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Psicologia, Saúde & Doenças

versión impresa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças v.10 n.2 Lisboa  2009

 

A avaliação do stresse: a propósito de um estudo de adaptação da escala de percepção de stresse

J. Pais Ribeiro & T. Marques

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação-Universidade do Porto

 

RESUMO: O objectivo do presente estudo é discutir a avaliação do stresse. Utilizamos como pretexto o estudo de adaptação da Perceived Stress Scale e, na continuação da discussão iniciada há mais de 20 anos, contribuir para a discussão do conceito de stresse e do modo de o avaliar. A escala estudada, é uma das mais utilizadas quer em Portugal quer no mundo, mas, em Portugal são escassos os dados de validação. Na sua versão portuguesa, a escala perde um dos itens ficando com 13 dos 14 itens. As propriedades métricas apresentam características idênticas à original podendo considerar-se que avalia do mesmo modo o mesmo construto. No entanto o presente estudo tem um número de participantes reduzido, o que limita os resultados sobre as propriedades da versão em estudo. De qualquer modo os resultados são muito semelhantes aos de outras versões em Português e de outras versões publicadas noutros idiomas. Permanece a questão básica de avaliação deste construto que é: estamos a avaliar o stresse?

Palavras-chave: Stresse, Avaliação do stresse, Aspectos teóricos da avaliação do stresse.

 

Stress assessment: a propos of the adaptation study of the perceived stress scale

ABSTRACT: The aim of the present study is to discuss the assessment of stress. We use as a pretext the study of the adaptation of the Perceived Stress Scale. The study of the Portuguese version keeps 13 of the 14 original items. Results show that metric properties of the Portuguese version are similar to the original version. Then we can consider that the Portuguese version assesses the same construct as the original scale. However, it continues to be an important issue the way psychologists use to assess the stress, frequently ignoring the conceptual support of the stress measure used.

Keywords: Stress, Stress assessment, Theoretical issues about stress assessment.

 

A Escala de Percepção de Stresse (EPS) é, segundo os autores, uma medida global de stresse que se propõe avaliar o grau em que um indivíduo aprecia as suas situações de vida como stressantes (Cohen, Kamarck, & Mermelstein, 1983). Este grupo produziu três escalas, uma de 14 itens (Cohen, et. al. 1983), outra com 10 desses 14 itens resultado da análise em componentes principais da versão de 14 itens, e ainda uma versão de quatro de itens (Cohen, & Williamson, 1988). Os itens retirados da versão de 14 itens para a de 10 itens foram-no por as cargas nos componentes serem baixas (Cohen, & Williamson, 1988). A escala de 14 itens é referida como uma das mais utilizadas para avaliar a percepção de stresse (Fliege, et al., 2005, Hewitt, Flett, & Mosher,1992; Remor, 2006; Watson, Logan, & Tomar, 2008).

