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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças v.10 n.1 Lisboa  2009

 

O impacto da malformação fetal: indicadores afetivos e estratégias de enfrentamento das gestantes

Lívia Vasconcelos & Eucia Beatriz Lopes Petean

Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto/Universidade de São Paulo (USP), Brasil

 

RESUMO: O objetivo deste estudo foi avaliar o grau de apego materno-fetal, ansiedade, depressão e modos de enfrentamento de gestantes com diagnóstico de fetos malformados. Participaram 22 gestantes atendidas nos Serviços de Ginecologia e Obstetrícia de cidades do estado de São Paulo/Br. Para tal, foram utilizados os seguintes instrumentos: 1) Escala de Apego Materno Fetal (Cranley, 1981); 2) Inventário de Ansiedade (BAI) e Depressão (BDI) (Beck, 1961) e 4) Escala de Modos de Enfrentamento de Problemas – EMEP (Vitaliano et al., 1985). Os resultados apontam que 21 (95,4%) gestantes participantes deste estudo apresentam o vínculo materno-fetal máximo, três (13,6%) apresentam indicadores clínicos para depressão e ansiedade e 12 (54,5%) delas utilizam como estratégias de enfrentamento a Busca de Práticas Religiosas, isto é, estratégias que englobam sentimentos de esperança e fé, diante do diagnóstico de malformação fetal. Conclui-se que, mesmo frente ao diagnóstico, as gestantes tendem a manter o apego materno-fetal e utilizam diversas estratégias de enfretamento, sendo a principal delas a busca pelas práticas religiosas.

Palavras-chave: Apego materno, estratégias de enfrentamento, malformação fetal.

 

The impact of fetal malformation: pregnant women affective gauges and coping strategies

ABSTRACT: The objective of this study was to know how to establish the maternalfetal attachment, anxiety, depression and the manners of pregnant women coping with diagnosis of malformed fetuses. We studied 22 pregnant women assisted in the gynecology and obstetric services of two cities in São Paulo state, Brazil. They were applied: 1) Scale of Maternal-fetal Attachment (Cranley, 1981); Inventory of Anxiety (BAI) and Depression (BDI) Beck (1961) and 4 the Scale of Manners of Coping of the Problem EMEP (Vitaliano et al., 1985). The results point that 21 (95,4%) participant pregnant women of this study show the maximum maternal-fetal bond, three of them (13,6%) show clinical indicators for depression and anxiety and 12 (54,5%) of them use as coping strategies the search of Religious Practices. That means, strategies that include hope and faith feelings, in front the diagnosis of fetal malformation. We can conclude that even in front to the diagnosis, the pregnant women tend to maintain the fetal maternal attachment and they use of several coping strategies, being the main of them looking for it for religious practices.

Keywords: Coping strategies, fetal malformation, maternal attachment.

 

A gestação é um fenômeno complexo que envolve fatores de diversas ordens. Desde a fecundação até o nascimento de um recém-nascido, a gestante e o feto passam por experiências psicológicas, fisiológicas e sociais únicas.

Ter um filho perfeito, que possa atender suas expectativas e sonhos, é desejo da maioria dos casais, constituindo-se um evento socialmente esperado. Assim, quando o bebê apresenta algum problema, ocorre a "destruição" de um grande sonho e, quanto mais a criança real for diferente do sonho dos pais, mais difícil é a adaptação destes ao seu nascimento (Pelchat, 1992).

Raphael-Leff (2000) afirma que o diagnóstico de anormalidade e a detecção de sofrimento fetal e/ou de doença materna são fatos que vêm aumentar significativamente as dificuldades de uma gravidez. Lutos precisam ser elaborados diante de todas essas situações, mesmo aquelas em que o feto não tenha tido uma morte concreta, mas o filho perfeito, idealizado, precisa, agora, ser enterrado.

Segundo Sukop et al. (1999), o impacto da notícia da malformação se faz sentir imediatamente no apego materno-fetal. O apego, definido por Bowlby (1982), como o vínculo que se estabelece entre a criança e sua mãe e que se inicia ao nascimento, é definido por Cranley (1981) como “a intensidade com que as mulheres se engajam em comportamentos que representam uma afiliação e uma interação com sua criança nascitura” (p.282).

