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Psicologia, Saúde & Doenças

versión impresa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.15 no.3 Lisboa dic. 2014

https://doi.org/10.15309/14psd150302 

Efeitos de automonitorização sobre indicadores emocionais e adesão ao tratamento do diabetes

Effects of self-monitoring on emotional indicators and adherence to diabetes treatment

 

Luciane Ramos 1, Eleonora Arnaud Pereira Ferreira1, & Enise Cássia Abdo Najjar 2

1Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento, Universidade Federal do Pará, Belém-Pará-Brasil;

2 Departamento de Terapia Ocupacional, Universidade do Estado do Pará, Belém-Pará-Brasil

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

O presente estudo comparou os efeitos de três procedimentos sobre indicadores emocionais (estresse, ansiedade e depressão), qualidade de vida e adesão ao tratamento em nove adultos com diabetes Tipo 2. Os participantes foram distribuídos em três condições: Automonitorização, Recordatório e Rotina. Todos foram avaliados ao início e ao final do estudoquanto aos indicadores emocionais, por meio do Inventário de Sintomas de Stress de Lipp (ISSL), Inventário de Depressão Beck (BDI) e Inventário de Ansiedade Beck (BAI); quanto à qualidade de vida, por meio do SF-36, e quanto à adesão ao tratamento, por meio da hemoglobina glicada e de autorrelatos. Na Condição Automonitorização houve diminuição nos valores de hemoglobina glicada em todos os participantes e melhora nos indicadores emocionais de dois participantes. Na Condição Recordatório houve diminuição nos valores de hemoglobina glicada em um participante e melhora na percepção da qualidade de vida em todos os participantes. Houve agravamento nos indicadores emocionais em todos os três participantes da Condição Rotina. Não ocorreram mudanças na adesão à dieta e à atividade física (com exceção do participante B2), independentemente da condição à qual o participante foi submetido. Esses dados sugerem que o procedimento de automonitorização favoreceu a mudança de indicadores emocionais, mas não produziu efeito sobre a adesão à dieta e à prática de atividade física regular.

Palavras-chave - aspectos psicológicos, diabetes, qualidade de vida, adesão ao tratamento.

 

ABSTRACT

The present study compared the effects of three procedures one motional indicators (stress, anxiety and depression), quality of life and adherence to treatment in nine adults with Type2 diabetes. The participants were distributed into three conditions: Self-monitoring, Recall and Routine. All participants were evaluated at the beginning and at the end of the study, regarding the emotional indicators, through the Lipp Stress Symptoms Inventory (LSSI), Beck Depression Inventory (BDI) and Beck Anxiety Inventory (BAI); participants’ quality of life was evaluated through the SF-36; and adherence to treatment was evaluated through glycated hemoglobin and self-reports. In the Self-monitoring Condition there was a decrease in the glycated hemoglobin levels of all participants and an improvement in the emotional indicators of two participants. In the Recall Condition there was a decrease in the glycated hemoglobin levels of one participant and an improvement on the quality of life perception in all participants. There was an aggravation in the emotional indicators of all three participants in the Routine Condition. There were no changes in adherence to diet and physical activity (except for participantB2), regardless of the condition to which the participant was submitted. These data suggest that the Self-monitoring procedure favored changes in emotional indicators, but had no effect on adherence to diet and regular physical activity.

Key- words - psychological aspects, diabetes, quality of life, adherence to treatment.

 

O diabetes é uma doença crônica que ocorre quando o pâncreas não produz suficiente insulina ou quando o organismo não consegue utilizar efetivamente a insulina produzida, com graves consequências para o indivíduo. Estima-se que atinja 347 milhões de pessoas no mundo todo (World Health Organization [WHO], 2013). O tratamento é muito complexo e envolve mudanças no estilo de vida dos pacientes, demandando cuidados com a monitorização da glicemia, a prática regular de atividade física, a administração de medicamentos (hipoglicemiantes orais e/ou insulina) e a adoção de uma alimentação saudável com vistas a manter os níveis glicêmicos estabilizados e, consequentemente, prevenir as complicações crônicas (Sociedade Brasileira de Diabetes [SBD], 2011).

Inúmeros são os fatores que dificultam a adesão do paciente ao tratamento do diabetes. Entre eles, destacam-se as características do tratamento, o repertório comportamental do paciente e os fatores sociais envolvidos. As características do tratamento se referem à duração (trata-se de uma condição crônica) e à complexidade das orientações prescritas (uso de medicamentos, monitorização da glicemia, adoção de dieta e de atividade física regular). O repertório comportamental do paciente corresponde ao conhecimento que ele tem sobre a doença e suas habilidades e competências para gerenciar o tratamento. Os fatores sociais se referem à comunicação entre profissional e paciente, ao apoio dentro e fora da família e à participação do paciente no ambiente social (Ataíde & Damasceno, 2006; Coelho & Amaral, 2008; Malerbi, 2000).

A American Diabetes Association [ADA] (2013) preconiza que variáveis psicológicas e sociais sejam incluídas como uma parte contínua no manejo do diabetes. Destaca a necessidade de avaliar fatores emocionais, como depressão, ansiedade e estresse, quando há um baixo controle glicêmico, sugerindo que tais fatores são de extrema importância para o bom seguimento do tratamento e devem fazer parte dos padrões de cuidados com o diabetes.

Em geral, a adesão ao tratamento é mensurada a partir de medidas bioquímicas. No caso do diabetes, é frequente o uso de valores de glicemia de jejum (< 100 mg/dl), de glicemia randômica (com valores até 200mg/dl considerados normais até duas horas após a refeição) e a hemoglobina glicada (até 7%). Esta última tem sido considerada mais eficaz porque avalia a média dos índices glicêmicos dos últimos dois a três meses indicando a eficácia do tratamento e a adesão do paciente (SBD, 2009).

