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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.15 no.3 Lisboa dez. 2014

https://doi.org/10.15309/14psd150314 

Preditores individuais e organizacionais do burnout em servidores públicos federais

Individual and organizational predictors of burnout among federal public servants

 

Maria Áurea Maciel Boechat & Maria Cristina Ferreira

Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, Brasil.

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

Investigou-se o poder preditivo de variáveis individuais (gênero, idade, escolaridade) e de variáveis organizacionais (sobrecarga de trabalho, conflito de papéis, pressão da responsabilidade, falta de autonomia, dificuldades interpessoais) sobre as três dimensões do burnout (exaustão emocional, despersonalização, realização profissional). A amostra foi composta por 250 servidores federais de nível técnico, de ambos os gêneros, que desempenhavam funções diretamente ligadas ao público. A coleta de dados efetivou-se por meio da Escala para Avaliação de Estressores Psicossociais no Contexto Laboral e do Inventário de Burnoutde Maslach. As análises de regressão múltipla evidenciaram que: as mulheres demonstraram maior realização profissional que os homens; a idade e a escolaridade atuaram como preditores negativos da exaustão emocional e da despersonalização, e como preditores positivos da realização profissional; a sobrecarga de trabalho predisse positivamente a exaustão emocional e a despersonalização, e negativamente, a realização profissional; a falta de autonomia predisse negativamente a exaustão emocional e a despersonalização, e positivamente, a realização profissional; as dificuldades interpessoais predisseram positivamente a exaustão emocional e a despersonalização. Com base nos resultados obtidos, algumas sugestões de estratégias de intervenção e de estudos futuros são apresentados.

Palavras-chave - burnout; estresse laboral; servidores públicos federais.

 

ABSTRACT

The predictive power of individual (gender, age, schooling) and organizational (work overload, role conflict, pressure of responsibility, lack of autonomy, interpersonal difficulties) variables on the three burnout dimensions (emotional exhaustion, depersonalization, professional achievement) was investigated. The sample was composed by 250 technical-level public servants of both genders who performed duties directly related to public. Data were collected by the Scale for Evaluation of Psychosocial Stressors in Labor Context and by Maslach Burnout Inventory. Multiple regression analyses showed that women showed higher professional achievement than men; the age and the schooling were negative predictors of the emotional exhaustion and the depersonalization, while were positive predictors of the professional achievement; the work overload predicted positively the emotional exhaustion and the depersonalization, while predicted negatively the professional achievement; the lack of autonomy predicted negatively the emotional exhaustion and the depersonalization, while predicted positively the professional achievement; the interpersonal difficulties predicted positively the emotional exhaustion and the depersonalization. Based on the obtained results, some suggestions for intervention strategies and future studies are made.

Key- words - burnout; job stress; federal public servants.

 

O ambiente de trabalho vem passando por constantes modificações, acompanhando os avanços tecnológicos cada vez mais presentes no mundo atual. Tal situação tem ocasionado a convivência frequente dos empregados com o estresse ocupacional, fenômeno que acarreta altos custos não apenas para os trabalhadores, mas também para as organizações, em função de provocar o absenteísmo, o afastamento do emprego, o aumento da rotatividade e a diminuição do índice de produtividade (Quick, Horn, & Quick, 1987).

Uma das consequências crônicas do estresse ocupacional é o burnout, síndrome caracterizada pela exaustão emocional, avaliação negativa de si mesmo, depressão, insensibilidade a quase tudo e todos e desmotivação ou insatisfação ocupacional (Benevides-Pereira, 2002). De acordo com Schaufeli e Enzmann (1998), o burnout não é um sintoma novo, na medida em que existem registros de que ele ocorre já há longo tempo. Contudo, o termo propriamente dito foi empregado pela primeira vez ao final dos anos 60, para designar o desgaste profissional, tendo-se popularizado na década seguinte, ocasião em que passou a ser considerado um tipo particular de estresse ocupacional prolongado, que acometia mais fortemente as pessoas que atuavam nas áreas de humanas e da saúde.

Por essa razão, grande parte das pesquisas sobre o burnout têm sido realizada com profissionais de ajuda, isto é, com médicos, enfermeiros e professores. Desse modo, não foram localizadas referências brasileiras ou estrangeiras voltadas à investigação do burnout em servidores federais de nível técnico, que prestam atendimento ao público. No entanto, algumas pesquisas brasileiras de natureza descritiva (Sant’anna & Moraes, 1999; Vieira, 2004) têm apontado que a categoria ocupacional dos servidores públicos encontra-se sujeita a uma série de pressões em seu contexto de trabalho, o que justifica a realização de investigações sobre o burnout nesse tipo de grupo profissional.

