SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 número1A relação entre a depressão em contexto laboral e o burnout: Um estudo empírico com EnfermeirosAdaptação do inventário de temperamento para crianças em idade escolar- School-Age Temperament Inventory - SATI de Mcclowry a uma população portuguesa índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças v.11 n.1 Lisboa  2010

 

Relacionamento familiar em pessoas idosas: Adaptação do Índice de Relações Familiares (IFR)

 

M. Graça Pereira1 & Joana Roncon2

 

1Universidade do Minho. Braga

2A.O.S.S. Vicente Paulo, Porto

Contactar para E-mail: gracep@iep.uminho.pt & joanaroncon@gmail.com

 

 

RESUMO: Apesar do processo de envelhecimento não estar necessariamente relacionado com doenças e incapacidades, as doenças crónicas degenerativas são frequentemente  encontradas nas pessoas idosas e, este facto, está directamente relacionado com maior incapacidade funcional, determinando consequências ao nível do indivíduo, família e comunidade.O Índice de Relações Familiares (Hudson, 1993) é uminstrumento que avalia a severidade oumagnitude dos problemas de funcionamento pessoal e social dos indivíduos no domínio do ajustamento familiar. Caracteriza a severidade dos problemas de relacionamento familiar, podendo ser utilizado como medida de stress intra-familiar. O presente artigo apresenta a adaptação do IFR numa amostra de idosos a residir na comunidade. Os resultados mostraram uma elevada fidelidade (α = 95) e o estudo de validade determinou a eliminação de um item, encontrando-se os restantes incluídos num único factor que explica 46,86% da variância total dos resultados. O IFR apresenta boa validade de construto. Com base nos resultados obtidos, pode-se concluir que a escala apresenta boas qualidades psicométricas poder ser utilizada numa população idosa residente na comunidade. Ao nível da validade de constructo, verificou-se que o stress intra-familiar se correlaiona negativamente com a qualidade de vida e positivamente com a depressão.

Palavras-chave: Idosos, IFR, Índice Relações Familiares.

 

Family relations in the elderly: Adaptation of the Index of Family Relations (IFR)

ABSTRACT: Even if ageing is not necessary related with disease and incapacity, degenerative chronic diseases are often found in the elderly and this fact is related with great functional incapacity that determines consequences at the individual, family and community levels. The Family Relationship Index (Hudson, 1993) is an instrument that assesses the magnitude of problems in personal and social functioning in subject´s family adjustment and, as such, is considered a measure of intra-family stress according to the author. This article presents the adaptation of IFR in a sample of older people living in the community. Results show a high internal consistency (α = .95) and the study of validity has determined the removal of one item while all the others saturate a unique factor that explains 46,86%of total variance. IFR shows good construct and discriminant validity. Based on the results, the scale presents good psychometric qualities and may be used in the elderly population living in the community. In terms of construct validity, results showed that intra-familial stress was negatively correlated with quality of life and positively with depression.

Keywords: Elderly, IFR, Index of Family Relations.

 

O Envelhecimento Humano é considerado um fenómeno biopsicossocial de cariz individual, e, o seu estudo, deve incluir as dimensões biológicas, psicológicas e sociais que lhe são inerentes. A adopção de modelos psicológicos de análise torna-se necessária, para complementar a concepção biológica de velhice e envelhecimento (Fonseca, 2006). Actualmente parece indiscutível o percurso para o envelhecimento da população mundial, agravado nos países desenvolvidos ou industrializados. No entanto, a revolução demográfica que se encontra em curso, não se limita aos países desenvolvidos. Este fenómeno ocorre principalmente devido às baixas taxas de fecundidade, reforçado pelo declínio dos níveis de mortalidade, seja infantil, baseada no maior controlo das doenças infecciosas, seja pelo aumento da longevidade dos indivíduos (Hayward & Zhang, 2001; WHO, 2000).

