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Psicologia, Saúde & Doenças

versión impresa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças v.12 n.2 Lisboa  2011

 

Representação social do corpo de participantes de comunidades pró-anorexia do orkut

Andréia Isabel Giacomozzi, & Andréa Bárbara da Silva Bousfield

 

Departamento de Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC Florianópolis, Brasil.

 

Contactar para E-mail: agiacomozzi@hotmail.com

 

RESUMO

Esta pesquisa investigou a representação social do corpo e comportamentos alimentares de mulheres jovens que participam de comunidades virtuais pró-anorexia em redes de relacionamento (orkut). Participaram do estudo 136 mulheres com idade entre 13 e 26 anos, sendo que destas 76% declarou utilizar da técnica de Low Food (baixa ingestão de calorias diárias) e 67% de No Food (sem consumo de alimentos sólidos). Como instrumento de coleta de dados foi utilizado um questionário online postado nas comunidades pró anorexia do orkut. As respostas foram analisadas com auxílio do software SPAD. Os dados indicam que o corpo é representado como sendo o cartão de visitas, que deve sempre refletir beleza para que se possa conquistar poder na vida. A busca pelo corpo perfeito, que aparece nesta amostra de mulheres, passa por sacrifícios e sofrimentos, com dietas que arriscam a saúde e podem levar a conseqüências trágicas em suas vidas.

Palavras-chave: Corpo, Anorexia, Mulheres, Representações Sociais, Comunidades Virtuais

 

The social representation of the body for participantes at virtual communities pro-anorexia in relationships networks (orkut).

ABSTRACT

This survey investigated the social representation of the body for young women taking part in virtual communities pro-anorexia in relationships networks (orkut). 136 women with ages ranging from 13 to 26 years participated in the study, of which 76% declared using the Low Food technique (low consumption of daily calories) and 67% the No Food technique (no ingestion of solid food). As a data collection tool, an online questionnaire was posted in the pro-anorexia communities at the orkut. Answers were analyzed aided by SPAD software. Data indicate that the body is represented as a business card, always reflecting beauty in order to help achieving power in life. Sacrifices and suffering are part in the search for the perfect body, as shown by this sample of women, including diets that risk health and can lead to tragic consequences in life.

Key-words : Body, Anorexia, Women, Social Representation, Virtual Communities.

 

A anorexia nervosa é um distúrbio causador de perturbações no comportamento alimentar, tendo como principais características a sobrevalorização do peso e forma corporal e a competência no seu controlo (Fairburn, 2008; Fairburn, Cooper & Shafran, 2002; Fairburn & Harrison, 2003). Tal distúrbio está associado com uma importante morbilidade psiquiátrica, atingindo principalmente mulheres jovens (Vaz, Conceição, & Machado, 2009).

Dados de recente estudo português (Machado et al, 2007) indicam uma prevalência de 0,39% para a anorexia nervosa e 0,30% para bulimia nervosa em jovens mulheres entre os 15 e 18 anos. Isso indica que a cobrança pela forma física perfeita, em geral recai muito mais sobre os corpos femininos que masculinos. Davison e McCabe (2006) observaram que meninas tendem a ter uma imagem corporal mais negativa que os meninos, e que as opiniões dos outros sobre o próprio corpo são consideradas muito importantes, sobretudo em se tratando da auto-estima feminina.

A valorização social da beleza foi observada em estudo com estudantes universitárias do curso de Moda (Camargo, Goetz & Barbará, 2005), na medida em que elas experimentavam problemas de imagem corporal, pois mais da metade das estudantes avaliava seu próprio corpo como fora da norma, ao passo que os índices de massa corporal da maioria não confirmavam as avaliações subjetivas.