A EPS assume a perspectiva teórica que “a pessoa interage activamente com o meio ambiente, apreciando os acontecimentos como potencialmente ameaçadores ou desafiantes à luz dos recursos de coping disponíveis” (Cohen et al, 1983, p. 386). Nesta perspectiva, explicam estes autores, só haverá stressores em função, não do evento em si, mas sim da apreciação cognitiva do evento, ou seja, somente se, a) a situação é apreciada como ameaçadora e, b) se os recursos pessoais para enfrentar a situação são insuficientes. Esta, é a perspectiva do grupo de Richard Lazarus. No entanto Lazarus, DeLongis, Folkman, e Gruen, (1985) criticam esta escala, afirmando explicitamente que a EPS confunde antecedentes e consequentes, causas e efeitos continuando a ser uma “medida de psicopatologia ou distress” (p.771). De facto esta escala não foca a apreciação do evento, dizem estes críticos, mas sim “sentimentos negativos e reacções no último mês” (Lazarus et al. 1988, p.771): “os itens focam as reacções tais como ficar preocupado, ter ou não controlo sobre as coisas, sentir-se nervoso e stressado, sentir-se ou não eficaz, e ser ultrapassado pelas dificuldades”, continuam estes autores (p.771). Nesta estratégia de avaliação do stresse os antecedentes e consequentes parecem sobrepor-se inteiramente, numa circularidade, onde as causas contêm tudo o que está no efeito e o efeito não contem nada que não esteja nas causas, dizem Lazarus et al., (1985). Cohen (1986) responde que a EPS não mede o mesmo que as escalas de sintomas psicopatológicos ou distresse, apontando as correlações da EPS com as escalas de sintomas para apoiar a sua ideia. Se olharmos o estudo de Cohen et al. (1983) apresenta, com duas amostras diferentes do seu estudo, correlações com depressão de 0,76 e 0,65; com sintomatologia física avaliada com o inventário de sintomas físicos de Cohen e Hoberman (1983) de 0,52 e 0,65; com a ansiedade social, correlações de 0,37 e 0,48. Valores de correlação entre possível patologia e EPS foram encontrados por outros autores: Hewitt et al. (1992) encontra correlações de 0,52 com o Inventário de Depressão de Beck; Ramirez e Hernandez (2007) de 0,55 com a mesma escala; Remor (2006) encontra valores de correlação com a Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar, de 0,64 para a parte da ansiedade, e de 0,71 com a totalidade da escala. Ou seja, algumas das sobreposições indicam mais de 50% da variância partilhada da EPS com medidas clássicas de sintomas psicopatológicos. Os próprios autores referem que “há provavelmente alguma sobreposição entre o que é medido pela escala de sintomatologia depressiva e o que é medido pela EPS dado que a percepção de stresse pode ser sintoma de depressão” (Cohen et al., 1983, p.391). As correlações entre a EPS e os acontecimentos de vida avaliados com a Life Experiences Survey de Sarason, Johnson, e Siegel (1978), Cohen et al. (1983) mostram valores ente 0,23 e 0,36, respectivamente, para o número de acontecimentos stressantes, e para o impacto desses acontecimentos. Ou seja a correlação é maior com a apreciação dos eventos mas mesmo assim é menor do que com sintomas psicopatológicos.

Embora Cohen et al. (1983) defendam a perspectiva interaccionista de stresse proposta pelo grupo de Lazarus, explicam que a EPS pode ser considerada uma escala de resultados, que mede a experiência de stresse decorrente de acontecimentos de vida stressantes objectivos, de processos de coping, de factores de personalidade, etc. Cohen, e Williamson, (1988) explicam que é difícil distinguir o stresse percebido e o distresse, mas que os itens concebidos para a EPS cobrem vários domínios, alguns deles sendo, de facto, sintomas de distresse ou de psicopatologia. Os itens da EPS foram desenvolvidos para cobrir em que medida os respondentes achavam a sua vida imprevisível, incontrolável, sobrecarregada e, ainda, o seu nível de stresse experimentado (Cohen etal. 1983; Cohen & Williamson, 1988)

No estudo com a versão portuguesa europeia de Mota-Cardoso, Araújo, Ramos, Gonçalves, e Ramos (2002), estes autores assumem que a EPS é um “indicador de perturbação emocional”(p.64).

As discussão que Lazarus et al. (1985) fazem acerca deste tema, reporta à forma como se concebe o stresse. Genericamente o stresse tem sido definido como um processo complexo através do qual um organismo responde aos acontecimentos que fazem parte da vida do dia-a-dia, e que são susceptíveis de ameaçar ou de pôr em causa o bem-estar desse organismo (Gatchel, Baum & Krantz, 1989).

Podem distinguir-se três grandes abordagens utilizadas na concepção e avaliação do stresse: a) as que focam as causas; b) as que focam as consequências; c) as que focam o processo.

