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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.42 Lisboa dez. 2019

https://doi.org/10.34619/2mmp-pg53 

(AUTO-)RETRATO

Margarida Sá Costa


 

 

 

A minha maior curiosidade é conhecer o desconhecido: desde o mar até ao espaço

Se há desafio grande, é fazer um autorretrato, seja qual for a forma de que se revista. É um momento solitário de introspeção no qual sentimos com mais força a nossa unicidade e no qual não conseguimos fugir à transparência da sinceridade, seja deliberada ou não. Além disso, naturalmente, parar para pensar sobre nós, meditar, transforma-nos. Espero que apreciem o meu testemunho sobre a consciência de mim própria.

Filha de transmontano e de portuense, nasci em Braga há 56 anos. Sinto-me uma verdadeira “mulher do Norte” porque acredito que é a nossa cultura dominante que mostra mais quem somos, complementando a herança biológica e nunca descurando o meio ambiente que nos rodeia.

Viver em Lisboa há 50 anos moldou-me nesta luz brilhante que aqui se vive, nas amizades e no sentimento de pertença, mais do que ao Norte, afinal a todo o Portugal, e se calhar, acima de tudo, ao Universo, enquanto pó de estrela!

Estudei sempre por cá, em colégios privados e liceus públicos, em universidades privadas e públicas, convivendo com todos e fazendo múltiplas amizades e afetos, para mim todas preciosas. O diferente atrai-me, e o idêntico tranquiliza-me. É no equilíbrio de ambos que me encontro e que cresço com solidez e consistência.

Desde cedo senti um imperativo de Justiça; nos meus sonhos de criança inventava que, se existia um Zorro, então, eu era a Zorra, mulher corajosa, aventureira, sempre com um forte sentido de missão por um mundo melhor para todos, mais justo e mais equitativo em matéria de liberdades, direitos e deveres individuais e coletivos.

Foi “o amar ao próximo como a ti mesmo” que aprendi com o meu pai que me ajudou, e ajuda, a ser feliz comigo e a contribuir, naquilo que está ao meu alcance, para a felicidade alheia, em especial dos que me são chegados ao coração mas sempre pensando globalmente, em tudo e em todos, sentindo o planeta Terra pequeno!

Com um interesse inesgotável pelas ciências exatas, o querer entender tudo, em especial o firmamento, as estrelas e o que está para além do visível, foi difícil, até penoso, escolher o caminho, com tantas coisas de que gostava tanto, mas acabei por optar com convicção e espírito de missão pelo lado das Ciências Sociais, do Direito, pelo amor e vontade de contribuir para a transformação, com o maior impacto possível, deste nosso mundo num mundo melhor.

Comecei a trabalhar no escritório de advocacia do meu pai, mas cedo percebi que seria fundamental construir alguma coisa longe da minha zona de conforto para me sentir mais livre e mais autónoma, vontade que vivia em mim desde sempre. Foi, pois, uma necessidade de liberdade e de descoberta da minha individualidade que me motivou a procurar desafios, apesar de ter tudo o que parecia precisar ao meu alcance, bastando trabalhar e apresentar resultados. Quis o destino que perto do escritório existisse uma empresa, os então TLP - Telefones de Lisboa e Porto, que estavam a recrutar estagiários para a área jurídica. Concorri e iniciei um estágio de seis meses, depois mais seis, e desde então já passaram 31 anos.

Se ao longo da vida fui abdicando do lado mais artístico de desenhar ou de ser bailarina, no caminho de uma mãe artista, por sentir serem atividades mais individualistas e eu precisar de interação, também não segui o de ser advogada de causas, pois impacientou-me o ritmo moroso e a burocracia dos papéis, os tempos de espera e, principalmente, ter de depender destas variáveis para construir. Não fossem o meu ritmo acelerado, irrequieto e a procura permanente de algo novo, teria provavelmente seguido como advogada ou até como juíza, em abono do meu amor à Justiça. Mais tarde, entendi que, seguindo ou não seguindo por esses caminhos de vida, os ideais que lhes subjazem mantêm-se em mim, quase inalterados, e são utilizados em toda a minha vivência, pessoal e profissional.

