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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças v.12 n.1 Lisboa  2011

 

Vulnerabilidade de adolescentes afrodescencentes e caucasianos em relação ao HIV/SIDA: Estudo comparativo entre Brasil e França *

Andréia Isabel Giacomozzi, Brigido Vizeu Camargo

 

Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

 

Contactar para E-mail: brigido.camargo@yahoo.com.br

 

RESUMO

Esta pesquisa teve por objetivo identificar aspectos culturais e psicossociais associados às vulnerabilidades de jovens afrodescendentes e caucasianos, no Brasil e na França, às DST’s e ao HIV/SIDA, sendo 240 de cada país, com o objetivo de comparar seu conhecimento sobre aids, atitudes em relação ao preservativo, sentimentos relacionados, bem como outras variáveis psicossociais intervenientes em suas vulnerabilidades ao HIV/SIDA. Os resultados evidenciaram uma multiplicidade de fatores de risco às DST e ao HIV/SIDA entre os jovens estudados. E essa multiplicidade varia de acordo com o grupo de pertença dos participantes, revelando desigualdades vivenciadas por membros de alguns grupos, que os expões a maior vulnerabilidade, como por exemplo, as meninas em relação aos meninos e os afrodescendentes em relação aos brancos.

Palavras-chave: adolescência, aids, atitudes, conhecimento, representação social.

 

Vulnerability of teenagers african descending and whites to HIV/AIDS: Comparative study between Brazil and France

ABSTRACT

The aim of this research is to identify the cultural and social psychological aspects associates to the vulnerabilities of young black students and whites, in Brazil and France, towards HIV/Aids. A quantitative and comparative study between Brazil and France was carried through, with 480 students of the average education of the two countries with the objective to compare its knowledge on AIDS, attitudes front the condom, and relation feelings, as well as other intervening psychological and social variable in its vulnerabilities to the HIV/Aids. The results had evidenced a multiplicity of factors of risk to the DST and the HIV/Aids between the studied young. E this multiplicity varies the group in accordance with of belongs of the participants, disclosing inequalities lived deeply for members of some groups, that you display the biggest vulnerability to them, as for example, the girls in relation to the boys, the black people in relation to the whites.

Keywords: adolescence, aids, attitudes, knowledge, social representation.

 

Pesquisas têm abordado os fatores estruturais que facilitam a transmissão do HIV e sua concentração em áreas geográficas e populações particulares (Ayres, 1994; Sweat & Denison, 1995; Tawil e cols., 1995; Turshen, 1995; Aggleton, 1996; Singer, 1998; Michael e cols, 1998; Díaz, Ayala & Edward, 2004). De acordo com Parker, Rochel e Camargo (2000) podem-se agrupar estes fatores em três categorias distintas, mas interconectadas: a) subdesenvolvimento econômico e pobreza; b) mobilidade, incluindo migração, trabalhos sazonais, em decorrência de guerras, somadas a condições de instabilidade política e pobreza; c) desigualdades de gênero, que também se relacionam com a pobreza (feminização da pobreza).

Jovens também possuem vulnerabilidades específicas ao HIV, geralmente relacionadas com drogas, álcool e violência. Além disso, jovens de camadas populares têm acrescido outros agravantes tais como a pobreza, a desigualdade social e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Alguns estudos focam-se na relação entre o uso de drogas, violência e maior risco de DST1/SIDA (Deans & Singh, 1999; Joseph e cols., 1999). Sabe-se que adolescentes que usam álcool são sexualmente mais ativos, têm um maior número de parceiros e iniciam a atividade sexual mais cedo (Bayley e cols., 1999). O uso de bebidas alcoólicas também contribui para a diminuição do uso de preservativo, aumentando assim os riscos de DST/SIDA (Fergusson, 1996).

Estudos realizados pelo LACCOS2observaram algumas especificidades presentes na vulnerabilidade de estudantes do ensino médio frente às DST e ao HIV/SIDA. Tais vulnerabilidades estão relacionadas com a experiência de namoro (Camargo & Botelho, 2007; Camargo e cols., 2007a; Camargo e cols., 2007b; Bertoldo & Barbará, 2007), quantidade de parceiros sexuais (Camargo & Botelho, 2007), a presença de sexo sem proteção (Camargo & Botelho, 2007; Camargo e cols., 2007a; Bousfield, 2007), o medo frente à doença (Camargo & Botelho, 2007; Camargo e cols., 2007a; Bousfield, 2007), além do baixo nível de conhecimento sobre a doença e da exposição à violência e uso de drogas em estudantes do turno noturno de escolas de periferia (Camargo e cols., 2007a).

O conceito de vulnerabilidade emergiu a partir das discussões acerca de fator, grupo e comportamento de risco em relação ao SIDA, mais propriamente das lacunas identificadas nestes discursos (Ayres, França Jr, Calazans, & Saletti Filho, 1999) e teve como objetivo superar a idéia individualista a respeito das determinantes para a prevenção, onde o foco deixa de ser o indivíduo e passam a ser suas relações (Camargo & Bertoldo, 2006). Adota-se neste estudo a noção de que a vulnerabilidade tem ligações com aspectos cognitivos (conhecimento e informações da epidemia, atitudes, percepção do risco), os sentimentos associados (medo), e as condutas relacionadas com a doença (atitude frente o preservativo, experiência sexuais, comportamentos arriscados).

