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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.15 no.3 Lisboa dez. 2014

https://doi.org/10.15309/14psd150317 

Ajustamento mental ao cancro da mama: papel da depressão e suporte social

Mental adjustment to breast cancer: the role of depression and social support

 

Catarina Tojal1,2 & Raquel Costa2

1 Departamento de Educação e Psicologia. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal;

2 Universidade Europeia-Laureate International Universities, Lisboa, Portugal

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

O objectivo deste estudo foi avaliar o ajustamento mental ao cancro da mama em mulheres portuguesas, tendo em consideração as suas características psicossociais. Foi conduzido um estudo com 150 mulheres diagnosticadas com cancro da mama, com idades compreendidas entre os 20 e os 79 anos. A recolha de dados foi efectuada com recurso a: (1) Questionário sócio-demográfico e clínico; (2) Escala Reduzida de Ajustamento ao Cancro; (3) Questionário Medical Outcomes Study Social Support Survey e (4) Inventário Depressivo de Beck. Os resultados mostram que a idade, escolaridade e estado civil, bem como o suporte social estão associados ao ajustamento mental ao diagnóstico. A sintomatologia depressiva foi o melhor preditor do ajustamento mental. Atender a aspectos psicossociais associados a pior ajustamento ao diagnóstico de cancro da mama permitirá adoptar intervenções diferenciadas de forma a contribuir para a melhoria da qualidade de vida das doentes com cancro da mama.

Palavras-chave - cancro da mama; ajustamento mental; suporte social, variáveis sócio-demográficas; preditores.

 

ABSTRACT

The aim of this study was to examine the mental adjustment to breast cancer considering their psychosocial characteristics. A cross-sectional study was conducted with 150 breast-cancer-diagnosed women aged between 20 and 79 years. Data was collected using: (1) a clinical and socio-demographic questionnaire; (2) the Mental Adjustment to Cancer Scale; (3) the Medical Outcomes Study Social Support Survey and (4) the Beck Depression Inventory. The results show that age, education level and marital status, as well as social support are associated to the mental adjustment to breast cancer. Depressive symptoms are the best predictors of mental adjustment to breast cancer.Taking in account the psychosocial aspects related to mental adjustment to breast cancer will allow the development of specific interventions, in order to enhance the quality of life of patients with breast cancer.

Key- words - breast cancer; mental adjustment; social support; socio-demographic variables; predictors.

 

O cancro da mama destaca-se pela sua incidência, taxa de mortalidade e pelo impacto que causa nas várias esferas da vida quotidiana (Trancas, Cardoso, Luengo, Vieira, & Reis, 2010). Encontram-se os mais elevados níveis de incidência desta doença na América do Norte, e os mais baixos níveis de incidência na Ásia e em África. Portugal é um dos países do Sul da Europa cuja taxa de incidência é menor, mas ainda assim significativa (Tyczynski, Bray, & Parkin, 2002). O diagnóstico de cancro é, frequentemente, acompanhado de intenso sofrimento psicológico (Nordin, Berglund, Glimelius, & Sjödén, 2001), o que alerta para a necessidade de identificação de fatores de risco no ajustamento mental ao cancro. A evidência de que os factores sócio-demográficos influenciam o ajustamento mental ao cancro da mama é limitada. Contudo, alguns estudos referem existir uma relação da idade com a capacidade de ajustamento mental ao cancro da mama. Dunn e Steginga (2000) numa amostra de 80 mulheres com cancro da mama concluíram que a maior dificuldade de ajustamento mental ao cancro pelas mulheres mais jovens estará relacionado com o medo sentido pelas mulheres associado às preocupações de não viverem o suficiente para acompanharem o crescimento dos seus filhos. Também Ganz et al. (2002) constataram que a dificuldade de ajustamento mental ao cancro da mama nas mulheres jovens, em comparação com as mulheres mais velhas, poderá dever-se ao impacto que a doença exerce nos planos de vida futura. Outros estudos demonstram que existem diferenças significativas entre a escolaridade e o ajustamento mental ao cancro da mama. Num estudo realizado em 74 mulheres com diagnóstico de cancro da mama, Fernandes (2009) concluiu que mulheres com menor escolaridade utilizam mais a estratégia de desânimo-fraqueza e mulheres com escolaridade superior recorrem mais à estratégia de espírito de luta. Já no que respeita ao estado civil, os estudos não encontram diferenças significativas ao nível do ajustamento mental à doença (e.g. Varela & Leal, 2007).

