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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças v.10 n.1 Lisboa  2009

 

O impacto da interrupção da gravidez por mal formação congénita: a perspectiva do pai

Lucília Sousa1 & M. Graça Pereira2

1Hospital S. Marcos, Braga

2Universidade do Minho, Braga

 

RESUMO: Os avanços das técnicas de diagnóstico pré-natal, tornaram possível a identificação de alguns problemas de saúde do feto in-útero, e a determinação do risco da sua ocorrência, deixando aos pais a liberdade e responsabilidade de decidir acerca da saúde do feto, muito antes do seu nascimento. A complexidade de tais decisões coloca os casais numa encruzilhada, em que qualquer dos caminhos escolhidos marcará as suas vidas. As vivências do progenitor masculino têm sido quase ignoradas pelos investigadores, pelo que a experiência do pai continua a ser muito pouco conhecida. O presente estudo pretende conhecer e compreender os significados atribuídos pelo Pai à experiência de interrupção da gravidez, por anomalia fetal. Para isso recorremos a uma metodologia qualitativa (Grounded Theory). A amostra é constituída por 12 homens cujas esposas interromperam a gravidez no serviço de obstetrícia do Hospital S. Marcos em Braga. Os resultados apontam a interrupção de gravidez por malformação congénita, como uma experiência emocionalmente intensa, com um intenso envolvimento dos pais ao longo do processo. A tomada de decisão representou a confrontação de dúvidas e incertezas, de sentimentos ambivalentes e de dilemas morais, como consequência do investimento na gravidez e da relação afectiva que já existia com o feto. Os pais tendem a desvalorizar os seus sentimentos e as suas necessidades de apoio, centrando as suas preocupações na companheira. Os profissionais de saúde, na opinião dos pais, não só demonstram pouca sensibilidade face aos seus sentimentos e necessidades como constituem um obstáculo ao envolvimento do pai ao longo do processo. A partilha desta experiência com a esposa e o apoio mútuo entre o casal fortaleceu a relação. Os projectos de nova gravidez evidenciam a busca de um novo sentido de vida para estes pais. Estes resultados enfatizam a necessidade de um olhar mais atento sobre o impacto que este acontecimento tem na vida do pai e da importância dos profissionais de saúde neste processo.

Palavras-chave: Interrupção, Gravidez, Malformação, Pai.

 

The interruption of pregnancy due to congenital malformation: the father`s perspective

ABSTRACT: The development of prenatal diagnosis techniques have made possible the identification of some health problems in the inborn baby and the determination of the risk of such occurrence, leaving parents with the choice and responsibility of deciding about the fetus’ health long before the birth. The complexity of such decisions places the couple in a crossroad and any of the chosen roads will impact their lives forever. The father´ s experience has been neglected by researchers and, as a result, their experience is not well known. This study aims to understand the meanings fathers give to the pregnancy interruption, due to congenital malformation, of their baby. A qualitative analysis was used (grounded theory). The sample includes 12 men whose wives terminated their pregnancy in the obstetric service of S. Marcos Hospital in Braga. Results show that pregnancy interruption due to congenital malformation is a very intense emotional experience, with a great involvement of fathers during the entire process. The decision making process required a confrontation of doubts and uncertainties, ambivalent feelings and moral dilemmas, as a consequence of the investment on the pregnancy and the emotional relationship that was already established with the baby. Fathers tend not to value their need for support, and centred all their worries on their mates. Health professionals, in their opinion, show low sensibility towards their feelings and needs and are seen as barriers to their involvement through the process. Sharing their experience with their mates and mutual support between the couple strengthen the marital relationship. The project of a new pregnancy revealed the search for a new meaning in these fathers’ lives. These results show the need to look in depth into the impact of this life event on the father´ s life and the role of health professionals in the process.

Keywords: Anxiety, Interruption, Malformation, Pregnancy, Father.

 

 

As interrupções de gravidez por malformação fetal têm aumentado significativamente no nosso país, em consequência do desenvolvimento das técnicas de diagnóstico pré-natal (DPN), à criação de novos centros de diagnóstico, tornando-os mais disponíveis e acessíveis a toda a população, ao aumento das gravidezes em idade tardia (Zagalo-Cardoso, 2001) e ao enquadramento legal da interrupção voluntária da gravidez. Em 1984, a lei 6/84, de 11 de Maio veio excluir a ilicitude da interrupção da gravidez nas situações: em que “haja seguros motivos para prever que o nasciturno venha a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação, e seja realizado nas primeiras 16 semanas de gravidez”. A lei 90/97, veio alargar o prazo para a interrupção por malformação congénita “…não é punível a interrupção de gravidez…quando houver seguros motivos para prever que o nasciturno virá a sofrer, de forma incurável de doença grave ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente ou por outro meio mais adequado (…) excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, casos em que a interrupção pode ser praticada a todo o tempo”

O diagnóstico pré-natal tornou possível para os pais, aquilo que ainda há poucos anos só era possível no momento do nascimento – conhecer as condições de saúde do feto durante a gravidez. A medicina fetal e o DPN deslocaram o momento auge das angústias maternas, que antes se concentravam no nascimento, pois era nesse momento que era possível tomar conhecimento de qualquer anomalia ou deformação (Zagalo-Cardoso, 2001). Os diversos métodos de rastreio e diagnóstico de que actualmente dispomos permitem um conhecimento acerca do feto e das suas condições de desenvolvimento inútero e em alguns casos intervir sobre elas. A realização do DPN significa alívio para a maioria dos casais que recebem um diagnóstico negativo, mas representa uma situação de intensa ansiedade, para aqueles que recebem um resultado positivo.