As atitudes são importantes para se compreender a vulnerabilidade frente ao HIV/SIDA. Segundo Vala (2000) esse conceito tem ligação com os comportamentos, pois pretende ser mediador entre a forma de pensar e a forma de agir dos indivíduos, permitindo identificar o posicionamento de um indivíduo frente à realidade social. As atitudes envolvem o que as pessoas pensam, sentem e como gostariam de se comportar em relação a um determinado objeto. Esta relação entre os componentes de uma atitude pode ser de coerência ou não, pois é possível encontrar inconsistência entre as atitudes e os comportamentos expressos pelas pessoas (Rodrigues et al., 1999; Lima, 1996).

As atitudes em relação a um objeto possuem estreita ligação com as crenças sobre esse mesmo objeto. Mais ainda, elas são função dos atributos associados ao objeto e da avaliação desses atributos (Fishbein & Ajzen, 1975). Assim, de acordo com Stroebe e Stroebe (1995) supõe-se que a atitude de uma pessoa em relação ao desempenho de certo comportamento (como a utilização do preservativo nesse caso) é função das conseqüências que se prevêem e da avaliação dessas mesmas conseqüências.

O modelo de crença de saúde utilizado nesta pesquisa é o da “Ação Refletida” de Fishbein e Ajzen (1975). Essa teoria prevê a intenção comportamental e supõe que o comportamento é função desta intenção. Uma intenção comportamental é determinada pela atitude do sujeito em relação ao desempenho do comportamento e por normas subjetivas. As intenções das pessoas com relação ao uso do preservativo, por exemplo, dependerão das suas atitudes com relação ao uso do preservativo, que por sua vez resultam das suas crenças sobre as conseqüências desse uso ou não uso. A percepção das conseqüências do uso/não uso do preservativo pode afetar a intenção de usá-lo ou não, mas apenas se os indivíduos acreditarem que as conseqüências negativas do não uso recaiam sobre si.

Estudos realizados com jovens em relação ao uso do preservativo (Albarracín, Jonhson, Fishbein, & Muelleririle, 2001; Antunes, Peres, Paiva, Stall, & Hearst, 2002; Cecil & Zimet, 1998) verificaram que a maioria possui pouca intenção de utilizá-lo. Os fatores que influenciam a decisão do sexo protegido (Gebhardt, Kuyper, & Greunsven, 2003) dependem da relação existente entre os parceiros. O principal fator para o não uso do preservativo é a presença de parceiro fixo ( Jiménez, Gotlieb, Hardy, & Zaneveld, 2001). Além disso, outros fatores influenciam na não utilização do preservativo pelos jovens: o valor do preservativo, a dificuldade em comprá-lo, experiências sexuais não planejadas, o uso de álcool e drogas, e a propensão para assumir riscos(Apter, Cacciatore, & Hermanson, 2004). Dados apontam para uma maior vulnerabilidade dos afrodescendentes em relação ao HIV tanto no Brasil, onde os casos de SIDA vêm aumentando entre a população mais pobre, na qual os afrodescendentes se encontram em maior proporção ( Brasil, Ministério da Saúde, Boletim epidemiológico de janeiro/junho de 2007); quanto na França, onde até 1990 o número de novos casos aumentava em todos os grupos nacionais, mas entre 1990 e 1994 esse aumento começou a acontecer, sobretudo entre afrodescendentes (Savignoni et al., 1999; Bulletin de Santé da ORS, 2006). Com relação à etnia e uso de preservativo, em estudo comparativo entre jovens afrodescendentes e caucasianos, realizado com 9.322 jovens entre 16 e 24 anos por Pinho e cols. (2007) observou-se que estão mais vulneráveis ao sexo desprotegido os jovens com namorado e os solteiros em relações eventuais, especialmente mulheres e afrodescendentes. Em estudo comparativo entre mulheres caucasianas e afrodescendentes com relação a fatores relacionados com a infecção pelo HIV, Boisson e Rodrigues (2002) observaram maior vulnerabilidade e aumento da taxa de infecção para o HIV, para as variáveis afrodescendente, jovem, de camada popular; e para as mulheres caucasianas com mais de 10 parceiros sexuais. Assim, através da presente pesquisa, pretendeu-se estudar os aspectos culturais e psicossociais da epidemia do SIDA no âmbito do grupo étnico dos indivíduos jovens afrodescendentes, fazendo uma comparação com indivíduos jovens não afrodescendentes (caucasianos), em dois países: o Brasil e a França, com intuito de melhor compreender as idiossincrasias das suas vulnerabilidades ao HIV, considerando a sua percepção do risco, atitudes, e o conhecimento sobre a doença.