Com o avanço tecnológico, o diagnóstico pré-natal tornou-se cada vez mais preciso, possibilitando detectarem-se determinadas anomalias congênitas antes do nascimento. Diante disso, o interesse da Medicina Fetal pelo estudo das causas que colocam em risco a saúde do feto e da gestante teve um significativo avanço.

Tarelho e Perosa (2001) referem que houve um aumento no interesse de pesquisar o apego durante o período fetal, pois pouco se sabe sobre o que ocorre com o vínculo mãe/feto durante o processo da gravidez, especialmente quando há intercorrências. Da mesma forma que a notícia de uma deficiência em um filho nascido acarreta transtornos emocionais, a notícia de uma malformação fetal pode causar reações de depressão, rejeição e rompimento do apego, seja transitório ou permanente.

As reações iniciais dos pais, bem como o grau de apego ao filho, dependem, em parte, do tipo de malformação, se ela é visível, se pode ser corrigida, se afeta o sistema nervoso central ou a genitália, se é familiar e se é letal, visto que essas características definem a longo do tempo os problemas que eles terão que enfrentar (Kennel & Klaus, 1993; Sloper & Turner, 1993 citado por Perosa, Silveira, & Canavez, 2008).

De acordo com Drotar et al. (1975), uma malformação no recém-nascido desencadeia um processo de adaptação gradual dos pais em relação aos cuidados e à satisfação com seu filho. O estudo de Tarelho e Perosa (2001) aponta para o fato de que mães cujo feto apresentava suspeita ou constatação de alguma malformação, depois de algum tempo da notícia, refizeram o vínculo mesmo antes do nascimento. As que não reiniciaram o apego foram, em sua maioria, as que haviam recebido a informação de que a criança não sobreviveria.

O fato de apresentar uma condição de risco preexistente à gravidez pode levar a gestante a considerar-se inferior às outras mulheres, afetando sua autoestima, que, quando baixa, pode influenciar a qualidade da ligação afetiva com o bebê. Apesar dos progenitores destes fetos serem habitualmente saudáveis, correm o risco de serem considerados pela sociedade como “defeituosos”, “imperfeitos” ou “anormais”, além do fato de terem a potencialidade de transmitir defeitos à geração descendente. São diversos os transtornos e consequências que a notícia da malformação fetal acarreta para a família, perturbam os mais profundos desejos e expectativas parentais, ameaçando, em grande medida, toda a dinâmica familiar (Cardoso, 2001, citado por Antunes & Patrocínio, 2007).

Por um período único, a gestação mostra-se como importante desencadeante de ansiedade, levando as mães a vivenciarem de forma especial esta experiência. Quando há quebra na idealização da maternidade e da criança que vai nascer, a mãe traz consigo sentimentos como medo, raiva, tristeza e perdas com implicações que vão além do próprio bem-estar físico (Rona et al., 1998 citado por Gorayeb, 2008).

A ansiedade gerada durante a gestação e todo o processo de elaboração materno da malformação fetal é um importante eliciador de estados depressivos. Estes são marcados por variações de humor que tornam difícil, para a mulher, lidar com todas as questões gestacionais (Quayley, 1997). Os estudos de Rocha (1999) e Adourd et al. (2005 citado por Gorayeb, 2008), apontam que índices elevados de desinformação sobre o processo gestacional, de saúde do feto, bem como dificuldades efetivas maternas de elaborar as mudanças inerentes ao período gestacional e à malformação infantil e lidar com elas, favorecem estados de estresse, ansiedade e depressão.

O impacto de um feto malformado ou deficiente torna-se então angustiante e desestruturante, de tal forma que poderá provocar um desinvestimento rápido e o pedido de interrupção da gravidez surge como uma das reações frequentes, no sentido de repor o equilíbrio psíquico dos pais (Sousa, 2003). Assim, de acordo com Setúbal et al. (2004) dá-se início a um período de luto pela perda do bebê saudável, enquanto novas expectativas são incorporadas à vida do casal.

A notícia de um feto com malformação é, portanto, um fato que desencadeia um período de grande stress físico e emocional, onde uma turbulência de sentimentos se faz presente. Para que possam enfrentar, “superar” e adaptar-se a essa nova situação, os pais utilizam diferentes estratégias de enfrentamento, denominadas na literatura “coping” (Lazarus & Launier, 1978).

