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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

Print version ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.Extra Lisboa Oct. 2019

 

ESTUDOS

Género na Arte: Dos museus à academia de belas-artes Estudos de caso de investigação artística

Gender in Art: From the museums to the fine arts academy: case studies of artistic research

Aida Rechena*, Teresa Veiga Furtado**

* Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento, 1749-024, Lisboa, Portugal, Universidade de Évora, Centro de História de Arte e Investigação Artística, 7000-809, Évora, Portugal, aida.rechena@gmail.com

** Centro de História de Arte e Investigação Artística, 7000-809, Évora, Portugal, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, 1069-061, Lisboa, Portugal, tvf@uevora.pt


 

RESUMO

Este artigo pretende salientar a importância para a mudança social dos estereótipos de género, da produção de investigação e prática artísticas na área da arte e género, realizada de um modo trans e interdisciplinar que cruza várias áreas do conhecimento com as artes visuais, a sociomuseologia e os estudos de género nos museus e nas academia de belas-artes. Esta investigação-ação tem como público-alvo os estudantes e as comunidades envolventes, visando a transformação das mentalidades das pessoas através da arte, de acordo com objetivos fixados nas Agendas da Organização das Nações Unidas relativamente à igualdade de género e capacitação de todas as mulheres e meninas e aos direitos LGBTI +.

Palavras-chave: arte; estudos de género; investigação artística: museologia; academia de belas-artes; mudança social.


 

ABSTRACT

This article aims to highlight the importance for the social change of gender stereotypes, the production of artistic research and practice in art and gender, carried out in a trans and interdisciplinary way that crosses several areas of knowledge with the visual arts, sociomuseology and gender studies in museums and the fine arts academy. This action-research has as a target audience students and surrounding communities, aiming at the transformation of people’s mentalities through art, in accordance with objectives set out in United Nations Agendas on Gender Equality and Empowerment of All Women and Girls and LGBTI+ rights.

Keywords:art; gender studies; artistic research: museology; academy of fine arts; social change.


 

INTRODUÇÃO

Tendo a intenção de investigar sobre a relação entre género e arte a partir de formas e expressões artísticas que fossem uma reflexão sobre a identidade, a diferença e a pertença social, concebemos o projeto expositivo “Género na Arte: Corpo, identidade, sexualidade, resistência”([1]), a partir do conceito de exposição como “um espaço social de saber”([2]). Optamos por uma metodologia de curadoria participativa, fundamentada na Museologia Social, vertente da museologia que coloca as pessoas no centro de atenção dos museus, trazendo para o espaço museal as questões prementes da sociedade contemporânea.

Numa época em que assistimos a alterações rápidas e profundas do tecido social, a migrações massivas, ao contacto, por vezes pacífico, e outras vezes nem tanto, de culturas e formas de ser, é pertinente questionar como são refletidas na Arte e na produção artística estas novas realidades. Como sentem os e as artistas as questões relacionadas com as identidades, as representações sociais de género, os atos performativos associados ao corpo e à identidade de género? Como abordam a autorrepresentação e a representação do Outro? Como levar estas questões para a Academia?

Consideramos, neste projeto, que o género é um fator de organização social e de construção sociocultural das diversas e possíveis formas de ser pessoa, que por sua vez, toma múltiplas expressões e não se reduz a carateres meramente sexuais. As suas diversas manifestações, entre as quais a identidade de género, a expressão de género, a orientação sexual, os papéis de género, as características da personalidade, bem como competências e interesses pessoais, são permanentemente construídas ao longo da vida. Nesse sentido, o género é performativo e cada pessoa fá-lo constantemente através da aprendizagem e incorporação, mas também da recusa e rejeição de um conjunto de normas, valores e atributos morais que são permanentemente avaliados, negociados e relembrados socialmente tanto por agentes singulares como por instituições. As desigualdades de género referem-se às diferenças de estatuto, poder e prestígio entre mulheres e homens em vários contextos, não se conhecendo sociedade em que os homens não tenham, em certos aspetos da vida social, mais riqueza, maior estatuto e influência do que as mulheres.