A situação portuguesa não é muito contrastante daquela que é apresentada a nível mundial (INE, 2002). De acordo com os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE, 2007), assistimos a um aumento da proporção da população idosa na população total, sendo de 17,1% (1 810 100 indivíduos). A esperança média de vida à nascença atingiu os valores de 74,9 anos para os homens e de 81,4 anos para as mulheres. O envelhecimento é mais notório nas mulheres, cuja proporção se elevou a 19,3%, face a 14,8% nos homens.As projecções efectuadas pelo INE (2007) até ao ano 2050, revelam uma tendência para o acentuar do envelhecimento da população, onde contribuem os níveis de fecundidade abaixo do limiar de substituição de gerações, um contínuo aumento da esperança média de vida à nascença e um saldo migratório positivo mas moderado. Entre a população idosa, a percentagem de indivíduos com 85 e mais anos também continuará a aumentar, destacando-se uma vez mais a maior longevidade das mulheres. Esta realidade reconfigura os contextos sociais actuais e coloca novos desafios no âmbito das dinâmicas familiares (Ocampo, 2005; Sousa, 2004) e no campo da saúde (Araújo, Ribeiro, Oliveira, Pinto, & Martins, 2008; Caldas, 2003).

Estima-se actualmente que 80% das pessoas com 65 ou mais anos padeçam de uma doença crónica (Benjamin & Cluff, 2001). Apesar do processo de envelhecimento não estar, necessariamente, relacionado com doenças e incapacidades, as doenças crónicas degenerativas são frequentemente encontradas nas pessoas idosas. O aumento do número de doenças crónicas está directamente relacionado com maior incapacidade funcional (Alves et al., 2007; Maciel & Guerra, 2007; Menéndez, Guevara, Arcia, León Díaz, Marín & Alfonso, 2005; Stuck, Walthert, Nikolaus, Bula, Hohmann, & Beck, 1999). A maioria das pessoas idosas com doenças crónicas encontra-se funcional e não apresenta limitações a nível da realização das actividades de vida diária, no entanto, investigações têm demonstrado que o nível de incapacidade aumenta com a idade (Figueiredo, 2007; Menéndez, et al., 2005; Parker, Morgan, & Dewey, 1997; Sousa, Galante, & Figueiredo, 2003). Uma compreensão alargada da situação que as pessoas idosas e suas famílias experienciam depende do conhecimento dos processos de mudança que afectam os acontecimentos de vida, as relações geracionais e os padrões familiares. As relações familiares na velhice são moldadas pelo conjunto das experiências de vida e das circunstâncias históricas específicas que afectam os indivíduos ao longo das suas vidas. A adaptação às condições sociais e económicas que idosos e famílias enfrentam nos seus últimos anos de vida, está dependente dos padrões adaptativos utilizados ao longo do percurso pessoal e familiar. Relações de apoio mútuo constroem-se ao longo do tempo e são modeladas por circunstâncias históricas (Hareven, 2001). No entanto, o aumento da longevidade dos indivíduos a par da cronicidade das doenças, determinam um acréscimo substancial e diversificado nas necessidades de apoio por parte dos mais idosos que ultrapassa muitas vezes a capacidade de assistência disponível no seio familiar. A responsabilidade no apoio aos mais dependentes deixa de ser exclusiva da família, passando o Estado a ter de providenciar meios eficazes de apoio formal, a uma franja cada vez maior da população (Paúl, 1991).

O aumento progressivo da população idosa idosa requer a médio e a longo prazo, suporte familiar, social e de saúde (Lage, 2005). Apesar de todos os condicionalismos, a família é ainda hoje a instituição de apoio mais importante e a fonte preferida de assistência e ajuda para a maioria das pessoas idosas, na doença crónica e na incapacidade, independentemente da estrutura familiar, social e política dos países (Zarit, Pearlin, & Schaie, 1993). É raro que a prestação de cuidados não afecte, de alguma forma, o conjunto das redes relacionais. Em consequência de uma nova rotina, a dinâmica familiar sofre alterações, exigindo reajustamentos e deslocando relações de poder, dependência e intimidade.