As primeiras designam-se por abordagem ambiental ou industrial, porque tratam o stresse como uma característica do estímulo, como uma carga. Esta perspectiva considera que a fonte de stresse está no acontecimento. Quanto mais intenso é o acontecimento maior o stresse. Uma escala clássica nesta perspectiva é a de Holmes e Rahe (1967) onde os respondentes assinalam os eventos que ocorreram num determinado espaço de tempo anterior e o valor de stresse resulta da soma ou da magnitude da classificação dos eventos (cada um dos eventos tem um valor que expressa a sua magnitude enquanto agente stressor). Este é considerado um método relativamente “objectivo” dado que os eventos que ocorreram são convertidos em valor de stresse. Esta medida não considera a apreciação do evento como stressante ou não, mas somente se o evento ocorreu ou não. Nalgumas escalas desenvolvidas posteriormente, os eventos eram apreciados e o respondente não somente refere se o evento ocorreu, mas também qual a magnitude do stresse sofrido com ele, como é o caso da Life Experiences Survey de Sarason, et al. (1978) que já utilizámos anteriormente (Pais-Ribeiro, & Felgueiras, 1995; Silva, Pais-Ribeiro, Cardoso, & Ramos, 2003). Poderíamos questionar se nesta forma de avaliar o stresse da escala de Sarason et al (1978) não está incluída a apreciação da relação entre o evento e o seu impacto e, se sim, se não se poderia incluir na perspectiva de Lazarus.

A segunda abordagem do stresse é a biológica, focada numa resposta fisiológica não específica, ou seja, como uma síndroma que consiste em todas as alterações fisiológicas que ocorrem no sistema biológico quando este é afectado por um estímulo, ou por uma carga excessiva ou nociva. É o modelo clássico de Hans Selye. Selye define stresse como «a resposta não específica do corpo a qualquer exigência» (Selye, 1979, p. 34). A expressão «resposta não específica» significa que o organismo responde de uma maneira estereotipada, ou sempre do mesmo modo, a uma grande variedade de estímulos ou agentes diferentes tais como intoxicações, tensão nervosa, calor, frio, fadiga muscular ou exposição a raios x. Esta resposta não específica seria comum a todos os estímulos e a todos os organismos biológicos. Stresse e reacção não específica estariam estreitamente ligadas na definição de Selye. Como ele explica, «o stresse é a soma de fenómenos biológicos não-específicos (incluindo lesões e defesas) e, consequentemente, um agente stressor é, por definição, não específico porque produz stresse» (1979, p. 34). Esta reacção, que Selye define como fisiológica terá, concerteza, concomitantes psicológicos que são expressão comportamental e emocional daquelas reacções fisiológicas. A escala de Cohen et al.(1983) parece questionar o que as pessoas sentem quando há aquela reacção fisiológica não específica e, a ser assim, não parece considerar a avaliação da interacção com a situação stressante.

A terceira abordagem ou modelo é a abordagem psicológica, focada na interacção dinâmica entre o indivíduo e o meio e na avaliação subjectiva do stresse que é feita pelo indivíduo. Para Lazarus e Folkman (1984), é a interacção entre o meio ambiente e o indivíduo que define o stresse; ou seja o indivíduo sente stresse quando as exigências provenientes do meio ambiente excedem os recursos que o indivíduo dispõe: o processo cognitivo que medeia a avaliação e o coping são centrais na experiência de stresse (Cohen, Kessler & Gordon, 1995; Cox, Griffiths & Rial-González, 2000; Lazarus & Folkman, 1984; Maes & Elderen, 1998).

Em resumo, embora Cohen et al (1983) defendam esta última perspectiva, de facto, tal como criticam Lazarus et al (1985), parece-nos que a EPS avalia mais a perspectiva clássica de Selye.

Como dizem Cohen et al., (1983) a percepção de stresse pode ser sintoma de depressão. Isto era explicado por Selye que, dizia, em situações de stresse se verificavam alterações bio-químicas, fisiológicas, e orgânicas, em que o eixo hipotálamo – hipófise - suprarenais, tem um papel importante. As reacções do organismo associadas a este eixo hipotálamo-hipófise-suprarenais são, na sua forma mais elementar, o que sentimos quando perante uma situação stressante o coração bate mais depressa, a respiração acelera, há transpiração, há reacções de percepção exageradas, entre outras. Este mecanismo está também associado aos sintomas de depressão e ansiedade.