Com a casual entrada no sector das telecomunicações, acabei por encontrar uma resposta equilibrada à minha necessidade de desafio e curiosidade insaciável pelo desconhecido, a par da preocupação com a humanidade. Se no início achei que não ficaria mais do que três anos, acabei conquistada tanto pela componente tecnológica, em constante mudança, como pelas múltiplas alterações em todas as dimensões de conhecimento, estímulo para a criatividade e o desenvolvimento, como ainda, especialmente, pelo profundo e crescente impacto nas comunidades, nas pessoas. Atualmente na Altice Portugal, continuo motivada pelo poder transformador das novas tecnologias e da inovação e pela sua transversalidade social. Pensar no ser humano integrado nesta sociedade tecnológica, pensar nas suas necessidades e na forma de apoiar a sua adaptação ao desenvolvimento, potenciado pela revolução digital que vivemos, é um privilégio.

Ao iniciar a minha vida no sector, e ainda sem saber por onde me levaria, comecei por desempenhar cargos como advogada e consultora jurídica, nas áreas de regulamentação, comercial, financeira e de projetos internacionais, nas quais aprendi muito sobre como enquadrar a empresa nas necessidades de evolução técnico-científica que o sector obriga.

Em 2000, após ter estado a trabalhar no projeto do Brasil que levou à aquisição da maior empresa de serviço móvel da América Latina, e de ter assessorado o presidente no projeto de alianças estratégicas, assumi o cargo de chefe de gabinete desse presidente visionário, Francisco Murteira Nabo, e, cumulativamente, o de administradora executiva da empresa gestora das participações internacionais da empresa, sob a direção do diplomata Miguel Horta e Costa. São dois dos grandes homens com quem aprendi muitíssimo, mas houve mais, que lembrarei sempre, pelo apoio e pela amizade, que nunca se perdeu.

É importante dizer que na minha vida profissional foram os homens que me deram as maiores oportunidades e acreditaram em mim, sendo igualmente certo, e muitas das vezes não menos importante, que aprendi muito com muitas grandes mulheres. Na altura, e ainda agora, havia menos mulheres em posições suficientemente fortes para conseguirem o mesmo. A todos os que me apoiaram, aos que me desafiaram e aos que generosamente me ensinaram, incluindo todos os meus professores, serei sempre muito grata e espero estar ao nível do que pensaram sobre mim.

O início do século XXI foi um período de grande crescimento empresarial, no qual tive a possibilidade de acompanhar, através de projetos de alianças internacionais, a privatização da empresa e sua internacionalização, tendo, por essa razão, tido a alegria de conhecer e estabelecer laços com todos os países de língua oficial portuguesa. É com estes laços, que mantenho até hoje, que espero ainda contribuir para fazer crescer essa maravilhosa comunidade. A este respeito, integro a FME CE CPLP - Federação das Mulheres Empresárias e Empreendedoras da Confederação Empresarial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa -, apoiando mulheres destas latitudes e desenvolvendo com elas ações e eventos de empoderamento e de networking.

Mais tarde, quando o mundo dos conteúdos online começava a crescer, estive na liderança do projeto de venture capital que visava investir em empresas (startups) cujo objetivo fosse desenvolver soluções, produtos ou serviços ligados ao sector das telecomunicações e multimédia.

Posteriormente, fui administradora executiva da gestora de fundos de pensões da empresa e depois da empresa gestora do seu vasto imobiliário. De 2009 a 2019 fui Secretária-geral da Fundação Portuguesa das Comunicações, cuja missão é mostrar a importância do sector das comunicações para o desenvolvimento social e económico, numa perspetiva de passado, presente e futuro. Aqui tive a alegria de conseguir estar ligada ao mundo da cultura e de explorar um pouco o meu lado mais artístico, a que este sector também não é alheio, apoiando ao longo dos tempos o seu desenvolvimento, por múltiplas facetas e formas.

