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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.12 no.2 Lisboa  2011

 

Associações da personalidade, enfrentamento e suporte social com o estado nutricional

Janice Ramos de Sousa

 

Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Hospital São Vicente de Paula, Seção de Nutrição, Distrito Federal, Brasil.

 

Contactar para E-mail: janice.rs@hotmail.com

 

RESUMO

As características de personalidade, enfrentamento e suporte social foram investigadas em 328 trabalhadores para análise de sua relação com o estado nutricional. Foram aplicados inventários para avaliação do estado de saúde, atividade física, consumo alimentar, IMC (Índice de Massa Corporal), percentual de gordura corporal, estilos de enfrentamento psicológico, traços de personalidade e suporte social. Os homens apresentaram IMC médio de 25,3 (dp=4,0) significativamente maior do que as mulheres (24,4, dp=4,0) (p < .001), e não diferiram das mulheres na grande parte das variáveis mensuradas. Nas análises de regressão múltipla foram preditores significativos e positivos do IMC as variáveis idade, enfrentamento emocional e participação em programas de redução de peso. A análise dos dados não mostrou a existência de correlação de personalidade com dados antropométricos. Os resultados mostraram que as médias de IMC dos trabalhadores são altas, mostrando a tendência ao excesso de peso, e que apenas uma das dimensões de enfrentamento demonstrou ter associação positiva com o IMC.

Palavras chaves: Enfrentamento, Estado nutricional, Personalidade, Suporte social.

 

Personality, coping, social support associations and nutritional state

ABSTRACT

The analyses of the nutritional state and the relationship between the characteristics of personality, coping and the social support were investigated in 328 employees. Inventories were used to check the health, physical activities, eating habits, BMI (Body Mass Index), fat percentage in the body, styles of coping, traces of personality and social support. Men presented average BMI of 25,3 (sd=4,0) significantly bigger than women (24,4; sd=4,0) (p ‹.001), and men were not different from women in most part of the varied analyses. The mains positives predictors to BMI at the regression multiply analysis were age, emotional coping and the participation in a weight loss program. The data analyses did not show the existence of a connection between personality with antropometrical data. The results showed that the average BMI of workers are high, having a tendency to overweight and only one of the dimensions of coping demonstrated to be associated positively with the BMI.

Key Words: Coping, Nutritional state, Personality, Social support.

 

A idealização de um modelo de beleza inatingível é uma cultura presente na sociedade moderna que exige dos indivíduos o controle da aparência física determinado pelas praticas alimentares, pelos aspectos psicoculturais e em particular pela capacidade de adesão às propostas de mudanças de hábitos e estilo de vida (Vieira & Turato, 2010).

Objetivando aumentar o conhecimento deste fenômeno, a ciência da nutrição e a psicologia vêm realizando estudos que possibilitam uma maior compreensão na resolução dos problemas de saúde que envolvem o estado nutricional e os aspectos psicológicos.

As características psicológicas são geralmente desconsideradas durante a execução do atendimento nutricional proporcionando uma menor eficácia no tratamento. O seguimento da prescrição dietética pelo paciente depende sensivelmente de sua estrutura psicológica, da capacidade de enfrentamento às situações desconfortáveis da vida, da harmonia do ambiente e do apoio social percebido. Todos estes fatores garantem melhor adesão ao tratamento, e significativa economia nos gastos em saúde publica.

Estudos têm demonstrado a existência de associações entre hábitos alimentares não saudáveis e personalidade agressiva; obesidade e impulsividade, ansiedade e pessimismo. Problemas de comportamento alimentar têm sido associados com baixa auto-estima, instabilidade de auto-percepção, maior sensibilidade ao estresse, ansiedade social e auto depreciação. Autores sugerem que a ingestão dietética é influenciada por uma variedade de fatores entre eles o estilo de vida, o aspecto demográfico e a herança genética de traços de personalidade (van den Bree, Przybeck, & Cloninger, 2006).

Atualmente, a relação entre saúde física, mental e estratégias de enfrentamento a situações desconfortantes vêm sendo mais estudadas. Tem-se comprovado que tais estratégias desadaptadas podem contribuir para o desenvolvimento de diversas patologias. Assim, é possível avaliar a relação existente entre estratégias de enfrentamento e saúde pela forma que podem proporcionar o bem-estar físico e mental (Tomaz & Zanini, 2009).

