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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.13 no.1 Lisboa  2012

 

Personalidade, Comportamentos de saúde e adesão ao tratamento a partir do modelo dos cinco grandes fatores: Uma revisão de literatura

Personality, health behaviors and adherence to treatment in patiens through the big five model: A literature review

 

Caroline Venzon Thomas, & Elisa Kern de Castro

Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), São Leopoldo, Brasil.

Contato:carolinevenzon@gmail.com

 

RESUMO

Os fatores de personalidade têm sido estudados na área da Psicologia como elementos importantes relacionados à saúde de pacientes com doenças crônicas. Através de uma revisão compreensiva da literatura, o presente artigo objetiva examinar as relações entre os fatores de personalidade a partir do Modelo dos Cinco Grandes Fatores e comportamentos em saúde, em especial a adesão ao tratamento, nesses pacientes. São abordados o conceito de personalidade dentro desse modelo, bem como são discutidos estudos que relacionam a personalidade e comportamentos que facilitam a saúde. Todos os fatores de personalidade parecem exercer impacto na saúde física, contudo, percebe-se que o fator Neuroticismo tem efeitos negativos na saúde e tem sido relacionado a uma série de doenças físicas. Já a Realização parece ser o fator mais relacionado a comportamentos saudáveis em relação à saúde.

Palavras-chave: personalidade; cinco grandes fatores; comportamentos de saúde; adesão

 

ABSTRACT

Personality factors have been studied in Psychology as important elements associated to health behaviors and adherence to medical treatments. The present paper aims at reviewing international literature regarding personality and health factors, based on the Big Five model. The concept of personality is discussed, as well as studies that examined the relationship between personality and health behaviors. All personality factors seem to have influence on individuals’ physical health; however, it is noted that the Neuroticism factor  has negative effects on health. This factor has been linked to the development of a multitude of physical diseases. Yet, Conscientiousness seems to be the factor most associated with healthier behaviors.

Key-words: personality; big five; health behaviors, adherence

 

Atualmente, os tratamentos para diferentes tipos de problemas de saúde têm feito com que o tempo de sobrevivência de pacientes com doenças crônicas aumente consideravelmente se as prescrições médicas são seguidas corretamente (Suls & Rothman, 2004). Sabe-se, no entanto, que nem sempre o prolongamento do tempo de vida dessas pessoas é acompanhado de um aumento na sua qualidade de vida, já que indicadores objetivos e subjetivos de saúde podem não coincidir (Nicassio, Meyerowitz, & Kerns, 2004).

A mudança que vem ocorrendo nas últimas décadas no paradigma da saúde – do modelo biomédico ao modelo biopsicossocial – entende que o papel do indivíduo é crucial para sua recuperação, ou seja, a eficácia dos tratamentos está ligada fundamentalmente a mudança de comportamento por parte do paciente (Christensen & Johnson, 2002). Dentro dessa perspectiva, o sujeito tem um papel ativo em seu estilo de vida, que vai levá-lo a ter comportamentos adequados ou não em relação à sua saúde (Rey, 2004). Assim, a forma como a pessoa se comporta, aceitando e seguindo as prescrições médicas, cuidando de sua dieta, tomando seus medicamentos corretamente, entre outros, é visto como elementos tão importantes quanto o tratamento médico em si (Christensen & Johnson, 2002). Por outro lado, quando o paciente nega a sua doença, não entende ou não se sente seguro para enfrentar seu problema de saúde e o tratamento, o seu prognóstico piora já que sua conduta não facilitará o seu restabelecimento.

Rey (2004) refere que a saúde é um processo dinâmico em que interferem questões físicas, culturais, sociais e psicológicas. Nesse sentido, a personalidade é um elemento importante que pode afetar a saúde do indivíduo, uma vez que reforça suas potencialidades e influencia seu comportamento. Segundo Christensen e Johnson (2002), é o efeito interativo dos fatores pessoais e dos fatores contextuais que influencia o comportamento em saúde.