Recentemente, aceitei mais um novo desafio, o de responsável pelo Gabinete de Direitos Humanos, Sustentabilidade e Inclusão da empresa, um cargo que me preenche totalmente e incentiva a trabalhar com muita alegria, pela temática e também por mais uma vez sentir que estou na empresa certa, que procura incessantemente ser melhor, em todas as suas dimensões, pelas pessoas e com as pessoas.

Todas as etapas percorridas foram geradoras de riqueza, de sentido abrangente e de criação de uma visão global, num sector que potencia a revolução digital em curso, transversal a tudo e a todos. Este conhecimento e esta reflexão geram uma consciência de responsabilidade por cada um dos atos e decisões tomadas e pelo “efeito-borboleta” que comportam.

A título voluntário, tenho vindo a desenvolver algumas atividades de âmbito social, como o Refood e o Banco Alimentar, e apoiado a presença de mais mulheres no panorama empresarial (sou Presidente do LIDE Mulher de Portugal, projeto que inclui mulheres e homens, pois juntos vamos mais longe). Contribuo também com alguns textos para projetos online como o “Gerir e Liderar” e o “Link to Leaders” e ainda colaboro no desenvolvimento do programa de rádio “Mulheres.com” e no seu projeto editorial. Sempre que possível, participo ativamente em conferências e estou sempre pronta a ajudar naquilo que me for possível.

Sou também fundadora do Instituto Jurídico de Corporate Governance (IPCG) e ainda membro e secretária da mesa da assembleia-geral do Fórum de Administradores e Gestores de Empresa, projetos empresariais de cariz associativo que visam a criação e desenvolvimento de um ecossistema de empresas mais informado que, em conjunto, partilha e explora as melhores práticas a seguir.

Como líder colaborativa, assertiva e corajosa, entendo que é com responsabilidade e liberdade que o ser humano conquista a sua felicidade e melhor desenvolve o seu potencial. Acredito na minha energia e facilidade de comunicar com diferentes públicos e ambientes, para motivar outros a contribuírem para objetivos comuns.

O mundo das novas tecnologias e da ciência e o seu impacto na sociedade e na coesão económica e social ocupam um enorme espaço nas minhas preocupações. Grande defensora da cultura e das manifestações artísticas como pilar de uma sociedade sustentável, tenho apoiado vários projetos artísticos, de natureza diversa. Espero ainda conseguir realizar o sonho de fazer cinema - ser atriz sempre me fascinou - para sentir e experimentar viver outras pessoas, outras formas de estar.

A minha maior curiosidade é conhecer o desconhecido: desde o mar até ao espaço. Sou apaixonada pela astrofísica e adoraria ser astronauta; sou navegadora marítima, com Carta de Patrão de Costa e de Operadora Radiotelefonista, tendo como objetivo dar a volta ao planeta Terra por mar e o sonho de o ver da Lua.

A minha maior preocupação é contribuir, tanto quanto me for possível, para a construção de um futuro melhor para todos - pensar hoje no amanhã, pela paz e sustentabilidade do planeta e de todos os seres vivos, animais e plantas, sem esquecer as lições do passado.

Licenciada em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Lisboa, tenho pós-graduação em Estudos Europeus, pelo Centro de Estudos Europeus da mesma Universidade, e em Direito da Comunicação, pelo Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Complementei o meu percurso académico com uma formação em Gestão através do Programa de Direção de Empresas da AESE - Associação de Estudos Superiores de Empresa - e mantenho uma forte participação em cursos de especialização de diversas áreas jurídico-económicas, conforme as necessidades de atualização e adequação de funções.