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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.10 no.1 Lisboa  2009

 

Vinculação pré-natal e ansiedade em mães e pais: impacto da ecografia do 1º trimestre de gestação

Catarina Samorinha1, Bárbara Figueiredo1 & José Matos Cruz2

1Escola de Psicologia, Universidade do Minho

2Unidade de Medicina Fetal e Diagnóstico Pré-natal, Hospital de S. Marcos, Braga

 

RESUMO: Com o objectivo de avaliar o impacto da ecografia do 1º trimestre de gravidez na ansiedade e vinculação pré-natal, 22 mães e 22 pais foram recrutados numa Unidade de Medicina Fetal e Diagnóstico Pré-natal. Foram administrados a Bonding Scale (Taylor, Atkins, Kumar, Adams, & Glover, 2005; versão portuguesa de Figueiredo, Marques, Costa, Pacheco, & Pais, 2005b) e o State Trait Anxiety Inventory (Spielberger, Gorsuch, Lushene, Vagg, & Jacobs, 1983; versão portuguesa de Silva, 2003), antes e depois da ecografia, a ambos os membros do casal. Os resultados revelaram que a vinculação pré-natal aumenta significativamente enquanto a sintomatologia ansiosa diminui, depois da realização da ecografia. Conclui-se que a ecografia pode ter um papel tranquilizador e potenciador da ligação dos pais ao seu bebé por nascer.

Palavras-chave: Ansiedade, Bonding, Ecografia Obstétrica, Mãe, Pai, Vinculação.

 

Prenatal bonding and anxiety in mothers and fathers: the impact of ultrasound in the 1st trimester of pregnancy

ABSTRACT: In order to analyse the first trimester ultrasound impact on anxiety and prenatal bonding, 22 mothers and 22 fathers were recruited from a Fetal Medicine and Prenatal Diagnosis Unit. The mothers and fathers filled out Portuguese versions of the Bonding Scale (Taylor, Atkins, Kumar, Adams, & Glover, 2005; Figueiredo, Marques, Costa, Pacheco, & Pais, 2005) and the State Trait Anxiety Inventory (Spielberger, Gorsuch, Lushene, Vagg, & Jacobs, 1983; Portuguese version by Silva, 2003), before and after the ultrasound attendance. The results show that prenatal bonding improves significantly from before to after the ultrasound attendance, while the anxiety levels diminished. We can conclude that the ultrasound scanning seems to have a positive impact on the mother and father prenatal bonding and reassurance.

Keywords: Anxiety, Attachment, Bonding, Father, Mother, Obstetric Ultrasound.

 

Na transição para a parentalidade, mulher e homem deparam-se com várias tarefas a realizar, que condicionam a sua adaptação, sendo a ligação ao feto uma delas (Rubin, 1984). É logo desde o início da gravidez que se desencadeia a ligação dos pais ao filho em gestação, ou vinculação pré-natal (Figueiredo & Costa, 2009; Figueiredo, Costa, Pacheco, Conde, & Teixeira, 2007a; Ji et al., 2005). Progressivamente, ao longo da gravidez, a mãe elabora uma ideia do bebé e uma ideia de si enquanto mãe (Stern, 1995) e investe afectivamente o seu filho. Segundo Salisbury (2003), a vinculação pré-natal baseia-se na representação cognitiva do feto e manifesta-se em comportamentos de cuidado e ligação ao bebé. Ainda que esta seja uma área de estudo relativamente recente, iniciada nos anos 70, já algumas investigações se debruçaram sobre o desenvolvimento e factores que condicionam a vinculação pré-natal, como apresentamos a seguir.