Outros sim, as pesquisas brasileiras sobre o burnout têm-se dedicado prioritariamente à descrição dos índices obtidos por populações específicas nas diferentes dimensões do burnout, razão pela qual poucas são, até o momento, as investigações nacionais de natureza preditiva. Em face dessas considerações, a presente pesquisa teve como objetivo geral verificar o poder preditivo de variáveis individuais (gênero, idade, escolaridade) e organizacionais (sobrecarga de trabalho, conflito de papéis, pressão da responsabilidade, falta de autonomia, dificuldades interpessoais) sobre as três dimensões do burnout (exaustão emocional, despersonalização, realização profissional), em uma amostra de servidores públicos federais de nível técnico, que prestam atendimento ao público.

Caracterizando a síndrome do burnout

Uma das principais abordagens no estudo do burnout é a de Maslach e Jackson (1981), para quem tal fenômeno manifesta-se por meio de três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e realização profissional reduzida. A exaustão emocional caracteriza-se por uma sensação de esgotamento físico e mental, que leva o indivíduo a não dispor de capacidade para suportar as grandes exigências que lhe são feitas no trabalho, o que compromete seu estado emocional e o impede de desenvolver suas atividades cotidianas (Maslach & Leiter, 1999).

A despersonalização associa-se ao desenvolvimento da insensibilidade e do cinismo para com as demais pessoas com quem o indivíduo convive em seu ambiente de trabalho. Ela remete, assim, a uma percepção impessoal e desumanizada das pessoas com as quais se lida profissionalmente no dia-a-dia (Gil-Monte & Peiró, 1997). A redução da realização profissional, por fim, diz respeito ao fato de o indivíduo avaliar sua competência e realização no trabalho de forma negativa. Ela se manifesta, portanto, em sentimentos de insatisfação no trabalho, baixa auto-estima, desmotivação, baixa na produção e sensação de impotência e insuficiência diante das tarefas profissionais, isto é, em sentimentos de fracasso que, por vezes, fazem o indivíduo pensar até em abandonar o emprego (Benevides-Pereira, 2002).

Em uma de suas primeiras publicações, Maslach e Jackson (1981) caracterizam a síndrome de burnout como um processo sequencial, que se inicia com a exaustão emocional provocada por exigências profissionais associadas ao fato de se lidar constantemente com pessoas que apresentam problemas emocionais. Com o intuito de lidar com as dificuldades emocionais presentes nessas relações e conseguir desempenhar a contento o seu trabalho, muitos adotam o distanciamento, também chamado de despersonalização, passando, dessa forma, a tratar os indivíduos como objetos e não como pessoas, de modo a diminuir a sensação de desconforto emocional e o estresse interpessoal daí advindo. A despersonalização poderá culminar em uma sensação de realização profissional reduzida, provocada pela deteriorização das relações de trabalho do profissional com os indivíduos que atende ou cuida (Schaufeli & Enzmann, 1998).

Mais recentemente, porém, Maslach e Leiter (1999) propõem uma abordagem mais geral sobre o burnout, ao considerarem que tal síndrome pode ser conceituada como o resultado de um desequilíbrio crônico, isto é, da incompatibilidade entre os indivíduos e aspectos-chave do seu ambiente de trabalho, que não se restringe aos profissionais da área de prestação de serviços. Seis tipos de desajuste pessoa-trabalho são considerados de grande importância para o desencadeamento da síndrome (Schaufeli & Buunk, 2003), quais sejam: sobrecarga de trabalho (ter que realizar tarefas em muito pouco tempo e com recursos escassos); falta de controle (falta de oportunidades para fazer escolhas, tomar decisões e usar as próprias habilidades para pensar e resolver problemas); falta de recompensas (recebimento inadequado de recompensas monetárias ou internas, tais como reconhecimento e admiração); falta de senso comunitário (falta de suporte e apoio que ocasionam o isolamento social e problemas crônicos de relacionamentos); falta de justiça (tratamento desigual dos empregados, falta de respeito e desvalorização dos mesmos) e conflitos de valor (os valores do trabalho não se coadunam com os valores pessoais dos empregados).