Sendo a Academia o espaço privilegiado para a realização de investigação, têm-se vindo a desenvolver, desde há cerca de dez anos, vários projetos artísticos no âmbito das questões de género.([3]) Pretende-se, igualmente, criar novas competências de relação e de sociabilidade nos estudantes no respeitante à igualdade de género de modo a capacitá-los para a construção de uma sociedade mais justa e de modo a formar cidadãos livres e autónomos, atores dos seus próprios destinos, conscientes dos seus direitos mas também das suas responsabilidades na criação de sociedades democráticas.

Com estas ações, desenvolvidas em museus e na academia de belas-artes, pretendemos contribuir para promover a criação artística e cultural das e dos estudantes e comunidades envolventes, em torno da questão da temática do género, bem como contribuir para a sua consciencialização, responsabilização e envolvimento ativos na construção da vida em sociedade.

MUSEUS E GÉNERO: O QUADRO TEÓRICO

Apresentar no Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado uma exposição com a temática “Género na Arte: Corpo, sexualidade, identidade, resistência” requer a clarificação daquela que se considera ser a missão genérica dos museus e a sua relação com as questões de género.

Seguindo as propostas museológicas de autores como Mário Chagas (1994) ou Hilde Hein (2010) e a análise crítica de Robert R. Janes (2009) sobre os museus como instituições sociais, concebemos a exposição como um “espaço social de saber”, como um projeto de impacto social que deseja ultrapassar a mera apresentação ao público de obras de arte contemporânea. Pelo contrário, a exposição foi-se construindo com a participação dos artistas, que selecionaram eles/elas próprios/as as obras a incluir, no decurso das reuniões de trabalho e discussão do projecto.

Trabalhar desta forma exige um quadro teórico assente em vários pressupostos. O primeiro, que os museus não são lugares neutros, mas devem estar envolvidos com a sociedade e afirmarem-se como espaço de criação de conhecimento partilhado. Afirmar que os museus não são lugares neutros significa que assumem posicionamentos, defendem opiniões, criticam linhas de atuação, rompem com o afastamento social e a neutralidade tradicionais de algumas instituições museais. Tudo tem espaço no museu e o único limite à atuação destas instituições é a linha que salvaguarda os direitos humanos.

O segundo pressuposto é que os museus podem utilizar as coleções e os bens culturais ao serviço de ideias e não ficarem sujeitos e limitados aos conteúdos possibilitados pelos objetos das coleções, seguindo propostas como a apresentada por Mário Moutinho (2007, 1994) na sua definição de sociomuseologia. Um museu de ideias é aquele que utiliza as coleções ao serviço de uma reflexão sobre questões de interesse para a sociedade contemporânea, conduzindo a um afastamento da análise tradicional dos objetos ou bens artísticos, abandonando a perspetiva da história de arte e a tradicional categorização das coleções, para trabalhar de forma multidisciplinar e transdisciplinar (Hein, 2010; Pollock, 2007). Na prática, implica uma releitura das coleções por forma a visibilizar identidades de género como as das mulheres, lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, intersexuais, queer e outras.

 

 

 

O terceiro pressuposto é que o museu é um espaço social para refletirmos sobre a contemporaneidade e procurar o conhecimento sobre o ser humano para responder às necessidades da sociedade atual. Um museu considerado como espaço social é um lugar aberto à participação, inclusive nas opções estratégicas e na gestão e pressupõe abdicar parcialmente do poder de decisão e desenvolver estratégias participativas, colaborativas e de co-autoria (Simon, 2012). Um espaço social é um espaço vivo, evolutivo, orgânico, no sentido em que está em constante mutação, tal como a própria sociedade e o museu que se assume como espaço social garante seguramente a sua relevância junto dos/as cidadãos/ãs.

Partindo destes tês pressupostos, trazer a abordagem de género para o museu tem implicações profundas, quer na prática quer na teoria museológicas. Senão vejamos: uma obra de arte quando exposta num museu ganha significados distintos daqueles que tem quando é apresentada noutros espaços (galerias de arte ou feiras de arte, por exemplo). A alteração mais significativa prende-se com a capacidade de representação que a obra adquire em espaço museal, passando de objeto com um valor artístico per se, a bem cultural com valor simbólico de âmbito cultural alargado.