Além de medidas bioquímicas, tem-se utilizado também o autorrelato do paciente, como a descrição dos comportamentos emitidos em determinado intervalo de tempo e referentes ao seguimento ou não do tratamento prescrito. Contudo, o relato verbal do paciente é uma medida suspeita no sentido de não ser fidedigno para avaliação mais detalhada, pois o relato pode estar sob o controle de suas consequências imediatas (e.g., punição por parte do nutricionista por não ter seguido o plano alimentar prescrito) e não da ocorrência do comportamento que deveria ser relatado (Malerbi, 2000). Entretanto, podem-se obter dados mais confiáveis quando é solicitado ao paciente que relate comportamentos específicos, como a descrição do comportamento alimentar nas últimas 24 horas (Ferreira, 2001).

Estudos em Psicologia da Saúde têm apontado que o treino em automonitorização tem sido efetivo para instalar comportamentos de auto-observação, permitindo análises de contingências, pelo próprio paciente, acerca da relação entre seus estados emocionais, sintomas da doença e comportamentos de adesão ao tratamento (Bohm & Gimenes, 2008; Coelho & Amaral, 2008, 2012; Moraes, Rolim, & Costa Junior, 2009).

Bohm e Gimenes (2008) destacam que a automonitorização é a técnica de (auto) observação e avaliação, dentre outras disponíveis, mais barata, flexível e que exige menos custo clínico para a coleta de dados. Também afirmam que podem gerar relatos fidedignos acerca das contingências das quais o comportamento é função.Tais aspectos concernentes à automonitorização têm se refletido na opção pelo seu uso em pesquisa e/ou intervenções da análise do comportamento aplicada à saúde, a fim de promover a instalação e/ou manutenção de comportamentos importantes para o enfrentamento de condições adversas de saúde a baixo custo de resposta (Casseb, Malcher-Bispo, & Ferreira, 2008; Casseb & Ferreira, 2012).

Estudos apontam que pacientes com diagnóstico de doenças crônicas têm maior probabilidade de desenvolver formas patológicas de estresse, ansiedade e depressão. Isso se daria pela própria característica da condição crônica, como o caráter irreversível da doença, as mudanças no estilo de vida e a dependência contínua de medicamentos (Carvalho et al., 2007). Em relação ao diabetes, estudos mostram que alterações nos indicadores emocionais são frequentemente observadas nessa população e que tais indicadores são variáveis que influenciam o controle glicêmico dos pacientes (Ataíde & Damasceno, 2006). Desse modo,justifica-se a investigação dosaspectosemocionais como possíveis interferentes às dificuldades de adesão do paciente.Entretanto, a maioria dos estudos já publicados é descritiva e não aponta caminhos para a intervenção com esta população.

O objetivo do presente estudo foi comparar os efeitos de três procedimentos de intervenção (Automonitorização, Recordatório e Rotina) sobre indicadores emocionais (estresse, ansiedade e depressão), domínios de qualidade de vida e adesão ao tratamento em adultos com diagnóstico de diabetes Tipo 2.

 

MÉTODO

Participantes

Nove participantes(A1, A2, A3, B1, B2, B3, C1, C2 e C3)de um estudo anterior realizado por Ramos e Ferreira (2011) foram selecionados para esta pesquisa. As principais características sociodemográficas e clinicas dos participantes são descritas para melhor compreensão dos dados.

A1 é do sexo masculino, 57 anos, separado, ensino fundamental incompleto, profissão autônomo, pertence à classe econômica D, possui diabetes há 8 anos. Além do diabetes possui hipertensão e sobrepeso. Faz uso dos anti-hipoglicemiantes orais (glibenclamida e metformina) para diabetes e de medicação para hipertensão (captopril). Em linha de base o valor da hemoglobina glicada era de 9,2%. Apresenta episódios de hiperglicemia semas complicações crônicas da doença.

A2 é do sexo feminino, 54 anos, casada, ensino fundamental incompleto, é doméstica, classe D, há 12 anos com diabetes. Possui sobrepeso e hipertensão. Faz uso de hipoglicemiantes orais (glibenclamida e metformina)e insulina e medicação para hipertensão(captopril e hidroclorotiazida). Em linha de base apresentou hemoglobina glicada ligeiramente aumentada (7,5%). Apresenta episódios de hipoglicemia.

A3 é do sexo feminino, 56 anos, casada, ensino médioincompleto, é doméstica, classe C1, há 10 anos com diabetes, ausência de comorbidades. Toma hipoglicemiantes orais (glibenclamida) e outra medicação (sinvastatina). Em linha de base apresentou hemoglobina glicada pouco acima dos valores recomendados (7,6%). Apresenta episódios de hipoglicemia.

B1, sexo masculino, 57 anos, viúvo, ensino fundamental completo, é agente prisional, classe C2, há 3 anos com diabetes, ausência de comorbidades. Toma hipoglicemiantes orais (glibenclamida e metformina). Em linha de base apresentou hemoglobina glicada aumentada (8%).

B2, sexo masculino, 47 anos, casado, ensino médio completo, eletricista, classe C1, há 4 anos com diabetes. Possui hipertensão e sobrepeso. Faz uso de hipoglicemiantes orais para diabetes (glibenclamida e metformina), e outras medicações (AAS e sinvastatina), não faziauso de medicamentos para hipertensão. Em linha de base apresentou hemoglobina glicada pouco acima dos valores recomendados (7,1%). Apresenta episódios de hiperglicemia. Não apresenta complicações.