As limitações impostas à família pelos idosos podem ser vivenciadas como fonte de stress familiar. O comprometimento da capacidade funcional do idoso apresenta implicações importantes para a família e para o indivíduo, uma vez que a incapacidade ocasiona vulnerabilidade e dependência na velhice (Alves et al., 2007). Um estudo realizado por Turagabeci, Nakamura, Kizuki, e Takehito (2007) demonstra que o stress imposto ao idoso e à sua família pelo aumento da incapacidade funcional pode ser amortecido pelas relações vivenciadas ao nível da sua estrutura familiar.

A qualidade de vida é considerada um dos principais indicadores de adaptação ao envelhecimento (WHO, 2002) mas também um dos principais objectivos dos tratamentos orientados para o paciente. Em pessoas idosas com doenças crónicas, a busca da cura pode não ser um objectivo atingível. Muitos clínicos estão conscientes da importância da incapacidade funcional para a saúde dos idosos.

Um dos estudos realizados por Netuveli, Wiggins, Hildon, Montgomery, e Blane, (2005) revela que o impacto causado na qualidade de vida do paciente pela incapacidade funcional, consequente à doença crónica é quatro vezes superior à doença em si.

A incapacidade funcional encontra-se frequentemente associada a depressão nos idosos. De facto, Rodrigues e Leal (2004) referem que a depressão encontra-se associada a níveis mais reduzidos de qualidade de vida entre as pessoas idosas. Para estes autores, a identificação, diagnóstico e tratamento precoce da depressão são decisivos na promoção da qualidade de vida, autonomia e níveis de funcionamento das pessoas idosas. Por permanecer subdiagnosticada, a depressão sobrecarrega as famílias e instituições que providenciam cuidados a pessoas idosas, é altamente destruidora da qualidade de vida e, como tal, impõe uma grande carga social e económica para a sociedade.

Neste sentido, os objectivos do presente estudo incluíram a adaptação do Índice de Relacionamento Familiar numa amostra de idosos a residir na comunidade tendo sido avaliada a relação entre o stress intra-familiar, a capacidade funcional do idoso, a qualidade de vida e a depressão.

 

MÉTODO

Participantes

A amostra é de conveniência, composta por 95 mulheres (75,4%) e 31 homens (24,6%), da população idosa urbana, apresentando uma média etária de 74,5 anos (desvio padrão: 6,47) com um intervalo de variação de 65-91 anos. 43,7% dos participantes são casados ou vivem maritalmente e 42,9% são viúvos. 42% referem residir com o cônjuge e 39,7% residem só. Os inquiridos apresentam baixas habilitações, sendo que 7,1% são analfabetos e 67,5% tem o ensino primário. A maioria dos idosos é reformada (96,8%), no entanto, 30% continua a desempenhar a sua actividade/profissão principal.

 

Material

Índice de Relações Familiares (Versão de Investigação de Pereira, Roncon, e Roios, 2007). Trata-se de uma medida genérica proposta por Hudson em 1993 que avalia a severidade ou magnitude dos problemas de funcionamento pessoal e social dos indivíduos no domínio do ajustamento familiar caracterizando a severidade dos problemas de relacionamento familiar, podendo ser utilizado como uma medida de stress intra-familiar.

É um instrumento que apresenta um formato breve (25 itens), auto-administrado e está dirigido a adultos e jovens, maiores de 12 anos, com literacia e que não apresentem défice cognitivo grave. Apresenta-se no original como uma escala Lickert de 7 pontos que varia entre Nunca (1) e Sempre (7). Na versão do estudo a pontuação foi reduzida para 5 pontos, que variam, entre Nunca (1) e Sempre (5). Pois consideramos que 7 possibilidades de resposta seriam excessivas para a população idosa. Para se efectuar a cotação da escala, realiza-se o somatório de todos os itens, tendo em conta os invertidos: 1, 2, 4, 5, 8, 14, 15, 17,18, 20, 21, 23. A escala é transformada numa escala com pontuações que variam entre 0 e 100. Valores elevados indicam níveis elevados de stress intra-familiar. Segundo o autor, existem 2 pontos de corte: o primeiro é o ponto de corte 30. Indivíduos com pontuação inferior a este valor, não apresentam problemas ao nível da dimensão em estudo: stress intrafamiliar.