Essa insatisfação das mulheres com seu corpo tem sido observada tanto em estudos realizados no Brasil (Camargo, Goetz & Barbará, 2005; Cunha, Drozdek, Feller, Gonçalves, Simões & Raboni, 2002; Malysse, 2003; Tavares, 2003), quanto em outros países (Borchert & Heinberg, 1996; Gardner, 1996; Kalin, Morrison & Morrison, 2004; McCabe & Ricciardelli, 2003; Webster & Tiggemann, 2003), caracterizando o descontentamento com a imagem corporal como um fenômeno típico da sociedade ocidental. Além disso, a insatisfação com a imagem corporal foi a variável de maior risco para o surgimento de sintomas de anorexia entre jovens em estudo no sul do Brasil (Alves, 2008). A divulgação de ideais de beleza irrealistas, de um corpo perfeito ou “corpo ideal” e a internalização de normas sociais de magreza têm sido relacionadas como fatores de risco para distúrbios alimentares ( Striegel- Moore & Bulik, 2007).

A divulgação de ideais de magreza pode ser observada em vários tipos de mídia e tem sido especificamente valorizada em comunidades virtuais Pró-anorexia, onde a tônica é a construção de uma identidade social de valorização de comportamentos anoréxicos e bulímicos. O ciberespaço modificou a imagem do mundo (Wachelke & Hammes, 2009), é uma nova construção do real que passa a ser tecida. Da função essencialmente técnica da internet, surgem os grupos e o desejo de estar junto, de relacionar-se, que atinge uma dimensão surpreendente. Para Lemos (2003), esta nova forma de estar - junto, dirige a vida social, e encontra seu correspondente nas comunidades virtuais do ciberespaço.

Em estudo da representação social da anorexia entre participantes de comunidades Pró anorexia do orkut, Giacomozzi (2010) observou uma representação social da anorexia como estilo de vida e não como doença, e outra, da anorexia sendo uma santa ou deusa, marcando uma estranha ligação de amor e ódio entre as jovens e esta espécie de entidade super protetora e poderosa. Além disso, observa-se que tais representações geram e sustentam a construção pelo grupo, de uma identidade social da anoréxica como tendo uma moral e pureza mais elevada que os demais, acontecendo ainda um encorajamento e supervalorização de comportamentos anoréxicos e bulímicos, o que pode dificultar a adesão da jovem ao tratamento. Observou-se também que as participantes partem de uma representação negativa de si mesmas e da obesidade, geralmente com problemas depressivos em função de não serem notadas ou amadas. A partir disso, entram para o grupo em busca de uma melhora desta imagem, de amizades, de receitas de novas práticas sociais, algo que traga a mudança desejada.

O conhecimento das representações sociais de participantes de comunidades virtuais pode fornecer dados importantes para caracterizar suas produções simbólicas a respeito do corpo. Por representação social entende-se “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, que tem um objetivo prático, e, como tal, concorre para construção de uma realidade comum a um conjunto social” (Jodelet, 2001, p. 22). As representações sociais tanto são normativas, inserindo objetos em modelos sociais, quanto são prescritivas (Moscovici, 2003), servindo de guia para ações e relações sociais (Abric, 1998). As representações constituem uma orientação para a ação na medida em que modelam e constituem os elementos do contexto em que um comportamento ocorre (Moscovici, 1976).

Assim, este estudo objetivou estudar as representações sociais de mulheres brasileiras que participam de comunidades pró-anorexia sobre o corpo, com o intuito de acrescentar elementos para a compreensão dos aspectos psicossociais envolvidos neste distúrbio alimentar. Pretende-se ainda investigar os motivos de terem iniciado suas dietas, pois apesar da significativa quantidade de estudos realizados é ainda pouco claro o “mecanismo” de desenvolvimento da anorexia nervosa e os fatores que nela intervêm. Taylor et. al. (1997) salientam inclusivamente que se sabe muito pouco sobre as causas desta doença.

 

MÉTODO

Participaram do estudo 136 mulheres, com idade entre 13 a 26 anos, a média de idade do grupo foi de 17 anos e nove meses e o desvio padrão de 3,16. As participantes eram todas membros de comunidades pró-anorexia do Orkut. Como instrumento de coleta de dados foi utilizado um questionário auto-administrado postado nas comunidades Pró-anorexia do Orkut, acessado e respondido voluntariamente pelas mesmas. Não foi questionado a elas se já tinham algum diagnóstico de anorexia, tampouco seu peso e altura foram perguntados. O questionário constava de questões fechadas e abertas. As questões fechadas se referiam às características individuais dos participantes (idade) e as informações acerca de suas dietas, como Low Food (termo utilizado pelas participantes de comunidades pró-anorexia do orkut para designar dieta de baixa caloria) e No Food (termo utilizado pelas participantes para designar dieta sem ingestão de alimentos sólidos, somente líquidos).