Esta proximidade entre stresse, depressão e ansiedade tem sido discutido no seio do modelo tripartido. Clark e Watson (1991), dada a evidência de que há uma forte correlação entre medidas de depressão e ansiedade, propõem um modelo tripartido em que os indicadores de ansiedade e depressão se distribuem por três estruturas básicas. Uma primeira estrutura que designam por distress ou afecto negativo, inclui sintomas relativamente inespecíficos, que são experimentados tanto por indivíduos deprimidos como ansiosos, nomeadamente humor deprimido e ansioso, insónia, desconforto ou insatisfação, irritabilidade e dificuldade de concentração. Estes sintomas inespecíficos seriam responsáveis pela forte associação entre as medidas de ansiedade e depressão. Para além deste factor inespecífico, a ansiedade e a depressão constituiriam as outras duas estruturas, com a tensão somática e a hiperactividade como específicas da ansiedade, e a anedonia e a ausência de afecto positivo como relativamente específicas da depressão. A introdução daquela primeira estrutura -stresse -permitiria clarificar o que era depressão e o que era ansiedade, acentuando a distinção entre as duas. A operacionalização do modelo tripartido levou à construção de medidas tais como a Depression Anxiety Stress Scale (DASS) de Lovibond e Lovibond (1995) (já estudada em Português europeu, Pais-Ribeiro, Honrado, & Leal, 2004 a, b). Lovibond e Lovibond (1995) desenvolveram esta escala para que, teoricamente, cobrisse a totalidade dos sintomas de ansiedade e depressão, com padrões elevados de critérios psicométricos, e que fornecesse uma discriminação máxima entre estes dois construtos. O estudo factorial desta escala apresentou um novo factor que incluía os itens menos discriminativos da ansiedade e depressão e que denominaram “Stresse”. Estes itens referem-se a, dificuldades em relaxar, tensão nervosa, irritabilidade e agitação. Mais especificamente, os 14 itens que na DASS avaliam o stresse, propõem-se avaliar os seguintes aspectos: Dificuldade em Relaxar (três itens), Excitação Nervosa (dois itens), Facilmente Agitado/Chateado (três itens), Irritável/Reacção Exagerada (três itens), Impaciência (três itens). A inspecção do conteúdo dos itens mostra que para grande parte deles o conteúdo é idêntico ao da EPS. Tal aponta para a hipótese que a EPS avalia de facto o stresse mas, tal como afirma o grupo de Lazarus, não o faz na perspectiva interaccionista como os autores defendem.

Outras escalas propõem-se avaliar construtos semelhantes ou complementares. Horowitz, Wilner, e Alvarez, (1979), num estudo intitulado “Impact of Event Scale: A measure of subjective stress”, propõe-se desenvolver uma medida de distresse subjectivo relacionado com acontecimentos ou eventos específicos, e é considerada uma medida de perturbação postraumática. A análise de conteúdo dos itens apresenta um conjunto variado, alguns sendo sintomas de depressão (p.ex. “tenho dificuldade em adormecer”, ou “tenho dificuldade em me manter a dormir”), outros sintomas de ansiedade. Muitos dos itens são semelhantes aos da EPS.

O burnout é outro destes construtos. Maslach, Jackson e Leiter, (1996) explicam que o burnout está ligado ao stresse, principalmente à exaustão emocional, uma das três dimensões de burnout. A grande diferença é que o burnout é resultado de stresse prolongado: tal com ocorre com as variáveis anteriores, muitos dos itens são semelhantes aos da EPS.

Fliege, et al. (2005), num estudo de validação de outro instrumento de avaliação do stresse alternativo ao EPS, o Perceived Stress Questionnaire, explicam que a investigação baseada em modelos de equações estruturais mostra que a experiência de stresse é melhor representada por um construto de dois factores, um focando as condições ambientais de stresse, outro, a combinação da avaliação de stresse com a resposta emocional ao stresse.