O segundo ponto de corte é 70. Os indivíduos que atingem este valor encontram-se próximos ou a experienciar stress intrafamiliar severo, em que a violência é vista como uma estratégia para lidar com as tensões familiares (WASSM, 1997).

Dado que o instrumento não se encontrava adaptado à população portuguesa, estudamos as suas propriedades psicométricas na amostra do presente estudo.

Escala de Actividades Instrumentais de Vida Diária (Lawton & Brody, 1969; Versão Portuguesa de Araújo, Pais Ribeiro, Oliveira, Pinto, & Martins, 2008). Avalia a funcionalidade instrumental. Trata-se de uma medida genérica do nível de independência da pessoa idosa que avalia tarefas adaptativas ou necessárias para a vida independente na comunidade, tais como: usar o telefone, fazer compras, preparação da alimentação, lida da casa, lavagem da roupa, uso de transportes, preparação da medicação e gestão do dinheiro, mediante a atribuição de uma pontuação segundo a capacidade do sujeito avaliado para realizar essas actividades. A escala permite classificar os sujeitos em dependentes e independentes. A pontuação de máxima independência é oito e a maior dependência é zero.

WHOQOL-Bref (WHOQOLGroup, 1994; Versão Portuguesa de Vaz Serra et al., 2006). Avalia cinco dimensões da qualidade de vida: geral, física, psicológica, social e ambiental. É composto por 26 itens. Em cada domínio pontuações mais elevadas representam melhor qualidade de vida. A escala não produz um resultado global.

 Escala de Depressão Geriátrica (Yesavage et al., 1983; Versão Portuguesa de Barreto, Leuschner, Santos, & Sobral, 2003). Avalia a depressão em idosos e fornece um indicador global de depressão. É composta por 15 itens agrupados num único factor. Valores mais elevados indicam maior nível de depressão.

Mini-Mental State (Folstein, Folstein, & McHugh, 1975; Versão Portuguesa de Guerreiro, Silva, Botelho, Leitão, Castro-Caldas, & Garcia, 1994. É composto por 30 itens que permite, a avaliação da função cognitiva ao nível da orientação no tempo e espaço, memória competências visuo-espaciais, verbais e de escrita. Valores mais elevados indicam menor deficiência.

 

Procedimento

Tradução do Instrumento

O processo de tradução e adaptação necessários para a utilização do Ìndice de Relações Familiares tiveram como base a orientação proposta por Bradley (1996) e, após consentimento da necessária autorização do autor, de acordo com o seguinte procedimento:

          a) Tradução pelo Investigador e simultaneamente por tradutor independente

          b) Confronto das versões para elaboração da versão portuguesa

          c) Retroversão por tradutor independente

          d) Pré-teste com reflexão falada em 10 idosos para avaliar a adequação e compreensão dos itens

          e) Elaboração da versão final do estudo.

 

Recolha dos Dados

A amostra foi recolhida num centro de dia da cidade do Porto, uma vez que pretendíamos estudar pessoas idosas residentes na comunidade e não indivíduos integrados em instituições de internamento (ex. lares de idosos). Uma preocupação transversal a todo o projecto de investigação foi acautelar a compreensão dos procedimentos e dos objectivos por parte dos participantes e garantir a confidencialidade dos dados obtidos.

Foram excluídos os sujeitos com incapacidade de comunicação oral e escrita e défice cognitivo significativo, avaliado através do Mini Mental State Examination (pontuação menor ou igual a 15 pontos para iletrados, 22 pontos para sujeitos com 11 anos ou menos de escolaridade e 27 pontos para pessoas com mais de 11 anos de escolaridade).

 

RESULTADOS

Propriedade Psicométricas

Na versão original, o instrumento apresenta um alpha de cronbach elevado, de 0,95. O autor não apresenta estudos de validade, conforme o Walmyr Assessment Scale Scoring Manual (WASSM, 1997).

