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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.15 no.3 Lisboa dez. 2014

https://doi.org/10.15309/14psd150301 

Criatividade e motivação dos artistas como preditores da sua saúde mental

Artists’ creativity and motivation as predictors of their mental health

 

Saul Neves de Jesus1, Susana Imaginário1, Inês Moura1, João Viseu1, & Cláudia Rus2

1Universidade do Algarve, Faro, Portugal;

2Universidade Babes-Bolyai, Cluj, Roménia

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

A literatura parece sugerir que os profissionais que trabalham no meio artístico apresentam uma maior criatividade, bem como uma elevada motivação no processo de produção artística, mas também que revelam uma maior vulnerabilidade em termos de saúde mental. O presente estudo tem como principal objetivo compreender se a criatividade e motivação de profissionais do mundo artístico pode ajudar a prever a sua saúde mental, sendo esta avaliada através de três indicadores de mal-estar: (a) stresse; (b) ansiedade; e (c) depressão. Foram utilizados instrumentos já existentes para avaliar a criatividade (EPC), a motivação intrínseca (IMQ) e o stresse, a ansiedade e a depressão (DASS-21). A amostra era constituída por 100 artistas profissionais. Foi possível verificar a existência de uma correlação significativa entre a criatividade e a motivação profissional. Verificou-se, ainda, que a relação entre os três indicadores de mal-estar e a criatividade, por um lado, e a motivação intrínseca, por outro, é sempre negativa, embora na análise dos efeitos conjuntos da criatividade, da motivação e das variáveis sociodemográficas, apenas a criatividade contribua de forma significativa para menores níveis de ansiedade. Com base nos resultados obtidos, a criatividade parece ter um efeito protetor em relação à saúde mental dos artistas.

Palavras-chave - Artistas, criatividade, motivação intrínseca, saúde mental.

 

ABSTRACT

Literature seems to suggest that professionals working in the arts field are more creative, and work motivated, but also reveal greater mental health vulnerability. Therefore, the main aim of this paper is to understand if creativity and motivation in the art world, can help predict artitsts’ mental health, in terms of stress, anxiety, and depression. Existing instruments were used to assess creativity (EPC), intrinsic motivation (IMQ), and the three indicators of malaise: (a) stress; (b) anxiety; and (c) depression (DASS-21). The sample comprised 100 professionals from the art world. There is a significant correlation between creativity and professional motivation. It was also found that the relationship between the three indicators of malaise and creativity or intrinsic motivation is always negative. Nevertheless, the analysis of the joint effects of creativity, motivation, and socio-demographic variables, showed that only creativity contributes significantly to lower levels of anxiety. Creativity seems to have a protective effect on artists’ mental health.

Key- words - Artists, creativity, intrinsic motivation, mental health.

 

Foi sobretudo a partir dos anos 50, em particular com a publicação do artigo “Creativity” de Guilford (1950), no período em que este foi Presidente da American Psychological Association (APA), que o conceito de criatividade começou a ser objeto de investigação científica. Nos últimos anos, começou a ser utilizado em diversos domínios e áreas científicas (Martinsen, 2003), ocorrendo nos anos 90 um aumento exponencial do número de publicações sobre criatividade, conforme pudemos observar num estudo anterior em que analisámos as publicações registadas em diversas bases de dados, em particular na Web of Knowledge (Imaginário, Duarte, & Jesus, 2011).

A criatividade é um conceito complexo, tendo sido já identificadas mais de uma centena de definições para este construto (Meusburger, Funke, & Wunder, 2009). Não obstante a diversidade de modelos teóricos e de instrumentos de avaliação, a criatividade pode ser considerada como o fenómeno em que uma pessoa cria algo de novo (um produto ou uma solução) que tem algum tipo de valor ou utilidade (Amabile, 1996; Jesus, Morais, et al., 2011). Têm sido verificadas várias características idênticas entre os sujeitos criativos, como sejam a originalidade e a curiosidade (Eysenck, 1995).