 

MÉTODO

Amostra

Participaram 480 estudantes, sendo 240 do ensino médio de bairros periféricos de escolas brasileiras do estado de Santa Catarina, nas cidades de Florianópolis, Balneário Camboriú e Itajaí e 240 estudantes do ensino médio escolas de periferia francesa da região de Ile-de-France nas cidades de Paris, Rambouillet, Bretigny sur Orge,Vitry sur Seine, Igny, Vaujours e Le Tremblay sur Mauldre, Villepinte. Os critérios para inclusão na pesquisa foram os seguintes: ser estudante do ensino médio vinculado às escolas participantes, e estar dentro da faixa etária de 15 a 24 anos. Com relação ao sexo dos participantes, 240 eram do sexo masculino e 240, do sexo feminino. E com relação à etnia, 240 eram afrodescendentes, e 240 brancos. No Brasil, os participantes que se declararam negros, pardos, mulatos e morenos foram considerados afrodescendentes, na França, os estudantes que declararam serem filhos de imigrantes vindos de países da África, Maghreb e territórios de outro mar (Martinica, Guadalupe, Guiana Francesa, etc.) foram considerados afrodescendentes para este estudo.

Instrumento

Foi utilizado um questionário estruturado e auto-administrado em duas versões: em português e em francês , composto de questões fechadas e escalas. Este instrumento media conhecimento sobre a SIDA, atitudes frente o preservativo e práticas sexuais. As questões podem ser classificadas em quatro grupos: 1) características individuais dos participantes (sexo, idade, experiência amorosa e sexual); 2) conhecimento ligado ao HIV/SIDA 3e autopercepção do conhecimento sobre esta epidemia; 3) atitudes sobre o uso do preservativo 4, percepção e sentimentos em relação ao risco de infecção; 4) comportamentos arriscados e de proteção em relação às DST e a SIDA.

Procedimentos

No Brasil, o questionário foi aplicado em turmas escolhidas pela direção das escolas, em acordo com os professores. O questionário foi traduzido para o francês sob a orientação da Dra. France Lert (conselheira científica do CRIPS5), e passou por modificações para adaptação às possibilidades da pesquisa naquele país que diz respeito à questão de identificação étnica dos participantes. Na França não foi possível perguntar diretamente a cor de pele dos alunos ou solicitar sua auto-declaração étnica (como havia sido feito no Brasil). Optou-se, portanto por perguntar o local de nascimento dos pais dos participantes, para proceder-se a diferenciação entre caucasianos (filhos de franceses) e afrodescendentes (filhos de imigrantes da África Sub-Sahariana, do Maghreb, de territórios de outro mar (Guadalupe, Martinica, etc). A aplicação foi realizada em grupo como no Brasil, e o tempo médio de aplicação para os dois países foi de aproximadamente 40 minutos.

Análise de dados

As respostas do questionário foram colocadas em um banco de dados do software SPSS (pacote estatístico para ciências sociais). Foram realizadas análises estatísticas descritivas e análises de associação entre as variáveis. Na análise das tendências globais das respostas utilizou-se a distribuição dos valores conferidos pelas respostas a cada questão que comportou uma medida categorial, e a média e desvio padrão para questões envolvendo escalas numéricas (análise estatística descritiva). A comparação de sub-amostras (sexo e etnia) foi executada através de tabelas de contingências (testes estatísticos não paramétricos) e de comparação entre médias (teste de Student e análise de variância simples) para verificar as relações entre os dois grupos étnicos, em função do grupo de questões (variáveis). Utilizou-se o método da tendência linear ao ponto, na estimação das médias nos itens onde respondentes assinalaram a modalidade "não sei" ou onde eles deixaram em branco, para a obtenção do escore médio dos 10 itens na escala de atitudes.

 

RESULTADOS

Experiências sexuais

A maioria dos participantes (78,34%) relatou já ter tido pelo menos uma relação sexual com penetração. Os franceses foram mais numerosos que os brasileiros em ter tido relações sexuais “algumas vezes” (31,5% contra 25,6%) e os brasileiros mais numerosos em ter tido relações sexuais “muitas vezes” (47,1% contra 36,6%). Porém sem diferenças significativas entre os países.

Com relação à etnia, (Ver Figura 1) entre os brasileiros, os caucasianos apresentaram percentual de participantes que já haviam tido relações “muitas vezes”, superior ao dos afrodescendentes (50,8% contra 43,2%), enquanto que houve proporcionalmente mais afrodescendentes que nunca haviam tido relações (27,1% contra 15,8 % dos brancos). Para os franceses, houve uma grande diferença entre caucasianos e afrodescendentes no que diz respeito a nunca ter tido relações sexuais (37,3% para os afrodescendentes contra 7,5% dos caucasianos). Não houve associação estatisticamente significativa entre etnia e experiência sexual para os brasileiros, mas houve para os franceses [ c 2 =38,95; gl=3; p< 0,001].

 

Figura 1

Relação entre a experiência sexual em função da etnia por país

 

No que concerne ao sexo dos participantes, observou-se que entre os brasileiros, meninos e meninas dividiram-se equilibradamente entre ter tido relações sexuais muitas vezes (45,4% para eles e 48,7% para elas), enquanto as meninas são mais numerosas em declarar nunca ter tido relação sexual (26,9% contra 16%). Para os franceses a diferença entre os sexos não foi tão grande, 38,7% dos meninos e 34,5% das meninas declararam ter tido relações sexuais muitas vezes. E as meninas também são mais numerosas em declarar nunca ter tido relações sexuais (28,6% contra 16%). Houve associação entre sexo e experiência sexual para brasileiros [ x2 =11,40; gl = 3; p < 0,05], mas não houve para franceses.