Sabemos hoje que a ligação materno-fetal existe desde o início da gravidez e se intensifica gradualmente com o desenvolvimento da gestação (Gomez & Leal, 2007; Righetti, Dell ‘Avanzo, Grigio, & Nicolini, 2005; Rustico et al., 2005); as mudanças hormonais, a percepção dos movimentos fetais e, sobretudo, o contacto com o bebé após o parto condicionam esta relação. No entanto, para além de dimensões biológicas, a presença de sintomatologia psicopatológica bem como a qualidade da relação conjugal e o estilo de vinculação da mãe interferem na vinculação pré-natal (Figueiredo, 2003; Figueiredo, 2005; Figueiredo, Costa, Pacheco, & Pais, 2007b; Gomez & Leal, 2007, Lindgren, 2001).

Vários estudos têm incidido no papel dos exames de rotina da gravidez na promoção do bonding pré-natal (e.g., Kleinveld, Timmermans, van den Berg, van Eijk, & Ten Kate, 2007). A atractividade da ecografia parece centrar-se no facto de, ao contrário de outras formas de rastreio, providenciar aos pais uma confirmação visual da gravidez e um contacto com o seu bebé por nascer. Uma vez que ver o bebé é uma componente relevante da representação cognitiva que os pais elaboram do filho/a e esta representação é um factor importante no desenvolvimento da vinculação pré-natal (Salisbury, 2003), é pertinente avaliar o impacto da ecografia neste processo vinculativo.

Nas duas últimas décadas, assistimos a uma utilização crescente da ultrassonografia no campo da Medicina Materno-Fetal. Alguns estudos vieram validar a utilização da ultrassonografia quando realizada em idades gestacionais oportunas e por médicos qualificados (Graça, 2005). Actualmente, os exames de rotina, que todas as mulheres devem realizar durante a gravidez, incluem a realização de três exames ecográficos. A ecografia do 1º trimestre é realizada entre as 11 e as 14 semanas de gestação e permite: a avaliação da vitalidade da gestação, o diagnóstico da gestação múltipla e corionicidade, a avaliação da idade gestacional, o diagnóstico de malformações “major” e avaliação da translucência da nuca (um marcador para avaliação de anomalias cromossómicas).

A nível psicológico, ao permitir o reconhecimento do feto, a ecografia reduz a ansiedade dos pais (Zlotogorsky, Tadmor, Duniec, Rabinowita, & Diamaut, 1995) e estimula o desenvolvimento do bonding pré-natal (Segdmen, 2006). Num estudo de Kohn e colaboradores (1980, cit. in Zlotogorski et al., 1995), os casais relataram mais sentimentos de proximidade e maior conhecimento do bebé, bem como um aumento da responsabilidade enquanto pais, depois de observarem o filho(a). Assim, parece que a visualização do feto através da ecografia pode suscitar emoções capazes de promover a vinculação pré-natal, o que aproxima os pais do bebé e afecta o seu comprometimento e estilo de vida, contribuindo ainda para a adopção de comportamentos de saúde durante a gravidez (Baillie, Hewison, & Mason, 1999).

O impacto da ecografia parece ser maior para mulheres que fazem a sua ecografia do 1º trimestre, o que sugere que esta pode facilitar a activação da vinculação, sem haver necessariamente experiência de movimentos fetais ou notar-se visivelmente a gravidez (Piccinini & Gomes, 2005). Esta tendência verifica-se independentemente do tipo específico de ecografia – de 2 ou 3 D’s (Ji et al., 2005; Rustico et al., 2005; Segdmen, 2006). Embora alguns estudos evidenciem que a vinculação aumenta pela realização de um teste de rastreio e não pela ecografia em si (Öhman, Saltvedt, Grunewald, & Waldenström, 2004), outros mostram que as mães são atraídas pela imagem ecográfica, não apenas porque esta as assegura do bem-estar do bebé, mas também tão-somente porque lhes permite ver o seu bebé (Garcia et al., 2002).