Foi questionado o motivo das participantes terem começado a fazer dietas e também foi utilizada uma questão aberta na qual as participantes deveriam escrever “O que é corpo para você?”. Para análise dos dados foram realizadas uma análise de conteúdo, bem como uma análise fatorial de correspondências (AFC) com o programa SPAD versão 7 (Système Portable pour l’Analyse des Données). Para o estudo das representações sociais, os fatores da AFC podem ser interpretados como princípios organizadores que explicitam as diferenças da representação social em diferentes grupos (Doise, Clemence & Lorenzi-Cioldi, 1992). O sigilo dos dados e os aspectos éticos do estudo foram observados.

 

RESULTADOS

Das participantes, 76% declaram fazer Low Food, sendo que destas 41% disseram fazer uma dieta abaixo de 200 calorias diárias e 49% relataram fazer uma dieta entre 200 e 500 calorias diárias. Quanto a prática do No Food, ou seja, o não consumo de alimento diário (apenas o consumo de água) 67% declarou utilizá-la. Quanto ao tempo de duração desta prática, 50% costuma fazer entre 1 e 2 dias, 39% disse já ter utilizado desta técnica entre 3 a 5 dias.

Motivos atribuídos por jovens mulheres participantes de comunidades pró-anorexia para o início das dietas

Questionou-se às participantes qual o motivo que as levou a iniciarem suas dietas. As respostas foram analisadas a partir de uma análise categorial temática, indicando 5 temas centrais para o início das dietas: Família, Preconceito, Sentir-se acima do peso, Busca pelo Corpo Perfeito e Valorização Social .

O eixo temático Família mostra que a necessidade em corresponder às expectativas e cobranças dos pais sobre sua aparência são determinantes da pouca ingestão de alimentos e justificam os sofrimentos físicos e psicológicos enfrentados pelas participantes durante as dietas. Como pode ser verificado no extrato da participante que já ficou até 3 dias sem ingerir nenhum alimento sólido:

“Quando eu tinha uns nove anos e eu pedi pra meu pai comprar um biscoito de chocolate pra mim, e ele gritou pra todo mundo ouvir que eu gorda e não tinha vergonha na cara de ainda querer comer essas coisas. Quando eu tinha dez anos tava bem gordinha e minha irmã de seis anos tava magrinha, meus pais compravam cereal, balas, iogurte, tudo pra ela, e se eu pedisse eles brigavam comigo. Eu comia escondido, já cheguei até pegar dinheiro deles pra comprar comida na cantina da escola, tudo em comida. Cansei disso, sempre quis ser magra, e agora eu to conseguindo isso”. (17 anos, faz dietas de 200 Kcal diárias e já fez No Food por 3 dias).

A figura da mãe surge como alguém que cobra a forma física da filha, exigindo perfeição, ensinando dietas e sugerindo estratégias como declara a participante de 16 anos.

“Um dia eu passei mal em casa, e minha mãe disse que eu podia vomitar que eu não ia passar mal, e eu era bem gorda pesava cinqüenta e nove quilos e me falavam que eu era bonita, porém gorda, e assim comecei a fazer isso para não engordar e ao mesmo tempo emagrecer”. (16 anos, faz dieta de 600 Kcal diárias e já fez No Food por 2 dias) .

A mãe também é citada como fonte de aprendizagem da busca pelo corpo perfeito, dos comportamentos de fazer dietas e ingerir medicamentos para emagrecer, conforme extrato da participante de 20 anos.

“Porque via a minha mãe sempre tomando remédios para emagrecer e quis fazer igual, pois imaginei que se não fizesse ficaria gorda”. (20 anos, faz dieta de 200Kcal diárias e nunca fez No Food).

No eixo temático preconceito as participantes referem a discriminação sofrida por estarem acima do peso, as chacotas e apelidos que recebiam na infância, principalmente no ambiente escolar, como fonte motivadora do início das dietas.