Dimensão afetiva e sexual

Pouco mais da metade dos participantes (52%) afirma ter namorado(a), 41,4% dos brasileiros e 62,7% dos franceses. Os participantes franceses namoram mais que os brasileiros [ x2 = 21,56; gl = 1; p < 0,001], sem diferenças com relação a etnia para os brasileiros, nem para os franceses.

Com relação ao sexo dos participantes, entre os brasileiros, as meninas declaram que namoram mais que os meninos (48,3% contra 34,5%), [ x2 =4,74; gl=1; p < 0,05]. Para os franceses, a amostra se dividiu mais homogeneamente entre os sexos, (63,6% para eles e 61,9% para elas) não havendo diferenças significativas entre as proporções.

Relações entre experiências afetivas e sexuais

Para a amostra como um todo, o namoro está associado a ter tido relações sexuais com apenas uma pessoa nos últimos 12 meses. Para os brasileiros, dentre os que afirmaram ter namorado, 78,8% tiveram relações sexuais com uma pessoa [ x2 = 44,39; gl = 2; p < 0,001] e para os franceses com namorado (a), 53,4% afirmaram terem tido relações também com 1 pessoa [ x2 = 13,61; gl = 2; p < 0,001].

Quanto à relação entre sexo dos participantes e ter tido relações sexuais nos 12 meses anteriores, foi observado que entre os brasileiros, as meninas são mais numerosas (63,5%) a declarar terem tido relações sexuais com uma única pessoa, contra 44,2% dos meninos. Enquanto 29,2% dos meninos declararam terem tido relações sexuais com mais de 1 pessoa, contra apenas 7% das meninas [ x2 =20,09; gl=2; p<0,001]. Entre os franceses, esse padrão se repete, pois 50,8% das meninas declararam terem tido relações sexuais com apenas 1 pessoa nos últimos 12 meses, contra 41,7% dos meninos, e 32,5% dos meninos declararam terem tido relações sexuais com mais de uma pessoa, contra 15,8% das meninas [ x2 = 9,12; gl = 2; p < 0,05].

Observou-se ainda que o fato de ter namorado (a) aumenta a freqüência das relações sexuais para a amostra como um todo, pois dentre os que afirmaram ter namorado (a), a maior proporção (57%) relatou já ter tido relações sexuais muitas vezes [ x2 =52,34; gl=3; p<0,001]. Isso foi verdadeiro tanto para brasileiros [ x2 =28,43; gl=3; p<0,001], quanto para franceses [ x2 =35,42; gl=3; p<0,000], sem diferenças entre etnias.

Conhecimento sobre SIDA

Os participantes brasileiros obtiveram média de 5,80 (desvio padrão de 2,04) num dos sub-testes de conhecimento sobre SIDA (dimensão vírus e transmissão da aids do TCCHA6), dentre 10 possíveis, e os franceses obtiveram média de 4,96 (desvio padrão - dp=2,16). A diferença entre os países foi significativa [t=4,34; gl=476; p < 0,001]. Com relação à etnia dos participantes, observou-se que os caucasianos obtiveram média de 5,59 (dp= 2,06), e os afrodescendentes a média de 5,18 (desvio padrão de 2,20). A diferença não foi significativa [t=2,10; gl=476; NS]. Com relação ao sexo dos participantes, observou-se que as meninas apresentaram resultados mais elevados no sub-teste sobre SIDA, 5,41 acertos (dp=2,11) contra 5,36 (dp=2,17) dos meninos. Mas essa diferença não foi significativa.

A maior parte dos brasileiros (85,8%) e dos franceses (75,3%) respondeu ter conhecimento sobre o que seria uma DST, não havendo associação entre essa variável e etnia para o Brasil, tampouco para a França. Observou-se que os franceses são mais numerosos em reconhecer já ter tido DST (3,8% contra 2,7% dos brasileiros). Os franceses também são mais numerosos em declarar não saber se tiveram DST (13,3% contra 5,9% dos brasileiros), [ x2 =7,7; gl = 2; p <0,05], sem diferenças entre etnias para os dois países.

Fontes de informação sobre SIDA

Considerando as proporções de participantes que indicaram as fontes da maioria de suas informações sobre SIDA, em ordem decrescente de importância foram: escola, televisão, folhetos informativos, profissionais de saúde, família, jornais e revistas, e amigos. Encontraram-se diferenças entre algumas fontes de informação e o país, conforme será explicitado adiante, porém sem diferenças entre etnias, exceto para a fonte amigos. A escola foi fonte mais importante de informação sobre SIDA para os franceses [ x2 =14,79; gl=2; p<0,001], enquanto a televisão [ x2 =36,76; gl=2; p < 0,001], a família [ x2 =15,23; gl=2; p < 0,001], e os jornais e revistas [ x2 =24,58; gl=2; p < 0,001] foram mais importantes para os brasileiros. A fonte amigos, para os jovens dos dois países, foi mais importante para afrodescendentes, sem associação estatisticamente significativa para o Brasil, mas com para a França [ x2 =5,93; gl=2; p<0,05].