B3, sexo feminino, 58 anos, casada, dona-de-casa, ensino fundamental incompleto, classe C1, há 10 anos com diabetes. Possui colesterol elevado. Faz uso de hipoglicemiantes orais (glibenclamida, metformina e insulina) para diabetes e outras medicações (Ácido Acetil Salicílico e ciprofibrato). Em linha de base apresentou hemoglobina glicada bem acima dos valores recomendados (10,1%). Apresenta episódios de hiperglicemia,sem as complicações do diabetes.

C1, sexo feminino, 59 anos, casada, doméstica, ensino médioincompleto, classe C1, há 7 anos com diabetes, ausência de comorbidades. Faz uso de hipoglicemiantes orais para diabetes (glibenclamida). Em linha de base apresentou hemoglobina glicada aumentada (9%). Apresenta episódios de hiperglicemia, sem as complicações do diabetes.

C2, sexo feminino, 47 anos, casada, doméstica, ensino médio incompleto, classe C1, há 12 anos com diabetes. Possui hipertensão, colesterol elevado e sobrepeso. Faz uso de hipoglicemiantes orais (glibenclamida e metformina) para diabetes e medicação para hipertensão (propranolol) e outras medicações (AAS e sinvastatina). Em linha de base apresentou hemoglobina bem acima dos valores recomendados (12%). Apresenta episódios de hiperglicemia. Dentre as complicações do diabetes apresentava sintomas de neuropatia periférica.

C3, sexo feminino, 55 anos, solteira, doméstica, ensino fundamental incompleto, classe C1, há 17 anos com diabetes. Possui sobrepeso. Faz uso de hipoglicemiantes (insulina) para diabetes. Em linha de base apresentou hemoglobina bem acima dos valores recomendados (13%). Apresenta episódios de hiperglicemia, apresentando sintomas de retinopatia e neuropatia diabética.

Os participantes foram selecionados a partir dos seguintes critérios de inclusão: (1) resultado de hemoglobina glicada com valor acima de 7%, sugerindo baixa adesão ao tratamento de acordo com os critérios preconizados pela SBD; e (2) escores a partir de 10 pontos (nível leve) no Inventário de ansiedade Beck (BAI), ou escores a partir de 12 pontos (nível leve) no Inventário de depressão Beck (BDI), ou presença de estresse, de acordo com o Inventário de Sintomas de Stress de Lipp (ISSL). Foram excluídos do estudo os pacientes analfabetos, em decorrência de os participantes necessitarem realizar registros de automonitorização, e aqueles que declararam estar fazendo uso de medicação para controle de transtornos psiquiátricos e/ou realizando intervenção psicoterápica.

Material

a) Prontuário do Participante: documento sob a guarda da Unidade Básica de Saúde (UBS) no qual está registrada a história clínica e de acompanhamento do paciente ao longo dos atendimentos realizados pela equipe multiprofissional do Programa Hiperdia. No Brasil, o Hiperdia destina-se ao cadastramento e acompanhamento de pessoas com hipertensão arterial e/ou diabetes mellitus atendidos na rede ambulatorial do Sistema Único de Saúde – SUS, permitindo gerar informação para aquisição, dispensação e distribuição de medicamentos de forma regular e sistemática a todos os pacientes cadastrados.

b) Inventário de Sintomas de Stress de Lipp (ISSL): Elaborado por Lipp (2000), é utilizado em pesquisas e atividades clínicas para o diagnóstico do estresse em adultos, sendo composto de três quadros. O primeiro contém doze itens referentes aos sintomas físicos e três itens referentes aos sintomas psicológicos que o indivíduo tenha experimentado nas últimas 24 horas. O segundo, composto de dez sintomas físicos e cinco psicológicos, investiga os sintomas experimentados pelo informante na última semana. E o terceiro, composto dedoze sintomas físicos e de onze psicológicos, refere-se a sintomas experimentados no último mês. No total, o ISSL investiga a presença de 37 itens de natureza física e 19 psicológicas, sendo os sintomas muitas vezes repetidos, diferindo somente em sua intensidade e gravidade. Os resultados indicam ausência ou presença de estresse. No caso de presença, o estresse é classificado em quatro fases: alerta, resistência, quase exaustão ou exaustão.

c) Escalas Beck: Conjunto de quatro inventários criados por Aaron Beck para serem utilizados como medida de autoavaliação de depressão, ansiedade, desesperança e tentativa de suicídio, adaptado e validado para a população brasileira por Cunha (2001). Na presente pesquisa foram utilizados o Inventário de Depressão (BDI) e o Inventário de Ansiedade (BAI). O BDI compreende 21 categorias de sintomas e atividades, contendo quatro alternativas em cada uma, em ordem crescente do nível de depressão. O paciente deve escolher a resposta que melhor se adeque a sua última semana. A soma dos escores identifica o nível de depressão em: mínimo (de 0 a 11 pontos); leve (de 12 a 19 pontos); moderado (de 20 a 35 pontos); e grave (de 36 a 63 pontos).O BAI foi proposto para medir os sintomas comuns de ansiedade; consta de 21 sintomas e classifica a ansiedade em mínima (de 0 a 10), leve (de 11 a 19), moderada (de 20 a 30) e grave (de 31 a 63).

d) Questionário SF-36- Pesquisa em saúde: Instrumento traduzido e validado de acordo com o International Quality of Life Assessment Project (IQOLA). É um questionário com 36 itens, que engloba oito aspectos (capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral da saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental). Apresenta um escore final de 0 a 100, no qual zero corresponde ao pior estado geral de saúde e 100 ao melhor estado (Ciconelli, Ferraz, Santos, Meinão, & Quaresma, 1999).

e) Recordatório 24 horas: roteiro elaborado para a investigação de dados a respeito da adesão do paciente com relação à medicação, à atividade física e à dieta referentes às 24 horas anteriores à entrevista.

