceram para o primeiro atendimento nos centros de saúde. Dos que o fizeram, 38 continuaram em tratamento. Retornar ao centro de referência para nova consulta após o encaminhamento e ter tido mais de dois encaminhamentos foram fatores facilitadores da continuidade do cuidado. As autoras concluíram que os achados sugerem haver uma falha na proposta da linha de cuidado. A continuidade do tratamento parece estar mais relacionada a fatores referentes ao serviço do que a características do paciente.

Delevati e Palazzo (2008)desenvolveram um estudo - a partir da ideia de ser o trabalho reconhecidamente um importante veículo de inclusão social e exercício de cidadania, apesar das poucas oportunidades oferecidas àqueles portadores de transtornos mentais -, com o propósito de conhecer as atitudes de empresários, em relação aos portadores de transtornos mentais, filiados ao Centro Empresarial, em uma cidade do Rio Grande do Sul, Brasil (n = 536). Utilizaram o método do delineamento transversal censitário para analisarem as variáveis sociodemográficas e as atitudes diante dos portadores de transtornos mentais. Os resultados mostraram que 89,7% dos empresários denotam atitudes que caracterizam idéias protecionistas; 75,5% acreditam na irrecuperabilidade e na periculosidade dessas pessoas e 73,2% manifestaram- se favoráveis à restrição social dos que sofrem de transtorno mental grave. Concluíram que para a efetiva reabilitação psicossocial do portador de transtorno mental, há necessidade de campanhas educativas com o intuito de sensibilizar os empresários para a inclusão laboral dessa população.

Estellita-Lins, Oliveira e Coutinho (2009) investigaram o acompanhamento terapêutico (AT), entendido como intervenção em saúde mental baseada em cuidados domiciliares. Concluíram que o AT realiza exigências do manejo transferencial sob a forma do cuidar exercido no cotidiano do sujeito, no qual desejo e subjetividade são necessariamente reconhecidos, sem que se configure como tecnologia psicoterápica, situando-se mais propriamente como sentinela clínica no campo da psiquiatria comunitária e saúde coletiva.

Maciel, Barros, Silva e Camino (2009) analisaram os significados atribuídos por 60 familiares de doentes mentais - em um hospital psiquiátrico e em uma unidade do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), em João Pessoa, na Paraíba -, à inclusão social no atual contexto da reforma psiquiátrica. Os resultados revelaram que a família do doente mental considera possuir atribuições como preconceito, sobrecarga, tristeza e sofrimento, o que constitui um sério empecilho para a inclusão sociofamiliar do doente mental, dificultando assim a aceitação da reforma psiquiátrica e de seus pressupostos. Concluíram que a reforma psiquiátrica ainda está iniciando sua caminhada, e esta não acontece de forma consensual. As famílias se sentem sobrecarregadas, o que faz com que recorram à medicação (para controle dos sintomas) e à hospitalização (para alívio da sobrecarga), apresentando dificuldades na aceitação da reforma psiquiátrica e da inclusão sociofamiliar. Entendem fazer-se necessário um maior aprofundamento do trabalho com os familiares e com a sociedade, para que ocorra uma real aceitação do doente mental, ou seja, para que não aconteça uma inclusão camaleônica: uma inclusão que esconde uma exclusão.

Miranda, Santos, Azevedo, Fernandes e Costa (2010) resgataram os aspectos do funcionamento terapêutico do HD Dr. Élger Nunes, em Natal, Rio Grande do Norte, durante sua vigência, e analisaram os resultados referentes ao número de usuários atendidos no período de 1996 a 2004. Foi desenvolvido um estudo empírico, descritivo, exploratório, ex posto facto de abordagem quantitativa, realizado a partir dos registros e prontuários de 910 usuários atendidos no HD. Os resultados constataram uma maior acessibilidade à modalidade de tratamento, diminuição no tempo de permanência e melhoria das condições de alta dos usuários com redução no número de interrupções no tratamento. Salientaram a importância do HD no processo de reforma psiquiátrica, com atendimento pautado na utilização de práticas terapêuticas humanizadas e sem perda do vínculo com a família e a sociedade.

Benevides, Pinto, Cavalcante e Jorge (2010) desenvolveram pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa com o objetivo de compreender as práticas e os saberes envolvidos nas abordagens terapêuticas grupais e suas articulações com a produção do cuidado em saúde mental em um HD da cidade de Fortaleza-CE. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 14 profissionais do HD, além da observação sistemática das práticas. Concluíram que as práticas terapêuticas grupais desenvolvidas no HD são importantes para a reabilitação psicossocial dos sujeitos e a equipe do HD utiliza dispositivos para a produção do cuidado, tais como: vínculo, acolhimento, corresponsabilização e autonomia. Ao cuidar do sujeito, a equipe procura entender sua complexidade e subjetividade. A produção do cuidado no HD inclui a participação da família do paciente e perpassa todo o projeto terapêutico.

