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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.15 no.2 Lisboa June 2014

 

Redução de riscos no trabalho sexual em Portugal: representações dos técnicos interventores

Sex work harm reduction in Portugal: the representations of health professionals

 

Joana Coutinho & Alexandra Oliveira

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

A redução de riscos associada ao trabalho sexual é hoje a política de intervenção de muitos projetos implementados em diversas partes do mundo com as pessoas que prestam serviços sexuais.

Nesta investigação tivemos como objetivo conhecer a intervenção na área de redução de riscos associada ao trabalho sexual em Portugal, através do discurso dos técnicos de saúde dos projetos de redução de riscos, analisando os significados que estes constroem e veiculam. Nomeadamente, almejámos compreender as características que atribuem aos/às trabalhadores/as do sexo, a forma como qualificam as práticas de intervenção e a análise que fazem do seu trabalho e das implicações deste na sua saúde.

Para tal, depois de efetuado um mapeamento dos projetos existentes, construímos um questionário que foi distribuído pela totalidade dos técnicos envolvidos. A devolução foi de cerca de 72% dos questionários (n = 60) cujas respostas analisámos.

Os resultados da investigação apontam, entre outras, para uma visão compreensiva do trabalho sexual e dos seus atores e para uma especificidade da intervenção, que se centra na pessoa que faz trabalho sexual e que tem objetivos de empoderamento, apesar dos projetos ainda se centrarem maioritariamente na prevenção de doenças. Quanto à perceção sobre o impacto na sua saúde, metade dos técnicos considera que os aspetos positivos e negativos do trabalho não afetam subjetivamente a sua saúde, enquanto que a outra metade aponta implicações maioritariamente negativas, tais como o desgaste e o risco de contração de doenças ou infeções.

Palavras-chave – trabalho sexual; redução de riscos; representações sociais.

 

ABSTRACT

Sex work harm reduction is the intervention strategy of many projects implemented around the world towards people involved in sex industry.

This study aimed to know sex work harm reduction in Portugal by knowing and understanding the discourse of health professionals who intervene with sex workers in harm reduction projects. In particular, we aimed to understand the characteristics professionals ascribe to sex workers, how they qualify the intervention practices, and the analysis they make of their work and its implications on their health.

For this purpose, after mapping the existing projects, we constructed a questionnaire distributed to all the health professionals involved. At the end, we obtained 60 questionnaires, about 72% of the total of the professionals involved, and we analyzed the answers.

The research results indicate, among others, a comprehensive view of sex work and sex workers. Also, despite the projects still focus mainly on the prevention of diseases, there is a need for intervention aiming the empowerment. Regarding the perception of the impact on their health, half of the professionals considers that the positive and negative aspects of the work does not affect their health subjectively, while the other half point mostly negative implications, such as wearing out and the risk of contracting diseases or infections.

Key- words – sex work; harm reduction; social representations.

 

A redução de riscos no trabalho sexual pode ser considerada uma área de intervenção nova em Portugal na medida em que se identifica o seu início no ano de 1994 (Mak, 2004; Oliveira, 2008). Em consonância com este surgimento recente, os conhecimentos sobre este campo de intervenção são escassos e provenientes da prática interventiva. Especificamente, no que se refere à investigação científica, na pesquisa bibliográfica que efetuámos, não nos deparámos com qualquer trabalho efetuado neste país sobre a redução de riscos com trabalhadores do sexo.

Pese embora a falta de dados, teóricos ou empíricos, a intervenção de redução de riscos com trabalhadores/as do sexo é pertinente redução de riscos, dadas as características destes e do seu trabalho, bem como das condições em que ele é exercido. O uso dos princípios da redução de riscos pode ajudar a proteger as vidas dos trabalhadores do sexo da mesma forma que os toxicodependentes têm beneficiado da redução de riscos associada ao consumo de drogas (Rekart, 2005). Enquanto as pessoas envolvidas no comércio do sexo forem etiquetadas como desviantes, alvo de estigma, de discriminação e de negação de direitos e a sua atividade for, de algum modo, associada a práticas de risco, tal como o sexo desprotegido, ou à violência, está justificado este tipo de intervenção. Os/as trabalhadores/as do sexo possuem uma história de representações sociais negativas na qual são estigmatizados, criminalizados e patologizados (Cusick, 2006). Ao longo dos tempos, a/os prostitutas/os, em particular, e os/as trabalhadores/as do sexo, em geral e mais recentemente, foram vistos como doentes, delinquentes, amorais ou vítimas (Oliveira, 2008). Contudo, como argumenta Weitzer (2009), esta visão implica um paradoxo, pois se o trabalho sexual se apresenta lucrativo, emprega um número significativo de trabalhadores e atrai muitos clientes, também é visto, por muitas pessoas, como desviante e necessitando de um controlo estrito.

Estas representações negativas e a estigmatização e a exclusão a que os/as trabalhadores/as do sexo estão sujeitos/as podem afetar o seu bem-estar e ter consequências graves nas suas vidas (Day & Ward, 2004; Goffman, 1990; Ribeiro, Silva, Schouten, Ribeiro, & Sacramento, 2008). Por isto, a redução de riscos neste grupo se reveste de enorme importância, sobretudo se a entendermos de forma lata, isto é, dirigida não apenas para a prevenção do Vírus da Imunodeficiência Humana / Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (VIH/SIDA) e infeções sexualmente transmissíveis (IST).