O enfrentamento psicológico também conhecido como Coping ou pensamento construtivo é definido como habilidades que precisam ser desenvolvidas para que se possa controlar situações estressantes e se adaptar às mesmas. Podem estar relacionadas a alterações cognitivas, fatores comportamentais e fisiológicos (Araújo, Oliveira, Pedroso, & Castro, 2009).

Estudos recentes vêm investigando as associações entre ambiente social e saúde, apontando o suporte social como uma forma de enfrentamento (Siqueira, 2008). Vários aspectos relacionados com o apoio social (tais como: o apoio que recebemos de outros, o apoio social que oferecemos aos outros, a qualidade e o número de interações sociais e sentimentos de solidão) . F oram mencionados como possíveis preditores de saúde e bem-estar (Corrêa, Moreira-Almeida, Menezes, Vallada, & Scazufca, 2010).

Para Kahn (1979), um dos primeiros estudiosos do assunto, Suporte Social é uma transação interpessoal que inclui um ou mais dos seguintes aspectos: expressão afetiva positiva de uma pessoa por outra, afirmação ou aceitação de comportamentos, percepções ou opiniões expressas de outra pessoa e provimento de ajuda material ou simbólica a outra pessoa.

Cobb (1976), outro pesquisador pioneiro no tema, propõe a existência de três tipos de suporte social: o emocional, informacional e instrumental. O suporte emocional ou de estima é a informação de que uma pessoa é estimada e aceita, pois a auto-estima de um indivíduo é aumentada pelo seu convívio com pessoas que o avaliam pelo seu próprio valor e experiência e pelas quais é aceito a despeito de qualquer dificuldade ou falhas que tenha. O suporte informacional é a ajuda, os conselhos e as informações que o indivíduo recebe para auxiliá-lo a lidar com os acontecimentos do dia-a-dia. Por último, o suporte instrumental é a provisão de ajuda financeira, recursos materiais e serviços necessários ao indivíduo para que possa enfrentar a situação de conflito. A ajuda instrumental pode ajudar a reduzir o estresse por solucionar problemas instrumentais diretos ou provendo um aumento de tempo para atividades de entretenimento e relaxamento.

Demandas pessoais, tais como, fatores da personalidade podem influenciar a forma como as pessoas reagem a situações difíceis. Muitas vezes pode preceder estratégias de enfrentamento como descarga emocional, interferindo no bem-estar do indivíduo (Tomaz & Zanini, 2009).

Uma das formas de identificação e investigação dos traços gerais da personalidade mais utilizada atualmente é o modelo denominado Cinco Grandes Fatores ou Modelo dos Cinco Fatores (Five-Factor Model - FFM), que tem sido considerado como representante das dimensões básicas da personalidade defendido por Costa e McCrae (1992).

O fator Estabilidade Emocional versus Neuroticismo refere-se ao número e força dos estímulos necessários para eliciar emoções negativas em alguém; consiste na tendência para experienciar emoções negativas frente a estímulos negativos (irritabilidade). Já o fator Extroversão diz respeito ao número de relacionamentos com o qual o indivíduo se sente confortável e o nível de sociabilidade e atividade do indivíduo. No fator Intelecto/Abertura há referência ao número de interesses pelo qual o indivíduo se sente atraído e a profundidade de busca desses interesses, incluindo criatividade, tendência artística e imaginação. O fator Cordialidade consiste no número de referências da qual o indivíduo tira suas normas para um comportamento adequado, incluindo traços pró-sociais, tais como: simpatia, gentileza e cooperação. Por fim, o fator Conscienciosidade refere-se ao número de objetivos no qual o indivíduo está focalizado. Inclui persistência, eficiência e organização (Costa & McCrae, 1992).

Desta forma, acredita-se que alguns aspectos psicológicos, psicossociais e de estilo de vida estejam mais diretamente correlacionados com o estado nutricional e com as questões de saúde em geral. Dentre os principais fatores, encontram-se as características de personalidade, os estilos de adaptação frente aos conflitos e estresses (estratégias de enfrentamento), os tipos e a qualidade das redes de relacionamentos interpessoais (suporte social) e estilos de vida expressos principalmente através dos hábitos de alimentação e atividade física.