f) Protocolos de automonitorização da adesão ao tratamento: formulário subdividido em três modelos. (1) Protocolo de adesão à dieta: para o registro diário do comportamento alimentar emitido pelo participante durante uma semana; (2) Protocolo de adesão à medicação: para o registro diário da administração do medicamento realizado pelo participante pelo período de uma semana; (3) Protocolo de adesão à atividade física: para o registro diário da atividade física realizada pelo participante durante uma semana.

g) Protocolo de automonitorização de sintomas de estresse e ansiedade: formulário elaborado para este estudo e adaptado de Lipp (2000) com o objetivo de obter-se o registro diário feito pelo participante referente a sintomas de estresse e de ansiedade auto-observados. É composto por um quadro subdividido em sintomas físicos e psicológicos no qual o participante é instruído a assinalar o sintoma observado durante o período de uma semana.

h) Protocolo de automonitorização de sintomas de depressão: formulário elaborado para este estudo com o objetivo de obter-se o registro diário de sintomas relativos a estados de humor auto-observados pelo participante. É composto de faces que representam as emoções sentidas diariamente pelo participante durante o período de uma semana (variando de muito feliz, feliz, nem feliz nem triste, triste ou muito triste).

i) Treino em análise de contingências: roteiro de entrevista elaborado para este estudo com o objetivo de instalar comportamentos de auto-observação e de discriminação das contingências relacionadas à adesão à medicação, à atividade física e à dieta, assim como ao controle de indicadores emocionais (estresse/ansiedade/depressão), fornecendo feedback ao relato de comportamentos de adesão ao tratamento e de enfrentamento de problemas relacionados ao controle de emoções. Utilizou-se como referência o modelo construcional proposto por Goldiamond (2002).

Procedimento

Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos, sob o Protocolo nº 024/2011-CEP/NMT, a pesquisadora contatou por meio de telefonemaos participantes selecionados a partir do estudo de Ramos e Ferreira (2011) convidando-os a participar da pesquisa. No caso de concordância, a pesquisadora agendava uma visita domiciliar para a obtenção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Após a assinatura do TCLE, os nove participantes foram submetidos, individualmente, à coleta de dados por meio de entrevistas em domicílio, gravadas em áudio.

(1) Linha de Base

Inicialmente, fez-se a análise do prontuário de cada participante com o objetivo de obter-se o registro do valor da última medida de hemoglobina glicada e do tratamento mais recente indicado pela equipe multiprofissional da UBS. Em seguida, foram reaplicados (uma vez que os participantes já haviam sido avaliados uma vez por estes instrumentos no estudo de Ramos e Ferreira) o Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), o Inventário de Depressão de Beck (BDI), o Inventário de Stress de Lipp (ISSL), o Questionário SF-36 e o Recordatório das 24 horas, nesta ordem. Prosseguindo, foram realizadas três entrevistas com intervalo médio de uma semana nas quais foi feita somente a aplicação do Recordatório 24 horas.

(2) Intervenção

O procedimento de intervenção foi realizado sob três condições: Condição Automonitorização, Condição Recordatório e Condição Rotina. Os nove participantes foram distribuídos igualmente nas três condições conforme a ordem de entrada na pesquisa.

Condição Automonitorização (n=3)

Nesta condição, na última entrevista de linha de base, além do recordatório 24 horas, deu-se início ao treino para utilização dos protocolos de automonitorização com o preenchimento de um modelo de cada formulário, solicitando que o participante levasse em consideração a semana anterior à entrevista. Em seguida, a intervenção foi realizada em cinco entrevistas com intervalos de uma semana. Nestas, foram aplicados os protocolos de automonitorização (de estresse/ ansiedade, de sintomas de depressão e de adesão ao tratamento).

Para o preenchimento do protocolo de automonitorização de sintomas de estresse/ansiedade, a pesquisadora dava a seguinte instrução:

Eu vou deixar este formulário para o(a) senhor(a) preencher durante a próxima semana. Neste formulário tem uma tabela com uma coluna que contêm sintomas de estresse/ansiedade, e sete colunas que correspondem a cada um dos dias da semana. Eu peço que o(a) senhor(a) marque com um X na coluna o dia correspondente quando apresentar algum desses sintomas. Por exemplo, se o(a) senhor(a) tiver dificuldades com a memória na quarta-feira, marque com um X neste quadrado aqui. O(a) senhor(a) compreendeu? Posso repetir a instrução?

Para o preenchimento do Protocolo de automonitorização de sintomas de depressão, a pesquisadora dizia o seguinte:

Nesta outra folha, temos nesta coluna estas ‘carinhas’ que representam emoções humanas, como alegria e tristeza. Aqui, o senhor vai observar como se sente durante asemana e marcar com um X as emoções sentidas.

Para o preenchimento do Protocolo de automonitorização da adesão ao tratamento, a instrução era:

Nestes outros formulários, eu peço que o senhor marque com um X os dias em que, na sua avaliação, como o senhor julga que fez suas refeições, tomou seus remédios e fez atividade física de acordo com as orientações dos profissionais da UBS.

Em cada uma das entrevistas, os protocolos de automonitorização preenchidos pelo participante eram analisados de acordo com o roteiro de entrevista para o treino em análise de contingências.

Condição Recordatório (n=3)

Nesta Condição, a intervenção foi realizada em cinco encontros com intervalo médio de uma semana. Em todos os encontros era aplicado somente o Recordatório 24 horas.

Condição Rotina (n=3)

Nesta Condição, o participante era exposto somente às orientações fornecidas pelos profissionais da UBS, mantendo sua rotina de atendimento durante o mesmo período de cinco semanas em que a pesquisa foi realizada com os participantes das demais condições.