A redução de riscos surgiu nos anos de 1980 como uma resposta de saúde pública na área das drogas ao surgimento da epidemia do VIH/SIDA (Denning, 2000; Marlatt, 1998), tendo os primeiros programas surgido na Holanda e no Reino Unido (Fernandes & Ribeiro, 2002). Em Portugal, até meados dos anos 1990, estas práticas tinham pouca visibilidade e eram fragmentárias e pontuais (Barbosa, 2009). Mais tarde, o decreto-lei 183/2001 de 21 de Junho, que aprovou o regime geral das políticas de redução de riscos, conduziu ao surgimento de propostas e estratégias mais refinadas, baseando-se nos princípios do humanismo e do pragmatismo (Fernandes & Ribeiro, 2002). Além destes princípios, estas intervenções caracterizam-se ainda pela horizontalidade e por serem intervenções de outreach em que se pretendem níveis acrescidos de autocuidado, saúde, empoderamento e bem-estar das populações-alvo de intervenção (Marlatt, 1998).

No que concerne ao trabalho sexual, em Portugal, o primeiro projeto nesta área, denominado Drop In, surgiu em 1994, em Lisboa, inserido num centro de saúde (Mak, 2004; Oliveira, 2008). Depois deste, vários outros foram desenvolvidos por todo o país, direcionando-se, maioritariamente, para os riscos de contrair doenças como o VIH/SIDA e outras infeções sexualmente transmissíveis (IST) (Oliveira, 2008).

Porém, se os/as trabalhadores/as do sexo poderão estar mais sujeitos ao risco de contrair o VIH/SIDA e outras IST através de comportamentos com clientes e parceiros íntimos (Oliveira, 2002; Petterson, Dimmeff, Tapert, Stern, & Gorman, 1998), alguns estudos têm demonstrado que, na Europa, as taxas de infeção entre trabalhadores/as do sexo é baixa, à exceção de grupos específicos, designadamente o dos consumidores de drogas por via endovenosa, o dos homens que fazem sexo com homens e o dos migrantes que são originários de países onde a doença é endémica (Oliveira, 2013).

No entanto, de acordo com Rekart (2005), no geral, os/as trabalhadores/as do sexo estão expostos a riscos graves, tais como a contração de doenças e infeções, a violência, a discriminação, a criminalização e a exploração. Assim, a redução de riscos no trabalho sexual deve abarcar áreas como a promoção da saúde; a disponibilização de serviços sociais e de saúde; a prevenção, o tratamento ou o uso mais seguro de drogas; o aconselhamento e os serviços de apoio e informação; os direitos humanos e cívicos; a promoção ou o reforço da autoestima e da capacitação / empoderamento; e a prevenção da violência e exploração (EUROPAP/TAMPEP, 2001; Rekart, 2005).

A European Network for HIV/STI Prevention and Health Promotion among Migrant Sex Workers (TAMPEP) enumera diversas recomendações para aqueles que estão envolvidos em projetos direcionados para os/as trabalhadores/as do sexo. Destas, destaca-se que o empoderamento, a dignidade, o respeito e uma atitude de não-julgamento devem ser elementos intrínsecos à atividade para e com estes trabalhadores (Brussa, 2009). Neste contexto, o outreach apresenta-se como uma estratégia fulcral do trabalho de redução de riscos para e com esta população, caracterizando-se pela prestação proximal de informações relacionadas com a saúde e serviços a populações-alvo tradicionalmente marginalizadas (CHHATT, ATTC, CSAT, 2009). Deve-se ir ao encontro dos/as trabalhadores/as do sexo onde eles estão, proporcionando um contexto seguro e não ameaçador (Petterson et al., 1998) e promovendo uma intervenção colaborativa. Esta estratégia envolve o estabelecimento de um contacto ativo com as pessoas nos ambientes em que habitualmente atuam, isto significa procurar as pessoas nos seus contextos em detrimento de esperar que elas contactem com os projetos (Brussa, 2009).

Sendo que diferentes trabalhadores/as do sexo possuem diversos estilos de vida, de locais de trabalho e de condições associadas, a redução de riscos deve apresentar-se, nos dias de hoje, mais complexa e abrangente, procurando corresponder a necessidades várias da população e considerando-se a saúde num sentido lato e holístico (Gaffney, Velcevsky, Phoenix, & Schiffer, 2008; Mak, 2004).

Neste artigo, apresentamos os resultados de uma investigação sobre a redução de riscos no trabalho sexual em Portugal, que teve como objetivo conhecer as representações dos técnicos interventores a partir da análise dos seus discursos. Neste sentido, o objeto do estudo consiste no discurso escrito veiculado por estes profissionais. Os nossos objetivos foram: (1) Compreender qual a caracterização que os técnicos interventores fazem da população-alvo dos projetos e a sua relação com as representações sociais dominantes sobre esta população, (2) conhecer como caracterizam as práticas de intervenção e de redução de riscos associadas ao trabalho sexual e (3) perceber quais consideram ser os aspetos positivos e negativos do seu trabalho e, ainda, se estes têm implicações na sua saúde.

Assim, o objetivo do presente estudo é contribuir para o conhecimento no domínio da redução de riscos no trabalho sexual em Portugal, nomeadamente no que respeita ao discurso dos técnicos que contactam diretamente com a população-alvo dos projetos, colocando o foco nos significados que estes atores constroem e veiculam acerca dos aspetos estudados.

 

MÉTODO

Em termos metodológicos, este estudo tem um carácter exploratório, indutivo, descritivo e interpretativo e pretende efetuar uma análise do discurso escrito dos técnicos. Isto é, partindo de um conjunto de questões apresentadas, desejamos compreender os significados transmitidos por estes técnicos (Schwandt, 2000). Assim, utilizámos diferentes estratégias metodológicas num continuum interativo (Newman & Benz, 1998), isto é, na recolha de dados servimo-nos de um questionário como instrumento, ou seja, uma estratégia tradicionalmente considerada quantitativa, enquanto que na análise dos dados realizámos, essencialmente, uma análise de conteúdo do discurso escrito dos técnicos, considerando-se esta uma estratégia da linha qualitativa, não obstante termos considerado alguns aspetos quantitativos, tais como o número de técnicos que contribuíram para a criação de cada categoria/subcategoria.