Dessa forma, através de uma revisão compreensiva da literatura, este artigo tem como objetivo examinar as relações entre os fatores de personalidade a partir do Modelo dos Cinco Grandes Fatores e saúde, em especial a adesão ao tratamento em pessoas acometidas por doenças crônicas. Inicialmente, são apresentadas idéias gerais sobre o modelo dos Cinco Grandes Fatores para compreensão da personalidade. Em seguida, são revisados estudos que relacionam personalidade e comportamentos em saúde, com ênfase à adesão ao tratamento por parte de pessoas com doenças crônicas.

Das teorias do traço ao Modelo dos Cinco Grandes Fatores

As características emocionais e comportamentais que as pessoas apresentam no seu meio e nas suas relações normalmente acabam determinando seu tipo de personalidade (Lundin, 1972). A personalidade seria, então, uma organização dinâmica dos sistemas psicofísicos que determina o comportamento e o pensamento(Allport, 1961/1966). Aconstituição da personalidade teria, ainda, relação com a hereditariedade e com o ambiente.

Os traços de personalidade buscam descrever e de alguma maneira prever o comportamento humano, e não somente estados de humor persistentes (Veríssimo, 2001). Atualmente, entende-se que o comportamento pode ser variável de pessoa para pessoa, existindo, contudo, aspectos constantes, que são os traços (Friedman & Schustack, 2004). Desta forma, traço é uma característica não transitória e relativamente duradoura que se manifesta numa multiplicidade de maneiras e que indica uma dimensão das diferenças individuais e padrões de pensamento, sentimentos e ações do indivíduo (McCrae & John, 1992; Lundin, 1972).

 A partir da ideia do traço, o modelo dos Cinco Grandes Fatores tem sido considerado um dos mais importantes para a avaliação da personalidade humana com critérios, validade e estrutura bem estabelecidos (McCrae & Allik, 2002; McCrae & Costa, 1996). Esse modelo considera que os traços de personalidade apresentam relação entre a herança biológica e as experiências pessoais do indivíduo, e esta interação é determinante no comportamento humano, constituindo o seu potencial básico (McCrae & Costa 1996).

Segundo Nunes, Hutz e Nunes (2009), os cinco fatores não foram desenvolvidos a partir de uma teoria, e sim foram compostos de modo empírico. Portanto, não existe uma explicação teórica dos motivos que organizaram a personalidade neste modelo em cinco dimensões. Para Costa e McCrae (1992), o modelo dos Cinco Grandes Fatores possui características bem estabelecidas: (1) a realidade dos fatores está expressa em termos de estabilidade, validade e utilidade prática dos fatores, (2) a propagação dos fatores, que é a sua presença em inúmeras formas, em todos os conceitos de personalidade; (3) a universalidade dos fatores, o qual se entende que estão presentes em ambos os sexos, em várias faixas etárias, em todas as raças e em diferentes culturas e ainda (4) a base biológica dos fatores.

    Assim, o modelo dos Cinco Grandes Fatores é considerado uma versão moderna da teoria do traço e é composta por fatores que incluem, cada um deles, um conjunto de facetas (subdivisões): 1) Extroversão (surgency)/ facetas: Comunicação, Altivez, Dinamismo e Interações Sociais; 2) Socialização (agreableness)/ facetas: Amabilidade, Pró Sociabilidade e Confiança nas pessoas; 3) Neuroticismo (neuroticism)/ facetas: Vulnerabilidade, Instabilidade Emocional, Passividade e Depressão; 4) Realização (conscientiousness)/ facetas: Competência, Ponderação/Prudência e Empenho /Comprometimento; 5) Abertura (openness)/ facetas: Interesse por novas idéias, Liberalismo e Busca por Novidades (McCrae & John, 1992; Nunes et al., 2009). Este modelo tem sido utilizado em pesquisas de saúde, revelando importantes resultados na compreensão da influência da personalidade nos comportamentos. As replicações dos Cinco Grandes Fatores em diferentes línguas e culturas amparam a universalidade deste modelo (McCrae & Costa, 2004;Nunes et al., 2009),  Assim, a grande maioria dos estudos sobre personalidade e saúde, realizados em diferentes países, tem encontrado resultados muito similares.