O valor acrescentado de representação atribui poder à obra artística musealizada, o poder de conduzir tendências, de ser uma referência na produção artística, de provocar outras produções, de produzir interrogações. Este “processo de patrimonialização” (Primo, 2008) transforma o objeto artístico num bem cultural de responsabilidade coletiva, juntando-se ao conjunto patrimonial que constitui a herança social comum, a identidade e a memória coletivas. Os museus são assim canais para disseminar a comunicação coletiva, tendo por missão informar e educar, são agentes para a mudança social, instrumentos para a ação positiva, um local para recolher conhecimento e recursos, para tornar visível aquilo que continua invisível.

Apresentar no museu uma exposição com obras de arte que assumidamente abordam a sua relação com as identidades de género, expressões de género, papéis de género, estereótipos de género é trazer a diversidade (social, cultural, identitária, de género) para um espaço social habitualmente normalizado, é trazer para o museu a afirmação dos direitos humanos, da dignidade, das múltiplas formas socioculturais de ser pessoa e os múltiplos sentidos e significados do património.

Dado o estado atual da investigação ainda pode ser prematuro falarmos em “museologia de género” por ser uma área do conhecimento algo marginal, dado que a própria museologia se debate ainda com a sua constituição como ciência autónoma. A museologia de género ou museologia genderizada será aquela que introduz a dimensão de género no ternário matricial (Chagas, 1994) que delimita o campo de estudo museológico, provocando uma ressignificação e uma abordagem críticas destes elementos bem como das funções museológicas. Porém, ao introduzirmos o género no campo da museologia, ampliamos e problematizamos as categorias com as quais este interseta, criando processos interligados de transformação. Esta transformação é mais do que metodológica ou teórica: por estarmos a falar em museologia, a transformação é social e identitária (Rechena, 2011). Assim, uma obra de arte exposta num museu sob a lente do género, traz para o espaço museal a possibilidade de apresentação da diversidade social e identitária que as teorias de género defendem.

INVESTIGAÇÃO ARTÍSTICA “ARTE E GÉNERO” NO DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS E DESIGN E NO CENTRO DE HISTÓRIA DE ARTE E INVESTIGAÇÃO ARTÍSTICA DA UNIVERSIDADE DE ÉVORA

“Naquela altura, ir à escola era pura alegria. Eu adorava ser aluna. Adorava aprender. A escola era o lugar do êxtase - do prazer e do perigo. Ser transformada por novas ideias era puro prazer. Mas aprender ideias que contrariavam os valores e crenças aprendidos em casa era correr um risco, entrar na zona de perigo. A minha casa era o lugar onde eu era obrigada a conformar-me à imagem de outra pessoa acerca de quem e o que eu deveria ser. A escola era o lugar onde eu podia esquecer essa imagem de mim mesma e reinventar-me através de ideias.” hooks (1994, p. 3)([4])

No seu livro Teaching to transgress: Education as the practice of freedom, bell hooks refere a importância que tinha para ela a escola como lugar de aprendizagem do modo de pensar de forma analítica e avaliativa, salientando que as suas práticas pedagógicas resultaram da combinação de pedagogias anticolonialistas, feministas e críticas que questionam sistemas de dominação, como o racismo e o sexismo (hooks, 1994, pp. 9-10). Para a autora, deve ser um dos principais objetivos dos professores nas salas de aula ensinar os estudantes a alcançarem o dom da liberdade por meio da reflexão e rejeição de quaisquer fronteiras raciais, sexuais e de classe, tendo em atenção um ensino que incentive e sublinhe a importância da igualdade de tratamento e recuse a exploração entre as pessoas, sejam elas quais forem.

É precisamente por acreditarmos que é possível promover a igualdade de género e a capacitação de todas as mulheres e meninas, bem como a discussão dos direitos LGBTI+ no âmbito de práticas artísticas críticas e inclusivas nas academias de belas-artes, que temos vindo a desenvolver pontual regular e persistentemente, desde há uma década, um conjunto de ações nas salas de aula, integradas nos programas curriculares, que iremos descrever seguidamente.