Por essa razão, é de extrema importância avaliar o apego materno-fetal e conhecer as formas de enfrentamento utilizadas pelas gestantes, para que elas possam ser ajudadas a elaborar mais adequadamente suas emoções, desmistificar suas fantasias, criar o vínculo, caso este seja abalado pelo temor materno. É necessário serem bem acolhidas e preparadas logo após o diagnóstico de malformação fetal.

A partir destas considerações, este estudo teve como objetivo avaliar como se estabelece o apego materno-fetal, os modos de enfrentamento e os indicadores clínicos, a ansiedade e a depressão, na fase pré-natal, de gestantes que receberam a notícia de malformação do feto em Serviços de Ginecologia e Obstetrícia de duas cidades do interior do estado de São Paulo, Br.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram deste estudo todas as gestantes que realizaram exames ultrassonográficos no período de fevereiro a setembro de 2008 e que foram informadas de que teria um filho que era portador de alguma malformação fetal ou anomalia, totalizando 22 participantes com idade mínima de 17 (18,2%) e máxima de 32 (13,7%) anos, sendo 14 (63,6%) delas legalmente casadas, cinco (22,7%) com união estável e três (13,7%) solteiras. Em relação ao histórico gestacional, para dez (45,4%) gestantes esta é a 1ª gravidez, para nove (40,9%) delas é a segunda gravidez e o segundo filho, para uma (4,5%) gestante é a 4ª gravidez e o quarto filho; para outras duas (9,0%) gestantes, respectivamente, é a 4ª gravidez e o terceiro filho e a 3ª gravidez e o segundo filho. Das 22 gestantes, oito (36,3%) informaram que a gravidez foi planejada.

O tempo gestacional em que se encontravam as gestantes, quando foi realizada a pesquisa, variou de 16 a 38 semanas. Quanto ao diagnóstico da malformação fetal, seis (27,2%) fetos apresentaram diagnóstico de malformação incompatível com a vida; oito (36,4%) seriam submetidos a procedimento cirúrgico quando nascessem; e oito (36,4%) precisariam ser avaliados após o nascimento.

Tabela 1

Caracterização das Participantes

 

Instrumentos

Foi utilizada a escala de Apego Materno-Fetal elaborada por Mecca S. Cranley (1981), traduzida e validada para a população brasileira por Feijó (1999), para avaliar a relação mãe/feto após diagnóstico de malformação fetal. O coeficiente de fidedignidade para a escala total, obtido através do alfa de Cronbach, foi de 0,85 e, para as subescalas, variou de 0,52 e 0,73. Esta escala é um instrumento do tipo Likert, que contém 24 itens divididos em cinco subescalas, com cinco possibilidades de respostas: Quase nunca, frequentemente, às vezes, raramente e nunca, cuja pontuação varia de 5 a 1, respectivamente. O escore total da escala é obtido com a soma da pontuação de cada item. Verificou-se a distribuição das gestantes de acordo com escores, indicativo para apego conforme a classificação recomendada: apego mínimo corresponde aos escores de 0 a 47 pontos; apego médio, escores de 48 a 71 pontos; e apego máximo, escores de 72 a 120.

A Escala de Modos de Enfrentamento do Problema – EMEP - é um instrumento adaptado (Gimenez & Queiroz, 1997) e validado para a população brasileira (Seidl et al., 2001). A análise fatorial exploratória e da consistência interna dos fatores mostrou que a estrutura fatorial da EMEP foi replicada nesta amostra específica, com alphas de Cronbach variando entre 0,83 e 0,65. Este instrumento é autoaplicável e foi utilizado neste estudo para conhecer e avaliar os tipos de estratégias de enfrentamento utilizadas pelas gestantes. É composto de 45 itens, distribuídos em 4 fatores: 1) enfrentamento focalizado no problema (18 itens, α=0,84); 2) enfrentamento focalizado na emoção (15 itens, α=0,81); 3) busca de suporte social (5 itens, α=0,70; e 4) busca de práticas religiosas (7 itens, α=0,74). As respostas foram dadas em escala Likert de cinco pontos, contendo os seguintes intervalos: 1-Eu nunca faço isso; 2-Eu faço isso um pouco; 3-Eu faço isso às vezes; 4-Eu faço isso muito; 5-Eu faço isso sempre. Deste modo, o escore total é obtido pela média aritmética e, quanto mais alto o escore, maior a frequência de utilização da estratégia de enfrentamento.