Dentro do modelo dos Cinco Grandes Fatores, o fator Extroversão reflete a quantidade e intensidade dos relacionamentos, fazendo referência à maneira como as pessoas se relacionam com os outros, o que revela características como disposição, afetuosidade e otimismo; no outro extremo, indivíduos introvertidos tendem a ser independentes, sérios e inibidos, evitando o contato interpessoal (Nunes et al., 2009; McCrae & Allik, 2002; Friedman & Schustack, 2004). O segundo fator da escala, a Socialização, indica traços que geram comportamentos socialmente agradáveis e à qualidade dos padrões estabelecidos nas relações, sugerindo que as pessoas que demonstram altas pontuações neste fator apresentam características como generosidade, confiança, altruísmo e comprometimento (Nunes et al., 2009, McCrae & Allik, 2002; McCrae & John, 1992). O fator Neuroticismo, por sua vez, se refere à forma como o sujeito experiencia as emoções negativas e os estilos comportamentais e cognitivos que surgem a partir desta vivência, tais como impulsividade, vulnerabilidade, ansiedade e depressão. Isso significa que pessoas com altas pontuações em Neuroticismo são frequentemente muito sensíveis, tensas, preocupadas e, geralmente, tendem a apresentar idéias dissociadas da realidade, altos índices de ansiedade, dificuldade em suportar frustrações e usam estratégias de enfrentamento pouco adaptativas (McCrae & John, 1992; Friedman & Schustack, 2004; Nunes et al., 2009). O quarto fator, Realização, faz referência a características como cautela, organização e persistência, podendo ser uma medida importante nos comportamentos de adesão a tratamentos médicos (McCrae & John, 1992; Nunes et al., 2009). Pesquisas anteriores sobre a personalidade chamavam esse fator de vontade (Friedman & Schustack, 2004). O último fator, Abertura, refere-se a características de criatividade e flexibilidade. Pessoas com índices altos nesta dimensão apresentam uma maior tendência à reestruturação cognitiva, aceitação, são criativos e curiosos e indicam uma importante capacidade em considerar novas perspectivas (McCrae & John, 1992; Nunes et al.,2009).

Personalidade e saúde a partir do modelo dos Cinco Grandes Fatores

Os fatores de personalidade têm sido estudados nos últimos anos como componentes importantes nos comportamentos relacionadas à saúde, podendo interferir nos resultados positivos ou negativos de prevenção e tratamento de doenças, já que a saúde está ligada diretamente à maneira como as pessoas vivenciam suas emoções (Friedman & Schustack, 2004, Ploubidis & Grundy, 2009). Deste modo, os fatores de personalidade parecem estar relacionados aos comportamentos que promovem a saúde, mas que também podem contribuir para o desenvolvimento de doenças (Smith, 2006).

Dentre os cinco fatores, aquele que tem demonstrado maior relação com problemas de saúde físicos entre adultos é o Neuroticismo (Goodwin, et al., 2006; Neeleman, Sytema & Wadsworth, 2002; Rondina, Gorayeb & Botelho, 2007; Moreno-Jiménez et al., 2007). Pessoas com altas pontuações no fator Neuroticismo são menos capazes de lidar com o estresse, além de experimentarem uma condição crônica de instabilidade emocional (Mccrae & John, 1992). Godwin et al. (2006) afirmam que os mecanismos de associação entre Neuroticismo e doenças físicas ainda não é totalmente conhecido. Segundo estes autores, é possível que níveis elevados de Neuroticismo levem ao desenvolvimento de distúrbios físicos, seja pelo caminho bioquímico ou através de comportamentos que promovam o desenvolvimento de doenças. Por outro lado, ainda segundo Goodwin et al. (2006), o sofrimento causado pelas doenças físicas poderiam levar ao desenvolvimento de níveis mais elevados de Neuroticismo, o que pode revelar o efeito bidirecional do Neuroticismo na saúde.