(3) Follow-up

Após 30 dias do encerramento da intervençãofoi realizada uma entrevista individual de follow-up, aplicando-se somente o Recordatório 24 horas com os participantes das três condições. Após uma semana do follow-up, foram reaplicados o Inventário de estresse de Lipp (ISSL), o Inventário de Depressão de Beck (BDI), o Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), o Questionário de Saúde SF-36 e o Recordatório 24 horas, com o objetivo de averiguar se houve mudança nos escores relacionados aos indicadores emocionais e aos domínios dequalidade de vida e de adesão ao tratamento ao final da pesquisa. Por fim, fez-se nova análise dos prontuários para a verificação dos valores de hemoglobina glicada de cada participanteao final do estudo.

Os dados coletados foram analisados por grupos de variáveis: indicadores emocionais, domínios de qualidade de vida, medidas bioquímicas referentes ao controle glicêmico e registros e relatos de comportamentos de adesão ao tratamento. Os dados sobre indicadores emocionais e domínios de qualidade de vida foram apurados de acordo com as normas de cada instrumento, considerando-se valores pré e pós-intervenção. O controle glicêmico foi avaliado por meio de valores de hemoglobina glicada retirados do prontuário de cada participante, antes e após a intervenção. A adesão ao uso do medicamento foi mensurada fazendo-se a contagem da ocorrência diária do comportamento alvo registrado em cada Protocolo de automonitorizaçãoe a partir do conteúdo das transcrições dos relatos feitos pelo participante a cada entrevista gravada em áudio, tendo como base o Recordatório 24 horas.

A adesão à dieta foi analisada de acordo com a fórmula do Índice de Adesão à Dieta (IAD) do plano alimentar proposta por Gomes, Ferreira e Souza (2012), que corresponde a: IAD= Número de itens ingeridos corretamente / Número de itens recomendados + número de itens excedentes ingeridos x 100. Tomou-se como referência o modelo de plano alimentar sugerido por uma nutricionista com história de atendimento a adultos com diabetes. Para as análises, contou-se com a supervisão de outra nutricionista especializada no atendimento de adultos com diabetes.

Quanto à adesão à atividade física, optou-se pela classificação em: (a) atividade de rotina, para representar as atividades físicas realizadas durante a rotina do participante, como tarefas domésticas, atividades laborais, caminhadas em substituição ao transporte urbano; (b) atividade orientada, para os casos onde o participante frequentasse academia de ginástica ou outro local onde recebesse orientações sobre como realizar a atividade física regularmente; e (c) sedentarismo, nos casos onde o participante relatasse ausência de atividade física em sua rotina.

Os dados receberam tratamento estatístico descritivo, por meio da contagem da frequência, média e do percentual do comportamento relatado.

 

RESULTADOS

A amostra do estudo foi constituída predominantemente por indivíduos do gênero feminino (n=6), casados (n=5), com Ensino Fundamental incompleto (n=7), ocupação principal em atividades domésticas (n=6), com idade entre 47 a 59 anos (M=54,4; DP=4,47)e pertencentes à classe econômica C (n=7), segundoo Critério de Classificação Econômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2012).

Quanto às características clínicas dos participantes, o tempo de diagnóstico do diabetes variou de três a dezessete anos (M= 9 anos). Os participantes com mais tempo de diagnóstico foram aqueles com maiores valores de hemoglobina glicadaao início do estudo (17 anos=12%; 12 anos=12%; 10 anos=10,1%). Alguns participantes (n= 5) apresentavam outras comorbidades, como hipertensão arterial e sobrepeso, o que pode caracterizar o quadro de síndrome metabólicae consequentemente contribuir para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e complicações em longo prazo.

Os três participantes da Condição Automonitorização iniciaram a pesquisa com níveis altos de estresse, mas baixos de depressão e ansiedade. Ao final, dois deles (A1 e A3) melhoraram em relação ao estresse e permaneceram com nível mínimo de depressão e de ansiedade. A participante A2 reduziu o nível de estresse para uma fase anterior da escala, mas agravou o nível de ansiedade, passando de mínimo para moderado. Na Condição Recordatório, os três participantes encerraram a pesquisa com ausência de estresse e nível mínimo de ansiedade. Porém, B1 apresentou aumento no nível de depressão, passando de mínimo para leve. Por sua vez, B3 também apresentou aumento discreto em seus níveis de depressão, passando de mínimo para leve ao final do estudo. Na Condição Rotina, todas as participantes apresentaram presença de estresse, depressão e ansiedade, tanto em linha de base quanto ao final da pesquisa.

A figura 1 apresenta as mudanças nos valores de hemoglobina glicada comparando-se os resultados observados em linha de base e os resultados observados após a intervenção.

 

 

Observa-se na figura 1 que, na Condição Automonitorização, todos os participantes (A1, A2 e A3) apresentaram diminuição nos valores de hemoglobina glicada ao final da intervenção, ficando abaixo de 7% e, desse modo, classificados dentro dos limites considerados como adequados para o controle glicêmico segundo a SBD (2011). Os participantes B1, C2 e C3 também reduziram os valores de hemoglobina glicada, mas esta redução não foi suficiente para o controle do diabetes, pois não alcançou o valor máximo de 7% recomendado. Observou-se também que, na Condição Rotina todos os participantes (C1, C2 e C3) mantiveram a hemoglobina glicada em níveis elevados (variando de 9,1 a 12,1%).

A figura 2 apresenta os valores médios obtidos com o cálculo do Índice de Adesão à Dieta (IAD) dos participantes das três condições, em linha de base e após a intervenção.