Vários estudos têm examinado o papel do suporte social no ajustamento mental das mulheres ao cancro da mama. Um estudo (Dunkel-Schetter, 1984) realizado com 79 pacientes com cancro colorectal e da mama mostrou que a comunicação verbal e não verbal acerca do diagnóstico de cancro – entendida como uma forma de suporte social - é útil na maioria das vezes e que o suporte material relacionado com os bens materiais é identificado como útil com menor frequência. Muito recentemente, Lee et al. (2010) com o objectivo de avaliar a percepção de suporte social em mulheres com cancro da mama verificaram que entre o período de comunicação de diagnóstico até um ano após o diagnóstico, as mulheres relataram diminuição da percepção de suporte emocional, afetivo, material e de interacção social positiva. Contudo, após este período, as mulheres referiram melhor suporte emocional, afetivo e material.

O ajustamento mental à doença oncológica implica a utilização de estratégias de coping que permitem à mulher lidar com o desgaste emocional e a percepção de falta de controlo sobre a doença (Varela & Leal, 2007). A eficácia das estratégias de coping deve-se por um lado ao controlo do desconforto emocional e, por outro lado, à capacidade do gestãodo problema que o origina (Lazarus & Folkman, 1984). Vários estudos têm-se debruçado em determinar a relação entre as estratégias de coping e o ajustamento mental e perceber como é que estas estratégias variam em função das variáveis sócio-demográficas. Varela e Leal (2007), num estudo com 84 mulheres diagnosticadas com cancro da mama, (em que 38 se encontravam a realizar tratamentos para o cancro da mama e 46 já os haviam terminado), verificaram que as estratégias de coping mais utilizadas são o Espírito de Luta e o Fatalismo e a menos utilizada é o Desânimo/Fraqueza. Notaram, ainda, que apenas a escolaridade predizia a utilização da estratégia preocupação ansiosa, sendo que quanto maior o nível de escolaridade da mulher menor a utilização desta estratégia. Fernandes (2009) verificou que a depressão era um preditor significativo da preocupação ansiosa, sendo que maior depressão estaria associada a maior utilização desta estratégia de coping pelas mulheres durante o período de diagnóstico e tratamento do cancro da mama.

No sentido de conhecer a realidade portuguesa pretendemos analisar o ajustamento mental ao cancro da mama em mulheres Portuguesas. Especificamente pretendemos: 1) Aferir se existem diferenças significativas em mulheres de diferentes idades, nível de escolaridade e estado civil ao nível do ajustamento mental ao cancro da mama; 2) Aferir se existe uma associação entre o suporte social e o ajustamento mental ao cancro da mama e 3) Identificar fatores preditores de ajustamento mental ao cancro da mama.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo de carácter quantitativo, transversal, descritivo e correlacional.

Participantes

Foi selecionada uma amostra de 150 mulheres diagnosticadas com cancro da mama, utentes da Clínica da Mama do Instituto Português de Oncologia (IPO) (Porto, Portugal). A participação no estudo envolveu os seguintes critérios de inclusão: 1) ter diagnóstico de cancro da mama primário, 2) saber ler e escrever, 3) ter idade superior a 20 anos. Mais de sessenta das participantes são casadas ou vivem em união de facto (66,0%). Mais de um terço das mulheres tinham idades compreendidas entre os 40 e os 50 anos e a maioria das participantes tinham escolaridade igual ou inferior ao ensino secundário. Oitenta e nove por cento das mulheres vivem em família (89,3%) e cerca de setenta e sete por cento tem filhos (76,7%). Das mulheres que têm filhos, mais de um terço não tem filhos menores.

Cerca de setenta e cinco por cento das participantes foram submetidas a cirurgia (74,7%), sendo que apenas cerca de cinco por cento das participantes não foram submetidas a qualquer tipo de tratamento médico (4,7%) (quadro 1).

 

 

Material

Questionário sócio-demográfico e clínico- A informação acerca das participantes (e.g. idade, escolaridade, estado civil, agregado familiar, ter ou não filhos, idade dos filhos e tratamentos médicos) foram recolhidos através da entrevista e depois codificados num Questionário sócio-demográfico e clínico elaborado para efeitos de investigação.