A conceptualização dos quatro “Ps” proposta por Rhodes (1961) é usualmente a mais aceite pelos autores, pois sistematiza os vários aspectos sobre os quais a criatividade pode ser abordada. Neste enquadramento, os “4 Ps” da criatividade são: (a) Process; (b) Product;(c) Person; e (d) Place, isto é, respectivamente, o processo, o produto, a pessoa e o ambiente. A pessoa refere-se ao sujeito criativo, o produto diz respeito ao resultado da produção criativa (i.e. uma peça de arte, novas ideias ou soluções para problemas), o processo representa a ligação entre a pessoa e o produto, podendo ser identificadas várias fases (preparação, incubação, insight e verificação), enquanto o ambiente traduz as condições necessárias para a criatividade (Kaufman & Sternberg, 2010). É necessário sublinhar que é através da interação dinâmica entre estas características que o ato de criar se torna possível (Santeiro, Santeiro, & Andrade, 2004).

São muitos os fatores que podem influenciar o ato criativo, mas quando nos remetemos à pessoa criativa é importante salientar os contributos da sua motivação (Runco, 2007). A motivação e a criatividade são aspetos essenciais para a inovação e para o empreendedorismo (Jesus & Lens, 2005). Relativamente à relação entre criatividade e motivação, Runco (2007) defende que os motivos intrínsecos desempenham um papel mais significativo no ato criativo do que os extrínsecos. Numa meta-análise que realizámos sobre as relações entre a motivação e a criatividade (Jesus, Rus, Lens, & Imaginário, 2012), em que foram analisados 15 estudos que incluíam 27 amostras independentes e 6435 participantes, verificámos que a produção criativa está significativamente relacionada com a motivação intrínseca.

Embora se possa dizer que todas as pessoas podem ser criativas, é de esperar que os sujeitos associados ao trabalho artistico apresentem algumas caraterísticas próprias, em particular uma elevada criatividade (Runco & Pritzker, 1999). De fato, as investigações (e.g. Nelson & Rawlings, 2010) têm permitido verificar que os artistas são dos grupos profissionais mais criativos e motivados (e.g. Csikszentmihalyi, 1996). No entanto, há também investigações que apontam no sentido de que os artistas são dos profissionais com maior risco de apresentar problemas de saúde mental e sintomas de mal-estar, em particular stresse, ansiedade e depressão (Garcês, Pocinho, & Jesus, 2013).

Em relação ao stresse, têm sido várias as investigações (e.g. Langendorfer, Hodapp, Kreutz, & Bongard, 2006) que verificaram a existência de um elevado risco de sintomas de stresse nos artistas. No que concerne à ansiedade, num estudo desenvolvido por Feist (1998), em que se compararam amostras de artistas e de não artistas, concluiu-se que os participantes ligados às artes eram mais abertos à experiência, estando muito orientados para a fantasia e imaginação, mas todavia também se revelavam mais ansiosos. Por seu turno, outras investigações (e.g. Kaufman & Sexton, 2006) salientam o risco mais elevado de perturbações depressivas e de suicídio nos artistas do que noutros grupos profissionais (e.g. Stack, 1996). Face a estes resultados, parece ser particularmente interessante a análise das relações entre a criatividade e estes indicadores de mal-estar (i.e. stresse, ansiedade e depressão) em artistas.

No entanto, numa pesquisa realizada em Março de 2011, em que cruzámos as palavras-chave Stress/Anxiety/Depression (ou conceitos próximos: Pressure e Threat), Creativity (ou conceitos próximos: Creative e Inovation) e Artist,sendo utilizadas várias bases de dados – Academic Search Premier (EBSCO), PsychInfo (EBSCO), Medline (EBSCO)e Web of Science® (WoS) (Web of Knowledge) – permitiu obter apenas 36 referências, das quais apenas nove apresentavam resultados de estudos feitos com ou sobre artistas (Jesus, Brás, & Rus, 2011). Para além de serem em reduzido número, todos eles eram estudos biográficos, não havendo qualquer estudo empírico em que tivesse sido utilizada uma amostra de artistas.