No presente estudo foi avaliada a consistência interna da escala. Obteve-se um alpha elevado (α = 0,95), apresentando os itens da escala correlações com a escala total, corrigidos para sobreposição, que variam entre 0,27 e 0,82. Os itens 6 e 7 são aqueles que apresentam correlações mais baixas com o total da escala (r= 0,27 e r = 0,34, respectivamente). O quadro 1 apresenta os resultados. O estudo da validade incluiu a análise factorial em componentes principais, com rotação ortogonal através do método varimax. Os resultados obtidos revelaram que a melhor solução inclui um factor que explica 46,86% da variância total dos resultados. Os itens 6 e 7, apresentam uma saturação inferior a 0.40. O item 6 “ Eu não gosto realmente de estar com a minha família” apresenta uma saturação de 0.268 e a mais baixa correlação com o total da escala (r = 0,27), pelo que foi eliminado; o item 7 “Eu gostava de não fazer parte desta família”, dado ter relevância clínica pois avalia dificuldades no relacionamento familiar, apresentar uma saturação próxima de 0.40 mas tendo em conta que a sua eliminação praticamente não afecta a consistência interna da escala foi mantido. O alfa de cronbach do Índice de Relações Familiares, após eliminação do item 6 mantém-se em 0,95 (aumentando de α = 0,945 para α = 0,947) e a solução unifactorial explica 48,53% da variância total dos resultados (Quadro 2). A média obtida na nossa amostra foi de 44,29 (DP=17,21).

 

Quadro 1

Fidelidade do IFR

 

Quadro 2

Estrutura Final da Versão Adaptada do IFR (Método Extracção: Análise de componentes principais) (Versão 24 itens)

 

Validade de Construto

A literatura tem revelado que o stress intra-familiar está inversamente relacionado com a qualidade de vida e directamente relacionado com a morbilidade psicológica (Turagabeci, Nakamura, Kizuki, & Takehito, 2007). Assim, em termos de validade de construto, verificamos se na nossa amostra, se encontravam as mesmas relações i.e. se o stress intra-familiar se correlacionava negativamente com a Qualidade de Vida e positivamente com a Depressão.

Dos resultados obtidos, podemos verificar que o stress intra-familiar correlaciona-se significativamente, de forma inversa, com todos os domínios da qualidade de vida e positivamente com a depressão. Neste sentido, a qualidade de vida diminui com o stress intra-familiar e aumenta com a depressão. O quadro 3 apresenta os resultados.

 

Quadro 3

Resultados da Correlação de Pearson, entre Stress Familiar, Qualidade de Vida e Depressão (N= 126)

 

Validade Discriminante

A nossa amostra apresenta 60% de sujeitos dependentes e 40% de independentes ao nível das actividades instrumentais de vida diária. Relativamente ao stress intra-familiar, os resultados obtidos indicam que 77% demonstrou ausência de stress intra-familiar e 23% apresentou stress familiar clinicamente significativo. Avaliamos a relação entre funcionalidade instrumental e relações familiares nos sujeitos da amostra .Assim, foram definidos dois grupos em função dos resultados obtidos em termos de funcionalidade: Independentes (máxima independência e pontuados com 8 na escala Actividades Instrumentais de Vida Diária) que inclui 76 idosos e Dependentes (incapacidade para realizar pelo menos uma das tarefas descritas na escala AIVD) que incluía 50 idosos. O teste T de Student (t = -4,02¸ p <.0001) mostrou que os idosos dependentes apresentam valores mais elevados de stress intra-familiar (M = 23, 49; DP = 18,28) quando comparados com os independentes (M = 12, 29; DP = 13,25).

 

DISCUSSÃO

O presente estudo procurou efectuar a adaptação de uma medida de stress intra-familiar, o Índice de Relações Familiares (Hudson, 1993), numa amostra composta por pessoas idosas, embora, na sua versão original, o autor propõe a sua utilização na população em geral, com idade superior a 12 anos.

A escala apresenta elevada fidelidade, confirmando os resultados obtidos pelo autor (α = 0,947), sendo que o único factor explica 48,53% da variância total dos resultados. Assim, a escala apresenta boas qualidades psicométricas para ser utilizada numa população idosa a residir na comunidade, sendo útil como medida de stress intra-familiar.