Fonte e Melo (2010) analisaram as repercussões da presença de um portador de transtorno mental no contexto e vivência familiar tendo em vista que com processo de desinstitucionalização psiquiátrica, cuja ênfase é a provisão de serviços comunitários de saúde mental e períodos mais curtos de hospitalização, onde as famílias se tornam as principais provedoras de cuidados e apoio aos pacientes. Concluíram que não pode ser negada a importância da família no processo de desinstitucionalização na reforma psiquiátrica, em que pese estar sobrecarregada pelo cuidado ao portador de transtorno mental. É insuficiente o apoio que a família recebe por parte dos serviços de saúde levando os autores a questionar a forma como vem se dando o processo da reforma psiquiátrica no Brasil.

Pereira e Oliveira (2011)identificaram e analisaram a relação entre a população quanto à quantidade e modalidade de dispositivos de saúde mental existentes. Foi realizada uma pesquisa descritivo-exploratória realizada nos 27 municípios da Regional da Saúde XVII do Estado de São Paulo. Dos municípios participantes, sete possuíam algum dispositivo de saúde mental, totalizando 12 em cinco diferentes modalidades: dois CAPS tipo I; dois do tipo II; um HD; 12 leitos em HG; quatro ambulatórios e sete leitos em unidades de emergência. Concluíram que há um número de pessoas residentes nos municípios participantes sem cobertura assistencial.

Lussi e Perreira (2011) entendendo que o processo da reforma psiquiátrica requer a implementação de políticas públicas que garantam a inserção laboral de portadores de transtorno mental - e que para tal, é necessário que o trabalho seja compreendido como promotor de autonomia, de emancipação e de cidadania -, propuseram uma reflexão acerca de concepções teóricas relacionadas à inserção social pelo trabalho, a fim de explorar o campo da inclusão de portadores de transtorno mental no mundo do trabalho. Sugeriam as autoras que a discussão desses conceitos possa contribuir para embasar a implantação de projetos de inclusão social pelo trabalho.

Filizola, Teixeira, Milioni e Pavarini (2011) desenvolveram uma pesquisa qualitativa para identificar a composição e relações das famílias; conhecer as percepções dos familiares sobre a inclusão pelo trabalho dos usuários e a possibilidade de protagonismo da família nesse processo. Os resultados mostram que a maioria das famílias é nuclear, chefiada por mulheres. A maior parte dos usuários não apresenta relação familiar conflituosa e os que relatam apresentar, referem-se aos pais. Reconhecem a importância do trabalho como espaço de criação de sentidos e novas relações e apontaram várias formas para o co-envolvimento.

Ferreira e Pereira (2012) realizaram uma pesquisa qualitativa para compreenderem como os pacientes residentes no município de Botucatu/SP e egressos do Hospital-Dia de Saúde Mental (HDSM) da Universidade Estadual Paulista percebiam as contribuições do tratamento para mudanças em suas vidas e a continuidade pós-alta. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e busca documental, com nove pacientes, que concluíram tratamento no serviço, em 2008, segundo referencial da Reabilitação Psicossocial. Concluíram pela importância dos serviços de Saúde Mental ir além do instituído, se apropriar da responsabilidade do cuidado ampliado, aliada ao comprometimento dos profissionais. Esses fatores emergem como determinantes da evolução das consequências do adoecimento psíquico e ocupam papel relevante no processo de mudança de vida. Evidenciaram que os sujeitos dão continuidade ao tratamento em Saúde Mental após a alta do HD e valorizam a pluralidade terapêutica oferecida, em que pese ter sido observado uma restrita comunicação entre serviços que assistem nessa área e a centralização dos atendimentos em um serviço especializado em Saúde Mental, sugerindo a fragilidade de uma rede de atenção em Saúde Mental no município.

 

DISCUSSÃO

Como se pode constatar, os resultados dos estudos revisados deixam claro a exigência para que novas investigações sejam estimuladas não só para atender a contínua produção de conhecimento sistemático sobre o funcionamento das ações e serviços de saúde mental no contexto das atuais diretrizes da PNSM, mas, principalmente, para promover o debate sobre os planos e as estratégias terapêuticos para a inclusão social de doentes mentais usuários de HD. As publicações acadêmicas no país sobre as práticas ditadas pela reforma da assistência psiquiátrica para a reinserção social dos usuários dos serviços substitutivos em saúde mental, entre esses o HDSM, além de não apresentarem consenso sobre muitos dos aspectos investigados, ainda se mostram quantitativamente insuficientes para a acumulação e expertise necessários as conclusões de caráter mais abrangente sobre os efeitos desse modelo de atenção à saúde.