A notícia de ter um feto descrito como malformado torna-se angustiante e destruturante (Sousa, 2001). A gravidez constituiu-se desde sempre um período sensível à criação de fantasmas angustiantes relacionados com a integridade e anomalias do feto, sendo notável o aumento da ansiedade que caracteriza o período de espera entre um exame diagnóstico e o seu resultado (Brazelton & Cramer, 1993; Soulé, 1992). A possibilidade de interromper a gravidez, representa para os pais, uma alternativa desejada para as situações graves, em que o tipo de malformação e a sua gravidade se assumem como factores determinantes da decisão (Menahem & Grimawade, 2003; Zlotogora, 2002)

No entanto, esta é uma decisão complexa e de consequências imprevisíveis. O impacto que este tipo de experiência tem na vida dos casais está longe de ser compreendido na totalidade. Durante a gravidez vão-se desenvolvendo precocemente laços com o feto (Brazelton & Cramer, 1993; Colman & Colman, 1994; Camus, 2002), os pais vão construindo a imagem do seu bebé e iniciam-se os preparativos para o nascimento (Colman & Colman, 1994). A principal consequência desta experiência está relacionada com a perda do bebé (real e imaginário), que já fazia parte da família e com o qual haviam já estabelecido uma ligação afectiva.

Durante muitos séculos o homem foi afastado das vivências relacionadas com o parto e gravidez. As modificações sociais relacionadas com a emancipação da mulher vieram proporcionar um maior envolvimento do pai em todo o processo (Caelli, Downie, & Letendre, 2002). A gravidez passou a ser um projecto de vida e uma experiência partilhada pelo casal, em que a ligação prénatal se inicia cada vez mais precocemente facilitada pela visualização precoce da imagem do bebé através da ecografia. Para o homem, o nascimento de um filho significa uma possibilidade de concretização de ideais e oportunidades perdidas, de confirmação das suas capacidades reprodutoras (Camus, 2002) assumindo um carácter de imortalidade por se poder perpetuar através dele. Por isso, o bebé fantasiado tem de ser perfeito. É pois compreensível que a noticia provocada pelo diagnóstico de uma malformação grave do feto, em qualquer fase da evolução da gravidez, tenha um grande impacto na vida do casal, incluindo o pai, podendo traduzir-se em alterações físicas, psicológicas e sociais.

Em Portugal a investigação sobre esta temática tem sido escassa e o ponto de vista do pai tem sido pouco explorado. Estudos realizados noutros países revelam que quando confrontados com a notícia de uma malformação do feto, os homens apresentam reacções emocionais intensas. A tristeza (Withevan Mourik, Connor, & Ferguson-Smith, 1992), depressão (Withevan Mourik, 1992), raiva, culpabilização (Geerinck-Vercammen & Kanhai, 2004; Kenyon, Hacket, & Campbell, 1988; Withevan Mourik et al., 1992); vergonha, sensação de falhanço (Geerinck-Vercammen & Kanhai, 2004; Kenyon et al., 1988; Rousseau, 2001) e raiva, esta última relacionada com a sensação de impotência de não ter sido capaz de proteger a sua criança, foram os principais sentimentos experienciados.

A duração das reacções à perda não encontra concordância entre os diferentes autores. Withevan Mourik (1992), no seu estudo com 1200 casais, verificou que a maioria dos casais recuperava o seu equilíbrio ao fim de dois anos. Em alguns casos isso acontecia ao fim de seis meses, mas cerca de 20% mantinham sentimentos de raiva, culpa, irritabilidade, sensação de falhanço e choro fácil para além dos seis meses (Thomassen Brepols, 1987; Withevan Mourik, 1992). Também Kenyon et al. (1988) e Geerinck-Vercammen e Kanhai, (2004) encontraram no seu estudo sentimentos de dúvida, culpabilidade, vergonha raiva, ansiedade e alívio durante a interrupção da gravidez e semanas seguintes, desaparecendo na maioria dos casos ao fim de seis meses.