Ou seja, a avaliação deste construto “stresse” é complexa e exige uma reflexão cuidada, de tal modo que o investigador que pretende avaliar o construto deverá reflectir cuidadosamente sobre o instrumento a utilizar

O objectivo deste estudo é a) discutir a avaliação do stresse nas várias perspectivas a partir de b) um estudo preliminar de validação da EPS de Cohen et al (1983), e das versões reduzidas do mesmo instrumento.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram 45 indivíduos sem doença, 23 do sexo masculino (idade M= 29,34 anos) e 22 do sexo feminino (idade M= 27,13 anos) que constituíram uma amostra de conveniência.

 

Material

A escala original inclui 14 itens que são questões acerca de como a pessoa se sentiu ou pensou no mês anterior ao momento em que está a responder. Nesta perspectiva difere das medidas de acontecimentos de vida que tendem a focar os últimos 12 ou seis meses. Há um estudo publicado em Português com a validação da escala de 10 itens Mota-Cardoso, et al. (2002).

Segundo Cohen et al (1983), os 14 itens constituem uma escala unidimensional cuja nota global resulta da soma dos valores atribuídos a cada item. As respostas são dadas numa escala ordinal de cinco posições, acerca da frequência com que aqueles sentimentos ou pensamentos ocorreram, variando entre “nunca” e “muitas vezes” (que recebem uma classificação entre0e4). Metade dos itens são formulados pela positiva, que os autores designam como itens positivos, (itens 4, 5, 6, 7, 9, 10, e 12 – ver questionário em anexo) e metade pela negativa (itens negativos), pelo que, para chegar à nota total se deverão somar os valores dos itens revertendo estes itens formulados pela positiva de modo que a uma nota mais elevada corresponda maior stresse.

As versões reduzidas consistem: em 10 itens que são resultado da análise em componentes principais e outra com os quatro itens que exprimem maior correlação com a escala total.

O processo de adaptação da versão Portuguesa decorreu da seguinte forma 1) traduziram-se os itens com base na equivalência linguística; 2) verificou-se a equivalência lexical, e cultural; 3) verificou-se a relação entre o item e o construto que se pretendia avaliar, ou seja o distress (validade de conteúdo); 4) passou-se a escala individualmente a cinco sujeitos para identificar se o modo como eles entendiam, quer os itens quer o modo de responder, correspondia ao que era pretendido (cognitive debriefing). Após estes passos construiu-se a escala definitiva e passou-se aos participantes do estudo.

 

RESULTADOS

A versão original de Cohen et al (1983) não foi submetida a análise factorial dos itens. Posteriormente foi submetida a análise em componentes principais (ACP) com rotação varimax (Cohen, & Williamson, 1988) mostrando dois componentes que explicavam 41,6% da variância total. Desta resultou a versão de 10 itens que incluía os itens que saturavam o primeiro componente. Esta versão de 10 itens, submetida ao mesmo processo de ACP, explica uma variância total de 48,9%, também em dois factores. A escala foi submetida a diversas análises e processos de adaptação para diversos idiomas e populações: Hewitt et al. (1992) com população canadiana encontra dois factores que conservam 11 dos 14 itens e que explicam 46,6% da variância (o item 12 é um dos itens que sai); Mimura e Griffiths (2008) com uma amostra japonesa encontram dois factores que explicam 42,6% da variância; Ramirez e Hernandez (2007) com uma amostra mexicana encontram dois factores que explicam 48,02% da variância; Com uma amostra brasileira Luft, Sanches, Mazo, e Andrade (2007) encontram uma solução de dois factores que explica 48,1% da variância: neste estudo o item 12 é retirado. Mota-Cardoso et al.(2002) com a versão de 10 itens também encontra dois factores. Note-se que os itens integrantes de cada factor não são os mesmos para todas estas versões. No estudo de Cohen e Williamson, (1988) em que recorreram à ACP com rotação varimax, onde encontraram mais do que um factor, decidem que “para o propósito de medir a percepção de stresse a distinção entre dois factores foi considerada irrelevante”(p.45). Em todos os estudos a escala é assumida e utizada como unidimensional.