Antecedentes individuais e organizacionais do burnout

As pesquisas sobre o burnout têm-se detido prioritariamente na descrição dos índices de ocorrência de cada uma das dimensões da síndrome em diferentes grupos ocupacionais, assim como na investigação de seus principais antecedentes e consequentes. No que diz respeito aos antecedentes individuais do burnout, o gênero, a idade e a escolaridade têm sido frequentemente investigados. Nesse sentido, tem-se verificado que as mulheres tendem a apresentar níveis mais altos de exaustão emocional que os homens (Antoniou, Polychroni, & Vlachakis, 2006; Arice, Batista, Morais, Souza, & Reis, 2004; Garcia & Benevides-Pereira, 2003). No entanto, Volpato, Gomes, Castro, Justo, e Benevides-Pereira (2003) não encontraram resultados significativos em relação ao gênero em nenhuma das dimensões do burnout.

No que se refere às relações da idade com o burnout, a maioria dos estudos tem demonstrado que os indivíduos mais jovens apresentam maiores índices de exaustão emocional (Antoniou et al., 2006; Carlotto & Câmara, 2007; 2008) e de despersonalização (Carlotto & Câmara, 2008). No que tange à escolaridade, Schaufeli e Enzmann (1998) enfatizaram que tem sido demonstrada a presença de níveis mais altos de burnout entre indivíduos de maior nível de escolaridade.

Quanto aos antecedentes organizacionais, as investigações têm recaído, sobretudo, na análise do papel desempenhado pela sobrecarga de trabalho, pelo conflito de papéis, pelas dificuldades interpessoais, pela pressão da responsabilidade e pela falta de autonomia na configuração do burnout. Nesse sentido, tem-se verificado que a sobrecarga de trabalho e o conflito de papéis predizem positivamente a exaustão emocional (Fogarty, Singh, Rhoads, & Moore, 2000; Garrosa, Moreno-Jiménez, Liang, & González, 2008; Jackson, Turner, & Brief, 1987; Piko, 2006; Siefert, Jayaratne, & Chess, 1991) e a despersonalização (Jackson et al., 1987; Garrosa et al., 2008; Siefert et al., 1991; Piko, 2006). Por outro lado, a sobrecarga de trabalho (Gil-Monte, Garcia-Juesas, & Hernández, 2008) e o conflito de papéis (Siefert et al., 1991) têm-se constituído em preditores negativos da realização profissional

As dificuldades interpessoais também têm-se revelado um preditor positivo da exaustão emocional e da despersonalização (Cieslak, Korczynska, Strelau, & Kaczmarek, 2008; Souza & Silva, 2002; Sundin, Hochwälder, Bildt, & Lisspers, 2007), e um preditor negativo da realização profissional (Jackson et al., 1987; Sundin et al., 2007). No que diz respeito à pressão da responsabilidade, Benevides-Pereira (2002) enfatiza que tal variável caracteriza-se como um dos principais fatores desencadeantes do burnout. Atendo-se à falta de autonomia, diferentes autores (Benevides-Pereira, 2002; Bosqued, 2008; Gil-Monte & Peiró, 1997) têm enfatizado que ela pode desencadear o estresse e, posteriormente, o burnout. Nesse sentido, Schaufeli e Enzmann (1998) assinalam que essa variável tem apresentado correlações positivas consistentes, embora fracas, com o burnout.