Dimensão atitude frente o preservativo

Comparando-se a atitude de brasileiros e franceses acerca do uso do preservativo, foi observado que os primeiros tiveram média de 3,67, numa escala de 1 (atitude desfavorável) a 5 (atitude favorável) (dp=0,62), e os franceses tiveram média de 3,45 (dp=0,72). Com relação ao sexo, chegou-se à média de 3,45 (dp= 0,69) para os rapazes, e 3,67 (dp=0,65) para as meninas. Por ser acima do ponto médio da escala, 3, observou-se que todos os grupos posicionaram-se favoravelmente ao uso do preservativo. Foi realizada uma ANOVA fatorial com sexo e etnia como variáveis independentes e atitude como variável dependente. Foi encontrado efeito significativo da variável sexo [F(1, 472)=12,57; p<0,001], o que indica que as meninas possuem atitude frente ao preservativo, mais favorável que os meninos (d=0,94; efeito alto). Mas não foram encontrados efeitos significativos para as variáveis etnia [F(1, 472)=0,007; NS] nem para a interação entre etnia e sexo [F(1, 472) = 0,36; NS].

Percepção de risco

Em relação à auto-percepção do risco de contrair o HIV, houve mais franceses que disseram não saber se haviam se arriscado (14,2%, contra 8,8% dos brasileiros) e mais brasileiros que afirmaram não ter se arriscado (74,4%, contra 45,4%), [ x2 =42,94; gl=2; p<0,001]. Adicionando-se a variável etnia (Ver Figura 2), observou-se que dentre os brasileiros, a grande maioria afirmou não ter se arriscado, e houve mais afrodescendentes que disseram não saber se haviam se arriscado do que caucasianos . Dentre os franceses, as proporções se dividiram de forma bem mais homogênea, principalmente entre os caucasianos (dentre os quais a quantidade dos que afirmaram ter se arriscado foi igual a dos que disseram não ter se arriscado). Entre os afrodescendentes franceses, a maior proporção afirmou não ter se arriscado. Houve associação estatisticamente significativa entre ter se arriscado e etnia para os brasileiros [ x2 =6,28; gl=2; p<0,05], mas não houve para os franceses.

 

Figura 2

Distribuição das proporções de participantes quanto a auto-percepção de ter se arriscado por país e etnia.

 

Foi realizada uma ANOVA com “país” como variável independente e “etnia” e “reconhecimento de ter se arriscado em contrair o HIV” como variáveis dependentes. Não foram encontrados efeitos multivariados significativos para a variável etnia [F(1, 478)=0,00; NS], nem para a interação entre ter ou não se arriscado a contrair o HIV e etnia [F(2, 472)=0,45; NS]. Porém foi encontrado para ter ou não se arriscado a contrair o HIV e o país [F(1, 476) =10,91; p < 0,001] o que indica que os brasileiros têm uma percepção de ter se arriscado menos que os franceses.

Situações de vulnerabilidade

Quanto a situações de vulnerabilidade vivenciadas nos 12 meses anteriores, pelos participantes, destacam-se, em ordem decrescente de importância: presenciar cenas de violência, ficar bêbado, participar de brigas, usar maconha e outras drogas. Houve diferenças entre países para algumas destas situações, porém, para nenhuma delas houve diferenças entre etnias.

Mais da metade dos participantes respondeu ter presenciado cenas de violência nos 12 meses anteriores. A participação em brigas também teve um percentual considerável de respostas afirmativas: 32,1%. E os franceses declararam ter participado mais de brigas (66,20% contra 33,80%) que os brasileiros [ x2 =23,09; gl=1; p < 0,001].

Com relação ao uso abusivo de álcool e outras drogas, boa parte dos participantes (42,5%) disse ter se excedido no consumo de bebidas alcoólicas. A maioria (77,3%) dos estudantes respondeu não ter feito uso de maconha no ano anterior, porém os franceses foram mais numerosos em declarar ter usado maconha que os brasileiros (34,7% contra 10,6%) [ x2 =38,97; gl=1; p < 0,001]. A grande maioria (88,4%) respondeu não ter feito uso de outros tipos de drogas, no último ano.

Uso do preservativo

Com relação ao uso do preservativo, os brasileiros foram mais numerosos em declarar terem utilizado em todas as relações (55,8 % contra 45,7%), enquanto 26,1% dos franceses 19,8% dos brasileiros declaram o não uso do preservativo. Porém, essas diferenças não foram estatisticamente significativas. O uso do preservativo está distribuído de modo homogêneo também com relação ao sexo dos participantes: 53,7% dos meninos e 45,6% das meninas declararam usá-lo em todas as relações, enquanto 27,2% das meninas e 18,9% dos meninos declararam não tê-lo utilizado.