Soneja, Nagarkar, e Dey (2007) consideram que as interacções familiares podem ser vistas tanto como uma fonte de apoio como de stress para o indivíduo que lida com a doença crónica, na velhice. O apoio da família, em especial do cuidador, é um importante factor contra o stress provocado pela doença. A existência de uma estrutura familiar unida, providenciando a companhia dos filhos, tem um impacto positivo para os idosos.

Como seria de esperar o stress intra-familiar correlaciona-se positivamente com a depressão e negativamente com a qualidade de vida. De facto um estudo realizado por Turagabeci e colaboradores (2007) concluiu que uma estrutura familiar alargada pode amortecer consequências nefastas para a saúde do idoso, ao nível das actividades de vida diária. Estes dados vão assim no sentido do stress familiar se associar a menor qualidade de vida.

Outro estudo desenvolvido por Kaneko, Matahashi, Sasaki, e Yamaji (2007) procurou clarificar a prevalência de depressão numa comunidade rural japonesa e avaliar os factores de risco sociais e familiares, com o objectivo de prevenir o suicídio.

A amostra foi composta por 2763 idosos, e um quarto dos sujeitos referiu que sentia stress familiar. Foram encontradas associações entre sintomas depressivos e idade, ausência de um confidente, irritabilidade com a própria família, isolamento, ideação suicida e uma auto-avaliação da saúde, física e mental, como má.

Chan, Chiu, Chien, Thompson, e Lam (2006), num estudo com pessoas idosas em tratamento ambulatório para a depressão, concluíram que as alterações verificadas nas últimas décadas nos padrões de interacção familiar (que resultaram na diminuição das responsabilidades filiais na prestação de cuidados aos seus pais e consequente aumento da institucionalização) eram um factor significativo para a diminuição do bem-estar e funcionamento mental dos idosos.

No que respeita à relação entre capacidade funcional e relações familiares, os resultados obtidos indicam que o IFR conseguiu descriminar os idosos dependentes dos independentes tendo os primeiros apresentado valores mais elevados de stress intra-familiar apesar da maioria dos sujeitos (77%) considerar as suas relações familiares como satisfatórias referindo ausência de stress intra-familiar significativo. Estes resultados vêm confirmar outros estudos que indicam que o aumento da dependência, consequente a uma doença crónica, determina mudanças nas relações intra-familiares provocadas pela mudança de papéis além de alterações na auto-imagem, ansiedade e frustração (Grimer, Moss, & Falco, 2004).

A incapacidade funcional que afecta muitos dos idosos com doenças crónicas constitui um desafio para o doente, a sua família, a comunidade e, de um ponto de vista mais lato, para os sistemas sociais e de saúde dos diferentes países. O Índice de Relacionamento Familiar comportou-se como um bom instrumento de avaliação do stress intra-familiar servindo como um bom indicador da qualidade da relação entre o idoso e a sua família. Trata-se também dum instrumento simples e relativamente curto que permite identificar situações de possível conflito entre o idoso e a família. Desta forma dá ao profissional a oportunidade de intervir nos aspectos problemáticos de forma a garantir uma melhor integração do idoso no seio familiar.

Em termos de investigação futura, as relações familiares, nomeadamente o stress intra-familiar e suas implicações para o idoso com incapacidade funcional devem ser um tema a merecer um estudo mais aprofundado. De facto, a investigação nacional e estrangeira continua a estar muito centrada no stress do cuidador, na importância das relações familiares para os cuidadores, sendo dada uma parca atenção à influência do stress familiar no idoso, nomeadamente aquele que é dependente de terceiros, para a satisfação das suas necessidades de vida.

No nosso entender, a rede de apoio formal, nomeadamente aquela constituída por programas e equipamentos sociais de apoio ao idoso dependente deve ajustar-se às necessidades das famílias e avaliar o stress ao nível do próprio idoso.

 

REFERÊNCIAS

Alves, L., Leimann, B., Vasconcelos, M. E., Carvalho, M., Vasconcelos, A., Fonseca, T., et al. (2007).Ainfluência das doenças crónicas na capacidade funcional dos idosos doMunicípio de São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 23(8), 1924-1930.        [ Links ]

Araújo, F., Pais Ribeiro, J. L., Oliveira,A., Pinto, C., & Martins, T. (2008). Validação da escala de Lawton e Brody numa amostra de idosos não institucionalizados. Actas do 7º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde (pp. 655-659). Porto: Universidade do Porto.