Adotando como referencial teórico a perspectiva sócio-psicológica de Maslach e seus associados (Maslach & Jackson, 1981; Maslach & Leiter, 1999) e, apoiando-se nas evidências empíricas obtidas até o momento, o presente trabalho buscou averiguar, portanto, o poder preditivo de três antecedentes individuais (gênero, idade, escolaridade) e de cinco antecedentes organizacionais (sobrecarga de trabalho, conflito de papéis, pressão da responsabilidade, falta de autonomia, dificuldades interpessoais) sobre as três dimensões do burnout (exaustão emocional, despersonalização, realização profissional). Para tanto, foram formuladas as seguintes hipóteses de investigação: Hipótese 1: As mulheres apresentam maiores índices de exaustão emocional e de despersonalização e menores índices de realização profissional que os homens; Hipótese 2: Quanto menor a idade, maiores os índices de exaustão emocional e de despersonalização, e menores os índices de realização profissional; Hipótese 3: Quanto maior a escolaridade, maiores os índices de exaustão emocional e despersonalização, e menores os índices de realização profissional; Hipótese 4: Quanto maior a sobrecarga de trabalho, o conflito de papéis, a falta de autonomia, a pressão da responsabilidade e as dificuldades interpessoais, maiores os índices de exaustão emocional e despersonalização, e menores os índices de realização profissional.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram da pesquisa 250 servidores públicos federais de nível técnico, que desempenhavam suas atividades em áreas de atendimento ao público, em cinco agências localizadas nos estados brasileiros do Rio de Janeiro e do Paraná. Desse total, 59,6% eram do sexo feminino, com idades variando entre 23 e 60 anos de idade (M = 47,36; DP = 8,07). Seu tempo de serviço no emprego atual variou entre 2 e 37 anos (M = 21,18; DP = 8,17), enquanto seu tempo de serviço total variou entre 2 e 42 anos (M = 26,12; DP = 7,00). A maioria desses trabalhadores (80,0%) tinha o nível universitário completo, auferia rendimentos na faixa de seis a dez salários mínimos (62,0%) e era casada (49,2%) ou separada (32,8%).

Material

A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário composto de dois instrumentos. O primeiro destinou-se à avaliação dos fatores organizacionais que poderiam impactar o burnout e incluiu cinco dimensões da Escala para Avaliação de Estressores Psicossociais no Contexto Laboral, desenvolvida e validada por Ferreira, et al. (prelo). O referido instrumento consta de 35 itens, a serem avaliados em escalas de seis pontos, variando de 1 (nunca me afeta) a 6 (sempre me afeta), segundo o grau em que causam algum mal-estar no empregado. As dimensões avaliadas foram a sobrecarga de trabalho, a falta de autonomia, o conflito de papéis, a pressão da responsabilidade e as dificuldades interpessoais, sendo que seus coeficientes de precisão, na presente pesquisa, calculados por meio do coeficiente Alfa de Cronbach, foram respectivamente iguais a 0,78; 0,81; 0,79; 0,63 e 0,81. A referida escala é corrigida no sentido do estresse, razão pela qual quanto maior o resultado, maior o impacto negativo da fonte considerada.

Para a avaliação do burnout foi utilizado o Inventário de Burnoutde Maslach (Maslach Inventory – Humam Services Survey – MBI – HSS), na versão validada para amostras brasileiras por Carlotto e Câmara (2007). Tal questionário é constituído por 22 itens, a serem respondidos em escalas de cinco pontos, variando de 1 (nunca) a 5 (diariamente), segundo o grau em que cada um deles expressa determinados sentimentos vivenciados pelo empregado. Esses itens se subdividem em três fatores, a saber: exaustão emocional, despersonalização e realização profissional. No estudo atual, os coeficientes de precisão desses fatores, avaliados por meio do Alfa de Cronbach, foram respectivamente iguais a 0,96; 0,81 e 0,89. O referido instrumento é corrigido no sentido da dimensão considerada e, assim, quanto maiores os resultados obtidos, maiores os índices das mesmas. A terceira parte do questionário continha perguntas para o levantamento de dados pessoais e sócios demográficos referentes a gênero, idade, estado civil, escolaridade, tempo de serviço no emprego atual, tempo de serviço total e faixa salarial.

Procedimento

Inicialmente, a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição dos autores. Em seguida, foi agendada uma reunião com a gerência responsável pelas agências, com o intuito de expor os objetivos do estudo e solicitar a autorização para a participação dos funcionários. Obtida tal aprovação do gerente, as agências foram comunicadas sobre a realização da pesquisa e, posteriormente, foram feitos contatos com cada gerente de agência, para agendamento dos locais e horários de aplicação dos questionários.

As aplicações foram realizadas coletivamente, nas salas de treinamento ou nos auditórios das agências, e os funcionários foram previamente convidados a participar, além de serem avisados sobre os horários e locais da pesquisa. Ao início de cada aplicação, eles receberam informações sobre os objetivos da investigação e instruções sobre o preenchimento dos questionários, ocasião em que as possíveis dúvidas surgidas foram esclarecidas.

Em seguida, foram solicitados a preencher o termo de consentimento informado e a responder aos questionários, em tempo livre. Ao término do preenchimento, cada participante depositava o questionário, sem identificação, em uma caixa de papelão que ficava ao lado da porta de saída da sala, o que possibilitou a preservação do anonimato de todos os integrantes da pesquisa.