Escala Reduzida de Ajustamento Mental ao Cancro (MINI-MAC; Watson et al.,1988; versão portuguesa de Pais-Ribeiro, Ramos, & Samico, 2003). Trata-se de uma escala constituída por vinte e nove itens que se distribuem por cinco dimensões (desânimo-fraqueza, preocupação ansiosa, espírito de luta, evitamento cognitivo e fatalismo) para medir a reacção dos doentes ao cancro. Vários estudos têm usado este instrumento em populações com cancro (Cícero, Coco, Gulo, & Verso, 2009). A versão portuguesa tem mostrado bons índices de consistência interna para quatro das dimensões (Desânimo-Fraqueza, alfa de Cronbach =0,79; Preocupação Ansiosa, alfa de Cronbach =0,88; Espírito de Luta, alfa de Cronbach =0,72; Evitamento Cognitivo, alfa de Cronbach =0,84). Os autores referiram que esta escala não fornece um score total.

Medical Outcomes Study Social Support Survey (MOS-SSS; Sherbourne & Stewart, 1991; versão portuguesa de Fachado, Martinez, Villalva, & Pereira, 2007)- Trata-se de um questionário de auto-relato que consta de vinte itens que medem o apoio social estrutural e funcional. Permite identificar quatro dimensões: interação social positiva, apoio emocional, apoio afetivo e apoio material. Os autores da versão portuguesa encontraram bons índices de consistência interna para todas as dimensões (0,87 para a interação social positiva; 0,87 para o apoio afetivo; 0,92 para o apoio emocional e 0,88 para o apoio material).

Inventário Depressivo de Beck (BDI; Beck, Ward, Mendelson, Mock, & Erbaugh, 1961; versão portuguesa Vaz-Serra & Pio Abreu, 1973).É um questionário de auto-resposta constituído por vinte e uma questões que correspondem a vinte e um grupos de sintomas correspondentes aos comportamentos usuais das pessoas com sintomatologia depressiva e que permite medir a intensidade de sintomatologia depressiva. Cada questão está elaborada por ordem crescente de gravidade, o que permite identificar os sintomas em categorias (inexistente = 0; leve = 1; moderado = 2; grave = 3). Um resultado total igual ou superior a treze é indicador de depressão provável e igual ou superior a vinte é indicador de depressão (Vaz Serra & Pio Abreu, 1973).

Procedimento

Este estudo foi realizado de acordo com os princípios éticos vigentes e recebeu aprovação prévia da Comissão Ética do Instituto Português de Oncologia (IPO). As participantes foram recrutadas da Clínica da Mama do Instituto Português de Oncologia (Porto, Portugal). Os objectivos e os procedimentos do estudo foram explicados e, simultaneamente, as participantes, assinaram o consentimento informado. Os questionários foram entregues às mulheres durante a admissão para as consultas. Foi inicialmente administrado o questionário sócio-demográfico e clínico, seguido do Mini-Mac, MOS-SSS e BDI.

No que diz respeito aos procedimentos estatístico, a análise estatística dos dados foi efectuada com recurso ao programa estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 18.0. Foi utilizada estatística descritiva para fazer a descrição sociodemográfica da amostra. Para aferir se mulheres de diferentes faixas etárias (<40; =40 ^ =50; >50), nível de escolaridade (=12º ano; ensino superior) e estado civil (Casada/União de facto; Solteira; Divorciada/Viúva) diferem ao nível do ajustamento mental foi utilizado o teste MANOVA seguido do teste post-hoc de Scheffé. Para aferir a associação entre o suporte social e o ajustamento mental ao cancro da mama recorreu-se ao teste de correlação de Pearson. Para identificar os factores preditores do ajustamento mental ao cancro da mama utilizou-se o teste de regressão linear múltipla.

 

RESULTADOS

A idade tem um efeito significativo sobre o ajustamento mental (X= 0,71; F(2, 142) =5,12; p<0,001). As análises univariadas indicam que estas diferenças se dão ao nível do recurso ao evitamento cognitivo (F(2, 142) = 1,69, p=0,03). As comparações post hoc, indicam que as mulheres com idade inferior aos 40 anos recorrem mais ao evitamento cognitivo comparativamente com as mulheres com idade superior a 50 anos(I.C. a 95%] 0,12; 2,82 [; p=0,03) (ver quadro 2). Também se verificaram diferenças ao nível do fatalismo (F(2,142)=6,70, p=0,002), sendo que as mulheres com idade superior a 50 anos recorrem mais ao fatalismo como estratégia de coping comparativamente com as mulheres de idade inferior a 40 anos (I.C. a 95% ]0,51; 2,77[; p=0,002) e em relação às mulheres com idades compreendidas entre 40 e 50 anos (I.C. a 95% ]0,17; 2,57[; p=0,01]. As análises univariadas indicam que não existem diferenças estatisticamente significativas no recurso ao desânimo-fraqueza (F(2,142)=0,60, p=0,55), preocupação ansiosa (F(2,142)=0,39, p=0,68) e espírito de luta (F(2,142)=2,32, p=0,11) por parte das mulheres com cancro da mama de diferentes faixas etárias (ver quadro 2).