Participantes

A amostra é constituída por 60 técnicos integrados nos projetos/organizações que intervêm na redução de riscos no trabalho sexual, o que corresponde a 73,2% do total de técnicos de acordo com o levantamento que efetuámos. Alguns questionários não tinham todas as questões respondidas, pelo que considerámos que 47 se encontravam completos e os restantes 13 incompletos.

Quanto à distribuição por sexos, 70% dos respondentes é do sexo feminino (n = 48), existindo apenas 6 participantes do sexo masculino. No que respeita às idades dos participantes, a média é de 36 anos (M = 36,06, DP = 8,97), tendo o participante mais novo 23 anos e o mais velho 58. No que concerne à escolaridade, 70% completou o ensino superior (com 34 licenciaturas e 7 mestrados), 5% o ensino secundário e apenas 1 não frequentou mais do que o ensino básico. As áreas de formação repartem-se entre a psicologia (n = 19), a enfermagem (n = 8) e, em menor número, o serviço social, a medicina, a sociologia, a educação social, as ciências sociais, a gestão cultural, a antropologia social e cultural e a investigação social. Mais de metade dos técnicos tem formação na área da saúde, parecendo haver poucas ligações a outros domínios.

No que respeita à duração da sua atividade profissional nesta área, a média é de 6 anos de intervenção com trabalhadores/as do sexo (M = 6,43, DP = 4,48), sendo que o tempo mais curto de atividade é de um mês e o trabalho mais longo é executado por um técnico há 20 anos. Relativamente ao número de horas semanais associadas ao trabalho de técnico de redução de riscos, a média é de 26 horas (M = 26,40, DP = 13,72), sendo que, no mínimo, são despendidas por um participante duas horas e, no máximo, um técnico trabalha 45 horas.

No que concerne à região de Portugal onde desenvolvem o seu trabalho, 12 participantes referem intervir no Centro, 17 no Norte e 19 no Sul do país, verificando-se, deste modo, uma boa distribuição geográfica da intervenção. Quanto à dedicação a este tipo de trabalho, para 13 dos técnicos este é o seu único trabalho, para 14 deles este apresenta-se como o trabalho principal e, para o mesmo número, este é um trabalho secundário, sendo que sete pessoas indicam outra situação.

Material

Para a operacionalização do estudo foi elaborado um questionário que inclui questões fechadas, semiabertas e, sobretudo, abertas, no sentido de permitir abarcar a complexidade do discurso escrito e a veiculação de significados. O questionário foi concebido de modo a permitir uma transmissão rica de discurso, tentando que este se aproximasse, tanto quanto possível, de uma entrevista semiestruturada. A sua construção passou pela criação de questões que possibilitassem respostas aos objetivos de investigação, elaborando-se, inicialmente, um instrumento que foi alvo de reformulações decorrentes de um pré-teste.

Assim, o questionário do nosso estudo compreende 21 questões, 13 diretamente associadas aos objetivos da investigação e oito relativas à caracterização sociodemográfica dos participantes.

Procedimento

Esta investigação almejou a participação do universo dos técnicos de redução de riscos que intervêm no âmbito do trabalho sexual em Portugal pelo que não procedemos a qualquer método de amostragem.

Na ausência de um mapeamento atualizado dos projetos de redução de riscos para trabalhadores/as do sexo existentes em Portugal, foi necessário efetuar uma pesquisa que nos permitisse conhecer a totalidade destes projetos1. Neste sentido, numa fase inicial, consultámos o “Directory of Health and Social Support Services for Sex Workers in Europe” (http://www.services4sexworkers.eu/s4swi/), organizado pela TAMPEP, que contém informações sobre os projetos que estavam em funcionamento em 2009 e que serviu de base ao nosso trabalho de mapeamento. Depois, contactámos as diferentes organizações, para averiguar que projetos se mantinham em funcionamento e qual a quantidade de técnicos implicados.

Deste trabalho, concluímos que existiam 14 organizações ou associações a desenvolver intervenções na área do trabalho sexual, verificando-se a existência de 28 projetos ativos, com 82 técnicos a intervir diretamente com trabalhadores/as do sexo.

Depois de reunida esta informação, procedemos ao envio dos questionários, tendo previamente estabelecido contacto com os responsáveis dos projetos, que nos autorizaram a enviá-los para os participantes, o que foi feito por via postal ou por via eletrónica, utilizando-se a plataforma Qualtrics. Deste modo, foi possibilitado a cada um dos 82 técnicos o acesso anónimo e confidencial ao nosso questionário. Obtivemos uma taxa de resposta de 73,2%, correspondente à devolução de 60 questionários preenchidos, tal como já referimos.

Quanto aos procedimentos de tratamento e análise da informação, no que respeita à caracterização sociodemográfica utilizou-se o programa informático IBM SPSS Statistics 20, obtendo-se dados estatísticos como distribuição de frequências, médias e desvios-padrão e valores mínimos e máximos. No que concerne à análise e interpretação do discurso escrito veiculado pelos participantes, efetuámos uma análise de conteúdo categorial das diferentes respostas do questionário, seguindo os procedimentos descritos por Bardin (2011).