 

RESULTADOS

Para a efetivação das análises, os participantes do estudo receberam inicialmente um escore em cada uma das escalas, mediante o cálculo da média dos itens que as compunham. Posteriormente, foram calculadas as médias, desvios padrão e coeficientes de correlação entre as escalas, conforme pode ser observado no quadro 1. Em seguida, foram realizadas três análises de regressão múltipla linear, para se verificar o poder preditivo das três variáveis individuais e das cinco variáveis organizacionais nas três dimensões do burnout, após a verificação dos pressupostos para a realização desse tipo de análise.

 

 

Tendo a exaustão emocional como variável critério (quadro 2), foi observado que o modelo retido explicou 40% da variância (R2 = 0,40, F(8, 233) = 21,40; p < 0,001), com cinco das oito variáveis preditoras contribuindo para a explicação da variável critério. Nesse sentido, verificou-se que, entre os antecedentes individuais, a idade e a escolaridade predisseram negativa e significativamente a exaustão emocional. No que tange aos antecedentes organizacionais, constatou-se que a sobrecarga de trabalho e as dificuldades interpessoais predisseram positiva e significativamente a exaustão, enquanto a falta de autonomia predisse negativa e significativamente tal variável critério.

 

 

Com a despersonalização como variável critério (quadro 2), foi observado que o modelo retido explicou 45% da variância (R2 = 0,45, F(8,235) = 25,67, p < 0,001) e, novamente, cinco das oito variáveis preditoras contribuíram para tal explicação. Foi constatado, assim, que, dentre os antecedentes individuais, a idade e a escolaridade constituíram-se em preditores negativos e significativos da despersonalização. No que diz respeito aos antecedentes organizacionais, verificou-se que a sobrecarga de trabalho e as dificuldades interpessoais atuaram como preditores positivos e significativos da despersonalização, enquanto a falta de autonomia atuou como um preditor negativo e significativo dessa variável critério.

Na análise de regressão com a realização profissional como variável critério (quadro 2), verificou-se que 30% da variância nessa variável (R2 = 0,30, F (8,232) = 13,70; p < 0,001) foram explicados pelo conjunto de variáveis que compuseram o modelo retido, com cinco variáveis destacando-se como preditoras. No que tange aos antecedentes individuais, os resultados evidenciaram que o gênero, a idade e a escolaridade se constituíram em preditores positivos e significativos da realização profissional. Em relação aos antecedentes organizacionais, a sobrecarga de trabalho predisse negativa e significativamente a realização profissional, enquanto a falta de autonomia predisse positiva e significativamente tal variável critério.

 

DISCUSSÃO

Foi objetivo, do presente estudo, investigar o impacto de três variáveis individuais (gênero, idade, escolaridade) e cinco variáveis organizacionais (sobrecarga de trabalho, conflito de papéis, pressão da responsabilidade, falta de autonomia, dificuldades interpessoais) em três dimensões do burnout (exaustão emocional, despersonalização, realização profissional). No que tange ao gênero, foi demonstrado que tal variável apresentou-se correlacionada apenas com a dimensão de realização profissional do burnout, no sentido de as mulheres se mostrarem mais realizadas profissionalmente, quando comparadas aos homens. Tais resultados contrariam a Hipótese 1, que previa que as mulheres iriam apresentar menor realização profissional que os homens. Uma provável explicação para tal resultado é o fato de que as mulheres se mostram mais emotivas e vulneráveis ao sofrimento alheio (Gil-Monte & Peiró, 1997), o que poderia torná-las mais propensas a resolver os problemas que a elas chegam, no dia-a-dia do trabalho, e, com isso, se sentirem mais realizadas, à medida que conseguem equacionar tais problemas de forma satisfatória.

Ainda em relação às variáveis individuais, verificou-se que a idade predisse negativamente a exaustão emocional e a despersonalização, e positivamente, a realização profissional. Evidenciou-se, dessa forma, que os empregados de menos idade mostravam-se mais exaustos emocionalmente e tendiam a tratar os clientes com maior distanciamento, além de demonstrarem menores índices de realização profissional que os empregados de mais idade, o que confirma totalmente a Hipótese 2. Os achados referentes à relação negativa da idade com a exaustão emocional e a despersonalização mostram-se consistentes com os resultados anteriormente obtidos por Antoniou et al. (2006) e por Carlotto e Câmara (2007; 2008). Segundo Schaufeli e Enzmann (1998), a maior probabilidade de o burnout apresentar-se mais elevado em indivíduos de menos idade pode ser explicada pelo fato de esses indivíduos ainda não disporem de um adequado repertório de estratégias de enfrentamento das situações que lhes causam estresse. Contudo, a média de idade da presente amostra foi elevada, o que indica a necessidade de tal interpretação ser vista com cautela, bem como a pertinência de se realizarem estudos adicionais capazes de confirmar essa asserção.