Este artigo possui o objetivo de descrever uma pesquisa delineada para observar as associações existentes entre o estado nutricional e variáveis psicossociais, como traços de personalidade, enfrentamento psicológico e suporte social. Outras questões também serão descritas no decorrer do desenvolvimento da pesquisa, tais como a caracterização dos dados demográficos da população estudada, o conhecimento do nível de atividade física, de saúde em geral e os hábitos alimentares mais freqüentes dos participantes na pesquisa.

 

MÉTODO

Participantes

O estudo de funcionários de um hospital psiquiátrico da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal apresenta um delineamento transversal, em amostra não probabilística. Dos 355 servidores ativos, 317 indivíduos participaram, 31 se recusaram a participar, 4 mulheres estavam grávidas e 3 homens praticavam treinamento físico intenso. Os dois últimos grupos foram excluídos por serem considerados inadequados ao método de avaliação do estado nutricional adotado neste estudo.

Foram aplicados 04 questionários em uma amostra de 157 participantes do sexo masculino (média de idade de 37,5 anos) e 160 do sexo feminino (média de idade de 37,2 anos).

Material

Foi utilizado o instrumento de avaliação dos traços de personalidade, denominado de NEO PI-R, cuja versão brasileira utilizada foi o ICFP- R (Instrumento dos Cinco Fatores de Personalidade – Reduzido). É um instrumento de avaliação destinado a medir as dimensões da personalidade em cinco fatores conhecidos como: intelecto/abertura, estabilidade emocional, extroversão, cordialidade e conscienciosidade. Este instrumento é considerado um paradigma fidedigno de avaliação das diferenças individuais da personalidade. Constitui-se de 81 sentenças em que o respondente deve optar por uma das alternativas: descreve totalmente, descreve bastante, descreve pouco, não sei, descreve muito pouco, descreve quase nada ou não tem nada a ver comigo (Troccóli,Vasconcelos, Meiçó, & Araújo, 2001).

Para mensurar o estilo de enfrentamento geral dos indivíduos foi utilizado uma Versão Abreviada do Inventário do Pensamento Construtivo (The Constructive Thinking Inventory Short Version - CTI-S) traduzida e adaptada a partir do instrumento desenvolvido por Epstein e Meier (1989) . É um questionário de auto-relato que contem itens descrevendo maneiras de pensar comuns, automáticas, construtivas e destrutivas. Ele fornece resultados em sete escalas: uma escala global e seis escalas específicas. As escalas específicas são as seguintes: enfrentamento emocional, enfrentamento comportamental, pensamento categórico, pensamento supersticioso, pensamento esotérico e otimismo ingênuo.

Em geral, o pensamento construtivo está correlacionado positivamente com auto-estima, força do ego, bem-estar. As pessoas com elevados escores no Inventário de Pensamento Construtivo (CTI - Constructive Thinking Inventory) tendem a ser bem ajustadas (não-neuróticas), extrovertidas, cordiais, escrupulosas e de mente aberta. De modo contrário, pessoas com uma pontuação baixa tendem a serem neuróticas, introvertidas, hostis, inescrupulosas e de mentalidade estreita (Coelho, Albuquerque, Martins, D’Albuquerque, & Neves, 2008).

Epstein e Meier (1989) afirmam que uma pessoa que apresenta pontuação elevada em estratégias de enfrentamento emocional é capaz de enfrentar situações difíceis sem sofrer estresse em demasia. As estratégias de enfrentamento comportamental medem o quanto o indivíduo pensa de forma que promova ações efetivas. As pessoas que apresentam estratégias de enfrentamento comportamental em maior grau tendem a pensar de forma simplificada, enquanto o estilo de pensamento categórico leva a ações rápidas e decisivas. O pensamento supersticioso, por sua vez, diz respeito às crenças das pessoas em relação a fenômenos que são cientificamente questionáveis, tais como astrologia, telepatia, simpatias e superstições comuns. Já o estilo de pensamento denominado de otimismo ingênuo indica o quanto as pessoas são demasiada e ingenuamente otimistas. Por fim, o estilo de pensamento negativo, está relacionado a comportamentos não-adaptativos (Seidl, Troccóli, & Zannon, 2001).