Barreto, J., Leuschner,A., Santos, F., & Sobral, M. (2003). Escala de depressão geriátrica: Tradução portuguesa da Geriatric Depression Scale, de Yesavage, et al. Lisboa: Grupo Estudos de Envelhecimento Cerebral e Demências.

Benjamin, A. E., & Cluff, L. E. (2001). Who needs caring? The lost art of caring. A challenge to health professionals, families, communities and society. Baltimore, USA: The John Hopkins University Press.

Bradley, C. (1996). Translation of questionnaires for use in different languages and cultures. In Bradley, Handbook of Psychology and Diabetes: A Guide to Psychological Measurement in Diabetes Research and Practice. London: Harwood Academic Publishers.

Caldas, C. P. (2003). Envelhecimento com dependência: Responsabilidades e demandas da família. Cadernos de Saúde Pública, 19(3), 773-781.        [ Links ]

Cavanaugh, J. C. (1993). Adult Development and Aging (2nd Ed.). USA: Brooks/Cole Publications.

Chan, S.W., Chiu, H. F., Chien,W., Thompson, D. R., & Lam, L. (2006). Quality of life in Chinese elderly people with depression. International Journal of Geriatric Psychiatry, 21, 312-318.

Figueiredo, D. (2007). Cuidados familiares ao idoso dependente. Lisboa: Climepsi.

Folstein,M. F., Folstein, S. E., &McHugh, P. R. (1975).MiniMental State:Apractical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. Journal of Psychiatry Research, 12, 189-198.

Fonseca,A.M. (2006). O Envelhecimento: Uma abordagem psicológica. Porto: Universidade Católica Edições.

Grimer, K., Moss, J., & Falco, J. (2004). Becoming a carer for an elderly person after discharge from an acute hospital admission. The Internet Journal of Allied Sciences and Practice, 2(4).

Guerreiro, M., Silva, A.P., Botelho, A., Leitão, O., Castro-Caldas, A., & Garcia, C. (1994). Adaptação à população portuguesa da tradução do Mini Mental State Examination (MMSE). Coimbra: Reunião da Primavera da Sociedade Portuguesa de Neurologia.

Hareven, T. (2001). Historical perspectives on aging and family relations. In R. Binstock e L. George (Eds.), Handbook of Aging and Social Sciences, 5th Edition (pp. 141-159). S. Diego, USA: Academic Press.

Hayward, M. D., & Zhang, Z. (2001). Demography of aging: A century of global change, 1950-205. In R. H. Binstock e L. K. George (Eds.), Handbook of Aging and Social Sciences, 5th Edition (pp. 69-83). San Diego, USA: Academic Press.

INE (2002). O envelhecimento em Portugal: situação sócio-demográfica e sócio-económica recente das pessoas idosas. Lisboa: INE/DECP/Serviços de Estudos sobre a População. INE (2007). Estatísticas demográficas, 2005. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística.

Kaneko, Y., Matahashi, Y., Sasaki, H., & Yamaji, M. (2007). Prevalence of depressive simtoms and related risk factors for depressive symptoms among elderly persons living in a rural Japanese community: A cross-sectional study. Community Mental Health Journal, 43(6), 305-319.

Lage, I. (2005). Cuidados familiares a idosos. In C. Paúl &A. M. Fonseca (Coords.), Envelhecer em Portugal (pp. 203-229). Lisboa: Climepsi.

Lawton, M. P., & Brody, E. M. (1969). Assessment o older people: Self-maintaining and instrumental activities of daily living. The Gerontologist, 9, 179-186.

Maciel, A. C. & Guerra, R. O. (2007). Influência dos factores biopsicossociais sobre a capacidade funcional de idosos residentes no nordeste do Brasil. Revista Brasileira de Epidemiologia,10(2), 178-189.