Considerando somente aqueles que relataram já ter tido relações sexuais, observou-se que o fato de ter tido relações sexuais nos últimos 12 meses com apenas uma pessoa diminui o uso do preservativo para a amostra como um todo [ x2 =9,89; gl=3; p<0,05]. O uso do preservativo também variou conforme o fato de ter ou não namorado (a). Para os brasileiros, dentre os que não têm namorado (a), 46,7% declaram utilizar sempre, 34,8% diz utilizar em algumas relações e 18,5% afirma não utilizar. Dentre os que namoram, o percentual dos que não utilizam o preservativo sobe para 21,2%, enquanto 60,6% declaram ter utilizado em todas as relações e 16,3% em algumas. Houve associação estatisticamente significativa entre namoro e uso do preservativo para os brasileiros [ x2 =10,31; gl=3; p<0,05]. Para os franceses, esse padrão também se confirma, pois dentre os jovens com namorado (a), 28,1% declara não utilizar o preservativo, 42,2% diz ter utilizado em todas as relações e 27,3% em algumas relações; Dentre os jovens sem namorado (a), o uso do preservativo aumenta para um percentual de 53,6% e 21,4% afirmam não utilizar. Porém não houve associação estatisticamente significativa para os franceses entre essas variáveis .

Interação entre conhecimento, atitudes e relação sexual

Foi realizada uma MANOVA 2X3 com etnia e experiência em relações sexuais (nunca ter tido relações, ter tido algumas relações ou ter tido várias relações) como variáveis independentes e os resultados obtidos nas escalas de atitude frente ao uso do preservativo e no teste de conhecimento sobre aids como variáveis dependentes. Foi encontrado efeito significativo na interação da variável experiência sexual com atitude [F(3, 466)=12,96; p<0,001; lambda de Wilks: 0,99] e com conhecimento [F(3, 466)=7,25; p<0,001; lambda de Wilks: 0,99]. Não foram encontrados efeitos multivariados significativos para a variável etnia [F(1, 466)=3,71; p NS; lambda de Wilks: 0,99] e para a interação entre etnia e experiência sexual [F(3, 466)=1,14; p NS; lambda de Wilks: 0,99].

O teste post-hoc de Tukey diferenciou as pessoas que nunca tiveram relações sexuais das demais com relação à atitude frente ao preservativo (p<0,001). Foi observado que as pessoas sem experiência sexual tiveram atitudes mais favoráveis ao uso do preservativo, isto é, uma média maior na escala (caucasianos = 4,0; dp=0,12 e afrodescendentes = 3,80; dp=,07) que os participantes que tiveram até algumas (caucasianos = 3,43; dp=0,07 e afrodescendentes = 3,48; dp=0,07) ou muitas relações sexuais (caucasianos = 3,60 e dp= 0,06 e afrodescendentes = 3,5 e dp=0,06).

Por outro lado o teste post-hoc de Tukey também diferenciou as pessoas que nunca tiveram relações sexuais das demais com relação ao conhecimento sobre SIDA (p<0,001). Foi observado que as pessoas que tiveram relações sexuais algumas vezes (caucasianos = 5,43; dp=0,2 e afrodescendentes = 5,39; dp=0,2) e muitas vezes (caucasianos = 5,89; dp=0,2 e afrodescendentes = 5,82; dp=0,2) obtiveram um resultado maior no teste de conhecimento sobre aids que os que nunca tiveram relações sexuais (caucasianos = 4,96; dp= 0,3 e afrodescendentes = 4,21; dp=0,2).

A partir desses dados propõe-se um modelo explicativo (Ver figura 3) que relaciona as atitudes frente o uso do preservativo, o conhecimento sobre HIV/SIDA e a experiência sexual dos participantes.

 

Figura 3

Esquema explicativo de relação entre atitudes, conhecimento e experiência sexual.

 

Observou-se que o fato de já ter tido relações sexuais está associado com melhor conhecimento dos adolescentes sobre HIV/SIDA, porém associou-se com atitude menos favorável frente o uso do preservativo.

 

DISCUSSÃO

A maioria dos participantes (78,34%) declarou já ter tido pelo menos uma relação sexual com penetração. Esta proporção é bem superior aquelas obtidas em estudos anteriores por conglomerados realizados no Brasil (Camargo & Bertoldo, 2006), e na França, Lhomond, B. (1999). Isso pode ter acontecido devido a que a amostra utilizada na presente pesquisa, foi diferente da dos estudos mencionados. Foram escolhidas escolas situadas na periferia das cidades envolvidas (tanto no Brasil quanto na França), e privilegiaram-se na França, escolas de formação profissionalizante (filiéres courtes, filiére profissionelle), onde é maior o número de pessoas de camadas populares e, portanto maior o número de afrodescendentes. Esse dado sobre a precocidade do comportamento sexual desses jovens é um dos indicadores da maior vulnerabilidade dos alunos de escolas de periferia diante das DST e do HIV/SIDA nos dois países.