Atendo-se à escolaridade, observou-se que essa variável se relacionou negativamente com a exaustão emocional e a despersonalização, e positivamente, com a realização profissional, evidenciando, dessa forma, que os servidores de menores níveis de escolaridade apresentavam maiores índices de exaustão emocional e despersonalização, e menores índices de realização profissional. Tais achados contrariam totalmente a Hipótese 3 e as evidências sobre os níveis mais altos de burnout serem mais frequentemente observados em indivíduos de maior escolaridade (Shaufeli & Enzmann, 1998). Uma provável explicação para o resultado ora obtido pode ser a de que os servidores federais de maior escolaridade que prestam atendimento ao público dispõem de mais recursos cognitivos para elaborar as dificuldades laborais vivenciadas no dia-a-dia e, com isso, mostram-se menos suscetíveis a vivenciar o estresse e o burnout que tais dificuldades poderiam potencialmente lhes causar. De todo modo, tal argumento precisaria ser confirmado em pesquisas futuras, já que essa foi uma das primeiras investigações realizadas com esse tipo de público.

Com relação às variáveis organizacionais, constatou-se que a sobrecarga de trabalho se relacionou positivamente com a exaustão emocional e a despersonalização, e negativamente, com a realização profissional. Foi demonstrado, portanto, que os participantes da presente amostra, submetidos a uma quantidade de trabalho que ultrapassa suas próprias capacidades de desempenharem suas funções a contento, tendem a vivenciar maior esgotamento emocional e a tratar os clientes que atendem diariamente de forma mais distante e impessoal, além de se sentirem menos realizados com o trabalho que realizam. Tais dados confirmam, assim, parcialmente a Hipótese 4 e vão ao encontro de uma série de estudos que têm concluído pela existência de relações positivas entre a sobrecarga de trabalho e a exaustão (Fogarty et al., 2000; Garrosa et al.; 2008; Jackson et al., 1987) e a despersonalização (Garrosa et al., 2008), bem como por uma relação negativa entre tal variável e a realização profissional (Gil-Monte et al., 2008).

Segundo Maslach e Leiter (1999), o trabalho no mundo contemporâneo, de complexidade cada vez maior e prazos cada vez mais curtos, tem exigido mais e mais dedicação dos indivíduos, o que acaba por sobrecarregá-los e minar suas energias, levando-os a se sentirem frustrados e exaustos emocionalmente. Como forma de lidar com tal esgotamento emocional e com a sensação de desconforto daí advinda, os indivíduos acabam adotando o distanciamento de seus clientes como recurso Maslach e Jackson (1981). Tais tentativas podem culminar em uma sensação de realização profissional diminuída, provocada pela deteriorização das relações de trabalho do profissional com os indivíduos que atende (Schaufeli & Enzmann, 1998). Essa seria, portanto, uma explicação plausível para o fato de a sobrecarga de trabalho ter-se mostrado positivamente relacionada com a exaustão emocional e a despersonalização, e negativamente, com a realização profissional, entre os participantes da presente investigação.

A falta de autonomia, por sua vez, apresentou-se negativamente relacionada com a exaustão emocional e a despersonalização e, positivamente, com a realização profissional. Foi observado, dessa forma, que os servidores com maior falta de autonomia, isto é, que detêm menor controle sobre as decisões associadas à realização de suas tarefas tendem a se mostrar menos propensos a vivenciar o esgotamento emocional e a tratar os clientes como se fossem objetos, além de se sentirem mais realizados com as funções que desempenham. Tais achados contrariam parcialmente a Hipótese 4, formulada com base em autores (Benevides-Pereira, 2002; Bosqued, 2008; Gil-Monte & Peiró, 1997) que defendem que quando o indivíduo detém maior grau de autonomia em relação à execução de suas tarefas, ele se mostra menos propenso a vivenciar o estresse e o burnout, apesar de tal relação não ter sido observada em nenhum dos estudos empíricos revistos para a presente investigação.