 

 

Dos nove participantes, somente um em cada condição (A2, B1 e C3) obteve IAD acima de 50% ao final do estudo, valor este considerado como mínimo para obter-se algum efeito positivo sobre o controle glicêmico. A participante C3 foi a que obteve média de IAD mais alta, tanto em linha de base quanto ao final da pesquisa; entretanto, seus relatos de adesão à dieta durante as entrevistas indicam incompatibilidade com os valores de hemoglobina glicada (13% em linha de base e 12,1% ao final do estudo), os quais sugerem controle glicêmico inadequado provavelmente relacionado à baixa adesão ao tratamento. Desse modo, pode-se considerar que as mudanças observadas nas médias do IAD dos participantes, comparando-se linha de base e pós-intervenção, não foram suficientes para caracterizar adesão ao tratamento, mesmo entre aqueles que foram submetidos à Condição Automonitorização ou à Condição Recordatório.

Quanto à adesão à atividade física em linha de base, na Condição Automonitorização os participantes A2 e A3 relataram já realizar atividade física orientada. Na Condição Recordatório, os participantes B1 e B2 afirmaram ser sedentários e B3 realizava atividade de rotina. Todos os participantes da Condição Rotina relataram realizar atividade física somente em sua rotina diária.

Com relação à adesão à medicação, todos os participantes, independentemente da condição, foram unânimes em afirmar, em todos os encontros de linha de base, que faziam o uso correto da medicação (100% de adesão). Entretanto, pode-se supor que estes relatos não eram fidedignos ao serem comparados com as medidas de hemoglobina glicada obtidas em linha de base, as quais indicavam descontrole glicêmico sugerindo baixa adesão ao uso de medicamentos.

Quanto à adesão à medicação e à atividade física orientada, não houve mudanças ao final do estudo, independentemente da Condição a qual o participante foi exposto. Todos os participantes relataram 100% de adesão à medicação tanto em linha de base quanto após a intervenção. Somente um participante (B2, Condição Recordatório) passou a relatar atividade física regular orientada após a intervenção. Destaca-se a incompatibilidade entre o relato de 100% de adesão ao uso dos medicamentos feito pelos participantes da Condição Rotina e os resultados altos de hemoglobina glicada.

O Quadro 2 apresenta os valores correspondentes aos domínios de qualidade de vida segundo o Questionário SF-36, obtidos em linha de base e após a intervenção a partir da média dos participantes de cada Condição.

 

 

Com base nos dados apresentados no Quadro 2, considerando-se a média geral obtida pelos participantes em cada domínio de qualidade de vida em linha de base, pode-se observar que aspectos sociais (M=90,27), limitação por aspectos emocionais (M=77,77) e capacidade funcional (M=73,88) foram os domínios mais bem avaliados pela maioria dos participantes.Os domínios mais comprometidos foram dor (M=53,33), estado geral de saúde (M=56,11), saúde mental (M=57,33), vitalidade (M=58,33) e limitação por aspectos físicos (M=63,88). Ao final do estudo os resultados foram semelhantes.

Comparando-se os resultados obtidos em linha de base e após a intervenção em cada uma das Condições, observa-se que os participantes das Condições Automonitorização e Recordatório apresentaram melhora na percepção da maioria dos domínios de qualidade de vida ao final do estudo, em especial no domínio limitação por aspectos emocionais. Os participantes da Condição Rotina apresentaram piora em sua percepção de cinco domínios de qualidade de vida ao final do estudo, com destaque para o domínio aspectos sociais.

Nos Protocolos de automonitorização de sintomas de depressão,utilizados exclusivamente com os participantes da Condição Automonitorização, as emoções mais registradas pelos participantes foram “feliz” (participantes A1 e A2) e “nem feliz nem triste” (participante A3). Provavelmente, os participantes devem ter respondido com maior frequência a estes indicadores pela dificuldade de discriminar sentimentos e emoções. Observou-se que ao serem solicitados a descrever seus sentimentos, estes participantes o faziam de uma forma muito imprecisa, inclusive apresentando contradições.

No Protocolo de automonitorização de sintomas de estresse/ansiedade, os sintomas mais registrados pelo participante A1 foram diminuição da vontade de fazer sexo (n=35 registros), seguido por aparecimento de problemas na pele (n=28 registros) e problemas com a memória (n=21 registros). A participante A2 registrou mais ocorrência de mudança de apetite e cansaço constante (n=35 registros) e dúvidas quanto a suas próprias capacidades (n=28 registros). Quanto à participante A3, houve uma maior variabilidade no registro dos indicadores, ao ser comparado com o registro dos demais participantes desta condição, sendo que os mais frequentes foram: diminuição da vontade de fazer sexo (n=30 registros), aparecimento de problemas na pele (n=23 registros), seguidos por problemas com a memória e choro frequente (n= 14 registros).

Durante a intervenção, os participantes da Condição Automonitorização foram submetidos ao treino de análise de contingências. Ao final de cada relato, a pesquisadora destacava comportamentos relatados pelo participante e ensinava-o a fazer análise das contingências presentes no contexto em que o comportamento ocorreu, seguindo o modelo construcional de Goldiamond (2002), relacionando cada comportamento a antecedentes e consequentes e auxiliando o participante a identificar variáveis de controle para o comportamento alvo.

 

DISCUSSÃO

As características da amostra utilizada neste estudo corroboram os achados da literatura, uma vez que o diabetes tem sido mais frequentemente registrado em mulheres. A explicação para este fato tem sido de que elas têm uma preocupação maior com a saúde do que os homens, o que provavelmente leva à notificação de mais casos no gênero feminino e, consequentemente, uma procura maior destas pelos serviços de saúde (Alves & Calixto, 2012; Morais, Soares, Costa, & Santos, 2009). Com relação à idade, a literatura aponta que o diabetes Tipo 2 tem sua prevalência em indivíduos com idade igual ou maior a 40 anos (Ferreira & Ferreira, 2009; Otero, Zanetti, & Teixeira, 2007), o que foi observado na amostra. Quanto ao nível de escolaridade, ocupação e classe econômica dos participantes, os dados encontrados condizem com estudos anteriores, visto que são características comumente presentes na população brasileira usuária dos serviços públicos do Sistema Único de Saúde (SUS) (Ferreira & Ferreira, 2009).