O instrumento avaliador do Suporte Social utilizado foi o Questionário de Suporte Social de Norbeck (NSSQ) (Norbeck, Lindsey, & Carrieri, 1981). No NSSQ o participante inicia o questionário listando os nomes ou iniciais de cada pessoa que ele considera importante em sua vida e que lhe fornece algum suporte. Em seguida, avalia o suporte dado por cada uma das pessoas listadas. O questionário consta de nove perguntas, sendo duas referentes ao suporte social afetivo, duas referentes ao suporte de afirmação, duas referentes ao suporte instrumental, uma referente à duração dos relacionamentos e uma referente à freqüência de contato dos relacionamentos. A nona pergunta deste questionário refere-se à mensuração de perdas recentes de relacionamentos importantes uma vez que a rede de suporte pode se alterar com a ocorrência deste tipo de evento.

Cada participante respondeu a um quarto questionário, onde além das características demográficas (sexo, idade, situação conjugal, número e idade de filhos dependentes, nível educacional, qualificação profissional, anos de trabalho, horários de trabalho, tempo de serviço e ambiente de trabalho), foram investigadas a atividade física, os hábitos alimentares e o estado de saúde em geral. Em relação à saúde foram pesquisados os sintomas e/ou doenças, uso de medicamentos, participação em programas de redução de peso, uso de medicamentos para obesidade e uso de medicamentos para outros fins.

A atividade física foi avaliada a partir de um questionário previamente validado por Baecke, Burema e Frijters (1982) para estudos epidemiológicos. Este reconhece a abrangência da atividade física em três dimensões: no trabalho, no esporte e no lazer; também considera a intensidade da atividade física constituída em cinco componentes: ocupação, movimento, esporte, lazer e sono habitual. O esporte e a ocupação foram classificados em três níveis: baixo, médio e alto nível.

O estado nutricional dos participantes foi avaliado através do cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC), também conhecido como Índice de Quételet, calculado pela divisão da massa corporal em quilograma pelo quadrado da estatura em metros (Anjos, 1992), e do percentual de gordura corporal obtido através de dobras cutâneas. O IMC foi proposto pela Organização Mundial de Saúde em 1995 e utiliza o peso e a estatura como critério diagnóstico, é útil tanto em nível individual como populacional, permitindo comparação com estudos nacionais e internacionais, além de expressar as reservas energéticas do indivíduo (Cervi, Franceschini, & Priore, 2005; Gigante, Minten, Horta, Barros, & Victoria, 2008). O percentual de gordura corporal foi obtido através da medição das pregas cutâneas, que é um indicador mais sensível que o IMC para medida de gordura corporal, uma vez que o IMC não distingue massa magra de massa gorda.

O consumo alimentar dos participantes foi investigado utilizando-se o questionário de freqüência dos alimentos. O questionário continha a listagem dos alimentos mais consumidos relacionados no Inquérito de Consumo Alimentar Familiar realizado pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal em conjunto com o Ministério da Saúde em 1997. A pesquisa relaciona os 17 alimentos mais consumidos na região com maior contribuição de energia calórica aos indivíduos (Ramires, Tancredi, Pinheiro, & Carvalho, 2001). Além destes alimentos referidos na pesquisa, foi incluído o refrigerante e a bebida alcoólica, por serem bebidas muito consumidas na comunidade adulta. Para analise estatística, os alimentos foram classificados em três grupos distintos: alimentos construtores, alimentos reguladores e alimentos energéticos (Carvalho, Nogueira, Teles, Paz, & Sousa, 2001). A freqüência de consumo de alimentos considerada no questionário e na análise foram as categorias: diária, semanal, mensal, rara e nunca.

Procedimentos

Após a aplicação de um teste piloto realizada em uma população diferente da amostra a ser estudada, os participantes foram abordados nos seus ambientes de trabalho e solicitados a preencherem os questionários de acordo com as instruções contidas nos mesmos.

Os participantes foram pesados e medidos através de balança antropométrica da marca Filizola instalada em uma sala de atendimento ambulatorial do hospital. As técnicas de tomadas de medidas de peso, altura, ponto médio do braço e circunferência braquial para obtenção do percentual de gordura foram feitas conforme recomendação de Lohman e Martorell (1988), sendo que somente uma pesquisadora coletou os dados antropométricos, com o objetivo de minimizar erros nas medições.