Várias são as investigações que relacionam a ecografia com a diminuição dos níveis de ansiedade da mãe (Garcia et al., 2002). Normalmente, os níveis de ansiedade são mais elevados antes da realização da ecografia, havendo uma redução significativa depois (Baillie et al., 1999). Efeitos similares são encontrados para a ansiedade paterna. Estudos sugerem que a ansiedade antes da ecografia está associada a uma preocupação com a informação que este exame vai fornecer (Müller, Bleker, Bonsel, & Bilardo, 2006), especificamente em relação à saúde do bebé e à existência de possíveis malformações (Eurenius, Axelsson, Gällstedt-Fransson, & Sjödeu, 1997). Por outro lado, sabemos que a gravidez por si só está associada a níveis mais elevados de preocupação e ansiedade (Figueiredo et al., 2007b; Öhman et al., 2004). Os autores têm contudo encontrado níveis mais elevados de sintomatologia psicopatológica nas mulheres comparativamente aos homens, durante a gravidez e pós-parto (Teixeira, Figueiredo, Conde, Pacheco, & Costa, 2009; Figueiredo, Conde, Teixeira, Costa, & Pacheco, in press). Considerando este estado de vulnerabilidade durante a gestação, é razoável assumir que intervenções que procurem detectar malformações fetais possam afectar a ansiedade dos casais (Eurenius et al., 1997).

Numa amostra de 303 mulheres, apenas 2% estavam preocupadas por considerarem que o exame poderia ser nocivo para o bebé. A redução da ansiedade depois da ecografia pôde assim associar-se ao facto de esta ser uma experiência positiva, ao demonstrar o desenvolvimento saudável do bebé. No entanto, no seu artigo de revisão, Baillie e colaboradores (1999) referem que a diminuição dos níveis de ansiedade não pode ser atribuída a um efeito “reassegurador” da ecografia, uma vez que, num grupo comparativo de mulheres que fez outro tipo de exame de rastreio (que não a ecografia), estes diminuíram igualmente. Ainda Garcia e colaboradores (2002) consideram que a redução da ansiedade depois da ecografia, relatada em vários estudos, pode ser explicada pelo facto de os valores estarem anormalmente aumentados, antes da ecografia, e não por um benefício real decorrente do exame em si.

Sabendo que foram encontradas relações entre os estilos de vinculação pré e pós-natal e que o envolvimento emocional dos pais é um elemento decisivo na qualidade da interacção e dos cuidados prestados ao bebé, é fundamental atender ao desenvolvimento desta ligação, como determinante para o desenvolvimento e bem-estar de ambos (Rustico et al., 2005). Assim, é importante perceber se a ecografia, realizada durante a gravidez, tem um efeito potenciador da ligação dos pais ao bebé. O propósito do presente estudo, de carácter diferencial, foi avaliar, longitudinalmente, o impacto da realização da ecografia do 1º trimestre de gravidez, ao nível da vinculação pré-natal e da ansiedade de mães e pais, bem como determinar possíveis diferenças entre mulheres e homens nas dimensões em estudo.

As hipóteses testadas neste estudo são as seguintes:

1) Mães e pais apresentam níveis mais elevados de vinculação pré-natal após a realização da ecografia do 1º trimestre (pós-teste) do que antes (pré-teste);

2) Mães e pais apresentam níveis menos elevados de sintomatologia ansiosa no Pós-teste;

3) Não se verificam diferenças entre mães e pais, ao nível da vinculação pré-natal, no pré e no pós-teste;

4) As mães apresentam níveis mais elevados de sintomatologia ansiosa do que os pais, tanto no pré como no pós-teste.

 

MÉTODO

Participantes

Este estudo foi realizado com uma amostra de 22 casais (N = 44) contactados entre Fevereiro e Maio de 2007, numa Unidade de Medicina Fetal e Diagnóstico Pré-Natal, em Portugal, aquando da realização da ecografia de rotina do 1º trimestre de gestação, sendo por conseguinte uma amostra de conveniência. Os critérios iniciais de exclusão foram: não saber ler nem escrever português e já ter realizado uma ecografia para a actual gravidez.