Os dados do presente estudo, foram submetidos a ACP com rotação varimax: na inspecção utilizámos a análise das comunalidades e a correlação item escala total corrigida para sobreposição. Nesta inspecção o item 12 exibe propriedades métricas muito fracas, sugerindo que não funciona como esperado, pelo que foi retirado (item 12-“No último mês com que frequência deu por si a pensar em coisas que tem que fazer?”). A escala ficou, então, reduzida a 13 itens (apresentados em anexo). Realizámos uma ACP destes 13 itens seguindo a regra Kaiser-Gutman e a Scree plot. Seguindo a regra Gutman emergem três factores que explicam 66,77% da variância total. Recorremos Ainda à análise factorial com recurso aos modelos, extracção em factores principais (principal áxis factoring) e factorização de probabilidade máxima (maximum likelihood factoring) com o objectivo de verificar se produzia resultados diferentes do método de componentes principais que permitissem identificar uma estrutura de construtos latentes mais compreensiva (Conway, & Huffcutt, 2003). Os resultados foram idênticos à ACP.

No entanto analisando a scree plot é claro que um factor explica satisfatoriamente o agrupamento dos itens. Por esta razão e porque conceptualmente a EPS é unidimensional realizámos uma análise forçada a um componente, para os 13 itens conservados. Esta ACP dos 13 itens forçada a um componente mostra que a solução explica 43,96% da variância total, com cargas no componente entre 0,51 e 0,86, a maioria acima dos 0,60.

A consistência interna (alfa de Cronbach) da escala com 13 itens é de 0,88 (a escala original mostra valores, para três amostras, de 0,84, 0,85 e 0,86), e as correlações item escala total corrigidas para sobreposição variam entre 0,44 e 0,80, com a maioria das correlações acima de 0,60. Nenhum dos itens se retirado contribuía para aumentar a consistência interna da escala.

No presente estudo a ACP forçada a um componente para a versão de 10 itens mostra uma variância explicada de 47,95%, com cargas factoriais entre 0,46 e 0,89, e com a maioria destas acima dos 0,70. A consistência interna encontrada para os 10 itens é de 0,87, com as correlações item total corrigidas para sobreposição entre 0,38 e 0,82 com a maioria acima dos 0,60. O estudo de Mota-Cardoso et al., (2002) com a versão de 10 itens encontra valores de consistência interna de 0,86, com correlações item total corrigidas para sobreposição acima de 0,35

A ACP para a versão de quatro itens mostra um factor, que explica 59,07% da variância (45,6% na versão original), com cargas dos itens no componente acima de 0,70. A consistência interna para a versão de quatro itens é de 0,76 (0,60 na versão original), com correlação item escala total corrigida para sobreposição ente 0,49 e 0,61. Na versão original os autores defendem que a versão de quatro itens é apropriada para ser utilizada em situações em que é necessário utilizar questionários muito breves.

Ou seja, as diversas versões do presente estudo mostram propriedades métricas idênticas, tanto à original, como a versões de outros idiomas, numa conclusão que também é defendida pelos autores originais (Cohen, & Williamson, 1988).

A estatística descritiva da presente escala mostra os seguintes valores de média e de desvio padrão, para os 13 itens: M=19,96 (DP=7,57). A versão de 10 itens encontra M=15,48, (DP= 6,11), para 13,02 e 6,35 respectivamente na versão original. A comparação entre médias mostra diferenças estatisticamente significativas entre as duas médias (t(44)=2,71, p<0,02). A versão de quatro itens encontra M=5,66 (DP=2,84) para, 4,49 e 2,96 respectivamente na versão original, também estatisticamente diferentes (t(44)=2,77, p<0,01).

Os valores são mais elevados no presente estudo do que na versão original, tanto para a versão de 10 como para a de quatro itens. A correlação entre as versões de 13, 10 e quatro itens são: entre 13 e 10 itens r(45)=0,98; entre 13 e quatro itens, r(45)=0,90; entre 10 e quatro itens r(45)=0,90. Ou seja, a versão de 10 e 13 itens apresentam praticamente os mesmos resultados e a correlação destas com a de quatro itens exibe uma magnitude suficientemente elevada para poder substituir a versão mais longa sem prejuízo para a conclusão final.