 

 

O nível de escolaridade tem um efeito significativo sobre o ajustamento mental(X=0,77;F (1,143)=10,60; p=0,001). As análises univariadas indicaram diferenças estatisticamente significativas em mulheres com diferentes níveis de escolaridade ao nível do desânimo-fraqueza (F (1,143)=31,33, p<0,001), preocupação ansiosa (F(1, 143)=16,70, p<0,001), espírito de luta (F(1,143) =16,55, p<0,001) e evitamento cognitivo (F(1, 143)=24,80, p<0,001). As mulheres com ensino superior usam com menor frequência estratégias de desânimo/fraqueza e preocupação ansiosa e recorrem com maior frequência a estratégias de espírito de luta e evitamento cognitivo (quadro 2).

O estado civil não tem um efeito significativo sobre o ajustamento mental (X= 0,91; F(2,144)=1,75; p=0,09). No entanto, as análises univariadas indicam diferenças estatisticamente significativas ao nível do recurso à preocupação ansiosa (F(2, 144)=4,69, p=0,01) (ver quadro 2). As comparações post hoc indicam que as mulheres casadas/união de facto recorrem mais à preocupação ansiosa comparativamente com as mulheres divorciadas/viúvas (I.C. a 95%]0,44; 4,71[; p=0,01). As análises univariadas indicam que não existem diferenças estatisticamente significativas no recurso ao desânimo-fraqueza (F(2,144)=2,02, p=0,14), espírito de luta (F(2, 144)=2,03, p=0,14) e evitamento cognitivo (F(2, 144)=1,49, p=0,23) por parte das mulheres com cancro da mama de diferente estado civil (ver quadro 2).

No que concerne a relação entre o Suporte Social e o Ajustamento Mental ao Cancro da Mama, verifica-se que quanto mais elevada é a percepção da interação social positiva menor é o recurso a estratégias de Desânimo-Fraqueza, Preocupação Ansiosa e Espírito de luta e maior o recurso a estratégias de Evitamento Cognitivo e Fatalismo. Quanto mais elevada é a percepção de apoio emocional, apoio afetivo e apoio material, menor é o recurso a estratégias de Desânimo-Fraqueza e Preocupação Ansiosa e maior o recurso a estratégias de Espírito de Luta, Evitamento Cognitivo e Fatalismo (ver quadro 3).

 

 

Para identificar fatores preditores de ajustamento mental ao cancro da mama recorreu-se a várias análises de regressão linear múltipla. Entraram nas análises as variáveis independentes idade, escolaridade, escala total do BDI, e o suporte social – apoio emocional, apoio material, apoio afectivo e interacção social positiva - e as variáveis dependentes Desânimo/fraqueza, Preocupação Ansiosa, Espírito de Luta e Evitamento Cognitivo. Os resultados mostraram que o nível de escolaridade, apoio afectivo e sintomatologia depressiva permitem predizer o recurso a estratégias de desânimo fraqueza (ver quadro 4). Maior sintomatologia depressiva prediz recurso mais frequente à estratégia desânimo-fraqueza (ß=0,28; t=4,36; p<0,001). Por outro lado,maior nível de escolaridade (ß=-1,06; t=-3,46; p=0,001) e maior percepção de apoio afetivo (ß=-0,36; t=-2,05; p=0,04) predizem menor recurso à estratégia desânimo-fraqueza. A depressão é o único preditor da preocupação ansiosa, sendo que maior sintomatologia depressiva prediz maior será o recurso à estratégia preocupação ansiosa (ß=0,40; t=0,01; p=0,006). A sintomatologia depressiva e a percepção de apoio material permitem predizer o recurso a espírito de luta. Maior sintomatologia depressiva prediz menor recurso à estratégia espírito de luta (ß =-0,36; t=-3,36; p=0,001). Por outro lado, maior percepção de apoio material prediz maior recurso à estratégia espírito de luta (ß=0,19; t=2,17; p=0,03). Nenhuma das variáveis consideradas permite predizer o recurso a evitamento cognitivo (ver quadro 4).