Nos estudos revisados, a direção da associação entre Neuroticismo e doenças crônicas parece demonstrar uma tendência à explicação de que os fatores de personalidade predisporiam ou agravariam sintomas das doenças. O estudo de Archer et al. (2009) com pacientes com doença de Alzheimer, o Neuroticismo na meia idade foi associado com menor idade para o aparecimento da doença em mulheres, o que pode indicar o impacto fisiológico que as emoções negativas crônicas podem exercer nas estruturas cerebrais.Segundo os autores, o fator Neuroticismo predispõe o indivíduo a sentimentos negativos crônicos, o que tem sido relacionado a uma quantidade de implicações fisiológicas. Nesse sentido, em pacientes com doença inflamatória intestinal, o fator Neuroticismo também esteve associado a maiores sintomas intestinais e sistêmicos persistentes (Moreno-Jiménez et al., 2007). Do mesmo modo, o Neuroticismo foi associado a um aumento dos sintomas da doença de Parkinson, assim como mal-estar emocional e desconforto corporal (Dubayova et al., 2009).

Os fatores de personalidade também foram relacionados a transtornos alimentares (Eggert, Levendosky & Klump, 2007; Rebelo & Leal, 2007). Mulheres com obesidade mórbida apresentaram características de impulsividade, insegurança emocional, tendência para experimentar afetos negativos, bem como baixa tolerância à frustração, características do Neuroticismo (Rebelo & Leal, 2007). Da mesma forma, pacientes com diferentes tipos de transtornos alimentares também apresentaram altas pontuações no fator Neuroticismo, o que foi associado a apego inseguro e impulsividade(Eggert, Levendosky & Klump, 2007). Em pacientes dependentes químicos, o Neuroticismo foi preditor do hábito de fumar (Rondina et al., 2007), e também foi preditor de recaída em dependentes de álcool (Fisher, Elias & Ritz, 1998).

Fatores de Personalidade e Adesão ao tratamento em pacientes com doenças crônicas

Wiebe e Christensen (1996), em uma das primeiras revisões de estudos sobre personalidade e adesão ao tratamento em pacientes doentes crônicos, referiram a importância de se considerar as características contextuais da doença e do tratamento em estudos envolvendo personalidade e adesão. As características contextuais da doença e tratamento envolvem a gravidade da doença, possibilidades de tratamento, bem como o prognóstico da patologia. Diante de uma perspectiva interacionista, os autores consideraram tais características como moderadoras nos comportamentos de adesão e, portanto, devem ser consideradas em estudos que envolvem comportamentos de saúde e adesão a tratamentos.  No entanto, há ainda poucos trabalhos referentes à personalidade e adesão na literatura, seja no caso de doenças crônicas ou agudas. Dentro desses estudos, o Modelo dos Cinco Grandes Fatores tem sido um constructo importante trabalhado nas pesquisas.

A pesquisa de Axelsson, Brink, Lundgren e Lotvall (2011) explorou a influência da personalidade no comportamento de adesão à medicação em indivíduos com doença crônica em geral. Indivíduos com doença crônica (n = 749) foram identificados em uma amostra aleatória de 5000 habitantes com idade entre 30 e 70 anos, na Suécia. Os dados foram coletados através de questionários. A análise estatística indicou uma relação negativa entre Neuroticismo e adesão à medicação, enquanto Socialização e Realização foram correlacionados positivamente com adesão. Este estudo demonstrou que os traços de personalidade são importantes para o comportamento de adesão
em indivíduos com doença crônica. Os resultados sugerem que os traços de personalidade podem interagir  influenciando a aderência ao tratamento.