Dentre as Escalas de Beck, utilizamos o Inventário de Ansiedade Beck (BAI) e o Inventario de Depressão Beck (BDI). O BAI foi utilizado por ter tradução e adaptação brasileiras, sendo que a consistência interna do BAI foi de 0,87 e a correlação entre teste e reteste foi de 0,06 e 0,11 (Cunha, 2001). É uma escala de autorrelato que mede a intensidade de sintomas de ansiedade. Esse instrumento é composto por 21 itens e devem ser avaliados pelo sujeito com referência a si mesmo, numa escala Likert de quatro pontos, variando de 0 a 3. O escore total é o resultado da soma dos escores dos itens individuais. A soma dos escores individuais representa o escore total, que pode variar entre 0 e 63. O escore total permite a classificação em níveis de intensidade da ansiedade. Utilizou como indicativo de sintomas de ansiedade a classificação recomendada para pacientes não psiquiátricos, sendo nível mínimo para escores de 0 a 7; leve, para escores de 8 a 15; moderado, de 16 a 25; e grave, para escores de 26 a 63 (Cunha, 2001).

A aplicação do Inventário de Depressão Beck - BDI, com tradução e adaptação brasileiras de Cunha, mostrou que a consistência interna do BDI foi de 0,84 e a correlação entre teste e reteste foi de 0,95 (p<0,001) (Cunha, 2001). Este teste é utilizado para medir possíveis indicadores de depressão nas gestantes. O BDI é uma escala de autoavaliação de manifestações comportamentais de depressão, porém sem finalidade diagnóstica. Este instrumento é composto por 21 categorias de sintomas e atitudes, com quatro ou cinco afirmações, cada uma refletindo um grau crescente de gravidade de depressão (de 0 a 3) (Gorenstein & Andrade, 2000). Foram utilizados os critérios sugeridos para pacientes não diagnosticados com transtornos psiquiátricos, ou seja, disforia>15 e depressão>20 (Kendall et al., 1987).

 

Procedimentos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

De 15 a 30 dias após terem recebido a notícia de malformação fetal, informação esta feita pelo obstreta, as gestantes retornaram ao serviço de ultrassonografia e foram convidadas a participarem da pesquisa. Firmado o Termo de Consentimento, primeiramente foi aplicada a Escala de Apego Materno-fetal, a Escala de Modos de Enfrentamento de Problemas e, em seguida as Escalas de Ansiedade e Depressão.

 

Análise dos dados

Os instrumentos de avaliação (Escala de Apego Materno-Fetal, Escala de Modos de Enfrentamento de Problemas, Inventário de Ansiedade e Depressão Beck) foram analisados quantitativamente, conforme as respectivas normas dos testes. Após a obtenção dos escores dos instrumentos, os resultados foram colocados em tabelas, onde foram analisados utilizando estatística descritiva. Para verificação de possíveis relações entre o grau de apego materno fetal e os modos de enfrentamento e os indicadores emocionais e o prognóstico, foram realizadas comparações entre os resultados obtidos nas avaliações.

 

RESULTADOS

Apego Materno-Fetal

A análise da avaliação do apego das gestantes obtido na escala de apego materno-fetal, em função do diagnóstico da malformação fetal, está apresentada na tabela 2. Para diferenciar o prognóstico dos fetos foram atribuídas letras, sendo L referente à malformação incompatível com a vida; C, à malformação fetal de fetos que precisariam de procedimento cirúrgico e A para a malformação fetal de fetos que seriam avaliados após o nascimento. De acordo com os dados da tabela 2, a maioria das gestantes, 21(95,4%), teve o vínculo materno-fetal acima do valor determinado pelo instrumento e apenas uma (4,6%) manteve o apego na média, depois do diagnóstico de malformação.