Uma possível explicação para esse achado pode ser a de que os servidores federais de nível técnico atuam sob a orientação de uma legislação rígida, que limita suas possibilidades de tomarem decisões por conta própria, além de punir com rigor quaisquer ações consideradas contrárias a tal legislação. Nesse sentido, é possível que eles prefiram trabalhar sem muita autonomia, de modo a se preservarem das possíveis penalidades legais impostas a ações adotadas, por vezes de forma não intencional, quando no desempenho de cargos que lhes exigem maior agilidade e rapidez na tomada de decisões, ocasião em que nem sempre têm tempo hábil de consultar atentamente a legislação que necessitam observar. Tais observações necessitam, porém, ser confirmadas em estudos futuros com esse tipo de público específico.

No que diz respeito às dificuldades interpessoais, os dados ora obtidos evidenciaram a presença de uma relação positiva de tal variável organizacional com a exaustão emocional e a despersonalização. Foi demonstrado, assim, que a falta de apoio por parte dos colegas e superiores, nas situações em que os servidores passam por problemas pessoais ou no trabalho, implicam a vivência de maiores índices de esgotamento emocional e de distanciamento em relação aos clientes, por parte desses indivíduos. Tais achados mostram-se em acordo parcial com a Hipótese 4, além de se mostrarem congruentes com as várias investigações que também observaram a existência de relações positivas entre as dificuldades interpessoais e a exaustão emocional e a despersonalização (Cieslak et al., 2008; Souza & Silva, 2002; Sundin et al., 2007).

De acordo com a teoria de conservação de recursos (Hobfoll, 1989), quando os indivíduos percebem que perderam alguns de seus recursos, procuram lançar mão de outros, de modo a não vivenciar o estresse. No entanto, quando tal estratégia falha, eles acabam por vivenciar o estresse ocupacional e o burnout. Nesse sentido, a falta de apoio gerada por dificuldades interpessoais no trabalho pode ser vista como um processo de perda de recursos que acaba por provocar o burnout, caso os indivíduos não consigam lançar mão de outras estratégias de enfrentamento que compensem tal perda (Schaufeli & Enzmann, 1998). Em outras palavras, se o indivíduo não se mostrar capaz de trabalhar suas percepções cognitivas e evitar a perda de recursos gerada pelas dificuldades interpessoais, ele acabará por vivenciar o burnout (Gil Monte & Peiró, 1997).

Osresultados ora obtidos permitem, portanto, a elaboração de algumas sugestões de estratégias capazes de contribuir para a melhoria da saúde e bem-estar dos servidores federais que prestam atendimento ao público. Nesse sentido, seria oportuno uma atuação mais efetiva dos setores de capacitação, especialmente no que diz respeito à elaboração de programas com foco nas mudanças na legislação, o que permitiria a atualização constante dos servidores e poderia reduzir sua carga de trabalho qualitativa. Outros sim, programas de treinamento comportamental, voltados à superação de dificuldades de relacionamento interpessoal e de maior capacitação na área de atendimento ao público poderiam também trazer contribuições benéficas à saúde dos servidores. Tais programas deveriam ser oferecidos principalmente aos funcionários mais jovens e de menor escolaridade, visto serem eles os mais vulneráveis à vivência do burnout.

No que tange ao prosseguimento da presente linha de investigação, seria desejável que estudos futuros se utilizassem do recurso da modelagem de equação estrutural, para testar modelos mais complexos e capazes de indicar, com maior precisão, o papel mediador das variáveis individuais e/ou organizacionais na configuração da síndrome do burnout, não apenas em servidores públicos, mas também em outras categorias ocupacionais. Por outro lado, o teste empírico de programas destinados a reduzir o burnout também se mostra uma profícua contribuição a uma futura agenda de pesquisa sobre a temática em pauta.

A realização de tais investigações revestem-se da capacidade potencial de contribuir para a redução dos índices de estresse e de burnout que os servidores federais de nível técnico que prestam atendimento ao público vivenciam e, consequentemente, para a melhoria de seu bem-estar e qualidade de vida. Adicionalmente, os achados provenientes da agenda de pesquisa sugerida poderão obviamente repercutir no aumento dos indicadores de desempenho desses indivíduos, mormente no que se refere à satisfação dos clientes que atendem constantemente em seu dia-a-dia laboral.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 2 de Julho de 2013/ Aceite em 25 de Setembro de 2014