Penedo et al., (2003) estudaram a relação entre os fatores de personalidade, qualidade de vida e adesão ao tratamento antiretroviral  numa amostra de 116 homens e mulheres portadores de HIV. Não foram encontradas relações entre personalidade e adesão ao tratamento antiretroviral, contudo, valores mais altos no fator Neuroticismo foram significativamente associados com os domínios da qualidade de vida,sugerindo que indivíduos com este fator de personalidade têm tendências a experimentar maiores sentimentos de depressão, ansiedade e medo. Em contrapartida, maiores pontuações nos fatores Extroversão e Realização foram significativamente associadas à função global, satisfação com a vida, às rotinas e regras de viver com o HIV, além do funcionamento sexual.Assim, segundo os autores, embora não tenham evidenciado relação entre os fatores de personalidade e adesão ao tratamento antiretroviral, pacientes com característica de Extroversão e Realização relatam melhor qualidade de vida, particularmente, nos domínios de funcionamento global, preocupações médicas e domínios do HIV, o que pode auxiliá-los na gestão das demandas associadas à vida com a doença.

Também na pesquisa de Axelsson et al.,(2009) foram avaliados 268 jovens asmáticos, procurando verificar a relação entre traços de personalidade, controle da asma e qualidade de vida (QVRS), e as possíveis influências de traços de personalidade na adesão à medicação. Os principais resultados evidenciaram que afetividade negativa (como uma faceta do fator Neuroticismo) e impulsividade (como uma faceta do fator Realização) correlacionaram-se negativamente com o controle da asma, enquanto que, nas pacientes mulheres, a capacidade hedônica (como uma faceta do fator Extroversão) teve correlação positiva com o controle da doença. Entre os participantes com uso de medicação regular para controle da asma, a impulsividade foi correlacionada negativamente com a adesão. Nos homens, antagonismo (como uma faceta do fator Socialização) e alexitimia (como uma faceta do fator Abertura) foram associados à baixa adesão à medicação regular para o tratamento da asma.

Assim como nos casos mencionados anteriormente, algumas pesquisas com pacientes renais crônicos fazem referência ao papel da personalidade nos comportamentos de saúde, indicando que a personalidade pode ter impacto na adesão ao tratamento ena mortalidade (Christensen et al., 2002), além de influenciar tipos de enfrentamento da doença e tratamento (Kidachi, Kikuchi, Nishizawa, Iruma & Kaneko, 2007). Kidachi et al. (2007) demonstraram que características de altruísmo e otimismo foram importantes no processo de adaptação ao tratamento,sendo que pacientes que evidenciaram níveis altos nos fatores Socialização, Extroversão e Realização foram capazes de manter uma melhor autodisciplina e maior  adaptação ao tratamento dialítico. No entanto, nesta pesquisa, o fator neuroticismo não difere da população adulta em geral.

Christensen et al. (2002) examinaram os fatores de personalidade e sua relação com a mortalidade de pacientes renais crônicos. Os principais resultados indicaram que pacientes com altos valores em Neuroticismo tinham uma taxa de mortalidade 37,5% maior em relação àqueles com valores médios neste fator, enquanto pacientes com pontuações baixas em Realização tiveram um aumento de 36,4% na taxa de mortalidade em relação à média obtida da população. Assim, entende-se a mortalidade como resultado do controle inadequado da doença ou não adesão ao tratamento proposto,influenciando no prognóstico da doença.

Ainda com respeito à importância do fator Neuroticismo, Jerant, Chapman, Duberstein, Robbins e Franks (2011) investigaram a influência da personalidade nos comportamentos de adesão ao tratamento medicamentoso em idosos para prevenir demência. Os resultados indicaram que o fator neuroticismo foi associado com o comportamento de não adesão ao programa medicamentoso.

Se por um lado está a importância do fator Neuroticismo para maus resultados em saúde, de outro está o fator Realização, que parece ter uma forte ligação com comportamentos  saudáveis e conseqüentemente predispõe o indivíduo a uma melhor adesão aos tratamentos médicos (Wiebe & Christensen, 1996). Além disso, o fator Realização é um importante moderador da relação entre estresse e ansiedade, sugerindo que indivíduos sob estresse elevado e com características do fator Realização tendem a se envolver em comportamentos de saúde mais saudáveis (Korotkov, 2008). Numa metanálise (Bogg & Roberts, 2004), o fator Realização foi negativamente relacionado com comportamentos de risco à saúde, tais como: tabagismo, dieta e atividades físicas ineficientes, uso excessivo de álcool, violência, comportamento sexual de risco, suicídio e uso de droga; e foi positivamente relacionado aos comportamentos mais saudáveis.