As pregas cutâneas foram obtidas com uso do adipômetro de Lange em três pontos, com três medidas cada um, efetuando-se a média para a realização do cálculo do percentual de gordura, sendo posteriormente submetidas às tabelas de conversão dos valores preditivos de densidade corporal proposta por Siri (Guedes, 1994). Para os homens foram obtidas as pregas tricpital, suprailíaca e abdominal; para as mulheres obtidas as pregas da coxa, suprailíaca e subescapular.

Quanto ao tratamento estatístico foram realizadas duas analises de regressões múltiplas para verificar o poder preditivo das 31 variáveis explicativas (psicossociais, demográficas, de intensidade de atividades físicas e de hábitos alimentares) sobre as variáveis antropométricas de interesse: índice de massa corporal e percentual de gordura.

Foram criadas variáveis dummy para que fosse possível incorporar as diversas variáveis nominais, cada uma com vários níveis, nas equações das regressões. O conjunto de variáveis dicotômicas originado da variável nominal, através da codificação dummy, foi em seguida introduzido na análise de regressão.

Foram preditores significativos e positivos do índice de massa corporal (IMC) apenas as variáveis idade, enfrentamento emocional, participação em programas de redução de peso com apoio psicológico e participação em programas de redução de peso sem apoio psicológico. Intensidade da atividade física, consumo alimentar e as demais variáveis independentes estudadas não mostraram associação significativa com o IMC na análise multivariada. O modelo final explicou cerca de 10% da variação de IMC indicando que outros fatores que não puderam ser mensurados neste estudo seriam responsáveis pelos 90% restantes da variabilidade do IMC do grupo de estudo.

Para o segundo modelo, os preditores significativos da percentagem de gordura corporal do participante foram apenas os medicamentos para obesidade e outros medicamentos, ambos com relações negativas. Já as variáveis gênero, idade, participação em programas de redução de peso com apoio psicológico ou sem apoio psicológico apresentaram uma relação significativa e direta. Neste caso, o modelo final explicou 36% da variação do percentual de gordura corporal.

A avaliação dos pressupostos da análise de regressão e os resultados indicaram que a razão entre o número de casos e variáveis preditoras era adequado e que as variáveis tinham um padrão relativamente normal de distribuição, sem valores discrepantes de assimetria e achatamento.

A comparação estatística das medias foi realizado através do teste de Fisher para calcular a probabilidade ou o grau de associação das características categorizadas para analise.

Os dados coletados foram tabulados e analisados pelo software for Windows SPSS 10.0. (Statistical Package for the Social Sciences).

 

RESULTADOS

O grupo de trabalhadores da saúde estudado apresentou idade média de 36,0 anos (dp=9,0) para os homens e 34,2 anos (dp=8,2) para as mulheres. No geral, a amostra foi bastante heterogênea quanto às ocupações funcionais. Os auxiliares de enfermagem, os técnicos em nutrição e assistentes sociais, representaram 31,5% da amostra, seguido pelo grupo dos servidores administrativos (18,9%) e do grupo de profissionais de nível superior (16,1%), tais como, médicos, enfermeiros e psicólogos.

Quanto à escolaridade, observou-se que há um maior número de homens nos níveis mais baixos (até segundo grau incompleto), enquanto que as mulheres predominam nos níveis mais elevados (segundo grau completo e acima). No geral, no entanto, predominam os participantes com segundo grau completo (38,8% da amostra).

Apesar da menor escolaridade, os homens apresentaram renda média igual a 595,93 euro, significativamente, superior a das mulheres que foi de 498,29 euro demonstrando, ainda, a conhecida desvalorização do trabalho feminino.

As variáveis peso, índice de massa corporal (IMC) e percentual de gordura estão na Tabela 1. Os homens apresentam IMC médio de 25,3 (dp=4,0) significativamente maiores do que as mulheres (24,4, dp=4,0) (p < .001). Já na medida de percentual de gordura a média masculina foi de 17,2 (dp=4,7) e a feminina de 23,8 (dp=4,6).

 

Tabela 1

Distribuição da amostra segundo características antropométricas e actividade física pelo teste de Fisher.