Não obstante não terem sido realizadas investigações empíricas em que os participantes fossem artistas, sobre as relações entre criatividade e saúde mental há dois tipos de posições por parte dos autores: (a) os que consideram existir uma relação entre a criatividade e os problemas de saúde mental (e.g. Holden, 1987); e (b) outros que salientam a importância da criatividade para uma melhor saúde mental (e.g. Maslow, 1968; Vigotski, 1972), podendo ajudar o sujeito a lidar com a depressão e com os fatores de stresse e ansiedade (Barker, 2006). Diversos estudos (e.g. Amabile, Goldfarb, & Brackfield, 1990; Elsback & Hargadon, 2006) em que os participantes não eram artistas identificaram uma relação negativa entre stresse e criatividade, enquanto outros encontraram uma relação positiva (e.g. Coelho, Augusto, & Lages, 2011).

Há ainda estudos (e.g. Baer & Oldham, 2006) que verificaram uma relação curvilinear entre as duas variáveis, stresse e criatividade. Neste caso, os stressores podem aumentar o desempenho criativo, mas apenas até um nível moderado de ativação, porque depois podem ter uma influência cognitiva e comportamental negativa, provocando uma diminuição do desempenho.

Nesse sentido, num estudo anterior, realizámos uma meta-análise em que procurámos sumariar as investigações anteriormente realizadas sobre as relações entre o stresse e a criatividade na produção artística (Jesus & Rus, 2011). Nessa meta-análise foram incluídos os 24 estudos experimentais que tinham avaliado, até ao momento, a influência dos stressores nos resultados obtidos na produção artística, num total de 30 amostras independentes em que participaram 2315 sujeitos. Os resultados revelam que não há um efeito direto, positivo ou negativo, dos stressores sobre a criatividade na produção artística. Também a relação curvilinear entre estes dois conceitos não se revelou significativa, sendo o efeito do stresse sobre a criatividade moderado por outras variáveis.

Assim sendo, é necessário esclarecer a influência da criatividade sobre variáveis indicadoras de mal-estar, como seja o stresse, a ansiedade e a depressão, no sentido de avaliar se a criatividade pode ter um efeito protetor na saúde mental do sujeito. Em particular, é importante estudar a criatividade nas organizações (Bruno-Faria, Veiga, & Macêdo, 2008).

Tendo em conta que, para além da criatividade, também a motivação intrínseca no trabalho é fundamental para compreender o empreendedorismo dos colaboradores, o presente estudo apresenta como principal objetivo avaliar a relação entre as variáveis criatividade e motivação intrínseca, bem como compreender de que forma estas podem contribuir para prevenir o mal-estar de profissionais ligados a atividades artísticas.

 

MÉTODO

Participantes

A amostra é constituída por 100 artistas, sendo 50 de nacionalidade portuguesa e 50 de nacionalidade romena. Os inquiridos apresentam idades compreendidas entre 18 e 60 anos (M=33,84; DP=11,10), sendo a maior parte (n=55;55%) do género feminino.

Os artistas apresentam, na sua maioria, formação ou frequência do ensino superior (n=92;92%). Exercem a atividade profissional em média há 12 anos (DP=9,46), estando a maior parte da atividade artística associada a artes visuais e criação literária (n=79;79%), enquanto os restantes (n=21; 21%) trabalham em artes performativas.

Material

Foi formulado um Questionário Sociodemográfico para a recolha de dados de caracterização dos inquiridos, nomeadamente a nacionalidade, a idade, o género, as habilitações, o tempo de serviço e o tipo de atividade desempenhada.

Para avaliar a motivação intrínseca foi utilizada a versão portuguesa do Intrinsic Motivation Questionnaire (IMQ) (Lawler & Hall, 1970; validada por Jesus, 1996), que apresenta quatro itens numa escala de tipo Likert de 7-pontos (1=discordo totalmente; 7=concordo totalmente). No estudo inicial em que utilizámos esta escala, todos os itens tinham uma correlação superior a 0,30, tendo sido obtida uma consistência interna de 0,86 e uma média de 22,46 (Jesus, 1996).

Por sua vez, na avaliação da personalidade criativa, utilizou-se a Escala de Personalidade Criativa (EPC) (Jesus, Morais, et al., 2011), constituída por 30 itens, avaliados numa escala de tipo Likert de 5-pontos (1=discordo totalmente; 5=concordo totalmente), onde através da análise das respostas obtidas é possível obter uma medida única de personalidade criativa. Num estudo exploratório inicial (Jesus, Morais, et al., 2011) foi obtida uma consistência interna de 0,95 e uma média de 110,29.