As mulheres tinham entre 21 e 40 anos, sendo a média das idades de 32.05 anos (DP = 5.01) (cf. Quadro 1). A quase totalidade das utentes nasceu em Portugal (90.9%), é católica (95.5%), não frequentou consultas prévias de psicologia/psiquiatria (77.3%), está empregada e possui a escolaridade obrigatória, sendo a média de anos de estudo de 10.32 (DP = 4.7).

Quadro 1

Caracterização Social e Demográfica: mães e pais

 

Os homens tinham entre 24 e 44 anos, sendo a média das idades de 33.55 (DP = 5.85). Quase todos nasceram em Portugal (81.8%), são católicos (95.5%), estão empregados e têm a escolaridade obrigatória, sendo a escolaridade média de 10.23 anos de estudo (DP = 4.43).

Os casais são maioritariamente casados (72.7%) e os restantes vivem em regime de coabitação (27.3%), com uma média de anos de casamento/vida conjunta de 5.73 (DP = 5.74). Metade dos casais já tem pelo menos um filho, sendo o número médio de filhos por casal na amostra de 0.73 (DP = 0.7). A maioria nunca teve um abortamento espontâneo ou fez interrupção médica da gravidez (77.3%) e nenhum casal recebeu tratamento para a infertilidade.

 

Material

Questionário Sóciodemográfico. Um questionário foi usado na recolha de dados sociais e demográficos importantes para a caracterização da amostra: idade, estado civil, habilitações literárias, história obstétrica, história de problemas psiquiátricos/emocionais e problemas de saúde, etc.

StateTrait Anxiety Inventory (STAI). O STAI (Form Y) (Spielberger et al., 1983; validado para a população portuguesa por Silva, 2003), constituído por duas escalas de vinte itens cada, Traço e Estado, é um instrumento de auto-relato, aplicável a indivíduos de ambos os sexos. As respostas estão formuladas em forma de Lickert de 4 pontos, correspondendo 1 ao grau mínimo e 4 ao grau máximo de ansiedade. O total obtém-se com a soma dos valores encontrados em cada escala e cujo máximo e mínimo são de 80 e 20. O estudo psicométrico do instrumento, a nível da consistência interna, mostrou valores de alfa de 0.91 e 0.93 para a Escala de Estado de Ansiedade, em homens e mulheres, respectivamente, e de 0.89 para a Escala de Traço de Ansiedade. Neste estudo, foi utilizada apenas a Escala de Estado de Ansiedade.

Bonding Scale. A Bonding Scale (Figueiredo et al., 2005b) é a versão portuguesa alargada do MotherBaby Bonding Questionnaire (Taylor et al., 2005) e destina-se a avaliar o envolvimento emocional dos pais com o bebé. É composta por três subescalas, com um total de 11 itens de autorelato, cotados numa escala tipo Lickert de 4 pontos, entre 0 e 3, consoante a emoção a que o item se refere está “nada”, “um pouco”, “bastante” ou “muito” presente (Figueiredo & Costa, 2009). A subescala “Bonding Positivo” é constituída por 3 itens (Afectuoso/a, Protector/a e Alegre) e mede o envolvimento emocional positivo; a subescala “Bonding Negativo”, constituída por 6 itens (Zangado/a, Agressivo/a, Triste, Ressentido/a, Desgostoso/a e Desiludido/a) e avalia o envolvimento emocional negativo; a subescala “Bonding Not Clear” é constituída por 2 itens (Receoso/a e Neutro/a, Sem Sentimentos) e sinaliza a presença de emoções não claramente relacionadas com o envolvimento emocional dos pais com o bebé. Os itens são pontuados no sentido em que, quanto mais presente a emoção em causa, mais elevado é o resultado. O estudo psicométrico do instrumento mostrou índices razoáveis de consistência interna (Alpha de Cronbach = 0.61 para a versão pré-natal, utilizada neste estudo, e 0.75 para a versão pós-parto), assim como o valor obtido pela escala original (Alpha de Cronbach = 0.71) (Taylor et al., 2005) e uma boa fidelidade teste-reteste (Coeficiente de Correlação de Spearman = 0.49; p <0.01) (Figueiredo et al., 2005b; Figueiredo & Costa, 2009).