Uma revisão dos estudos realizados permite-nos concluir que homem e mulher apresentam formas distintas de expressão do luto (Canavarro, 2001; Rousseau, 2001; Thomas, 1995). As reacções de luto dos homens são frequentemente inibidas pelas normas sociais que em algumas culturas inibem a expressão da dor e sofrimento masculinos. Eles podem sentir a mesma dor que a sua companheira mas ter dificuldades em tomar determinadas decisões como é o caso da interrupção da gravidez (Carmona, 1996; Geerinck & Kanhai, 2004; Rousseau, 2001; Thomassen Brepols, 1987; Withevan Mourik, 1992). Por sua vez, os homens parecem aceitar a perda mais rapidamente que as mulheres. Segundo os autores citados, as responsabilidades que têm de assumir ao nível das questões administrativas, e o cuidar dos outros filhos, se existirem, podem acelerar a resolução do luto. Nalguns casos, contudo esses mesmos factores podem favorecer o seu prolongamento, pela negação da sua existência (Rousseau, 2001).

A maioria dos homens não procura apoio para falar sobre as suas experiências, até porque o homem é considerado o sexo forte e deve ultrapassar as situações sem ajuda de ninguém. As suas responsabilidades familiares e profissionais encobrem as suas preocupações com a perda e dificultam o reconhecimento das suas próprias dificuldades (Black, 1991; Statham, 1992). Os homens procuram proteger as suas companheiras de maior sofrimento e por vezes apresentam expressões de raiva e de controlo exagerado da situação ou culpa, Estes sentimentos podem conduzir ao seu isolamento (Roussseau, 2001; Wheeler, 1999).

McCreith (2004) considera que a perda de um bebé antes do nascimento tem efeitos devastadores no homem, mas o meio envolvente tende a minimizar a perda sendo as necessidades de apoio e de rituais culturais muitas vezes esquecidos. A evolução patológica do luto pode manifestares, pelo excesso de trabalho, infidelidade e comportamentos desviantes como o alcoolismo. Esta dessincronização dos processos de luto no casal pode ter consequências na estabilidade da relação, com isolamento e dificuldades de comunicação, agressividade, conflitos e dificuldades sexuais que podem terminar em separação do casal (Rousseau, 2001; Withevan Mourik, Connor, & Ferguson-Smith, 1992). Segundo o estudo de Mcreith (2004), a percepção dos homens apenas como suporte da esposa não se justifica, pois ignora as experiências reais e actuais de vida do homem e os significados que estes atribuem à perda, o que pode traduzir-se em consequências emocionais graves por falta de apoio. Por sua vez, o apoio profissional, geralmente é centrado na mãe, ignorando as necessidades emocionais do pai (Gotzmann et al., 2002).

O presente estudo pretendeu conhecer a experiencia da pai na interrupção da gravidez ao nível do impacto da notícia, tomada de decisão, percepção dos cuidados dos profissionais de saúde, consequências da interrupção na relação do casal e perspectivas futuras na área da reprodução.

 

MÉTODO

Participantes

A amostra foi constituída pelos “peritos experienciais”, ou seja os pais que pela vivência da sua experiência permite aprofundar o conhecimento sobre o tópico de estudo (Rennie, Philiphs, & Quartaro, 1988). Os pais incluídos na nossa amostra encontravam-se empregados, maioritariamente no sector secundário, com uma situação socioeconómica estável, cinco tinham habilitações académicas inferiores ao 9º ano de escolaridade e os restantes tinham habilitações entre o 9º ano e o ensino superior. Seis já eram pais de filhos saudáveis e dois deles já tinham tido experiências de perdas precoces anteriores, num caso por anomalia fetal, noutro por aborto espontâneo. As gravidezes tinham sido desejadas e apenas em dois casos não tinham sido planeadas. As idades gestacionais dos fetos no momento da interrupção estavam compreendidas entre as 14 e as 24 semanas. A síndrome de Down foi a malformação mais frequente.

A amostra foi recolhida no serviço de Obstetrícia do Hospital de S. Marcos em Braga no período de Julho de 2002 a Março de 2004. A amostra foi voluntária. Os pais foram contactados quando recorriam ao hospital para efectuarem a interrupção da gravidez. A recolha de dados foi realizada através de entrevista semi-estruturada, uma vez que a sua flexibilidade permite ajustamentos, esclarecimentos e mesmo adaptações (Ludke & André, 1986; Ruquoy, 1995). As entrevistas foram realizadas no domicílio dos inquiridos. As questões da entrevista procuraram explorar os seguintes aspectos da experiência: reacções e impacto da notícia de malformação fetal, o processo decisório, a experiência da interrupção da gravidez, o apoio recebido ao longo do processo, as implicações na relação conjugal e as perspectivas reprodutivas futuras.

As entrevistas decorreram, entre a primeira semana e um mês após a interrupção, durante o período de tempo necessário para atingir a saturação teórica, isto é, até ao momento em que os conceitos apresentados em cada entrevista se enquadravam nas categorias já existentes, nada acrescentando de novo (Strauss & Corbin, 1998)

 

Design

Trata-se de um estudo exploratório, descritivo com recurso a uma metodologia qualitativa. Esta opção justifica-se pelo objecto do estudo só poder ser devidamente compreendido através da experiência vivida pelos intervenientes (Ramalho, 2003; Ruquoy, 1995).