Por último, para a mensuração do mal-estar, utilizou-se a versão portuguesa da Escala de Ansiedade, Depressão e Stress – DASS (Lovibond & Lovibond, 1995), na sua versão reduzida, composta por 21 itens, avaliados numa escala de tipo Likert de 4-pontos (0=não se aplicou a mim; 3=aplicou-se a mim na maioria das vezes), que afere a frequência das situações descritas nos itens. Cada uma das três dimensões deste instrumento (i.e. stresse, ansiedade e depressão) é avaliada por sete itens. Na investigação de adaptação deste instrumento à população portuguesa (Pais Ribeiro, Honrado, & Leal, 2004) foram obtidos valores de consistência interna acima de 0,70 para todas as três dimensões, tendo-se registado as seguintes médias: (a) 12,34 (stresse); (b) 5,74 (ansiedade); e (c) 6,00 (depressão).

Procedimento

Os instrumentos foram passados em grupo, sempre com a presença de um dos investigadores, para poder esclarecer alguma dúvida colocada pelos participantes.

Para a análise estatística dos resultados foi utilizada a versão 17 do Statistical Package for Social Sciences (SPSS).

 

RESULTADOS

Foram obtidos coeficientes alfa de Cronbach acima de 0,70 em todos os instrumentos (ver quadro 1), verificando-se que as medidas utilizadas apresentam uma boa robustez psicométrica. Em termos da estatística descritiva das variáveis avaliadas, esta encontra-se, igualmente, no quadro 1.

 

 

No que diz respeito à relação entre as variáveis psicológicas avaliadas, de acordo com o esperado, foi obtida uma correlação significativa entre a criatividade e a motivação intrínseca (r=0,45; p<0,01 ), bem como entre as três variáveis indicadoras de mal-estar, pois as correlações entre estas foram sempre superiores a 0,62 (p<0,01) (ver quadro 2).

 

 

Também de acordo com o esperado, as correlações são todas negativas entre os três indicadores de mal-estar e a criatividade, por um lado, e a motivação intrínseca, por outro, embora neste último caso só tenham sido obtidos resultados significativos para a variável depressão (r= -0,29; p<0,01) (ver quadro 2). Neste sentido, quanto maior a motivação intrínseca menor a depressão e quanto maior a criatividade menor o stresse, depressão e ansiedade.

Com o objetivo de aprofundar as relações existentes entre as variáveis avaliadas e levando também em conta o efeito das variáveis sociodemográficas, considerou-se pertinente a realização de regressões hierárquicas múltiplas através do método enter. Todas as equações de regressão incluem dois blocos de variáveis, sendo o primeiro sempre composto pelas variáveis sociodemográficas, consideram-se no segundo bloco as dimensões criatividade e motivação.

A primeira equação de regressão visava avaliar quais as variáveis preditoras da dimensão stresse (ver quadro 3). Através da análise dos resultados foi possível observar que, ao nível do bloco 1 (R2 ajustado= 0,13), o stresse é explicado pela variável tipo de atividade (ß=0,35; t=3,25; p=0,002), sendo esta a única variável que também se revela preditora aquando da introdução do bloco 2 (R2 ajustado= 0,13) (ß=0,33; t=2,96; p=0,004). Em ambas as situações, verifica-se que os sujeitos que trabalham em artes performativas apresentam um maior nível de stresse (M=16,53; DP=4,71) do que aqueles que trabalham em artes visuais ou de criação literária (M=13,17; DP=4,32). É ainda necessário sublinhar que através da correlação entre as variáveis foi possível observar a existência de uma correlação negativa significativa entre a criatividade e o stresse (r= -0,22; p <0,05), mas nesta equação de regressão, embora o valor de beta seja negativo (ß= -0,12), essa influência não se revelou significativa. Por fim, podemos verificar que o modelo definido no bloco 1 apresenta um ajustamento significativo (Fratio=2,59; p <0,05), bem como o modelo criado para o segundo bloco (Fratio=2,30; p <0,05). Porém, a modificação implementada do bloco 1 para o bloco 2, inserção das variáveis criatividade e motivação, não se revelou significativa (Fchange=1,37; p >0,05).