 

Quanto à atividade física, os participantes do sexo masculino relataram médias significativamente maiores do que as mulheres somente nas atividades esportivas com escores de 3,1 e 2,1 respectivamente (p < .001). Nas atividades físicas no trabalho e no lazer as médias dos homens são maiores do que as médias das mulheres, mas estas diferenças não são estatisticamente significativas.

As dimensões de personalidade, estilos de enfrentamento e suporte social são apresentados na tabela 2. Tais variáveis não possuem escala de diagnóstico formal pré-estabelecida, sendo que seus parâmetros são definidos através dos valores encontrados na própria amostra. A tabela 2 exibe os valores mínimos e máximos encontrados nas respostas dos participantes.

 

Tabela 2

Distribuição da amostra segundo características psicossociais pelo teste de Fisher.

 

Os homens não diferiram das mulheres em 6 das 7 dimensões de personalidade que foram mensuradas. Única exceção ocorreu para o fator Intelecto/Abertura onde os homens se auto-avaliam como tendo maior motivação por interesses diversos (p < .001).

Seis estilos de enfrentamento foram mensurados. Novamente, apenas em uma dimensão (enfrentamento comportamental) os homens apresentaram uma média significativamente superior a das mulheres (p < .02). Enfrentamento comportamental envolve o uso de comportamentos concretos frente a situações de conflito que geram estresse.

Quanto às quatro dimensões de suporte social percebido e relatado as mulheres mostraram possuir uma rede social (número de pessoas que o indivíduo acha que pode lhe fornecer os três outros tipos de suporte) maior do que os homens (p < .002).

 

DISCUSSÃO

Poucos estudos têm examinado a associação entre atributos da personalidade e os aspectos alimentares, apesar das diversas sugestões científicas de que algumas dimensões da personalidade são correlacionadas com o consumo de determinados alimentos (Goldberg & Strycker, 2002).

Estudo envolvendo a associação entre suporte social, atividade física, personalidade e os cuidados de saúde demonstrou que indivíduos com menos disfunções de personalidade apresentaram menos problemas de saúde, ao passo que indivíduos com mais disfunções de personalidade, na ausência de suporte social e que não praticavam exercício físico, estavam mais associados aos altos custos com cuidados de saúde (Manning & Fusilier, 1999).

O presente estudo não mostrou associação entre a personalidade e o suporte social com o estado nutricional. No caso do enfrentamento emocional, uma associação positiva com o IMC foi encontrada. Uma possível explicação para este achado seria o fato dos trabalhadores da saúde fazerem uso dos mecanismos de enfrentamento psicológico para gerenciar conflitos oriundos de demandas internas e/ou ambientais, com o menor estresse possível.

De fato, os trabalhadores da saúde ficam mais expostos às situações geradas pela pobreza, pelas desigualdades sociais, pelas deficiências estruturais do sistema de saúde, que aliada à falta de reconhecimento profissional e conseqüente desvalorização salarial, necessitam desenvolver múltiplas habilidades para superar os desafios que surgem no cotidiano do trabalho (Braga, Carvalho, & Binder, 2010).

Outras variáveis associadas ao estado nutricional foram idade, gênero, programas de redução de peso sem e com apoio psicológico, uso de medicamentos para obesidade e para outros fins . Estes achados são plausíveis, uma vez que a idade e o gênero têm sidos identificados como fatores preditivos de IMC em vários estudos (Acuña & Cruz, 2004; Anjos, 1992; Cervi et al., 2005; Coitinho, 1999) . As demais variáveis são, previsivelmente, mais freqüentes entre as pessoas de maior IMC e maior percentual de gordura corporal, devido ao estigma sofrido pelo estado nutricional alterado, como no caso de excesso de peso ou obesidade. Além disso, esta atitude é quantitativamente diferente entre os gêneros.

Em uma pesquisa que objetivou o desenvolvimento de marcadores para avaliação da personalidade através do modelo dos cinco fatores, foi definido o “Fator Intelecto como a “percepção” que a pessoa (ou os outros) tem de sua própria inteligência ou capacidade. Este fator, que também tem sido chamado de Abertura para Experiência , engloba características como flexibilidade de pensamento, fantasia e imaginação, abertura para novas experiências e interesses culturais” (Hutz, Nunes, Silveira, Serra, Anton, & Wieczorek,1998, p.398).