 

Análise de Dados

Os dados foram tratados usando a metodologia “Grounded Analysis”. Este método tem como objectivo gerar teoria que é construída com base na recolha e análise sistemática e rigorosa dos dados através de um processo indutivo de construção do conhecimento.

A Grounded Theory, partindo de casos individuais ou experiências, vai desenvolvendo categorias conceptuais mais abstractas, para sintetizar explicar e compreender os dados ou identificar padrões de relação entre eles (Charmaz, 1995). Este método baseia-se num conjunto de procedimentos contínuos de análise de dados, que ocorre em simultâneo com a sua recolha. Os dados vão-se organizando de forma sistemática e rigorosa, numa sequência que tende para uma maior complexidade e integração. Maroy (1997), denomina esta metodologia como descrição analítica, isto é, a análise não é efectuada segundo uma grelha pré existente, mas antes é elaborada e decorre dos materiais emergentes. O investigador vai descobrindo categorias e estabelecendo relações entre elas. È um processo indutivo e que exige criatividade por parte do investigador. As categorias foram desenvolvidas a partir dos dados procurando que essas categorias fossem relevantes para explicar o fenómeno em estudo.

 

RESULTADOS

A análise dos dados configurou-se num esquema de categorias interrelacionadas que nos permitem conhecer e compreender a vivência da interrupção da gravidez por malformação fetal, conforme as figuras 1, 2 e 3. Para facilitar a análise dos resultados, a cada entrevistado foi atribuída a sigla E, seguida do número de ordem da entrevista (1,2,3….12). A análise descritiva dos discursos será realizada por ordem cronológica das experiências vividas mantendo-se a sequência das experiências referidas.

Figura 1

Notícia do Diagnóstico da Malformação

 

Figura 2

Apoio

 

Figura 3

Consequências da Decisão

 

Notícia do Diagnóstico da Malformação

Reacções à Notícia. No momento da confirmação do diagnóstico de malformação fetal as reacções à notícia incluem: sentimentos de raiva, revolta e frustração “Senti uma angústia, um mal-estar interior, uma revolta pessoal, sem saber, sem entender o porquꅔ (E9) preocupação com as reacções da companheira, necessidade de ser forte/desvalorização dos próprios sentimentos “Eu acho que o termo é aterrorizado” (E2); “ Quando lá cheguei, (…) ela já tinha recebido a notícia e estava de rastos, estava inconformada. Tentei conformá-la, dar-lhe um pouco de apoio, … o que é que uma pessoa pode fazer nessa altura?! Tentei manter-me calmo por ela. Tentei acalmá-la” (E9).

 

Tomada de Decisão. A decisão de interromper foi partilhada pelo casal e considerada a única possível face ao diagnóstico. Considerada a decisão mais difícil das suas vidas, a interrupção justifica-se pela gravidade da malformação diagnosticada “Nós o fizemos para que a dor não fosse maior, porque uma vez que o bebé não tinha hipóteses de sobreviver, a gente não se queria apegar muito à criança e foi por aí que tomamos a decisão” (E5), e pela ausência de suporte social e dos consequentes encargos familiares. Existe a percepção de que a sobrevivência e os cuidados destas crianças ficam quase totalmente na dependência das famílias, aumentando consideravelmente os encargos económicos e o desgaste psicológico, pelas constantes necessidades de apoio e disponibilidade constituindo um grande sacrifício para toda a família “(…) nós teríamos uma vida completamente dependente daquela criança. Mesmo assim isso poderia não bastar e não ser o suficiente para a criança ter o mínimo de conforto e depois havia uma fase, já muito posterior, pensar-se o que será da criança quando já não tiver os pais” (E5). Os conhecimentos e experiências prévias com crianças com anomalias parecem favorecer a tomada de decisão “Eu conheço desde há muitos anos…, casais já de certa idade, tinham crianças com síndrome de Down, mongolóides, como se dizia na altura. São pessoas infelizes, são… são pessoas que não são livres” (E2). “A minha mulher tem um irmão deficiente e a gente vê as dificuldades. Não…não queríamos uma vida assim” (E12). Os pais com experiências anteriores de interrupção apresentam menos incertezas no momento da decisão “…é sempre difícil, mas a primeira vez custou mais a decidir. Agora é … o que tem de ser. Já estávamos de pé atrás” (E3). “Já tínhamos tido problemas da primeira gravidez, mas foi diferente. Desta vez …sinceramente não queríamos um bebé com problemas, apesar de que o médico disse que se calhar não chegava ao fim” (E12). Para seis dos entrevistados as crianças com deficiência são infelizes e totalmente dependentes e a sua vida é um contínuo sofrimento “São pessoas infelizes, são… são pessoas que não são livres. Seria sempre um peso, além de para nós, seria sempre um peso para essa pessoa. Ela própria seria um peso para si” (E2). Prolongar a gravidez significaria prolongar a dor e o sofrimento dos pais e posteriormente das crianças (se sobrevivessem).