 

RESULTADOS

As representações dos técnicos sobre a população-alvo dos projetos

Cinquenta e dois porcento dos técnicos intervém apenas com trabalhadores/as do sexo, enquanto 48% atua com estes e com outro ou outros tipos de população, tais como toxicodependentes e imigrantes. Apesar disto, a totalidade dos participantes (60) referiu os/as trabalhadores/as do sexo como sendo a população-alvo principal dos projetos em que se inserem, incluindo mulheres, homens ou transgéneros. Alguns dos participantes responderam de modo mais específico, associando a população-alvo ao trabalho sexual de interior (n = 6) ou de rua (n = 5), sendo que um deles indica que a sua intervenção se dirige em simultâneo para pessoas que trabalham em um dos dois contextos. Dezassete participantes referem-se a trabalhadoras do sexo, utilizando a expressão no género feminino.

Os outros grupos que são apontados como integrando a população-alvo principal dos projetos, são os (i)migrantes (n = 5), os clientes dos/as trabalhadores/as do sexo (n = 4), os toxicodependentes (n = 4), os homens que fazem sexo com homens (n = 3), as pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e transexuais (LGBT) (n = 2) e os proprietários dos locais vocacionados para o trabalho sexual (n = 2).

Estes dados relativos à população-alvo dos projetos parecem apontar no sentido de uma especificidade da intervenção, na medida em que os projetos parecem ser criados e implementados considerando particular e principalmente os/as trabalhadores/as do sexo, em detrimento de intervirem com estes no âmbito de projetos desenhados e apropriados para outras populações, como, por exemplo, a dos utilizadores de drogas. Ainda mais é de salientar a existência de projetos que se direcionam para subgrupos específicos de entre os que fazem trabalho sexual. Se a intervenção na área da redução de riscos com trabalhadores/as do sexo se tem centrado nas mulheres (Oliveira, 2011), o facto de alguns técnicos indicarem os homens que fazem sexo com homens, as pessoas LGBT, os imigrantes e os clientes do comércio do sexo como sendo alvos de intervenção é um indicador de que os projetos se estão a adaptar à realidade e diversidade do trabalho sexual, indo assim de encontro à supressão das lacunas de intervenção previamente identificadas.

Quanto à forma como os participantes definem um(a) trabalhador(a) do sexo, 74% deles afirma que se trata de alguém que presta serviços sexuais em troca de uma remuneração. De notar que 16% dos respondentes (oito técnicos) optou por não indicar uma definição, salientando que considera os/as trabalhador/a do sexo enquanto alguém que não se distingue da população em geral, quer acentuando as suas semelhanças, quer salientando as diferenças individuais (e.g., “Uma pessoa como qualquer outra pessoa” - R1; “Cada pessoa que conheço neste contexto é diferente” - R5). Estas respostas são congruentes com a literatura, quer no que respeita à definição de trabalho sexual, quer por considerarem que os/as trabalhadores/as do sexo não se distinguem particularmente da população em geral e representam um grupo heterogéneo (Manita & Oliveira, 2002; Oliveira, 2003, 2011; Weitzer, 2009). Finalmente, cinco respondentes apresentam uma definição a partir da enunciação de uma ou mais do que consideram ser as suas características - e.g., “Grande vulnerabilidade e fragilidade narcísica (…), boas capacidades de adaptação à mudança. São pessoas muito ocupadas, mas com muito pouco tempo para se ocuparem delas próprias…” (R17); “… Desprovidas dos seus direitos como trabalhadoras que são!” (R20); “Ser humano que escolheu ou não uma profissão ligada a muitos estigmas” (R35).

Assim, cerca de três quartos dos participantes apresentam uma definição objetiva ou neutra sobre a população-alvo principal dos projetos, enquanto que 16% salienta a dificuldade de apresentar uma definição e aponta para a normalização dos/as trabalhadores/as do sexo e, ainda, 10% refere uma ou mais características que, na sua maioria, demonstram uma visão estereotipada daqueles.

Quando solicitámos aos técnicos interventores que indicassem três características de um/a trabalhador/a do sexo, foram enunciados 22 atributos com conotação negativa, 17 com conotação positiva e nove características neutras.

Assim, no que respeita à caracterização negativa, sete participantes (14,5% dos respondentes) consideram as características de vulnerabilidade associadas à estigmatização, à discriminação, ao sofrimento e à exposição a riscos. Tal dado é congruente com a UNAIDS (2002), quando adverte que a existência de fatores como a estigmatização e a exclusão, as dificuldades económicas, o acesso limitado à saúde, serviços sociais e jurídicos e o acesso limitado a meios de informação e de prevenção, entre outros, pode potenciar a vulnerabilidade destas pessoas. De resto, a existência de algum tipo de vulnerabilidade ligada aos fatores enunciados pelos técnicos interventores parece obter o consenso dos autores na literatura sobre o fenómeno (e.g., Oliveira, 2011; Rekart, 2005).

Ainda no que concerne às características com conotação negativa, seis técnicos apontam as carências económica, emocional ou sem especificação dos/as trabalhadores/as do sexo e cinco deles referem a autoestima e a autoconfiança reduzidas destes trabalhadores.

O nível de escolaridade baixo é referido por 7,3% dos respondentes, o que parece estar de acordo com a literatura, sobretudo se tivermos em consideração que a maioria dos estudos sobre prostituição é feita com amostras de prostitutos/as de rua. Num estudo etnográfico sobre caracterização do mundo da prostituição de rua realizado no Porto, Oliveira (2008) concluiu que a pouca escolaridade se apresentava regular nesta população, sendo que cerca de dois terços das pessoas que entrevistou possuíam um nível de escolaridade igual ou inferior ao quarto ano. Outros estudos, como o de Cusick (2006), apontam neste sentido. Não obstante não sabermos com certeza a que tipo de trabalhadores/as do sexo se referiram os participantes que indicaram esta característica, sabemos que são poucos os projetos de intervenção portugueses que intervêm com trabalhadores/as do sexo de interior.