 

Procedimento

O estudo foi submetido à Comissão de Ética do Hospital e aprovado. No final da sessão de informação acerca do exame ecográfico, feita pela Equipa de Enfermagem, foi proposta a participação na investigação. No período de espera para a realização da ecografia de rotina do 1º trimestre de gestação, com uma duração média de 25 minutos, após consentimento informado, os participantes preencheram os dois questionários de auto-relato (Bonding Scale e STAI-Estado), bem como o questionário sócio-demográfico (pré-teste). As ecografias foram realizadas em ambiente calmo e acolhedor e duraram, em média, 20 minutos. Os casais observaram o bebé no ecrã e receberam feedback visual e verbal durante o exame, tendo oportunidade de colocar questões ao obstetra em relação ao bebé. No final, os casais receberam informação escrita acerca do exame, acompanhada de imagens resultantes da ecografia. Ao longo do estudo, as ecografias foram realizadas por três obstetras, tendo sido as condições de realização do exame controladas. O pósteste foi realizado imediatamente após a realização da ecografia, com o preenchimento dos mesmos questionários – Bonding e STAI (Estado).

Análises estatísticas. Os dados foram tratados estatisticamente através do SPSS, versão 15.0 para Windows. A análise exploratória dos dados revelou estarem cumpridos os pressupostos subjacentes à utilização de testes paramétricos para a variável “ansiedade-estado”, mas não para a variável “vinculação pré-natal”.

Assim, e dado o carácter diferencial do estudo, utilizou-se o Teste-T para amostras emparelhadas no estudo das diferenças na sintomatologia ansiosa das mães e dos pais, do pré para o pós teste (hipótese 1). Para a variável vinculação pré-natal (hipótese 2), sendo uma distribuição não normal, utilizou-se o teste Wilcoxon.

As hipóteses 3 e 4 deste estudo são relativas a diferenças entre mães e pais, na sintomatologia ansiosa e vinculação pré-natal, respectivamente nos momentos pré e pós ecografia. Para este propósito, foram utilizados o Teste-T para amostras independentes, para a ansiedade, e o teste MannWhitney para a vinculação pré-natal, pelas razões atrás referidas.

 

RESULTADOS

Vinculação pré-natal em mães e pais: diferenças entre o pré e o pósteste

Verifica-se um aumento estatisticamente significativo no resultado total da escala Bonding dos participantes no estudo, quando se compara o primeiro momento com o segundo momento de avaliação (Z = -3.168, p < .001), como consta do quadro 2. Analisando os resultados por sexos, observa-se que este aumento é estatisticamente significativo para as mulheres (Z = -2.571, p < .01), e marginalmente significativo para os homens (Z = -1.862, p < .10).

Quadro 2

Vinculação pré-natal em mães e pais: diferenças entre o pré e o pós-teste

Analisando os resultados por subescalas e itens, realça-se, nas mulheres, uma diminuição estatisticamente significativa na subescala de sentimentos neutros (Z= -2.722, p <. 01), as quais se sentem significativamente menos receosas em relação ao bebé depois da ecografia (Z = -3.119, p < .01). Quanto aos homens, há um aumento significativo dos sentimentos positivos, do primeiro para o segundo momento de avaliação (Z = -2.08, p <. 05), os quais se sentem significativamente mais afectuosos em relação ao bebé depois da ecografia (Z = -3.317, p < .001).

 

Sintomatologia ansiosa em mães e pais: diferenças entre o pré e o pós-teste

No quadro 3 pode observar-se que a sintomatologia ansiosa diminui significativamente do primeiro momento (antes da ecografia) para o segundo momento de avaliação (depois da ecografia), quando se analisa a amostra total (t (43) = 4.34, p<.001) e quando se analisa o grupo das mulheres (t (21) = 4.56, p<.001), mas não quando se considera o grupo dos homens: ainda que se verifique um decréscimo na ansiedade-estado depois da ecografia, este não é estatisticamente significativo (t (21) = 1.6, n.s.).