A informação recebida ao longo do processo de diagnóstico e no momento da comunicação da notícia, foi um factor decisivo para a tomada de decisão. Os resultados evidenciam alguns aspectos sobre os quais nos parece importante reflectir. A gravidade de uma malformação nem sempre é possível de ser avaliada na sua real dimensão “Os médicos, obviamente falamos com os médicos e eles disseram o grau de deficiência que existia e provavelmente haveria mais problemas, mas eu para todos os efeitos fiquei… quer dizer soube que era trissomia 21, não sabia de mais problemas, não sabia com que grau é que seria...” (E5). Após a decisão, os pais podem interrogar-se sobre estes aspectos e outros para os quais a medicina ainda não encontrou resposta aumentando os sentimentos de responsabilização pela morte do seu filho. As entrevistas deixam clara que informação transmitida pode influenciar o processo de decisão do casal “Bem com o primeiro ainda ficamos…Mas depois …ele prontos foi uma pessoa mais aberta disse o que tinha de dizer. …Tens de abortar agora porque isto não vale a pena correr riscos, como ele dizia. Ficamos esclarecidos, ficamos mais preparados logo aí. Não pensamos mais em nada” (E8). “Sim, os médicos disseram-nos que era uma situação muito grave que não havia solução para o nosso caso” (E4).

A dúvida e a confrontação com os seus próprios valores éticos e morais são as principais dificuldades do processo decisório, tendo como consequências a culpabilização. “ Não foi fácil. Nos meus ideais sempre pensei de forma diferente. Sempre pensei na gravidez, nestas coisa da interrupção e aborto, sempre pensei da seguinte forma: a partir do momento em que há fecundação há vida e se há vida ninguém tem o direito de lhe pôr termo” (E 9). “Se tomei a decisão certa…não era uma decisão fácil e vou ficar sempre na dúvida: vai ficar sempre aquele bocadinho de dúvida de ter sido injusto de ter tomado uma decisão que se calhar não tinha todo o direito de fazer” (E5). A gravidez havia sido planeada integrando-se no projecto de vida do casal, a sua interrupção significa o adiamento de sonhos e expectativas. Todos estes pais demonstraram um grande investimento na gravidez, e uma forte ligação com o feto “Disseram que o homem se sente realmente pai após ter realizado a primeira ecografia…eu senti-me realmente…não sei…uma alegria imensa e comecei a viver cada minutinho como se a criança já estivesse fora” (E5), designando-o como “seu filho” e em alguns casos pelo nome que já lhe haviam atribuído. A precocidade do diagnóstico é considerada como factor facilitador da decisão. A existência de filhos no casal, parece constituir para os pais um suporte importante, facilitando o seu reinvestimento “Termos um filho ajudou-nos a não pensar de uma forma drástica nas coisas, mas de uma forma mais ponderada e a aceitar melhor a situação” (E9).

 

Apoio

Apoio emocional. Os pais desvalorizaram as suas necessidades de apoio e realçam as da companheira, não negando contudo que também eles necessitam de partilhar com alguém a sua dor e sofrimento. Alguns homens encontraram nos amigos suporte significativo como confidentes e conselheiros. A família de origem, particularmente os pais, é também destacada como elementos de apoio, particularmente pela aceitação da decisão do casal “Senti-me apoiado pela família, aquelas pessoas mais próximas de nós, deram-nos o apoio e sei que se mais fosse preciso mais dariam. (E5) “Sim, apoiados pela família, bastante ... A nossa decisão foi bem aceite, e tivemos apoio dum lado e do outro” (E7).

Cuidados dos Profissionais de Saúde. Os pais apresentam uma percepção positiva dos cuidados recebidos. A forma como é comunicada a notícia, a clareza e a frontalidade são aspectos muito valorizados. Como aspectos negativos sobressaem a falta de disponibilidade para esclarecer dúvidas e falar acerca do feto e as atitudes de exclusão do pai, por parte dos profissionais. A experiência do internamento é centrada na companheira, os homens desvalorizam os seus sentimentos e as suas necessidades de apoio mas reconhecem e realçam necessidade de um maior envolvimento da parte deles durante todo o internamento hospitalar “Senti-me de certa forma excluído. Eu gostava de ter participado mais. Considero que deveria de haver uma abertura maior. Eu penso que na nossa sociedade, quando se trata de situações destas, pensa-se que só a mãe é que sofre. No meu entender e depois da experiência que passei, não é só a mãe que sofre. O pai também sofre” (E9).

A ausência de um acompanhamento dos profissionais de saúde, após a alta hospitalar, é motivo de insatisfação “Acho que a gente ao falar do problema, o profissional sempre diz… façam assim ou desta maneira ou daquela para a gente tentar organizar outra vez a vida. Fazia falta…para agente resolver melhor os problemas” (E 11).