Dos 17 participantes que apresentam uma caracterização positiva, cinco referem a coragem e a perseverança dos/as trabalhadores/as do sexo. Quatro técnicos consideram características associadas à capacidade de resistir e superar e/ou recuperar de adversidades. Ainda, quatro participantes caracterizam estes trabalhadores como possuidores de capacidades de comunicação e salientam o cariz laboral da sua atividade.

Quanto à caracterização considerada neutra, seis participantes aludiram à mobilidade dos/as trabalhadoras/as do sexo, particularidade que Ribeiro et al. (2008) referem ser estruturante do quotidiano destes trabalhadores, particularmente das mulheres que exercem prostituição. Ainda quatro técnicos referem a desconfiança desta população, o que considerámos uma característica neutra por falta de outros elementos para avaliar a sua valoração. Uma vez que as respostas se apresentaram sucintas (e.g., “Desconfiança” – R35), não podemos compreender se, para os técnicos, tal particularidade se apresenta como positiva ou como negativa.

Por último, 13 participantes (27,1% dos respondentes) não consideram existir características específicas associadas à população que possam ser diferenciadoras – e.g., “Não têm características específicas” (R2); “(…) Há todos os tipos /perfil de pessoas que exercem esta atividade” (R4) – o que se pode considerar que reforça a representação dos/as trabalhadores/as do sexo como pessoas que não se distinguem da população em geral.

Assim, com este tipo de respostas que acentuam a impossibilidade de serem indicadas três particularidades deste tipo de trabalhadores, os participantes parecem apresentar uma representação que vai além dos estereótipos, uma vez que evidenciam a não existência de distinções específicas em comparação com o resto da população. Contudo, se na definição geral dos/as trabalhadores/as do sexo a maioria dos participantes parece ter uma representação objetiva ou neutra, apontando para a sua normalização, o que vai no mesmo sentido, nas respostas à solicitação de características que se possam associar a estes trabalhadores verificaram-se mais referências com conotação negativa, do que positiva ou neutra.

No que se refere à eventual influência que a experiência profissional nesta área de intervenção exerce na visão que os técnicos têm acerca dos/as trabalhadores/as do sexo, 42 participantes (89,3% do total) consideram que esta experiência influencia ou influenciou a sua visão, admitindo possuir um conhecimento alargado da população-alvo de modo sustentado nas realidades com que contactam diretamente. Neste âmbito, particularmente, 22 técnicos apontam a diminuição ou eliminação de estereótipos, preconceitos e estigma que possuíam previamente. Também 20 técnicos consideram deter um conhecimento alargado e sustentado sem mais especificação (e.g., “Considero que influencia visto que o conhecimento de situações / casos nos fazem refletir acerca da situação” - R20).

Assim, uma esmagadora maioria dos técnicos assume a relevância da sua experiência profissional nas representações que possui acerca dos/as trabalhadores/as do sexo, contribuindo esta para a diminuição de noções preconcebidas e para a aquisição de um conhecimento sustentado.

Quanto à perceção dos técnicos sobre a representação dominante na sociedade acerca dos/as trabalhadores/as do sexo, 29,7% dos respondentes aponta para que esta se associa a uma visão negativa, a estereótipos, a preconceitos, ao estigma e à discriminação. Outros 11 participantes (aproximadamente, 23,4% do total), consideram que a sociedade apreende os/as trabalhadores/as do sexo como não sendo dignos de proceder, não sendo honrados e não agindo de acordo com a moralidade, ou seja, de modo íntegro, decente, conforme às regras éticas e dos bons costumes.

A perspetiva vitimizante, isto é, a conceção dos/as trabalhadores/as do sexo como vítimas que realizam essa atividade por necessidade ou porque são exploradas por terceiros é referida por 21,2% dos respondentes como sendo a visão global que a sociedade tem destes/as trabalhadores/as.

Alguns participantes (sete) consideram que a sociedade vê os/as trabalhadores/as do sexo como constituindo uma questão social negativa, um problema social pela prática do seu trabalho (e.g., “São seres menores (…) com graves questões sociais” - R5; “A representação dominante na sociedade continua a ser a de um ‘problema social’ a erradicar” - R7).

Globalmente, compreende-se que a totalidade dos participantes considera que a representação dominante na sociedade acerca dos/as trabalhadores/as do sexo tem uma conotação negativa, o que tem sido mencionado na literatura, particularmente no que respeita à prostituição: “A reação social às pessoas que se prostituem sempre foi, ou foi quase sempre, e ainda é, de rejeição e exclusão. (…) As prostitutas são vistas como amorais ou imorais; como desviantes e transgressoras, sendo alvo de estigmatização” (Oliveira, 2011, p. 215).

As práticas de intervenção e de redução de riscos

No que concerne às áreas de intervenção dos projetos, verificaram-se 44 referências à intervenção na área da saúde. Neste âmbito, 28 participantes (46,6% dos respondentes a esta questão) indicaram que os projetos nos quais estão integrados intervêm ao nível da prevenção das doenças, particularmente no que respeita o VIH/SIDA e outras IST. De acordo com 17 participantes os projetos a que estão ligados atuam ao nível do apoio social e/ou psicossocial, e na área da psicologia ou do apoio psicológico2.