“Porque eu era uma criança gorda e meus colegas de sala me colocavam apelidos. Minha mãe também vivia me dizendo que eu estava muito gorda. Então com 12 anos me decidi sozinha que eu tinha que emagrecer a qualquer custo. Iniciei natação e comecei a ficar muito tempo sem comer e quando comia, vomitava” . (16 anos, Faz Low Food de 300 Kcal diárias e já fez No Food por dois dias).

O fato de sentir-se gorda é citado como importante motivador para o início das dietas, a partir disso as participantes adotam o estilo “Anna” que pode propiciar a realização do sonho de ser magra, como mostra a resposta de uma menina de 13 anos “comecei a me achar muito feia, muito gorda, e resolvi emagrecer” (faz dieta de 150 Kcal diárias e declara já ter realizado No Food por 6 dias).

A partir daí, começa a busca pelo Corpo Perfeito, idealizado pela mídia na figura das modelos. As participantes referem-se à inveja que sentem dos corpos das modelos das revistas, e o desejo de causar inveja à outras garotas, quando atingirem a meta de ficarem magras, como salienta a participante de 21 anos que faz Low Food de 200 Kcal diárias e já permaneceu sem ingestão de alimentos sólidos por 2 dias “ porque gorda ninguém vai gostar de mim, quero ser perfeita e que todos tenham inveja do meu corpo”

A valorização social de corpos magros e a cobrança alheia pela boa forma física são também citados como motivadores para as dietas das participantes. Neste ínterim, a a busca pela magreza para agradar o namorado, justifica a vontade de seguir as dietas radicais, conforme pode ser observado na fala da participante de 18 anos. “eu tenho um namorado que vive me falando que se eu engordar como a minha irmã ele larga de mim” (18 anos, faz dieta de 300 Kcal diárias e nunca fez No Food) .

Além do namorado, as participantes reconhecem que a sociedade em geral, valoriza mais as pessoas magras e que as pessoas que estão acima do peso sofrem preconceito por isso.

“Mas a pura realidade é que a sociedade nos coloca nessa situação, pra tudo na vida precisa ser magra, hoje em dia já existe até preconceito contra as gordas”. (18 anos, faz dietas abaixo de 200 Kcal diárias e já ficou sem ingestão de alimentos por 4 dias).

Ainda neste eixo temático, identificam-se respostas que associam o inicio das dietas à uma rejeição sofrida pela forma física do corpo estar longe do ideal esperado pela sociedade. Além disso, a manutenção das dietas radicais se dá a partir do momento em que a garota sente que começa a conquistar a atenção das pessoas através da boa forma.

“Porque eu era horrível parecia um monstro, todas as pessoas meio que me repudiavam eu percebia pelo olhar delas de pena e menosprezo com a minha pessoa. As pessoas nem falavam comigo só com a minha irmã que era bem magrinha e chamava a atenção de todos e eu era tipo o patinha feio da família. Eu tava com a minha auto-estima baixa, aí eu vi o resultado que deu, as pessoas começaram a me olhar de outra forma quando eu comecei a emagrecer, tipo como eu tivesse surpreendido todos e eu vi como emagrecer aproximam mais as pessoas de mim elas ficam até me perguntando a receita e conversam mais comigo agora sempre sou coberta de elogios. Mas ainda me sinto infeliz, me sinto gorda, acho que aquela menina gorda ainda tá dentro de mim e só ela vendo que eu só magra é que ela vai embora então eu vou mostrar pra ela que eu posso ser magra se eu quiser assim ela vai embora e pára de me atormentar”. (18 anos, faz dietas de 200 Kcal diárias, já ficou até 2 dias sem ingestão de alimentos).

Representação Social do Corpo

As respostas da questão “O que é corpo para você”, foram analisadas com auxílio do software SPAD. A partir da análise fatorial de correspondência, obteve-se 4 fatores. O primeiro fator explica 29,33%, o segundo fator, 22,21%, o terceiro, 14,84% e o quarto fator explica 12,67%, totalizando 79,06% da variância total das palavras-resposta.