Os pais reconhecem a necessidade de esclarecer dúvidas e receios que persistem como forma de proporcionar a segurança e tranquilidade necessárias para novos investimentos “Teremos de recorrer à … fazer exames, saber de onde vem o problema e tentar corrigir… se houver ou qualquer coisa do género” (E7.)

 

Consequências da Decisão

Implicações na Relação do Casal. Os pais reconhecem dificuldades na comunicação em consequência do evitamento em falar do assunto com a companheira. Apesar disso consideram que a partilha da experiência e o apoio mútuo fortaleceram a relação do casal “Até agora as consequências foram para melhorar a relação. Apoiamo-nos um ao outro e isso foi bom para a nossa relação.” (E2); “ Demos apoio um ao outro e isso uniu-nos mais” (E4). De acordo com os entrevistados nos primeiros dias após a notícia a comunicação entre o casal aumentou. A necessidade de tomarem uma decisão em conjunto e as necessidades de se apoiarem mutuamente nesta experiência difícil poderá justificar uma maior proximidade no momento inicial. “Falamos sobre o assunto, tentei acalma-la, dizer-lhe que não foi nossa culpa, aconteceu, que o mundo não tinha acabado, que tínhamos que continuar em frente, para a animar um bocado e penso que tudo isso ajudasse a nos unirmos mais um bocado” (E9). No entanto com o passar dos dias evita-se falar sobre o assunto para não provocar sofrimento na companheira e ajuda-la a esquecer. “Agora, ás vezes se calhar não falo tanto, porque acho que ela tem maior dificuldade em enfrentar o assunto. (E5) “É uma coisa que nunca vai esquecer, não é, mas falamos o menos possível sobre o assunto. No início conversei com ela, para tentar esquecer, mas acho que ao falar ia lembrar” (E11). Planeamento de Nova Gravidez: O planeamento de nova gravidez, está incluída nos projectos a curto ou médio prazo de 11 dos pais. Ansiosos, com receio de que a situação se repita, realçam a necessidade de realizar exames e informar-se melhor sobre os riscos, mas demonstram optimismo sobre a possibilidade de viverem de novo esta experiência “Medo há sempre. Aconteceu a primeira vez, agora há sempre aquele medo de acontecer a segunda. Mas vamos tentar e esperar que corra tudo pelo melhor” (E4).

Alguns casais já haviam consultado o médico e, realizado alguns exames. As respostas tranquilizadoras suportam o desejo de tentar nova gravidez a curto prazo, o que em alguns casais, parece assumir carácter substitutivo e de alívio do sofrimento que sentem pela sua perda “A vida continua, pensamos ter outro e quanto mais rápido melhor…” (E7) Para outros, investir na gravidez é recuperar a esperança e a capacidade de investir no grande projecto das suas vidas – serem pais.

 

DISCUSSÃO

O ponto de vista do pai na experiência da interrupção da gravidez tem merecido escassa atenção por parte dos investigadores. Os resultados do nosso estudo revelam que a notícia da malformação no pai é acompanhada de emoções intensas (choque, frustração, tristeza) e de um profundo sofrimento, tal como referem os estudos de Withevan Mourik, Connor, e Ferguson-Smith (1992), Geerinck-Vercammen e Kanhai (2004), Kenyon et al.(1988) e Rousseau (2001). Simultaneamente, evidenciam uma preocupação significativa pelos sentimentos e reacções da companheira, procurando protegê-la e evitando-lhe sofrimentos tal como referem Roussseau (2001) e Wheeler (1999),o que os leva a desvalorizar os seus próprios sentimentos já que consideram ser seu dever dar-lhe apoio e consolo. Ao contrário de McCreith (2004), que refere que os homens nesta situação se recusam a expressar os seus sentimentos, no nosso estudo os homens reconhecem os seus sentimentos e partilham-nos se lhes for dada oportunidade, como aconteceu ao longo desta entrevista. Alguns chegam mesmo a referir que os profissionais deveriam estar mais sensíveis às suas necessidades e aos seus sentimentos.

A decisão de interromper a gravidez foi tomada por comum acordo entre o casal. O aconselhamento médico e todas as informações recebidas dos profissionais de saúde foram fundamentais para a compreensão do diagnóstico e prognóstico da situação. Consideram que receberam informações claras e objectivas, que os ajudaram na sua decisão. As entrevistas deixam claro que a opinião médica pode exercer influência no processo de decisão. Num momento de grande vulnerabilidade do casal, o modo como o médico transmite as suas explicações pode ser determinante. O casal pode procurar sustentar a sua decisão na opinião emitida pelos profissionais de saúde, o que em alguns casos contribui para diminuir os sentimentos de culpa pela sua decisão. O facto de o médico considerar a decisão de interromper como a mais adequada é muito valorizada pelos intervenientes no nosso estudo, de onde sobressai o poder que directa ou indirectamente os profissionais podem exercer na tomada de decisão. Ao longo dos seus discursos, a maior parte dos nossos entrevistados, deixou claro que apenas uma alternativa foi verdadeiramente equacionada e que esse facto se deveu em grande parte às informações recebidas. Apesar disso, todos os participantes realçaram que a decisão de interromper foi livre e informada. Segundo os resultados de um estudo de Sagi, Shiloh, e Cohen (2001), sobre interrupção da gravidez por aneuplodias, 56% da sua amostra considerou ter recebido um aconselhamento directivo que influenciou a sua decisão.