Tabela 2

Grau de Apego materno-fetal: frequência e porcentagem

 

Os dados da tabela 3 mostraram que, das gestantes que demonstraram um apego máximo com os fetos, cinco (83,3%) delas haviam recebido informação de que a malformação fetal era incompatível com a sobrevivência dos fetos após o nascimento; todas as oito (100%) gestantes que haviam recebido a informação de que seus fetos apresentavam uma malformação e que passariam por cirurgia assim que nascessem e todas as outras oito (100%) que foram informadas da malformação fetal e do risco que seus fetos estavam correndo, e que era necessário que os bebês nascessem para serem melhor avaliados. A única gestante (16,7%) que apresentou o apego na média, sabia que a malformação fetal era incompatível com a vida e aguardava a liberação judicial para a interrupção da gestação.

Tabela 3

Grau de Apego materno-fetal em função do Prognóstico Fetal: frequência e porcentagem*

 

Estratégias de Modo de Enfrentamento – EME

Quanto ao modo de enfrentamento, os dados serão apresentados na tabela 4. A Estratégia de Enfrentamento mais utilizada pelas gestantes, 12 (54,5%), foi a Estratégia Focalizada na Busca de Práticas Religiosas/Pensamentos Fantasiosos, independente da religião que praticavam, sendo que destas, cinco (83,3%) sabiam que a malformação do feto era incompatível com a vida; três (37,5%), que o feto passaria por intervenção cirúrgica após o nascimento e quatro (50%), foram informadas de que após o nascimento o feto seria avaliado para a determinação de conduta e prognóstico. A segunda estratégia de enfrentamento mais utilizada foi a Estratégia Focalizada no Problema, por seis (27,2%) gestantes, das quais, quatro (50%) sabiam que o feto passaria por cirurgia ao nascer e outras duas (25%) cujo bebê seria avaliado após o nascimento. Das gestantes cujo feto apresentava malformação fetal incompatível com vida, nenhuma utilizou esta estratégia.

Tabela 4

Estratégias de enfrentamento utilizadas pelas gestantes, frente ao prognóstico de malformação fetal: frequência e porcentagem*

 

Independente da religião que praticavam, a estratégia de enfrentamento menos utilizada pelas gestantes deste estudo, apenas quatro (18,3%) delas, foi Busca de Apoio Social, ou seja, a procura de suporte social, emocional ou de informação. Destas uma (16,7%) tinha o feto apresentando malformação fetal incompatível com a vida, em outra (12,5%) o feto necessitaria de cirurgia ao nascer e em duas outras gestantes, (25%), o feto seria avaliado após o nascimento, para se determinar a gravidade e conduta.

 

Apego Materno-Fetal e Estratégias de Enfrentamento

A relação entre o grau de apego materno fetal e as estratégias de enfrentamento esta apresentada na tabela 5.

Tabela 5

Estratégias de enfrentamento utilizadas pelas gestantes em função do grau de Apego materno-fetal: frequência e porcentagem*

 

A tabela 5 mostra que, 21 gestantes participantes do estudo, a maioria (95,4%), mantiveram o apego acima do esperado, independente do diagnóstico e prognóstico de seus fetos, sendo que 11 (52,4%) delas utilizaram como estratégia de enfrentamento as práticas religiosas/pensamentos fantasiosos, independente da sua crença religiosa; seis (28,5%) utilizaram enfrentamento focalizado no problema e outras quatro (19,0%) gestantes utilizaram a estratégia focalizada na Busca de Apoio Social. A única gestante que teve o apego na média utilizou como estratégia de enfrentamento as práticas religiosas/pensamentos fantasiosos.

 

Ansiedade e Depressão

Procurou-se avaliar o nível de ansiedade e depressão manifestadas pelas gestantes, após a confirmação do diagnóstico e prognóstico de malformação fetal nas tabelas 6 e 7.

Tabela 6

Estratégias de enfrentamento utilizadas pelas gestantes, frente ao prognóstico de malformação fetal: frequência e porcentagem*

 

Tabela 7

Incidências de indicadores clínicos de ansiedade, depressão em função do prognóstico fetal: frequência e porcentagem

Os dados da tabela 6 mostram que das 22 gestantes, três (13,7%) manifestaram ansiedade mínima; oito (36,4%) delas, ansiedade leve, sendo que duas (66,7%) destas apresentaram também indicadores para depressão; outras oito (36,4%), ansiedade moderada, entre as quais uma (33,3%) delas apresenta também indicador para depressão, e três (13,6%) gestantes ansiedade grave.