Ainda com relação à experiência sexual, as diferenças encontradas no Brasil foram maiores no que diz respeito ao sexo dos participantes que a etnia. As meninas são mais numerosas a declarar nunca ter tido relações sexuais, não havendo diferenças entre etnias. Para a amostra francesa verificou-se o contrário: As diferenças foram significativas com relação à etnia dos participantes e não com relação ao sexo, com afrodescendentes em maioria a declarar nunca ter tido relações sexuais. Tal diferença étnica refere-se indiretamente ao sexo dos participantes, pois se observou que entre os jovens afrodescendentes franceses existe uma diferença do comportamento sexual entre meninos e meninas, onde grande percentagem de meninas declarou nunca ter tido relação sexual. De acordo com Hamel (2003), as dificuldades sociais, a baixa escolaridade e a falta de informação sobre DST e SIDA somadas ao racismo sofrido pelos afrodescendentes na França, tende a reforçar as relações de classe e induz a uma rigidez maior nas relações entre homens e mulheres, devido a um controle mais forte da sexualidade das meninas. Quanto ao modelo de crença de saúde da “Ação Refletida” de Fishbein e Ajzen (1975) observou-se que não houve correlação entre as atitudes frente o uso do preservativo e o uso consistente do mesmo, como será explicitado mais adiante. Além disso, a experiência sexual dos participantes se mostrou como um fator associado à diminuição da favorabilidade das atitudes com relação ao preservativo; e ao contrário, este tipo de experiência apareceu positivamente associado ao conhecimento dos participantes com relação ao HIV/SIDA. A primeira relação parece se referir ao fato de que ter um namorado (a) aumenta a freqüência das relações sexuais que, no geral gera uma relação de confiança, o que diminui o uso do preservativo. Quanto à ligação entre a experiência sexual e o conhecimento sobre HIV/SIDA, estudo anterior (Camargo e cols., 2007a) também observou esta associação entre os estudantes afrodescendentes; e seria interessante que novos estudos buscassem verificar se a iniciação sexual incita a busca de informação sobre a prevenção das DST e do HIV/SIDA.

Quanto às relações afetivas, houve mais diferenças entre os dois países que entre as etnias: pouco mais da metade dos participantes, 52%, afirma ter namorado (a); sendo 41,4% dos brasileiros e 62,7% dos franceses. O fato de namorar aumenta a probabilidade de se ter tido relações sexuais com somente um parceiro nos últimos 12 meses, além de diminuir o uso do preservativo, como será analisado mais adiante.

No que diz respeito à dimensão informativa, as diferenças também foram mais significativas entre os países do que entre as etnias e o sexo dos participantes: os brasileiros apresentaram mais acertos (5,80) do que os franceses (4,96) no instrumento empregado por neste estudo (Camargo, Barbará e Bertoldo (2005), no entanto tais médias se encontram abaixo da nota de corte (sete acertos). O fator conhecimento tem importância para adoção de condutas protetoras. Um baixo resultado neste tipo de teste associado a outros determinantes, pode ser um fator de vulnerabilidade, pois Camargo e Bertoldo (2006) reportaram que adolescentes que dispunham de informações adequadas sobre SIDA apresentavam atitude mais positiva sobre o uso do preservativo.

Com relação à dimensão atitude frente o uso do preservativo, ambos os grupos apresentaram atitude favorável (respectivamente médias de 3,67 e 3,45 numa escala de 5 pontos e onde o ponto médio é 3). Porém observou-se que as meninas têm uma atitude mais favorável ao uso do preservativo que os meninos. Estes dados confirmam os encontrados em pesquisa realizada por Camargo e cols., (2007b), onde foram descritas representações sociais das meninas referindo a importância do uso do preservativo como método anticonceptivo e também como proteção frente às DST e SIDA, além das barreiras na negociação do seu uso com seus parceiros.

Não se observou associação entre atitudes frente o uso do preservativo e o uso propriamente dito do mesmo. Sabe-se que quanto maior for o interesse investido pelo indivíduo no conteúdo atitudinal, maior será a correspondência entre as atitudes e o comportamento aumentando assim a capacidade preditiva de comportamentos pelas atitudes (Budd, 1986; Parker, Perry & Gillespie, 1974), maior também será a sua resistência a mudança (Gorn, 1975; Zuwerink & Devine, 1996), e mais fortemente se ligará/influenciará as atitudes de outras pessoas sobre o mesmo objeto (Krosnick, 1988; McGraw, Lodge & Stroh, 1990). Faz-se necessário, portanto fortalecer situações de debates, informação e treino de habilidades com relação ao preservativo para que os jovens tenham maior interesse sobre o mesmo.

Com relação à auto-percepção do risco de contrair SIDA observou-se q ue os brasileiros declararam ter se arriscado menos que os franceses. E no que tange a etnia, no Brasil, os caucasianos afirmaram terem se arriscado menos que os afrodescendentes, enquanto na França não houve diferenças entre etnias .

Os participantes apresentam vulnerabilidade social, o que traz riscos indiretos frente ao HIV/SIDA. Mais da metade deles (55,3%) declarou ter presenciado cenas de violência nos últimos 12 meses, com maior proporção de brasileiros neste item, porém quanto à participação em brigas a situação entre os países se inverte. O uso abusivo de drogas foi importante para a compreensão das especificidades dos grupos estudados: 42,5% dos participantes declararam ter abusado de bebidas alcoólicas nos últimos 12 meses. Esta proporção é bem superior às encontradas no estudo de Camargo e Bertoldo (2006) realizado no Brasil. O uso de álcool e outras drogas revelam-se prejudiciais para a adoção de comportamentos preventivos frente às DST e ao HIV/SIDA, vários estudos observaram uma associação entre o uso de bebidas alcoólicas e ou outras drogas ilícitas e ter DST (Taquette, Andrade, Vilhena & Paula, 2005; Cook, Pollock, Rao & Clark, 2002; Scivoletto, Tsuji, Abdo, Queiroz, Andrade & Gattaz, 1999).