Os participantes que apresentaram ao início do estudo os valores mais elevados de hemoglobina glicada eram aqueles que também tinham um longo tempo de diagnóstico do diabetes. A literatura afirma que, sendo o diabetes uma doença crônica e degenerativa, com o passar do tempo o paciente pode apresentar dificuldades em manter seus níveis glicêmicos estabilizados, o que facilita o desenvolvimento das complicações crônicas, justificando investimentos em programas de prevenção e controle do diabetes e de incentivo à adesão ao tratamento (Otero et al., 2007; SBD, 2011).

Foi utilizada uma amostra não probabilística intencional, composta por adultos com diabetes Tipo 2 com alguma alteração em seu estado emocional a partir da seleção de participantes de um estudo anterior (Ramos & Ferreira, 2011). Naquele estudo, realizado com 30 participantes, os resultados mostraram que não houve uma associação estatisticamente significativa entre fatores emocionais e adesão ao tratamento (avaliado por meio da hemoglobina glicada), o que indica que os fatores emocionais não foram variáveis determinantes para a falta de adesão daquela amostra. No presente estudo, também não houve melhora na adesão ao tratamento, pois os valores de IAD e de hemoglobina glicada ficaram distantes dos limites considerados como adequados para o controle do diabetes.

Pode-se observar que ao início do estudo a maioria dos participantes (n= 7) apresentou presença de estresse, predominando a fase de quase exaustão. Segundo Lipp (2000), a fase de quase exaustão se caracteriza pelo enfraquecimento do indivíduo que não consegue adaptar-se ou resistir ao agente estressor, sendo este momento favorável ao aparecimento de doenças. Para Lipp, embora o indivíduo apresente desgaste emocional e mesmo outros sintomas, nesta fase ainda é possível apresentar um regular funcionamento em seu ambiente social. Esta característica foi observada nos participantes ao longo da pesquisa, pois, mesmo estando comprometidos do ponto de vista da saúde, eles conseguiam fazer suas atividades rotineiras de forma regular.

Com relação aos indicadores de depressão, a maioria dos participantes apresentou nível leve e moderado de depressão (somente C3 foi classificada com depressão grave). Tais características podem estar relacionadas ao próprio enfrentamento da condição clínica, devido às alterações no curso da doença ao longo do tempo, conforme sugerido por Moreira et al. (2003).

Quanto aos indicadores de ansiedade, a maioria dos participantes apresentou ansiedade mínima (n=5). Oliveira e Sales (2005) encontraram resultados semelhantes ao investigarem a prevalência de ansiedade e depressão em pacientes com diabetes e/ou hipertensão.

As mudanças observadas após a intervenção nos indicadores emocionais dos participantes das Condições Automonitorização e Recordatório provavelmente ocorreram devido estes participantes terem sido acompanhados mais diretamente, recebendo atenção individual da pesquisadora. Neste período, ficaram expostos a incentivos verbais para prosseguirem aderindo ao tratamento e, no caso dos participantes da Condição Automonitorização, recebendo orientações sobre modos de enfrentamento do problema por meio do Treino em análise de contingências. Tais resultados apontam para a possibilidade do uso de automonitorização como recurso para instalação e/ou manutenção de comportamentos importantes para o enfrentamento de condições adversas no contexto da saúde, conforme preconizado por Bohm e Gimenes (2008), Casseb et al. (2008) e Casseb e Ferreira (2012).

Com relação às emoções relatadas de sentirem-se “felizes”, “nem felizes/nem tristes” e ou “tristes” são reações que os participantes se referiam diretamente a fatores ligados ao ambiente familiar como conflitos, falta de apoio familiar no tratamento, dificuldades econômicas. Por sua vez, não foram observadas mudanças nos indicadores emocionais das participantes da Condição Rotina, as quais ficaram somente sob o controle da rotina de atendimento da UBS. Nestes participantes também foi observada piora na percepção de cinco domínios de qualidade de vida ao final do estudo. Tais resultados sugerem a necessidade de se incluir a avaliação e a oferta de apoio psicológico aos portadores de diabetes como forma de enfrentamento das exigências do tratamento e do próprio ciclo de vida, uma vez que a maioria dos pacientes se encontra no final da idade adulta e entrando na velhice (Oliveira & Sales, 2005).

Os resultados são semelhantes aos encontrados por Surwit et al. (2002) os quais mostraram que um treino em manejo de estresse estava associado a uma pequena, mas significativa redução da hemoglobina glicada (A1C) ao ser comparado com o grupo submetido somente ao programa de educação em diabetes. Esses achados sugerem a eficácia do treino de controle de estresse no controle glicêmico em pacientes com diabetes Tipo 2.

Quanto à percepção da qualidade de vida,somente umparticipanteda Condição Recordatório (B2) e um da Condição Rotina (C3) apresentaram melhoras significativas ao final do estudo. Os dados encontrados neste estudo corroboram resultados encontrados na literatura quanto ao diabetes ser uma condição crônica que afeta a qualidade de vida dos pacientes. Esta condição pode gerar uma percepção negativa da qualidade de vida afetando a maioria dos seus domínios (Cardoso, Valoes, Almeida, & Ferrari, 2012).