Em relação ao prognóstico, verificou-se na tabela 07 como as gestantes manifestaram suas ansiedades e depressões, após a confirmação do prognóstico da malformação fetal.

De acordo com a tabela 7, das seis (27,2%) gestantes que tinham recebido o prognóstico letal do feto, apenas uma (4,5%) apresentou indicadores para ansiedade grave com disforia.

Das oito (36,2%) gestantes com prognóstico fetal cirúrgico, duas(9,0%) gestantes apresentaram indicadores para depressão, porém uma(50%) delas com ansiedade leve e a outra(50%) gestante com ansiedade moderada. Já as oito(36,2%) gestantes com o prognóstico fetal não cirúrgico, seis(27,2%) não manifestaram indicadores para depressão, sendo que três(50%) apresentaram ansiedade leve, uma(16,6%) gestante, ansiedade moderada, e outras duas(33,4%) delas, ansiedade grave. Apenas uma(4,5%) gestante apresentou indicadores de disforia com ansiedade moderada e uma outra(4,5%), indicadores para depressão com ansiedade leve.

 

DISCUSSÃO

Neste estudo pode-se constatar que, como afirmam Cranley (1981), Klaus e Kennell (1993) e Rogiers (1996), o apego da mãe com seu filho inicia-se muito antes do nascimento, já no período gestacional. Constatou-se neste estudo que, apesar do impacto da notícia de malformação fetal, as gestantes mantiveram o apego, sendo que, em algumas delas, o grau de apego foi superior à média preconizada pelo instrumento. Estes achados confirmam os resultados encontrados no estudo de Gomes (2007), que relatou aumento do vínculo mãe-feto em gestações onde há diagnóstico de malformação fetal. Paradoxalmente, Sukop e cols (1999) verificaram um nível menor de apego mãe-feto em gestantes em situação de malformação fetal do que naquelas que se encontravam em um contexto de normalidade, ou seja, as gestantes, depois da confirmação da malformação fetal, acabavam rejeitando o feto e evitando ter contato com ele, para evitar de um sofrimento ainda maior. Este sentimento se deve tanto aos processos de enfrentamento e aceitação da realidade da malformação apresentada pelos bebês quanto às informações obtidas sobre o diagnóstico e o prognóstico. É provável que os resultados sobre vínculo materno-fetal encontrados neste estudo, mostrando que as gestantes estabeleceram vínculo com seus fetos, apesar do diagnóstico de malformação, sejam devidas ao fato das gestantes terem visualizado seus fetos durante a ultrassonografia. De acordo com Veny (1986), Villeneuve e cols (1988, citado por Gomes, 2003), a realização da ultrassonografia pode ser um fator importante na avaliação do apego, pois as gestantes passam a vincular-se mais com o feto e, por seguinte, a emitir com mais frequência comportamentos de apego em relação a ele. Esta reação pode provir principalmente da visualização do feto, concretizando assim a gravidez . No presente estudo, os dados foram coletados após quinze dias da realização do exame ultrassonográfico e, como praxe dos serviços, todas as gestantes acompanham o exame pela tela do aparelho e levam fotos dos fetos. É provável que este procedimento tenha influenciado para que as gestantes deste estudo estabelecessem maior vínculo e demonstrassem mais comportamentos de afeto e interação, como conversar com a barriga, escolher o nome, imaginar o rostinho, imaginar-se cuidando do bebê. Além disso, observa-se que o diagnóstico e prognóstico da malformação fetal não influenciou no apego materno e que suas reações, bem como as futuras dificuldades de apego dependem, em parte, de como será a aparência externa do concepto malformado, quais os prejuízos que pode causar para o desenvolvimento da criança a médio e longo prazo, a reversibilidade, cura ou não, entre outros.

Os recursos pessoais de enfrentamento são constituídos por variáveis físicas e psicológicas, que incluem saúde física, moral, crenças ideológicas, experiências prévias de enfrentamento, inteligência e outras características pessoais. Os recursos socioecológicos, encontrados no ambiente do indivíduo ou em seu contexto social, incluem relacionamento conjugal, características familiares, redes sociais, recursos funcionais ou práticos e circunstâncias econômicas (Antoniazzi, Dell’Aglio, & Bandeira, 1998).