 

 

Na segunda equação foi analisada a capacidade preditiva das variáveis avaliadas em relação à dimensão depressão (ver quadro 4). Através da análise dos resultados foi possível verificar, no bloco 1 (R2 ajustado=0,10), uma capacidade preditiva significativa do país (ß=0,23; t=2,15; p=0,03) e do tipo de atividade (ß=0,24; t=2,15; p=0,03), no sentido em que apresentam níveis de depressão mais elevados os artistas portugueses (M=11,40; DP=4,57), em relação aos romenos (M=10,82; DP=3,43), e aqueles que trabalham em artes performativas (M=13,26; DP=4,47), relativamente aos que trabalham em artes visuais e de criação literária (M=10,68; DP=3,79). No entanto, quando introduzidas as dimensões do bloco 2 (R2 ajustado= 0,14) observou-se que nenhuma das variáveis avaliadas apresenta poder explicativo significativo sobre a depressão. Todavia, é de sublinhar que através da matriz de correlações se observou a existência de uma correlação negativa significativa entre a variável criatividade e a depressão (r= -0,44; p <0,01). Em última instância, pudémos observar que no caso do bloco 1 o modelo apresentava um ajustamento significativo (Fratio=2,73; p <0,05), sucedendo o mesmo no caso do bloco 2 (Fratio=3,04; p <0,05). Ademais, verificou-se, ainda, que a modificação introduzida no bloco 2 obteve um resultado significativo (Fchange=3,48; p <0,05).

 

 

A terceira equação de regressão visava aferir a predição das variáveis avaliadas na dimensão ansiedade (ver quadro 5).

 

 

Através da análise dos resultados do primeiro bloco (R2 ajustado=0,09) foi possível constatar uma predição significativa das habilitações literárias dos inquiridos (ß=0,24; t=2,29; p=0,02) e do tipo de atividade (ß=0,26; t=2,30; p=0,02), no sentido em que apresentam níveis de ansiedade mais elevados os artistas com mais habilitações (M=10,39; DP=3,74) para os que frequentaram o ensino superior, em relação aos que apenas frequentaram o ensino secundário (M=8,13; DP=1,46). Todavia, quando introduzidas as variáveis do bloco 2 (R2 ajustado=0,14), verifica-se que o tipo de atividade deixa de ter uma capacidade de explicação significativa, apenas se verificando que essa capacidade preditiva é exercida pelas habilitações literárias (ß=0,24; t=2,41; p=0,01) e pela criatividade (ß= -0,27; t=-2.31; p=0,02). Por último, podemos referir que o bloco 1 apresenta um ajustamento significativo (Fratio=2,54; p <0,05), registando-se essa mesma situação para o bloco 2 (Fratio=3,59; p <0,05). Além disso, as modificações realizadas no segundo bloco, colocação das variáveis criatividade e motivação, obtiveram significância estatística (Fchange= 5,82; p <0,05).

 

DISCUSSÃO

Um primeiro aspeto a destacar diz respeito às médias obtidas pelos artistas nas variáveis em estudo, comparativamente a estudos anteriores que serviram para a análise psicométrica dos instrumentos utilizados, em que foram utilizados outros grupos profissionais.

Assim, as médias obtidas pelos artistas são superiores nas medidas de criatividade e de motivação intrínseca, indo ao encontro da revisão de literatura que apontava nesse sentido, isto é, os artistas apresentam geralmente uma criatividade mais elevada do que outros grupos profissionais, bem como apresentam uma maior motivação intrínseca no seu trabalho, atingindo estados de fluxo na sua realização, enquadrando-se assim na Teoria do Fluxo de Csikszentmihalyi (1996).

Além disso, de acordo com a revisão da literatura referida na secção introdutória, os artistas apresentam níveis de stresse, ansiedade e depressão superiores aos níveis verificados no estudo da adaptação portuguesa da DASS-21, em que foram obtidas médias inferiores nestas três dimensões.