Tratando-se de risco direto frente ao HIV/SIDA, o sexo sem preservativo apareceu associado ao namoro, pois tanto para brasileiros, quanto para franceses (embora somente estatisticamente significativo para os primeiros), este é um fator que parece diminuir o uso de preservativo. Estudos anteriores demonstram que o fato de se estar numa relação estável, e com a presença de confiança entre o casal, diminui o uso do preservativo (Giacomozzi & Camargo, 2004; Oltramari & Camargo, 2004). Além disso, observa-se neste estudo, uma vulnerabilidade específica das meninas, pois embora elas apresentem maior nível de conhecimento sobre SIDA que os meninos e se posicionem mais favoravelmente frente o uso do preservativo, declaram utilizar menos o preservativo que os meninos. A desigualdade de gênero é, portanto, um fator complicador para a adoção de condutas protetoras frente o HIV para as estudantes participantes desse estudo, uma vez que as meninas, tanto no Brasil quanto na França foram maioria em afirmar terem tido relações sexuais com somente um parceiro nos últimos 12 meses, indicando estar vivendo uma relação de confiança. Tais desigualdades tendem a serem ainda mais intensas entre os franceses afrodescendentes, onde se observa um controle bastante rígido sobre a sexualidade das meninas.

Os resultados desta pesquisa indicam uma multiplicidade de fatores de risco às DST e ao HIV/SIDA entre os jovens estudados. E essa multiplicidade varia de acordo com o grupo de pertença dos participantes, revelando desigualdades vivenciadas por membros de alguns grupos, que os expõe a maior vulnerabilidade, como por exemplo, as meninas em relação aos meninos e os afrodescendentes em relação aos caucasianos.

Porém observou-se que ambos os grupos, brasileiros e franceses estão de certa forma vulneráveis às DST’s e ao HIV/SIDA, pois apresentam uma baixa média de acertos no subteste de conhecimento, presença do sexo desprotegido, além da vivência da violência, do uso/abuso de álcool e outras drogas, entre outros fatores. No Brasil, as diferenças encontradas foram mais importantes com relação ao sexo do que à etnia dos participantes. Enquanto na França houve diferenças importantes com relação à etnia e também diferenças sexuais no interior da etnia afrodescendente.

A experiência sexual dos grupos pesquisados revelou ainda diferenças importantes com relação a valores e práticas femininas e masculinas, apontando para as inter-relações entre gênero, sexualidade e suas práticas sexuais. Além disso, a especificidade dos jovens afrodescendentes estudados, tanto no Brasil, quanto na França, leva em conta uma posição de acúmulos de inferioridade em várias instâncias (etnia, classe sócio-econômica) e não somente uma particularidade étnico/cultural que determine a priori seus comportamentos. Seus comportamentos na são apenas determinados por um sistema de valores pré-existentes, suas ações individuais, grupais e também suas práticas sexuais são decorrência de valores gradativamente construídos no quotidiano. Pertencer a um grupo em situação sociocultural desfavorável, num contexto inter-étnico discriminador e num contexto de dominação nas relações de sexo (ou de gênero), pode induzir a uma iniciação sexual precoce, a formação de condutas arriscadas que resultam em vulnerabilidade frente ao HIV/SIDA.

Os resultados obtidos neste estudo mostram que entre brasileiros e franceses há mais semelhanças do que entre franceses caucasianos e franceses afrodescendentes. Pois na França, caucasianos e afrodescendentes representam culturas muito diferentes, com valores, crenças, práticas, e religiosidades diferentes. Tais diferenças culturais refletem em seu comportamento de uma maneira geral e também em suas práticas sexuais e de saúde.

Assim, é importante o estabelecimento de políticas de prevenção, assistência e direitos humanos para a população de camadas populares, nos dois países, bem como o fomento à pesquisa e ao conhecimento sobre SIDA, preconceito, pobreza, equidade, racismo, para que se possa avançar na compreensão das interações destas variáveis psicossociais e suas relações com a vulnerabilização ao HIV/SIDA.

 

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Recebido em 15 de Setembro de 2009/ Aceite em 18 de Maio de 2010

 

NOTAS

*Pesquisa financiada pelo PN-DST/Aids (Programa Nacional de DST e Aids) do Brasil, Unesco e ÉGIDE - França.

1Doença Sexualmente Transmissível.

2Laboratório de Psicologia Social da Comunicação e da Cognição Social .

3Consiste no sub-teste “O vírus da aids e sua transmissão”, integrante de uma medida sobre conhecimento da aids construída por Camargo, Barbará e Bertoldo (2005).

4A atitude dos participantes foi medida por uma escala do tipo Likert com cinco pontos, composta de 12 itens. A consistência entre os itens, em estudo anterior (Camargo, Botelho e Souza, 2001), foi moderada ( = 0,75).

5Centre Regional d’Information e Prevention du Sida - órgão francês que recebeu a primeira autora para realização deste estudo no âmbito do Programa de Cooperação Brasil-França do PN – DST/Aids.

6Teste de Conhecimento Científico sobre HIV e Aids.