 

 

A sintomatologia depressiva e a percepção de apoio emocional permitem predizer o recurso ao fatalismo. Neste sentido, maior sintomatologia depressiva prediz menor o recurso à estratégia fatalismo (ß=-0,48; t=-4,12; p<0,001). Por outro lado, percepção de maior apoio emocional prediz o recurso à estratégia fatalismo (ß=0,45; t=2,58; p=0,01) (ver quadro 4).

 

DISCUSSÃO

A elevada incidência de sofrimento psicológico entre os pacientes com cancro faz sobressair a importância de estudar o ajustamento mental nesta população (Burgess et al., 2005). O objectivo deste estudo foi avaliar o ajustamento mental ao cancro da mama em mulheres portuguesas, tendo em consideração a idade, escolaridade, estado civil, sintomatologia depressiva e o suporte social.

Vários estudos têm analisado a relação das variáveis sociodemográficas no ajustamento mental ao cancro da mama. Especificamente, a investigação tem-se debruçado essencialmente no estudo da idade (Compas et al., 1999; Dunn & Steginga, 2000; Miller, Jones, & Carney, 2005) e da escolaridade (Varela & Leal, 2007; Vinokur, Threatt, Caplan, & Zimmerman, 1989). Os resultados deste estudo mostraram que mulheres mais novas utilizam preferencialmente estratégias de evitamento cognitivo, enquanto as mulheres mais velhas utilizam preferencialmente estratégias de fatalismo. Pode inferir-se que, tal como já adiantaram outros autores (Wong-Kim & Bloom, 2005), as mulheres mais jovens têm dificuldade em encarar o cancro da mama devido às pressões sociais impostas pelos estereótipos de beleza e juventude ou ao impacto da doença nos seus projectos de vida futura (Schover, 1994). Por outro lado, a utilização de estratégias de coping do tipo fatalismo pelas mulheres mais velhas poderá estar associado à aceitação passiva da mesma como o resultado natural do avançar da idade ou eventualmente a falta de energia para lutar contra a doença.

A escolaridade tem, também, influência no ajustamento mental. Mulheres com menor escolaridade utilizam preferencialmente estratégias de desânimo-fraqueza e preocupação ansiosa e as mulheres com maior escolaridade utilizam preferencialmente estratégias de espírito de luta e evitamento cognitivo. Outros estudos mostraram já que quanto maior o nível de escolaridade das mulheres menor a utilização da preocupação ansiosa (Varela & Leal, 2007). Provavelmente o reduzido nível de escolaridade influencia a compreensão generalizada sobre o diagnóstico e tratamentos propostos, as suas consequências e até o prognóstico. Recentemente Fernandes (2009) constatou que as pacientes com menor escolaridade compreendem pior a doença em comparação com as que têm maior escolaridade, pelo que se demitirão de recorrer a estratégias activas de combate à doença.

O estado civil parece igualmente associar-se ao ajustamento mental. As mulheres casadas e as que vivem em união de facto recorrem mais a preocupação ansiosa comparativamente com as mulheres divorciadas e viúvas. Este facto pode ficar a dever-se à circunstância de vivenciarem uma relação afectiva muito próxima com um parceiro que temem poder vir a ficar sozinho, no caso do desfecho negativo da doença. Outros estudos não encontraram uma relação entre o estado civil ao nível do ajustamento mental à doença oncológica (Varela & Leal, 2007).

Os resultados deste estudo mostram, também, que o suporte social se correlaciona ao nível do ajustamento mental ao cancro. Quanto mais elevada é a percepção da interação social positiva menor é o recurso a estratégias de Desânimo-Fraqueza, Preocupação Ansiosa e Espírito de luta e maior o recurso a estratégias de Evitamento Cognitivo e Fatalismo. Quanto mais elevada é a percepção de apoio emocional, apoio afetivo e apoio material menor é o recurso a estratégias de Desânimo-Fraqueza e Preocupação Ansiosa e maior o recurso a estratégias de Espírito de Luta, Evitamento Cognitivo e Fatalismo. Muito recentemente, Cícero, Coco, Gullo, e Verso (2009) verificaram associação entre o suporte social e o ajustamento mental ao cancro. Concretamente, a percepção de suporte social estava positivamente relacionada com a dimensão espírito de luta e negativamente relacionada com o fatalismo. A influência que o suporte social exerce no ajustamento mental ao cancro da mama parece inclusivamente ser transversal a outras culturas. De facto, Samsi, Naus, Bailey e Ruby (2005; cit. por Lewis, Fletcher, Cochrane, & Fann, 2008) examinaram a percepção de suporte social em 78 mulheres afro-americanas com diagnóstico de cancro da mama e verificaram que as mulheres que referiram percepções mais elevadas de apoio material e uma percepção mais elevada de que existem pessoas disponíveis para estarem com elas (apoio emocional) apresentam um melhor ajustamento mental à doença e um nível mais elevado de bem-estar, confirmando assim, a importância que o suporte social assume na adaptação à doença oncológica.