Foi ainda possível observar a existência de uma correlação positiva significativa entre a criatividade e a motivação intrínseca, correspondendo aos resultados verificados na maioria dos estudos que avaliámos anteriormente através de procedimentos de meta-análise (Jesus, et al., 2012). Desta forma, é importante estimular a perceção de autonomia e de competência dos sujeitos nas tarefas que realizam, para que estes se revelem mais criativos e empreendedores.

Por seu turno, a correlação entre os três indicadores de mal-estar e a criatividade, por um lado, e a motivação intrínseca, por outro, é sempre negativa, parecendo revelar que a criatividade e a motivação intrínseca podem funcionar como variáveis protetoras da saúde mental do sujeito, contribuindo para a prevenção de situações de mal-estar. Este aspeto é fundamental, tendo em conta os elevados níveis de mal-estar que muitos colaboradores apresentam na atualidade, em diversas atividades profissionais (Jesus, 2010; Melo, Cassini, & Lopes, 2011), desde professores e profissionais de saúde, como médicos e enfermeiros, até artistas, conforme vimos nesta investigação.

Há que possibilitar uma maior criatividade aos colaboradores nas atividades profissionais, no sentido de prevenir situações de mal-estar e de promover o bem-estar no trabalho. Isto embora, os efeitos da criatividade e da motivação intrínseca tenham sido suprimidos quando estas variáveis foram colocadas juntamente com as variáveis sociodemográficas na explicação do stresse, da ansiedade e da depressão. Especificamente, na regressão que teve como objetivo observar a capacidade preditiva de variáveis sociodemográficas, num primeiro instante, e de variáveis sociodemográficas, a motivação e a criatividade, num segundo momento, relativamente ao stresse, pudemos verificar que as modificações efetuadas no modelo não registaram qualquer significância estatística.

No caso do stresse também se verificou que apenas o tipo de atividade artística, em ambos os blocos, é um preditor significativo, no sentido em que aqueles que trabalham em artes performativas apresentam um nível de stresse mais elevado do que os que trabalham em artes visuais ou de criação literária, o que vai ao encontro dos pressupostos de Ludwig (1992). No que diz respeito à depressão, nenhuma das variáveis, quando consideradas em conjunto (as sociodemográficas, a criatividade e a motivação) revela ter um efeito significativo na explicação da depressão. Por seu turno, a ansiedade é apenas explicada significativamente, no bloco 1 e 2, pelas habilitações académicas e pela criatividade dos artistas, no sentido em que aqueles que apresentam menor ansiedade, são aqueles que têm um nível mais baixo de habilitações e que revelam maior criatividade.

No seu conjunto, estes resultados revelam que algumas variáveis sociodemográficas interferem na explicação de variáveis indicadoras de mal-estar, fazendo com que a motivação intrínseca deixe de apresentar uma capacidade de predição significativa e com que a criatividade apenas apresente uma predição significativa na explicação da ansiedade. Assim, podemos concluir que, nesta investigação, a criatividade e a motivação intrínseca se relacionam de forma significativa e que podem contribuir para a prevenção do mal-estar dos colaboradores, embora este efeito seja reduzido, sobretudo quando se consideram algumas variáveis sociodemográficas.

Conforme salientado por Carlsson (2002), as relações entre a criatividade e variáveis indicadoras de mal-estar, como seja a ansiedade, têm sido sempre estudadas com recurso a populações clínicas. Deste modo, é importante que as relações entre estas variáveis sejam investigadas noutras populações, em particular em contextos de trabalho, permitindo avaliar a importância da criatividade na prevenção do mal-estar dos colaboradores.

Embora esta investigação tenha tido um contributo importante por ter sido realizada com uma amostra de artistas, futuras investigações deverão incluir outros grupos profissionais, bem como deverão possuir amostras mais robustas.

 

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Endereço para Correspondência

Universidade do Algarve, Campus de Gambelas, 8005-139 Faro, Portugal. Telef.: (+351)965053506. E-mail: snjesus@ualg.pt

 

Recebido em 09 de Abril de 2014/ Aceite em 09 de Setembro de 2014