Com o primeiro fator surgem as concepções de que para ser admirada, o corpo deve ser cuidado, pois ele é como um cartão de visitas. As participantes que praticam No Food entre 1 e 2 dias se associaram a este pólo. As palavras que mais fortemente associaram-se foram: admirada, ver, cartão de visitas e corpo. Por outro lado, as participantes que não praticam Low Food, e não praticam No Food associaram-se a outro pólo, no qual surge a noção de que se deve evitar a comida, ter controle sobre si mesma e como resultado pode-se conquistar um corpo como o das modelos de revistas e poder. Porém, quando não se atinge os objetivos, surge o sentimento de ódio. As palavras que mais fortemente contribuíram foram: meninas, revista, comida, devemos, poder, ódio, estar, preciso, querer, coisas, controle.

 

Tabela 1

Análise de correspondências do Fator 1 (baseada em tabela palavras X modalidades).

 

O segundo fator traz a noção de que Anna (termo utilizado pelas participantes para denominar Anorexia) ajuda as participantes a conseguirem manter seu cartão de visitas em bom estado. Porém também surge a consciência de que tais práticas podem trazer problemas emocionais. As participantes que já praticaram No Food entre 3 e 5 dias associaram-se ao pólo, onde surge a noção de que se deve comer apenas o suficiente para a manutenção da vida. As palavras que se associaram a este pólo foram: ajudar, vida, conseguir, ele, importante, suficiente. Por outro lado, as participantes que fazem Low Food entre 600 Kcal a 1000 Kcal diárias associaram-se à noção de que Anna pode possibilitar uma melhoria da forma física e consequentemente o encontro do amor, além de poder usar todas as roupas desejadas, porém pode também trazer depressão e preconceito. As palavras que mais contribuíram foram: preconceito, ter, vezes, anna, cartão visitas, amar, depressão, forma, roupas.

 

Tabela 2

Análise de correspondências do Fator 2 (baseada em tabela palavras X modalidades).

 

No terceiro fator as participantes mostram um paradoxo entre uma concepção de corpo como reflexo do interior e a não valorização do interior pela sociedade. Em função disto, elas começam uma corrida pela busca da forma perfeita, arriscando até mesmo suas vidas. As participantes que fazem Low Food entre 200 a 500 Kcal diárias associaram-se ao pólo que considera o corpo como refletindo o que existe por dentro, porém elas reconhecem que o quê a sociedade em geral considera mais importante, é a impressão que ele causa, por isso consideram importante que as partes do corpo sejam fininhas para que o corpo fique como se estivesse “de lado”. As palavras que mais contribuíram foram: lado, partes do corpo, impressão, dentro, fininho. Outro pólo deste fator, característico das participantes que fazem dieta abaixo de 200 Kcal, aponta para o fato de que para serem aceitas, as pessoas precisam tornar-se fúteis pois o que interessa para a sociedade é somente a estética, e isto contribui para que se perca a noção de verdade pessoal, podendo gerar danos e “complexos” e até mesmo a morte. As palavras que mais contribuíram para este pólo foram: interior, fútil, complexos, estrutura, ponto, verdade, morte, estética, interessa, aceita.

 

Tabela 3

Análise de correspondências do Fator 3 (baseada em tabela palavras X modalidades).

 

O quarto fator aponta para a necessidade de ser extremista para emagrecer e não ser rejeitada. Em um primeiro pólo, ao qual associaram-se as participantes que praticam Low Food ingerindo menos de 200 Kcal diárias, surge a noção de que o corpo deve ser cuidado, pois foi dado por Deus e abriga a alma. As participantes falam da influência da mídia no estabelecimento de modelos ideais de corpos a serem perseguidos. Falam dos danos causados ao corpo nesta busca pela perfeição. As palavras mais citadas foram: perfeição, extremista, danos, alma, avaliar, coisas, muito, Deus, partes, emagrecer, lugares, rejeitada, mídia. Um segundo pólo ao qual se associaram as participantes que praticam Low Food entre 200 e 500 Kcal diárias, também aponta o corpo como reflexo do interior, porém fala da necessidade de se ter uma estrutura magra, retinha para que se possa “ver”.