Menéndez, J., Guevara, A., Arcia, N., León Díaz, E., Marín, C., & Alfonso, J. (2005). Enfermedades crónicas y limitación funcional en adultos mayores: estúdio comparativo en siete ciudades de América Latina y el Caribe. Revista Panamericana de Salud Publica, 17(5-6), 353-361.

Netuveli, G.,Wiggins, R. D., Hildon, Z., Montgomery, S. M., & Blane, D. (2005). Functional limitation in long standing illness and quality of life: Evidence from a national survey. In http://www.pubmedcentral.nih.gov/. Consultado em 22/06/07.

Ocampo, J. M. (2005). Evaluación geriátrica multidimensional del anciano en cuidados paliativos. Persona y Bioética, 2(25), 46-58.

Parker, C. J., Morgan, K., & Dewey, M. E. (1997). Physical illness and disability among elderly people in England andWales: theMedical Research Council Cognitive Function andAgeing Study. The Analysis Group. Journal of Epidemiology and Community Health, 51(5), 494-501.

Paúl, C. (1991). Percursos pela velhice: Uma perspectiva ecológica em psicogerontologia, Dissertação de candidatura ao grau de Doutor, Porto, ICBAS, Universidade do Porto.

Qaresma N. L. (1996). Cuidados familiares às pessoas muito idosas. Lisboa, Direcção Geral da Acção Social. Núcleo Documentação Técnica e Divulgação.

Rodrigues, C., & Leal, I. (2004). Limitações da qualidade de vida e depressão em pessoas idosas. Actas do 5º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde (pp. 771-776). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Romano, B. W. (1999). Princípios para a prática da psicologia clínica em hospitais. São Paulo, Brasil: Casa do Psicólogo.

Soneja, S., Nagarkar, K., & Dey, A.B. (2007). Indian elderly: Coping with chronic illness. Journal of the Hong Kong Geriatrics Society, 9(1), 311-320.

Sousa, L. (2004). Ciclo (final) de vida familiar. In L. Sousa, D. Figueiredo & M. Cerqueira (Eds.), Envelhecer em Família: Os cuidados familiares na velhice (pp. 13-58). Porto: Âmbar.

Sousa, L., Galante, H., & Figueiredo, D. (2003). Qualidade de Vida e bem-estar dos idosos: um estudo exploratório na população portuguesa. Revista de Saúde Pública, 37(3), 364-371.        [ Links ]

Stuck, A. E.,Walthert, J. M., Nikolaus, T., Bula, C. J., Hohmann, C., & Beck, J. C. (1999). Risk factors for functional status decline in community-living elderly people: a systematic literature review. Society Scientific Medicine, 48(4), 445-469.

Turagabeci, A. R., Nakamura, K., Kizuki, M., & Takehito, T. (2007). Family structure and health: How companionship act as a buffer against ill health. Health Quality of Life Outcomes, 5. In http://www.hqlo.com Consultado em 14/03/07.

Vaz Serra, A., Canavarro, M. C., Simões, M. R., Pereira, M., Gameiro, S., Quartilho, M. J., et al. (2006). Estudos psicométricos do instrumento de avaliação da Qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-Bref) para Português de Portugal. Psiquiatria Clínica, 27(1), 41-49.        [ Links ]

WALMYR (1997). The Walmyr Assessment Scale Scoring Manual. Walmyr Publications Company, USA.

WHOQOL Group (1994). Development of theWHOQOL: Rationale and current status. International Journal of Mental Health, 23(3), 24-56.

WHO (2000). Social development and ageing: Crisis or oOpportunity? Genebra,WHO.

WHO (2002). Active ageing. A policy framework. Genebra: Department of Health Promotion.

Yesavage, J., Brink, T., Rose, T., Lum, O., Huang, V.,Adey, M., et al. (1983). Development and validation of a geriatric depression screening scale: a preliminary report. Journal of Psychiatric Research, 17, 37-49.

Zarit, S.H., Pearlin, L., & Schaie, K.W. (1993). Caregiving systems: Formal and informal helpers. New Jersey: Lawrence ErlbaumAssociates.

 

Recebido em 10 de Novembro de 2008/ Aceite em 23 de Fevereiro de 2009