Em pacientes em lista de transplante de diferentes órgãos, a personalidade tem impacto no regime de adesão ao tratamento (Dobbels et al., 2009). Foi visto que, pacientes com baixas pontuações no fator Realização indicaram não-adesão à terapia imunossupressora menos de um ano após o transplante. Os resultados comprovaram que o fator Realização foi preditor independente para não-adesão à medicação. Christensen e Smith (1995), encontraram relação negativa entre o fator Realização e níveis de Fosfato e Potássio, que são medidas que indicam adesão ao regime medicamentoso e dietético. Na análise de regressão, tal fator foi preditor significativo associado com maior adesão ao regime medicamentoso, indicando que pacientes com pontuações altas neste fator apresentam comportamentos mais positivos em relação às prescrições do tratamento.

Em pacientes transplantados de coração e pulmão, (Stilley et al., 2005) foi examinada a relação entre fatores de personalidade e transtornos de personalidade Os resultados desta investigação não evidenciaram correlações entre essas duas variáveis. No entanto, pacientes transplantados tiveram baixas pontuações nos fatores Abertura, Extroversão, Realização e Socialização, enquanto Neuroticismo foi acima da média. Nesse sentido, os autores concluiram que as características de personalidade são importantes para maximizar a qualidade de vida dessas pessoas, porém não estão relacionadas com o surgimento de transtornos.

 

Considerações finais

Diante do que foi exposto, embora ainda sejam poucas as pesquisas sobre a fatores de personalidade e comportamentos de saúde, em especial e adesão ao tratamento, fica claro que essa relação existe. Nos estudos encontrados, o fator Neuroticismo parece ser o que está mais relacionado a comportamentos de risco à saúde, assim como exerce influência negativa na adesão aos tratamentos médicos. Os artigos fazem  referência a este fator como um importante componente relacionado a comportamentos de risco para a saúde. Por outro lado, as pesquisas que investigaram a personalidade na saúde evidenciaram o fator Realização como um componente positivo para comportamentos saudáveis.No entanto, as causas que levam a comportamentos saudáveis ou não em relação à saúde são multifatoriais, já que outras variáveis exercem influências importantes na saúde das pessoas e devem ser incluídas nas pesquisas. Portanto, a predição do comportamento das pessoas frente a uma doença ou ao seu tratamento a partir unicamente de informações de sua personalidade é bastante limitada, pois outras variáveis atuam na relação do paciente com sua doença e tratamento.

Ainda que as investigações na área da personalidade demonstrem resultados importantes sobre o seu impacto na saúde física das pessoas, restam ainda muitas questões a serem respondidas neste campo de pesquisa. Assim, o objetivo dos pesquisadores e profissionais desta área deve ser o de conhecer as características de personalidade a fim de promover uma melhor adaptação à doença e qualidade de vida às pessoas, aliado à comportamentos saudáveis, respeitando suas individualidades e intervindo para potencializar suas características psicológicas positivas.

Diante disto, o conhecimento da personalidade e do processo dinâmico pelo qual a mesma influencia a saúde pode auxiliar os profissionais no desenvolvimento de estratégias de intervenção cada vez mais eficientes. Assim, espera-se alcançar resultados positivos na questão da adesão aos tratamentos, promovendo dessa maneira um melhor bem-estar aos pacientes. Conclui-se, a partir dos estudos revisados, que os fatores de personalidade exercem impactos significativos na saúde física das pessoas, e em especial com relação à adesão ao tratamento, os fatores Neuroticismo e Realização tem papel importante nesse processo.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 25 de Maio de 2010/ Aceite em 4 de Março de 2011