Quando consideramos um conjunto de preditores do ajustamento mental ao cancro da mama, como a idade, escolaridade, BDI e dimensões do suporte social, a sintomatologia depressiva revela-se o maior preditor de ajustamento mental ao cancro da mama. De facto, maior sintomatologia depressiva prediz um maior recurso a estratégias de coping do tipo desânimo-fraqueza e preocupação ansiosa, e um menor recurso a estratégias de coping do tipo espírito de luta e fatalismo. Recentemente, Fernandes (2009) verificou que a depressão era um preditor significativo da preocupação ansiosa no momento da avaliação, sendo que níveis mais elevados de depressão estão associados a maior utilização da preocupação ansiosa enquanto estratégia de coping. Tendo em consideração o carácter subjacente à sintomatologia depressiva, compreende-se que as mulheres com maior sintomatologia sejam mais pessimistas e tenham menos energia para enveredar por estratégias de combate activo da doença, bem como tenham pensamentos recorrentes quanto à doença e sintam por outro lado menor sensação de controlo ou entendam a doença como um desafio. Por outro lado, o pensamento recorrente e ansiedade associada impedi-las-ão de se demitirem ou aceitarem passivamente a doença.

A percepção de maior apoio material prediz o recurso a estratégias do tipo espírito de luta. Naturalmente se compreende que as mulheres com mais recursos materiais terão maior percepção de controlo sobre a doença e tenham por isso uma atitude mais optimista quanto à evolução positiva do seu estado de saúde. Resultados idênticos foram encontrados noutros estudos. Recentemente, Cícero et al., (2009) num estudo efectuado com 96 mulheres diagnosticadas com cancro, encontraram que o suporte social percebido estava positivamente associado com o espírito de luta. O apoio emocional prediz o recurso a estratégias do tipo fatalismo. As mulheres que percepcionam elevados níveis de apoio emocional utilizam preferencialmente o fatalismo como estratégia de coping. Este resultado é um tanto inesperado, pois o maior apoio emocional deveria estar associado a uma atitude mais optimista e maior capacidade para encarar de forma activa a doença. No entanto, também Cícero et al. (2009) mostraram que o apoio emocional e a idade predizem o recurso a esta estratégia, sendo que mulheres mais velhas e aquelas que percepcionam níveis mais elevados de apoio emocional recorrem mais a esta estratégia.

Tratando-se de um estudo de carácter transversal, os nossos dados não nos permitem saber com exactidão se as mulheres já estavam deprimidas quando lhes foi diagnosticado cancro da mama, nem se existem alterações ao nível dos sintomas depressivos ao longo do tempo ou em momentos críticos da doença. Uma outra informação de que não dispomos, mas que consideramos relevante é perceber a associação entre sintomatologia depressiva e o tipo de cancro/estágio da doença.

Apesar destas limitações, este estudo traz novas informações acerca da morbidade psicológica entre as mulheres com cancro da mama em Portugal, assim como os factores associados a maior sintomatologia depressiva nas mulheres com cancro da mama. A identificação de factores de risco é um aspecto importante tendo em conta o baixo número de profissionais de saúde mental que trabalham nos Institutos de Oncologia em Portugal. Adicionalmente, os resultados deste estudo ao mostrarem uma associação entre as estratégias de coping e os níveis de sintomatologia depressiva entre as mulheres com cancro da mama fornecem numa pista importante para se desenvolveram programas de intervenção psicoterapêutica focados no desenvolvimento de estratégias de coping positivas e no melhoramento do bem-estar emocional neste grupo de mulheres.

 

REFERÊNCIAS

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Universidade Europeia- Laureate International Universities. Estrada da Correia, 53, 1500-210, Lisboa, Portugal. Phone: (55) (65) 8111-4192. E-mail: catarinatojalrebelo@gmail.com

 

Recebido em 16 de Setembro de 2013/ Aceite em 25 de Setembro de 2014