Seis técnicos (10% dos respondentes) referem ainda a intervenção em áreas associadas à promoção da cidadania e da defesa dos direitos dos/as trabalhadores/as do sexo. Sendo o trabalho sexual uma atividade que não se encontra legalizada e considerando o estigma que lhe está associado, compreende-se a pertinência deste tipo de intervenção, que se coaduna com as orientações para as práticas da redução de riscos.

A redução de riscos associados ao trabalho sexual, a prevenção dos riscos e as mudanças de comportamentos de risco é referida diretamente por seis participantes.

Finalmente, quatro técnicos (6,6% da amostra) referem-se à prestação de apoio jurídico e/ou legal enquanto área de intervenção dos projetos em que trabalham. Este tipo de apoio está relacionado com o fato de a prática do trabalho sexual não se encontrar legalizada e é particularmente importante no caso da população imigrante, sobretudo se se encontra em situação irregular, o que é frequente entre aqueles que fazem trabalho sexual.

Assim, é evidente que a área da saúde é aquela que está mais representada, o que está de acordo com o que defendem alguns autores (e.g. Oliveira, 2008; Rekart,2005). No entanto, é de notar que a intervenção no trabalho sexual e as práticas de redução de riscos com estes trabalhadores podem e devem adotar um conceito amplo de saúde, tal como englobar outras áreas, da mesma forma, a intervenção pode requerer, para além do trabalho com indivíduos ou grupos, a modificação do ambiente e a implementação de mudanças nas políticas públicas (Marlatt, 1998).

Relativamente aos métodos ou às estratégias de intervenção utilizadas, 54,3% dos respondentes refere a intervenção de outreach ou de proximidade. Com efeito, é consensual considerar-se este um ponto essencial da intervenção com trabalhadores/as do sexo.

Dezoito técnicos (31% do total de respondentes) fazem referência ao acompanhamento e ao encaminhamento de utentes para outras organizações da comunidade. Esta estratégia é habitual neste tipo de projetos e justifica-se porque os/as trabalhadores/as do sexo podem evitar os serviços de saúde por variadas razões, tais como os serviços disponíveis não serem adequados às necessidades associadas ao seu trabalho, o medo de serem denunciados à polícia, os horários de atendimento não serem compatíveis com os seus tempos de trabalho e medo de serem alvo de atitudes negativas face à sua ocupação (Mak, 2004).

A distribuição de materiais informativos e, essencialmente, de materiais preventivos, tais como preservativos e gel lubrificante, pelos/as trabalhadores/as do sexo, é referida por 16 participantes, o que é consentâneo com a área de intervenção mais presente, a da prevenção das doenças, particularmente do VIH/SIDA.

Quinze técnicos (25,8% dos respondentes) referem-se ao atendimento e/ou aconselhamento a trabalhadores/as do sexo como método ou estratégia de intervenção.

Por fim, 10 participantes (17,2% dos respondentes) enunciam a educação para a saúde. Esta estratégia, se for praticada com o envolvimento dos/as trabalhadores/as do sexo, designadamente com o recurso a educadores de pares, se utilizar materiais como folhetos informativos e se for associada à prática no terreno (Rekart, 2005), apresenta-se altamente eficaz na redução de riscos (Pires, 2009).

Outra das questões colocadas aos técnicos incidia sobre os princípios que orientam a intervenção dos projetos. A este respeito, verificam-se 41 alusões aos direitos dos/as trabalhadores/as do sexo como orientadores da intervenção, sendo que 11 participantes fazem referências diretas a direitos humanos, cívicos e sexuais, sem qualquer especificação. Os técnicos que concretizam os direitos apontam o princípio de liberdade, autodeterminação e responsabilização (10) e o princípio da igualdade (6), 14 técnicos referem-se ainda ao respeito pelos utentes do projeto e pelas suas opções, o que, de acordo com o que defende Cusick (2006), deve ser basilar no contacto com os/as trabalhadores/as do sexo Ainda, 37,2% dos respondentes refere-se ao princípio da confidencialidade, do sigilo ou do anonimato, oito participantes apontam a aproximação ou proximidade (outreach), sete técnicos consideram a relevância do não julgamento e três apontam a não-discriminação.

No que concerne às práticas interventivas especificamente realizadas por cada participante, são enunciadas 44 referências associadas à promoção da saúde e à prevenção das doenças nos/as trabalhadores/as do sexo. Concretamente, 27,3% dos respondentes aponta a distribuição de material informativo e preventivo. Onze técnicos afirmam realizar intervenção no âmbito da educação para a saúde. Ainda, contam-se 5 referências à promoção da saúde sem mais especificação, enquanto três técnicos referem a promoção da autoestima. Mais: sete participantes referem o rastreio do VIH/SIDA e outras IST, enquanto que seis técnicos se referem à prevenção das doenças sem especificação.

O atendimento e/ou aconselhamento, englobando o apoio nas áreas psicológica, social e psicossocial é referido por, 47,7% dos respondentes. Quinze técnicos (34% do total) afirmam fazer o acompanhamento e o encaminhamento de utentes para outras organizações disponíveis na comunidade, bem como a mediação com estas. Nove participantes assumem efetuar uma intervenção de outreach, ou seja, desenvolvida no contexto onde os/as trabalhadores/as do sexo se encontram.

Finalmente, seis respondentes (13,6% do total) enunciaram competências técnicas úteis na intervenção, tais como as capacidades de respeitar, estabelecer relações de empatia e confiança e escutar. Podendo considerar-se os/as trabalhadores/as do sexo como uma população oculta, isto é, de difícil acessibilidade, compreende-se que, apesar de não constituírem propriamente práticas interventivas, as competências anteriormente apresentadas sejam enunciadas como relevantes na intervenção.