 

Tabela 4

Análise de correspondências do Fator 4 (baseada em tabela palavras X modalidades).

 

DISCUSSÃO

Este estudo procurou investigar a representação social do corpo, bem como os motivos pelos quais, garotas participantes de comunidades Pró-anorexia do Orkut, iniciaram suas dietas.

As participantes referem que os motivos iniciais se encontram em períodos da infância e adolescência, quando a garota sente-se cobrada pelos familiares (principalmente pai e mãe) e pela sociedade e namorado, a manter-se magra. A mãe aparece ainda como alguém de quem se pode aprender estratégias para perder peso, seja um aprendizado direto (a mãe ensinando, sugerindo vômitos, por exemplo) ou indireto (através da observação das tomadas de medicação para emagrecer pela mãe). As chacotas sofridas nos ambientes escolares, por estar acima do peso, também são referidas como motivadoras das dietas radicais. A partir daí, inicia-se uma corrida para atingir a magreza, muitas vezes extrema, incluindo comportamentos de ingestão de laxantes, medicamentos para emagrecer, associados a prática de exercícios físicos exagerados e dias sem ingestão de alimentos sólidos. Tudo em prol da meta do estilo “Anna” de ser: atingir a perfeição.

O corpo é representado como sendo o cartão de visitas, que deve sempre refletir beleza. Assim, corpos extremamente magros, com ossos aparentes, representam um padrão de beleza valorizado por este grupo de mulheres. A busca pelo corpo perfeito passa por sacrifícios e sofrimentos, com dietas que arriscam a saúde e podem levar a conseqüências trágicas em suas vidas. Para Ory (2006) apesar dos progressos ocorridos com relação a uma concepção hedonista e de uma prática autônoma do corpo, não se pode esquecer que, simultaneamente, se mantém relações corporais baseadas em um desejo de se colocar a prova, que supõe a imposição de um constrangimento exterior ao agente, que se pode traduzir por violência. Os dados indicam que, para as participantes, a beleza e perfeição corporal, pode levá-las a conquistar o mundo. Observa-se a norma subjetiva (percepção do olhar da sociedade e principalmente da família da garota) é muito importante para legitimar as dietas das participantes. Isso acontece, pois de acordo com Ory, (2006) é claro que a cultura tem um forte peso sobre os corpos e situa grande parte das determinações, porém de certa forma sempre mediadas pela vulgarização, pela imprensa, publicidade, ficção, e tantos outros modos de difusão de representações e de valores.

A experiência da doença está pautada no corpo enquanto dimensão vivida da cultura, e a maneira como o indivíduo experimenta o processo do adoecimento relaciona-se a uma inscrição do mundo social no corpo do indivíduo e de todo o esforço desse sujeito para intervir na sua realidade (Giordani, 2009).

Em estudos anteriores (Giacomozzi, 2007; Giacomozzi, 2010) com participantes de comunidades pró-anorexia do orkut, também surge a idéia do sofrimento e dos sacrifícios para se atingir a meta da perfeição. Porém este sofrimento é amenizado pelo apoio obtido no grupo formado pelas demais participantes das comunidades. Tais estudos também apontam para as categorizações geradoras de estereotipia feitas pelas participantes com relação aqueles que não conseguem manter-se dentro do ideal do grupo: a magreza extrema. A autora aponta para o fato de que as comunidades virtuais tornam-se espaço para a troca de segredos, receitas entre as garotas, além de apoio mútuo para a manutenção dos comportamentos anoréxicos e bulímicos, fato que muitas vezes torna-se um entrave para o tratamento e geralmente é desconhecido dos profissionais de saúde e familiares.

Através das respostas das participantes, observou-se que existe uma forte ligação do início das dietas das garotas com a questão familiar e com as relações mais próximas, de amizades e ambiente escolar. Considera-se importante que outros estudos sejam realizados no sentido de melhor aprofundar esta relação para que se possa avançar na compreensão deste distúrbio alimentar.

 

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Recebido em 27 de Dezembro de 2010/ Aceite em 30 de Maio de 2011