Como afirmam Lima e Botega (2001)outros estudos que descrevam e ajudem a refletir sobre a prática dos HD, núcleos de atenção psicossocial (NAPS) e CAPS, bem como sobre a trajetória dos pacientes que frequentam esses serviços - públicos e privados -, são necessários. Para esses autores, no Brasil coloca-se como um desafio para os pesquisadores - já que a comparação entre serviços hospitalares e extra-hospitalares deve equacionar inúmeras variáveis, entre elas a qualidade do serviço prestado -, o desenvolvimento de estudos, como o proposto neste projeto, que investiguem tais serviços de saúde que nem sempre se mostram próximo ao desejado, especialmente no alcance da inclusão social desses doentes mentais, entre outros objetivos. De qualquer modo, essas investigações poderiam auxiliar o MS a estabelecer critérios mais objetivos para o funcionamento, o credenciamento e a fiscalização dos HD.

Gentil (2001), Jorge e França (2001) defendem que a necessidade de avaliações técnicas e criteriosas para as políticas públicas em saúde mental no país, não apenas no que concerne à economia de recursos, mas também à qualidade da assistência prestada, é um tema atual e absolutamente relevante para a psiquiatria brasileira.

Nessa perspectiva, estudos que acompanhem os rumos das políticas públicas instituídas para saúde mental que visam a desospitalização, desinstitucionalização, recuperação da autonomia e inclusão social do doente mental, especialmente em um momento de crescimento expressivo no número de serviços de internação parcial no Brasil, como nos últimos anos, são necessários a fim de esclarecer para quem e para quê são destinados esses serviços, segundo os pesquisadores Lima e Botega (2001).

Assim, conhecer como vem se dando a inclusão social de doentes mentais – na percepção da família envolvida no processo de adoecimento e/ou da comunidade, pelas redes de apoio social que podem ser estabelecidas e que se constituem, reconhecidamente, em sistemas de amparo à reabilitação psicossocial desses doentes -, a partir dos planos e estratégias terapêuticos adotados pelo HDSM, mostra-se necessário e relevante por permitir o acompanhamento e a avaliação da qualidade desse equipamento de saúde e a confrontação das suas práticas de assistência e cuidado com o desfecho clínico e social desejados.

O HD é um dos equipamentos terapêuticos que atende ao modelo de assistência à saúde mental preconizado pela Reforma da Assistência Psiquiátrica. Da mesma forma que as demais modalidades terapêuticas desse novo modelo assistencial, todas na direção da desospitalização, reiteram-se a reinserção familiar e comunitária, através da inclusão social dos portadores de doentes mentais.

Os estudos brasileiros sobre o funcionamento dos HDSM, com base nos artigos publicados neste século, mostram-se insuficientes levando-se em conta à importância da internação parcial em HD para o projeto de desospitalização em curso e o alcance do objetivo de reinserção social de seus usuários. As pesquisas correlacionando as abordagens terapêuticas instituídas para pacientes de HD e as estratégias de manejo com a família e/ou comunidade, ou as investigações que se ocuparam em estudar a inclusão social de usuários do HD - a partir da perspectiva da família e/ou do responsável -, são ainda mais reduzidas no cenário científico nacional, sobretudo, se comparados a outros estudos que sob outros aspectos enfocaram a avaliação de serviços de saúde mental, a psiquiatria comunitária, a psiquiatria hospitalar, os serviços comunitários em saúde mental, e inclusive aqueles artigos em que o próprio HDSM e a inclusão social de doentes mentais que utilizam tal serviço figuram como assuntos principais. Entretanto, mesmo em face de tal realidade é inegável a contribuição dos estudos desenvolvidos até aqui tanto pela acumulação de conhecimento, quanto no estímulo permanente ao debate sobre a PNSM em seus mais diversos enfoques.

É importante chamar a atenção ao fato de que as novas e necessárias investigações sob o enfoque da inclusão social de doentes mentais usuários de hospital-dia na visão das famílias envolvidas, contribuirão para a produção de conhecimento específico sobre o tema proposto, ao mesmo tempo em se constituirão em substrato técnico para a revisão e aperfeiçoamento da própria PNSM.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 06 de Março de 2014/ Aceite em 25 de Setembro de 2014