Quadro 3

Sintomatologia ansiosa em mães e pais: diferenças entre o pré e o pós-teste

 

Vinculação pré-natal no pré e no pós-teste: diferenças entre mães e pais

Como proposto na hipótese 3, fazendo uma análise intergrupos, não verificamos diferenças significativas na vinculação pré-natal dos homens e das mulheres, quer no pré-teste (Z = -. 608, n.s.) quer no pós-teste (Z = -. 213, n.s.) (cf. Quadro 4).

Quadro 4

Vinculação pré-natal no pré e no pó-steste: diferenças entre mães e pais

 

Sintomatologia ansiosa no pré e no pós-teste: diferenças entre mães e pais

A hipótese 4 foi apenas parcialmente verificada pois, embora as mulheres apresentassem níveis mais elevados de ansiedade-estado em relação aos homens, no pré-teste (t = 2.33, p <.05), estas diferenças não se revelaram significativas depois da realização da ecografia (t = -1.54, n.s.) (cf. Quadro 5).

Quadro 5

Sintomatologia ansiosa no pré e no pós-teste: diferenças entre mães e pais

 

DISCUSSÃO

Este estudo procurou avaliar o impacto da ecografia do 1º trimestre da gravidez comparando vinculação pré-natal e ansiedade em mães e pais, antes e depois da realização da ecografia. Globalmente, os resultados evidenciam que, depois da realização da ecografia do 1º trimestre de gestação, a vinculação dos pais ao bebé aumenta, enquanto a sua ansiedade-estado diminui.

A primeira hipótese do estudo, isto é o aumento da vinculação pré-natal dos pais depois da realização da ecografia do 1º trimestre, é confirmada tanto em relação às mães como aos pais, o que vai de encontro aos resultados obtidos por mais investigadores (Ji et al., 2005; Kleinveld et al., 2007; Rustico et al., 2005, Segdmen, 2006; Zlotogorsky et al., 1995). Sendo esta a primeira ecografia para a presente gravidez, este aumento pode ser explicado pelo facto de este ser entendido como um momento de conhecimento do bebé (Segdmen, 2006).

Quando analisamos estes resultados por sexo, vemos que, nas mães, se verifica um aumento significativo da vinculação pré-natal entre o momento antes e o momento depois da ecografia, o que pode ser explicado pelo efeito “reassegurador” da ecografia (Garcia et al., 2002), dado que essa diferença se deve sobretudo a uma diminuição das emoções não claramente relacionadas com o bonding, em particular o facto de a mulher se sentir menos “receosa” com o bebé depois da ecografia. Nos pais, observa-se um aumento marginalmente significativo dos sentimentos positivos para com o bebé entre o pré e o pós-teste, sentindo-se estes mais “afectuosos” com o bebé após a ecografia. A ecografia parece, assim, possibilitar o despoletar da ligação ao bebé, uma vez que os sentimentos positivos aumentam, para a qual muito contribuem as imagens proporcionadas pela ecografia que parecem contribuir para uma primeira a representação cognitiva do bebé (Salisbury, 2003), facilitadora do envolvimento positivo com o mesmo.

Estes resultados permitem concluir o impacto positivo da ecografia em si na vinculação pré-natal das mães e pais. Além de os pais receberem feedback acerca da saúde do bebé, as imagens do bebé facilitam também os sentimentos de proximidade e ligação ao filho/a (Baillie et al., 1999). Para os homens, este exame tem um impacto importante, talvez pelo facto de que a ecografia seja a forma que mais lhes permite sentirem-se perto do bebé, pois têm oportunidade de o ver, o que contrapõe a impossibilidade de uma aproximação física, mais facilitada para a mãe.