Esta conceituação do fator Intelecto/Abertura facilita a concordância com os resultados do presente estudo ao verificar que, entre as dimensões da personalidade avaliadas, somente há diferenças entre os gêneros no que se refere ao intelecto/abertura. É uma questão cultural o conhecimento do comportamento do sexo masculino ser mais ousado e o feminino ser mais retraído, pouco aberto a situações incomuns. Câmara e Carlotto (2007) confirmam que há maior tendência por parte dos homens a utilizar estratégias mais arriscadas.

Os resultados da presente pesquisa indicaram os homens como praticantes mais freqüentes de atividade física em relação às mulheres. Tais resultados corroboram com os achados de outra pesquisa que concluiu que a prática de atividade física durante o início da vida adulta apresentou associação com atividade física posterior, e essa associação foi mais expressiva em homens do que em mulheres ( Nogueira, Faerstein, Rugani, Chor, Lopes, & Werneck, 2009). Em contraposição a estes achados, uma pesquisa recente demonstrou que a prática de atividade física não se modificou quando controladas as variáveis sexo, idade e profissão (Silva, R.S., Silva, I., Silva, R.A., Souza, & Tomasi, 2010). Estes resultados contrários podem, possivelmente, ser explicados pela tendência contemporânea do culto ao corpo que vem acontecendo em ambos os gêneros.

É fácil compreender o fato dos homens apresentarem maior média na dimensão de enfrentamento comportamental, ou seja, usam de comportamentos concretos frente a situações de conflito que geram estresse. A cultura de que o homem é mais objetivo em suas ações ainda é um padrão vigente na sociedade, embora o perfil das mulheres esteja sofrendo, atualmente, um processo de inversão na sociedade brasileira, na medida em que buscam o equilíbrio entre razão e emoção.

Os homens adultos usam formas de enfrentamento mais diretas e focalizadas no problema ou mesmo de evitação, e a mulher assume uma postura fundamentada na emoção (Câmara & Carlotto, 2007), ou tenta resolver o estressor de forma aproximativa (Zaffari, Peres, Carlotto, & Câmara, 2009). E studo recente verificou que adolescentes do sexo masculino são incentivados a serem mais independentes do que as meninas, buscando menos ajuda na resolução de seus problemas (Diniz & Zanini, 2010), o que também confirma os achados do presente estudo em relação ao suporte social de que as mulheres mostraram possuir uma rede social maior do que os homens.

Em geral, o estudo mostrou que as médias de IMC dos trabalhadores são altas, mostrando a tendência ao excesso de peso, o que também foi o caso para o percentual de gordura corporal, principalmente em homens. Estes praticam mais atividade física do tipo esportiva, sendo que nas atividades físicas realizadas no trabalho e no lazer, as médias dos homens também são maiores que as médias das mulheres, mas sem grandes diferenças significativas.

O presente estudo não encontrou associação significativa entre os fatores psicossociais e o estado nutricional, com exceção do enfrentamento emocional. Diversas limitações podem ter afetado os resultados desta pesquisa, como o fato do estudo ter sido realizado em uma amostra não-aleatória constituída por trabalhadores de um hospital psiquiátrico, ou seja, pode ser que o estudo apresente um viés de seleção na direção contrária à hipótese do trabalho. Considera-se que o mais importante fator limitante encontra-se no fato da amostra ser constituída, em sua maioria, de indivíduos normais em relação ao peso, contendo poucos indivíduos obesos ou desnutridos. Se repetido em outras amostras aleatórias, com a presença de grupo controle e representativas da população em geral, talvez apresentassem outros resultados.

Todos esses aspectos conduzem à indicação que esta temática seja mais explorada, visto que os estudos clínicos e epidemiológicos em nutrição, geralmente omitem as dimensões psicológicas, detendo-se quase sempre às questões fisiológicas e socioculturais.

 

REFERÊNCIAS

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AGRADECIMENTOS

A autora agradece aos professores Drª. Denise Costa Coitinho do Departamento de Nutrição da Universidade de Brasília, Brasil; ao Dr. Bartholomeu Tôrres Troccóli do Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília, Brasil, pelo apoio prestado ao longo da realização da pesquisa.

 

Recebido em 14 de Setembro de 2009/ Aceite em 23 de Março de 2011