As principais razões para a interrupção foram a percepção acerca da gravidade da malformação, as preocupações com o bem estar da criança, a sua qualidade de vida futura e as insuficientes estruturas de apoio familiar e social. Estes resultados são semelhantes aos encontrados por outros autores (Menahem & Grimawade, 2003; Zlotogora, 2002). As experiências e os conhecimentos adquiridos, pela convivência directa ou indirecta com crianças deficientes parecem facilitar a decisão. Para os pais do nosso estudo a opção pela interrupção voluntária da gravidez, pondo fim deliberadamente à vida do feto, pretende evitar o seu sofrimento ou as consequências de uma anomalia grave incompatível com uma vida normal. Para os pais existe a percepção de que a sobrevivência e os cuidados destas crianças ficam quase totalmente na dependência das famílias, aumentando consideravelmente os encargos económicos e o desgaste psicológico pelas constantes necessidades de apoio e disponibilidade constituindo um grande sacrifício para toda a família. Estes resultados são semelhantes aos encontrados por Martinez (2001). A tomada de decisão é complexa e acompanha-se de grandes dilemas. As principais dificuldades no processo decisório estão relacionadas com o facto de as gravidezes serem desejadas e planeadas para a maioria dos casais. Os discursos dos pais evidenciam em diversos momentos a ligação precoce e intensa ao feto em desenvolvimento. O nosso estudo, á semelhança doutros (Brazelton & Cramer, 1993; Camus, 2002; Colman & Colman, 1994) mostrou que os pais estabelecem uma relação precoce com o bebé. O envolvimento do pai com a gravidez fica comprovado pela sua participação na vigilância da gravidez demonstrando as suas preocupações com a saúde da mãe e da criança. O acompanhamento da mulher na realização da ecografia permitiu que também eles pudessem estabelecer um contacto visual com o bebé intensificando os seus sentimentos de paternidade. A decisão de interromper a gravidez acompanha-se por vezes de conflitos de valores morais e mesmo religiosos. Os valores contraditórios que suportam esta decisão aumentam a dúvida quanto ao direito de interromper a vida do filho que já sentiam como seu e desejavam. Os pais consideram-se os responsáveis pela morte do “seu bebé”, mesmo nos casos em que a anomalia era incompatível com a vida.

No nosso estudo parece não existir relação entre a idade gestacional e a intensidade das reacções á perda, verificando-se contudo que o aumento do tempo de gravidez tornou mais difícil a tomada de decisão. A existência de filhos constitui, para os pais do nosso estudo, um apoio importante para ajudar a ultrapassar e a aceitar a perda do bebé pelo que podemos considerá-los “agentes protectores” tal como refere Ramalho (2003).

A experiência dos cuidados hospitalares apresenta algumas particularidades. Na realidade, o pai apenas acompanha ou visita a sua companheira durante o internamento hospitalar pelo que parece justificável que a sua apreciação se focalize no apoio prestado à companheira considerando-o como factor essencial dos cuidados prestados. A maioria dos pais percepciona positivamente os cuidados prestados pelos profissionais de saúde à sua companheira No entanto, e indo de encontro a outros estudos (Khan, Drudy, Harrison, & Geary, 2004), referem também que se sentiram excluídos do processo já que, na maioria dos casos, não tiveram a oportunidade de acompanhar a sua companheira e nem sempre viram reconhecidas as suas necessidades emocionais. Os pais reclamam uma maior abertura dos profissionais no acompanhamento da mulher, maior envolvimento e o reconhecimento dos seus sentimentos. De acordo com Defey (2001) e Rosseau (2001), a forma como é comunicada a malformação, a clareza e a frontalidade na abordagem do problema, a valorização dos sentimentos dos pais, o respeito pelas decisões tomadas podem contribuir de forma decisiva para a integração da experiência e sua reorganização positiva. Neste estudo, ficou claro que subsistiram dúvidas ao longo do processo que nem sempre encontraram receptividade e disponibilidade da parte dos profissionais de saúde para o seu esclarecimento, tal como referem Rosseau (2001), Kenyon (2001) e Khan et al. (2004).

Os resultados revelam também que é generalizada a insatisfação com os cuidados de saúde após a alta hospitalar. Muitas dúvidas e receios persistiram, pelo que, uma consulta programada com um profissional, algumas semanas após o internamento, proporcionaria, na sua opinião, a possibilidade de esclarecer dúvidas relativas ao presente e ás possibilidades futuras, transmitindo a segurança e tranquilidade necessárias para novos investimentos, facilitando a integração da experiência diminuindo as suas sequelas traumáticas. Na realidade, o significado da consulta de follow-up é reconhecido em vários estudos (Mourick, 1992; Statham, 1992).