Assim, conclui-se que as práticas específicas de cada técnico se associam, essencialmente, à intervenção na saúde, com enfoque na prevenção de doenças.

Aspetos positivos e negativos do trabalho e implicações na saúde dos técnicos

No que respeita aos aspetos positivos do trabalho, dezasseis participantes referem-se ao conhecimento sustentado das realidades profissionais e pessoais dos/as trabalhadores/as do sexo, bem como das suas histórias. Quinze técnicos apontam o contacto com a população-alvo dos projetos, a intervenção no terreno e a proximidade como um aspeto positivo, o que pode estar relacionado com as definições gerais neutras e de normalização dos/as trabalhadores/as do sexo que foram fornecidas pelos participantes. Ou seja, a proximidade com a população-alvo dos projetos e o conhecimento das suas realidades pode conduzir a uma diminuição de estereótipos, sendo adquiridas representações mais reais ou objetivas.

Vinte por cento dos participantes aponta o enriquecimento, a satisfação e a realização profissional e pessoal como aspetos positivos.

Ainda nos aspetos positivos, oito técnicos referem-se à promoção do acesso a serviços e recursos dos/as trabalhadores/as do sexo, através da informação sobre as estruturas existentes, da aproximação às estruturas e da capacitação destes trabalhadores, incluindo-se aqui também referências à intervenção na saúde, a nível da promoção de práticas adequadas e prevenção de IST.

A existência de práticas interventivas diversas é indicada por cinco técnicos e o trabalho integrado numa equipa de profissionais é referido por quatro participantes como sendo aspetos positivos do seu trabalho.

Quanto aos aspetos negativos, foram 37 os participantes que os apontaram. A precariedade, a inconstância e a insegurança associadas ao trabalho, particularmente o financiamento descontínuo dos projetos, bem como um orçamento reduzido e a falta de recursos são aspetos referido por 10 dos participantes. Com efeito, Portugal atravessa uma crise inegável, em que austeridade é a palavra de ordem e as notícias avisam que os apoios estatais serão reduzidos ou cessados na área da saúde. Também as respostas destes técnicos refletem os problemas de financiamento deste tipo de projetos, pois estes reconhecem que as subvenções estatais são concretizadas após uma avaliação e apenas durante um determinado período de tempo (Fernandes, Pinto, Oliveira, 2006), podendo depois ser ou não renovadas. Assim, faz sentido citar Nardi e Rigoni (2005) quando referem os questionamentos atuais acerca da sustentabilidade das ações em redução de danos.

Ainda no que respeita às características negativas que os técnicos associam ao seu trabalho, existem 16 referências a aspetos com implicações na eficácia da intervenção. Particularmente, sete participantes referem-se à incapacidade ou impotência em dar respostas a todas as situações ou necessidades dos/as trabalhadores/as do sexo, enquanto cinco técnicos referem que a mobilidade destes trabalhadores implica um trabalho descontinuado. Efetivamente, esta população é caracterizada pela mobilidade e renovação, sendo que diariamente novas pessoas entram na indústria do sexo enquanto que outras a abandonam (Oliveira, 2011), além de que as próprias exigências comerciais da atividade levam a que muitos dos/as trabalhadores/as do sexo mudem frequentemente o seu local de trabalho. Ainda quatro técnicos consideram a carência de respostas sociais e institucionais adequadas à população-alvo como um aspeto com repercussões negativas no seu trabalho.

Uma fraca adesão ou envolvimento dos/as trabalhadores/as do sexo nos serviços, atividades e ações dos projetos, incluindo a dificuldade em conseguir uma mudança de comportamentos, é um aspeto referido por 18,6% dos participantes que apontaram aspetos negativos associados ao seu trabalho. Não obstante, no que respeita à mais relevante área de intervenção referida, isto é, a prevenção das doenças, particularmente do VIH/SIDA, a maioria dos estudos advoga que, por comparação com outros grupos populacionais, os/as trabalhadores/as do sexo apresentam-se mais propensos a responder positivamente aos projetos de prevenção do VIH/SIDA e outras IST – e.g., aumentando a utilização de preservativos com os clientes (UNAIDS, 2002).

Ainda, cinco técnicos referem a exposição a riscos particularmente quando a intervenção é realizada em contexto de outreach. Por fim, três pessoas apontam o horário de trabalho e as condições meteorológicas adversas como sendo aspetos negativos do seu trabalho nesta área.

Assim, os aspetos negativos apresentados pelos técnicos tanto são relativos ao seu trabalho, como é o caso da precaridade em que este é exercido, como à população-alvo, quando referem a impossibilidade de dar respostas a todas as necessidades, a mobilidade dos/as trabalhadores/as do sexo ou um envolvimento diminuto destes nas atividades dos projetos.

No que concerne às implicações do trabalho na sua saúde psicológica e/ou física, metade dos técnicos considera que esta não é afetada, mas a outra metade considera a existência de implicações tanto positivas como negativas.

Quanto às implicações negativas do trabalho na saúde, são referidos a experienciação de cansaço, o desgaste físico e psicológico, incluindo o stresse, a ansiedade e a possibilidade de burnout, mas também, em menor número, o sentimento de impotência ou incapacidade para dar mais respostas adequadas à população (n = 4), a experienciação de desmotivação e frustração (n = 3) e o risco de contração de doenças ou infeções no trabalho (n = 3).

Seis participantes (30% dos que responderam afirmativamente à questão) consideram a existência de implicações positivas, associando-as à satisfação, à realização e ao bem-estar relacionados com o seu trabalho.