A segunda hipótese do estudo, isto é a diminuição da sintomatologia ansiosa dos participantes entre o antes e o depois da realização da ecografia do 1º trimestre, é parcialmente confirmada, visto que apenas foi verificada no que se refere às mães e à amostra total. Estes resultados vão de encontro aos que foram obtidos por outros investigadores em amostras de mulheres, que descrevem uma diminuição da ansiedade depois da ecografia (Baillie et al., 1999; Garcia et al., 2002). Esta redução pode estar associada à informação obtida acerca da saúde do bebé na ecografia – uma vez que todos os casais da amostra receberam um feedback positivo, e/ou à ecografia em si, e apenas ao facto de terem visto o bebé. A diminuição da ansiedade entre o momento antes e o momento posterior à ecografia é estatisticamente significativa apenas para as mães. Isto pode explicar-se pelo elevado nível de ansiedade sentido antes do exame – pela informação que este vai provir (Garcia et al., 2002), pela natural ligação física da mãe, que pode exacerbar este sentimento (Öhman et al., 2004) e parece associar-se ao efeito positivo da ecografia, que pode ser para as mulheres mais no aspecto reassegurador.

O facto de não se verificarem diferenças entre mães e pais na vinculação pré-natal, quer antes quer depois da ecografia, confirma a terceira hipótese do estudo, ou seja, permite concluir que não há diferenças entre os pais relativamente ao nível do envolvimento emocional com o feto. Por exemplo, num estudo anterior ainda que depois do parto, verificamos não existirem diferenças substanciais entre mães e pais na vinculação ao recém-nascido (Figueiredo, Costa, Marques, Pacheco, & Pais, 2005a; Figueiredo, Costa, Pacheco, & Pais, 2007a).

No que se refere à hipótese 4 do estudo, de que as mães apresentam níveis mais elevados de sintomatologia ansiosa do que os pais, antes e depois da realização da ecografia do 1º trimestre, os resultados espelham os dados recolhidos em estudos epidemiológicos que mostram níveis mais elevados de ansiedade em mulheres, comparativamente aos homens na transição para a parentalidade (Figueiredo et al. in press; Teixeira et al., 2000).

Estes resultados devem, no entanto, ser interpretados à luz das limitações do estudo. Em primeiro lugar, o facto de a amostra ser pequena e pouco heterogénea condiciona a possibilidade de generalização dos resultados, bem com levanta a necessidade de estudos com amostras maiores. Em segundo lugar, seria importante ter uma medida da ansiedade anterior ao momento imediatamente antes da ecografia, para assegurar uma medida préteste mais consistente e termos maior certeza de que o efeito observado se deve efectivamente à diminuição da ansiedade pós ecografia e não ao seu aumento perante a ecografia.

Não podemos negar a importância e poder da visão na cultura ocidental: ver tornou-se um dos mais importantes sentidos e o desenvolvimento da tecnologia, com a ecografia, permite que o bebé seja visto como uma pessoa (Riddle, 2005; Rustico et al., 2005). Os resultados obtidos neste estudo vêm salientar a importância da técnica da ecografia não só como um imprescindível instrumento de diagnóstico na avaliação e tratamento da mulher grávida, mas também como promotora da vinculação pré-natal. Tendo este aspecto em conta e sabendo que a qualidade da vinculação, durante a gravidez, está associada à qualidade da interacção mãe-bebé e aos cuidados prestados posteriormente (Wiberg, Humble, & de Château, 1989), a expressão de Chudleig, “fazer ecografia para prazer dos pais” (Ji et al., 2005), ganha mais sentido.

Particularmente interessantes são as observações que apontam que a experiência da ecografia pode ter um impacto diferente em mães e pais, em diferentes dimensões que contribuem para a vinculação pré-natal, uma constatação a explorar melhor no futuro.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 10 de Abril de 2008/ Aceite em 8 de Dezembro de 2008

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