Fernandes, Vasconcelos, e Silva (2009) consideram que os domínios de QV saúde mental e aspecto emocional, ambos obtidos por meio do Questionário SF-36, são avaliados por meio de indicadores emocionais (e.g., estresse, ansiedade e depressão) e por alterações comportamentais e bem-estar psicológico. Neste estudo, os resultados dos participantes foram discrepantes visto que alguns apresentaram uma boa percepção de qualidade de vida nestes dois componentes, mas nos níveis de estresse, ansiedade e depressão apresentaram escores elevados.

A seleção dos instrumentos utilizados para este estudo justifica-se pela confiabilidade e fidedignidade dos mesmos e por terem sido validados para a utilização em pesquisa. No entanto para avaliação do estresse foi planejado a utilização de medidas bioquímicas como exames laboratoriais para avaliar o nível de cortisol dos participantes para poder compará-lo com o instrumento, mas devido seu alto custo não foi possível sua utilização.

Os resultados destacam a importância de se utilizar múltiplas medidas de adesão ao tratamento, como foi o caso deste estudo. A comparação entre os relatos dos participantes e os valores de hemoglobina glicada permitiu inferir que, em relação àmedicação os relatos poderiam não ser fidedignos, pois havia incompatibilidade entre o que o participante relatava sobre o uso contínuo e pontual do medicamento (sugerindo 100% de adesão) e os altos valores de hemoglobina glicada obtidos por meio de exame de laboratório. Por sua vez, observou-se também que, quanto à dieta, os relatos dos participantes foram, em sua maioria, característicos de não seguimento da dieta, coincidindo com a medida bioquímica.

Com relação à adesão à medicação, a divergência observada nos resultados confirmam os dados da literatura quanto à dificuldade com a adesão à medicação no tratamento do diabetes (Groff, Simões, & Fagundes, 2011; Pereira, Barboza, & Miyar, 2010). Mesmo o tratamento medicamentoso para o diabetes Tipo 2sendo considerado como de fácil administração, por requerer a ingestão de comprimidos orais poucas vezes ao dia, observa-se dificuldade de adesão quando são utilizadas medidas mais objetivas e diretas, como os exames laboratoriais (Santos, Oliveira, & Colet, 2010), e não somente por meio do próprio relato do paciente.

Os efeitos observados com os participantes da Condição Automonitorização sugerem a importância de se inserir a avaliação de indicadores emocionais e de qualidade de vida no protocolo de assistência a adultos com diabetes Tipo 2, como prevenção a dificuldades na adesão ao tratamento como recomendado pela ADA (2013) e SBD (2011). O protocolo também poderia inserir o treino de habilidades sociais com vistas a promover um melhor enfrentamento de contingências aversivas as quais os pacientes estiverem expostos, como os frequentes conflitos familiares relatados pelos participantes, dando-se ênfase à importância do suporte social para a resolução de problemas.

Este estudo revelou que um conjunto de variáveis interfere nas dificuldades do indivíduo com diabetes em aderir às prescrições dos profissionais de saúde. Dentre elas, destaca-se a falta de uma sistematização no atendimento oferecido pela UBS aos participantes, visto que as metas do tratamento não estavam claras para esta amostra. Observou-se que os participantes desconheciam o significado dos valores da hemoglobina glicada, não planejavam as refeições de modo a controlar a ingestão de carboidratos, nem administravam sua rotina de modo a seguir o tratamento sem prejudicar a qualidade de vida.

Outras variáveis relevantes identificadas ao longo do estudo se referem às contingências ambientais às quais os participantes estavam expostos. A maioria destas se reportava a conflitos no relacionamento familiar, associados a dificuldades no controle das emoções e ao abandono do tratamento.

Com base nos dados, pode-se supor que os participantes apresentaram dificuldades em discriminar seus sentimentos, emoções e reações fisiológicos e o que provavelmente a frequência desses respostas poderiam indicar estados glicêmicos alterados como hipoglicemia e hiperglicemia. No entanto outros processos também podem estar envolvidos na manutenção da hiperglicemia de alguns participantes como, por exemplo, idade do participante, deficiência nutricional (de ácido fólico, vitaminas B6 e B12 e de ferro), uso de medicações e outras condições não avaliadas durante o estudo.

Alguns aspectos deverão ser considerados com relação aos dados dos participantes da Condição Automonitorização, apesar de terem sidos avaliados e orientados em discriminar comportamentos importantes para o manejo e controle do diabetes, foi frequente os estados emocionais negativos em que envolviam seu ambiente familiar. Em razão do fato de extrapolar os objetivos do estudo não houve intervenção sobre esta variável. Com base nos resultados obtidos neste estudo podemos inferir que os fatores emocionais e qualidade de vida são variáveis significativas do ponto de vista clinico.

O presente estudo teve algumas limitações no que se refere à utilização de medidas mais precisas para avaliar os fatores que afetam a adesão ao tratamento. Em razão dessas limitações é necessário que investigações futuras sejam realizadas com objetivo de investigar variáveis que interferem o aumento da A1C e sua relação com a adesão ao tratamento.

 

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Endereço para Correspondência

Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento, Universidade Federal do Pará. Cidade Nova IV WE 41 Nº 162, Coqueiro, 67.130-240, Ananindeua-Pará-Brasil. Telef.: 55+91+ 8177-7765. E-mail: lucianeramos@ufpa.br

 

Recebido em 16 de Setembro de 2013/ Aceite em 25 de Setembro de 2014

 

Agradecimentos

Trabalho parcialmente financiado pela CAPES por meio de bolsa de doutorado para a primeira autora e pela Fundação de Apoio à Pesquisa no Estado do Pará-Brasil (FAPESPA) por meio do Edital Nº 003/2008, Processo Nº 102/2008.