Deste modo, obtivemos que os aspetos positivos e os negativos, bem como outras características do trabalho, não afetam subjetivamente a saúde de metade dos técnicos, enquanto a outra metade aponta implicações maioritariamente negativas, tais como o desgaste, a falta de respostas a todas as exigências e o risco de contração de doenças ou infeções. Simultaneamente, no que respeita às conotações positivas são considerados a satisfação e o bem-estar associados à profissão, embora por menos participantes.

 

DISCUSSÃO

Se tivermos em consideração os dois paradigmas apresentados por Weitzer (2009) no que concerne ao trabalho sexual, os paradigmas da opressão e do empoderamento, e tendo em conta que os técnicos de redução de riscos têm uma representação dos serviços sexuais comerciais como trabalho, podemos concluir que tal implica que a representação dominante destes profissionais sobre os/as trabalhadores/as do sexo se apresenta no sentido da sua autodeterminação e do seu empoderamento. Este dado, associado à noção dos técnicos interventores de que a sua experiência profissional é relevante para a visão alargada e proximal que possuem sobre os/as trabalhadores/as do sexo e a realidade do trabalho sexual, sustenta a rejeição da visão vitimizante que ainda é saliente na sociedade e que forma parte da representação negativa desta sobre o sexo comercial e seus(suas) atores(as). Esta é também a visão dos técnicos interventores quando consideram que as representações sociais existentes sobre os/as trabalhadores/as do sexo têm uma valoração negativa e são estigmatizantes.

Entre as consequências desta visão negativa está o estigma que recai sobre estes trabalhadores. Um dos modos de gerir este estigma e de tentar obstá-lo poderá passar pelo envolvimento político e pelo ativismo, designadamente pela criação de movimentos sociais de trabalhadores/as do sexo, como defendem Lopes (2006) e Phoenix (1999), o que tem acontecido um pouco por todo o mundo mas não em Portugal (Lopes & Oliveira, 2006). Ora, aqui, pode enquadrar-se o trabalho dos técnicos interventores quando estes se referem à promoção da cidadania e à defesa dos direitos dos/as trabalhadores/as do sexo. Assim, embora a intervenção se centre bastante nas questões de saúde, é de salientar as atuações ao nível da cidadania e dos direitos, bem como do apoio jurídico, por serem áreas essenciais para garantir o bem-estar biopsicossocial dos/as trabalhadores/as do sexo.

Esta sobrevalorização dos aspetos relacionados com a saúde que se constatou em quase todos os projectos, tanto se pode interpretar como estando (ainda) relacionada com o pânico moral criado nos anos 80 do século XX ligado à probabilidade da SIDA passar para a população heterossexual normativa (Scambler & Scambler, 1995), como ao fato de o valor positivo associado à saúde ser um dos mais fortes da contemporaneidade (Bornstein, David, & Araújo, 2010). Contudo, a intervenção na saúde deve ser concebida em termos amplos, incluindo áreas como a segurança e o direito de acesso aos serviços, ou mesmo deve ser entendida de molde a atingir mudanças nas políticas de saúde púbicas.

Concluímos também que a intervenção, de acordo com os seus profissionais centra-se na pessoa que faz trabalho sexual, quando reduzir riscos podia também implicar trabalhar com empregadores, com clientes e, a um nível mais macro, sobre as condições de trabalho (Marlatt, 1998; Rekart, 2005). Contudo, é de notar que alguns projetos alargam a intervenção a certos subgrupos importantes no comércio do sexo, sejam os homens que fazem sexo com homens e as pessoas LGBT, sejam os clientes. Então, se para todos os técnicos a população-alvo dos projetos em que intervêm são os/as trabalhadores/as do sexo, o que indica uma especificidade da intervenção, esta especialização poderia ser ainda mais acentuada e notória se existisse um maior número de projetos direcionados para estes subgrupos.

Por último, pese embora consideremos que este trabalho se constitui como um contributo válido para o conhecimento da intervenção de minimização dos danos com trabalhadores/as do sexo, particularmente em Portugal, incluindo dimensões nada estudadas até então, também salientamos as suas fraquezas. Ao nível metodológico, embora a utilização do questionário como instrumento tenha oferecido várias vantagens, nomeadamente a possibilidade de ter atingido um tão expressivo número de técnicos – 73,2% da população -, esta acarretou também, em muitos dos casos, respostas parcas e dotadas de pouca complexidade. Assim, em investigações futuras, consideraríamos relevante para uma melhor e mais próxima compreensão do fenómeno, a realização tanto de entrevistas aprofundadas a alguns técnicos, de forma a tentar alcançar um discurso mais complexo, como a observação no terreno que pudesse complementar o discurso veiculado pelos participantes.

 

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Endereço para Correspondência

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Rua do Doutor Melo Leote, 276, 1º esquerdo. 4100-342, Porto, Portugal. Telef.: 917164797. E-mail: joanalimacoutinho@gmail.com

 

Recebido em 12 de Setembro de 2013/ Aceite em 20 de Fevereiro 2014

 

NOTAS

1 Não obstante esta inexistência aquando do início da nossa investigação (outubro de 2010), no final de abril de 2012, quando havíamos já efetuado o nosso próprio mapeamento, surgiu um documento produzido pelo Grupo Português de Activistas sobre Tratamentos de VIH/SIDA (GAT), intitulado “Mapeamento de Serviços dirigidos a trabalhadores(as) do Sexo”, contendo a mesma informação.

2 Embora se pudesse incluir o apoio psicológico na categoria saúde, aquele foi distinguido, dado que alguns participantes apresentaram, na mesma resposta, as duas intervenções como sendo diferenciadas.