Segundo Gimenez (1997), a utilização de estratégias focalizadas no problema implica na busca de informações relevantes para solucionar o problema, lidar com a situação estressora. Os resultados encontrados neste estudo mostraram que as gestantes, através das suas experiências, estavam conseguindo lidar com a descoberta da malformação fetal e vislumbrar uma possibilidade de resolução do problema voltada para a realidade do problema concreto.

A Estratégia de Enfrentamento Focalizada na Busca por Apoio Social que as gestantes utilizaram pode funcionar como redutor do estresse e indicar uma tendência a utilizar enfrentamento externo para lidar com as dificuldades. É possível que a necessidade de consultas e a alta chance de rejeição levem a gestante a procurar ajuda de pessoas próximas. RodriguesMarin e cols (1992) observaram que o suporte social tem aparecido com frequência na mensuração do enfrentamento. Ela refere que esse fator, busca de suporte social, representa itens que têm como significado a busca de suporte emocional, familiar ou de informação sobre a situação causadora do estresse.. No presente estudo constatou-se que o apoio de pessoas significativas representou um papel importante depois da confirmação da malformação fetal.

Quando se fala em enfrentamento focalizado na busca de práticas religiosas/pensamentos fantasiosos, que, segundo Gimenez (1997), indica a presença de comportamentos e pensamentos permeados por sentimentos de esperança e fé como forma de lidar com uma situação estressante, o presente estudo mostrou que a maioria das gestantes utilizou este tipo de estratégia. Deve-se ressaltar que, no nosso estudo, a interferência dos fatores religiosos na dinâmica psíquica dessas gestantes, uma vez que a crença adotada por elas rege seu comportamento psicológico, pode estar associada a um mecanismo de proteção e de racionalização. A religião passa a ser um recurso de elaboração psicoafetiva, que permite lidar melhor com todo sofrimento que a malformação fetal traz para a gestante, mas também pode ser um fator de risco, impedindo-a de “ver” a realidade e levando-a a tomar decisões que nem sempre condizem com a gravidade ou não do diagnóstico.

O enfrentamento focalizado na emoção, que, de acordo com Gimenez (1997), inclui reações emocionais negativas, como raiva ou tensão, pensamentos fantasiosos e irrealistas voltados para a solução mágica do problema, respostas de esquiva e reações de culpabilização de outra pessoa ou de si próprio, neste estudo não foi utilizado pelas gestantes.

As gestantes participantes deste estudo apresentaram escores elevados para ansiedade, sendo que, para depressão, a maioria delas não apresentou indicadores clínicos. Estes dados se contrapõem aos de Rocha (1999) e Adouardes (2005), que afirmam que a ansiedade gerada pelo processo de enfrentamento e elaboração psicoafetivo da situação da malformação infantil é um importante eliciador de estados depressivos.

Os resultados obtidos permitem-nos alertar para a importância na compreensão da relação mãe-feto malformado e as estratégias de enfrentamento que envolvem essa relação, visando estabelecer programas de acompanhamento psicológico, propiciando apoio a estas gestantes, minimizando seu sofrimento e assim, auxiliando-as a tomar as decisões que se fazem necessárias.

 

REFERÊNCIAS

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Antoniazzo, A. S., Dell’ Aglio, D. D. E., & Bandeira, D. R. (1998). O conceito de Coping: uma revisão teórica. Estudos de Psicologia, 3(2), 273-294.         [ Links ]

Antunes, M. S. C., & Patrocinio, C. (2007). A malformação do bebê: Vivências psicológicas do casal. Psicologia, Saúde & Doenças, 8(2), 239-251.         [ Links ]

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Bowlby, J. (1982). Apego e Perda. São Paulo: Martins Fontes.

Cranley, M. S. (1981). Development of a tool for the measurement of maternal attachmente during preagnancy. Nursing Reasearch, 30(5), 281-284.

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Feijó, M. C. C. (1999). Validação Brasileira da “MaternalFetal Attachment Scale”. Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada, 51(4), 52-62.

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Recebido em 27 de Novembro de 2008 / Aceite em 3 de Maio de 2009

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