A correlação com a idade não é estatisticamente significativa, pelo que podemos assumir que a idade não está associada à percepção de stresse e, com base no sexo, os dois grupos não evidenciam diferenças estatisticamente significativas. Estes resultados também se verificaram no estudo original.

 

DISCUSSÃO

O stresse é um construto complexo e ambíguo. Neste texto utilizamos deliberadamente essa ambiguidade, por exemplo, quando utilizamos os termos stresse e distresse. A literatura utiliza este último termo – distresse -para englobar uma mistura de ansiedade e depressão. Selye (1974) explicava que no início da sua investigação que popularizou o conceito de stresse, o termo utilizado era distresse e que na continuidade da sua utilização acabou por perder a sílaba inicial para se tornar stresse. Aquele, continua, constitui o stresse lesivo ou desagradável. A divulgação do stresse tem origem na biologia deslocando-se depois para a psicologia em diversas variantes e em diversos modelos. A ambiguidade acentua-se porque o stresse se encontra na franja de outros conceitos mais patológicos como a ansiedade e a depressão, a perturbação de stresse pós-traumático, ou o burnout, entre outros.

A avaliação do stresse espelha esta complexidade e ambiguidade, com itens idênticos a surgir em instrumentos que avaliam construtos diferentes. Isto não é incomum na psicologia até porque o que define os construtos, as variáveis latentes, é o conjunto dos itens e não cada item por si. O investigador, o clínico, deve ter especial cuidado quando se propõe avaliar o stresse porque, em última análise esse stresse será aquilo que o instrumento medir. Portanto, os objectivos da avaliação, a população a avaliar, o contexto, deverão determinar uma escolha criteriosa do modo de avaliar o stresse.

Embora Cohen et al. (1983) considerem a escala aqui estudada, uma escala de percepção de stresse que avalia o stresse segundo o modelo de, Lazarus, o grupo deste autor (Lazarus et al.,1985) declara que tal não é verdade e que os autores confundem estas medidas. Olhando para os dados que Cohen et al. (1983) disponibilizam parece acentuarem-se as dúvidas acerca do que a EPS mede. De facto, e de acordo com os dados do estudo original, a correlação da EPS com o número de acontecimentos de vida e com o impacto dos acontecimentos de vida é modesto (respectivamente 0,20 e 0,35 para a amostra principal). Pelo contrário a correlação da mesma amostra com a avaliação de sintomas psicopatológicos (avaliados com a Centers for Epidemiologic Studie Depression Scale) é de 0,76. Ou seja, tal como afirmam Lazarus et al. (1985) a EPS parece ser antes uma medida de distresse.

Em conclusão, A EPS é uma escala breve com adequada consistência interna para os presentes dados de acordo com a teoria clássica dos testes (classic test theory). Ela poderá ser utilizada como uma medida de resultados como propõem os autores, mas é questionável se deverá ser considerada uma medida de stresse tal como é exposto na crítica de Lazarus referida acima. Se o for é, antes, uma medida que foca as consequências percebidas do stresse e, na leitura das diversas questões, identifica-se com facilidade o enfoque predominante em aspectos emocionais mais próprios de perturbação emocional ou distresse. Assim, quando for utilizada, deverá ser clarificado que tipo de stresse se pretende medir.

Este estudo tem várias limitações sendo um deles o reduzido número de participantes que não cumprem o critério básico de cinco participantes por item. Por outro lado foram utilizados os mesmos sujeitos para o estudo das versões de 10 e quatro itens o que é tecnicamente inadequado.

Sendo um estudo exploratório os seus resultados devem ser lidos com precaução e de uma forma crítica. Sugere-se que estudos que utilizem esta escala verifiquem as propriedades psicométricas.

 

REFERÊNCIAS

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ANEXO

ESCALA DE PERCEPÇÃO DE STRESS

 

Recebido a 2 de Abril / Aceite a 20 de Julho

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