No que se refere ao suporte emocional recebido ao longo de todo o processo, os pais consideram ter recebido o apoio necessário. O apoio mútuo do casal é considerado essencial para a vivência conjunta da experiência. A maioria dos homens encontrou o seu apoio na família e amigos mais próximos. Para eles é importante o apoio, o carinho e a compreensão da família, sobretudo no que respeita á decisão tomada e à partilha de sentimentos. Os amigos são reconhecidos pela sua capacidade de escuta, compreensão e mesmo aconselhamento. Estudos como os de Mourick (1992) referem que estes pais precisam de sentir que aqueles que os rodeiam estão sensíveis à sua dor e partilham os seus sentimentos de perda. No entanto em algumas situações as pessoas próximas podem não compreender o sofrimento dos pais, perante a perda de alguém que para eles não chegou a existir (Keathing & Seabra, 1994).

Outro aspecto relevante deste estudo relacionou-se com as implicações na relação conjugal. Os estudos existentes não se revelam conclusivos acerca das implicações (positivas ou negativas) na relação do casal. Segundo Canavarro (2000), Mourick (1992) e Thomas (1995) os casais com dificuldades relacionais, elas tendem a aumentar, por dificuldades na comunicação ou desajustamentos na vivência do processo de luto. Contrariamente, os pais deste estudo consideram que a vivência partilhada desta difícil experiência contribuiu para uma maior aproximação do casal que se apoiou mutuamente, partilhando decisões e sentimentos. Estes resultados vão de encontro aos de Geerinck-Vercammen e Kanhai (2004). Segundo Thomas (1995) a comunicação entre o casal acerca dos seus sentimentos e dificuldades pode facilitar a resolução da perda. Neste estudo, os homens referem, com o passar dos dias, algumas dificuldade em falar do assunto com a companheira com receio de aumentarem a sua dor e sofrimento.

Tal como nos estudos de Rosseau (2001) e Statham e Green (1994) uma nova gravidez pode surgir como uma necessidade de substituição da anterior. O seu planeamento pode surgir da necessidade de diminuir a dor e o sofrimento causados pela interrupção na busca do seu bebé perfeito. Tal facto pode traduzir-se em dificuldades na integração da perda sofrida. No nosso estudo também os pais referiram que uma nova gravidez já se encontrava incluída nos seus projectos futuros a curto ou médio prazo, apesar da ansiedade e do receio de que a situação se pudesse repetir. Segundo alguns estudos (Evers-Kiebooms, Denayer, Cassiman, & Van den Berghe, 1988; Mourick, 1992) a introdução do diagnóstico pré-natal veio dar aos casais a oportunidade de concretizarem os seus projectos e investirem com mais segurança em novas gravidezes. Os nossos pais realçam a necessidade de realizar exames e informar-se melhor acerca dos riscos mostrando-se optimista sobre o sucesso da nova experiência.

Os resultados mostram que conhecer os significados atribuídos pelo pai à experiência de interrupção da gravidez é essencial para a definição de estratégias que previnam as consequências traumáticas deste acontecimento. Os comportamentos e atitudes dos profissionais de saúde são determinantes na promoção da saúde mental dos pais que vivem esta experiência. É tarefa dos profissionais de saúde, em particular dos enfermeiros ajudar os pais no processo de elaboração da perda e capacitá-los para investirem em novos projectos e encontrarem novos significados para as suas vidas. Os enfermeiros mantêm um contacto directo com os casais que vivem esta experiência desde o momento de diagnóstico. O seu contributo na promoção da saúde mental destes pais é fundamental. O profissional de enfermagem deve fornecer cuidados personalizados e individualizados, apoio, informação adequada, orientação e esclarecimentos oportunos que facilitem a tomada de decisão. O respeito e a valorização dos comportamentos, atitudes e sentimentos de todos os intervenientes, tendo em conta que cada um viverá a experiencia de modo distinto, evitando tratamentos estereotipados. Ajudar os pais a viver a sua perda, criando ambientes onde possam exprimir os seus sentimentos e emoções, e se sintam apoiados nas suas decisões. Os resultados deste estudo apontam para a necessidade de um maior envolvimento do pai no processo de interrupção, a valorização da sua dor e sentimentos e a oportunidade de se expressarem. Quando identificada sintomatologia traumática deve o profissional de enfermagem providenciar o encaminhamento adequado. Fica clara a necessidade de os profissionais de saúde envolvidos reflectirem sobre a sua prática profissional no sentido de proporcionar aos homens, em particular, algum tipo de apoio que favoreça o luto da experiência.

 

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Recebido em 20 de Abril de 2008/ Aceite em 15 de Dezembro de 2008

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