De acordo com Rosa Monteiro (2018), a recente Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, implementada pela secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade, apoia projetos que lutam contra os estereótipos de género na educação, em todos os níveis de ensino desde o pré-escolar ao superior. Esta diretiva vai ao encontro do que foi acordado na cimeira da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, em Setembro de 2015. Teresa Fragoso (2015, p. 9) refere que entre os dezassete objetivos fixados da Agenda 2030 da ONU, o quinto diz respeito a alcançar a igualdade de género e empoderar todas as mulheres e meninas. A Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay, no preâmbulo do guia “Nascidos livres e iguais: Orientação sexual e identidade de género no regime internacional de Direitos Humanos”, no respeitante às obrigações dos Estados para proteção de direitos LGBTI, refere que:

“Em 2011, o Conselho de Direitos Humanos aprovou uma resolução expressando “grave preocupação” com a violência e a discriminação contra indivíduos em razão de sua orientação sexual e identidade de género. A necessidade de medidas para acabar com essas violações é cada vez mais evidente, se já não for universalmente aceita. Acabar com a violência e a discriminação contra indivíduos em razão de sua orientação sexual e identidade de género é um grande desafio dos direitos humanos.” (2012, p. 7).

Convém notar que, no tempo presente, os meios audiovisuais em geral e as plataformas digitais em particular - a internet, as redes sociais, os aplicativos de telemóveis, entre outros - influenciam profundamente o modo como as pessoas vivem e pensam o mundo e se concebem a si mesmas e às outras. A imagem fixa e a imagem em movimento, são cada vez mais veículos de ideias, valores e ideologias, em detrimento da linguagem textual, nas sociedades atuais.

Tendo este facto em consideração, defendemos que nas instituições de ensino superior de belas-artes é essencial ter lugar entre os jovens estudantes do ensino superior de belas-artes e design, que irão desempenhar um papel fundamental na criação dos meios audiovisuais e das plataformas digitais do futuro, o impulso para a consciencialização da necessidade de criação de uma arte que desencadeie novas ideias, suscite o pensamento crítico, promova novas abordagens e ações, incitando sempre à autoconsciência e à auto-reflexão.

Os estudantes de belas-artes, futuros profissionais da imagem, devem ser alertados para as questões de discriminação em função do género, «raça», etnicidade, de entre várias outras causas sociais, na medida em que - com ou sem consciência directa desse facto-, também utilizarão a sua arte para veicular valores de igualdade ligados aos direitos humanos universais.

 

 

 

Pelo motivo acima apresentado, no âmbito dos Cursos do Departamento de Artes Visuais e Design da Escola de Artes (DAVD/EA/UÉ) e no do Centro de História de Artes e Investigação Artística da Universidade de Évora (CHAIA/ UÉ), tem-se vindo a desenvolver conferências, debates, exposições e projetos artísticos no âmbito das questões de género, como videoarte de mulheres artistas e questões queer, violência doméstica e no namoro, estereótipos de género, entre outras.([5]) Entre estes salientamos o concurso para estudantes de belas-artes no âmbito da exposição Género na Arte: Corpo, sexualidade, identidade, resistência, já referida anteriormente. O regulamento do concurso - “Concurso de Artes para estudantes de Belas-Artes e Multimédia” - encontra-se publicado na página em linha do projeto([6]).

Com estes projetos, procurou-se desenvolver valores, atitudes e princípios, novos processos de pensamento e de raciocínio sobre a identidade de género e sexualidade, opostos à violência, que promovam relações saudáveis e não violentas. Por último salientamos que o comportamento das alunas e dos alunos ao longo das sessões acima referidas foi-se evidenciando, tornando-se cada vez mais definido e claro, refletindo a assimilação e compreensão do conteúdo das mesmas por parte das e dos discentes. Acreditamos que a escola propicia vivências que as e os orientam para o presente e para o futuro, sendo um lugar onde se aprendem conteúdos fundamentais, mas também é um espaço de relações humanas, de construção de modelos, de reflexão e de experiência.

 

 

A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO E INVESTIGAÇÃO ARTÍSTICA EM TORNO DO “GÉNERO E ARTE”: CONTRIBUTOS DAS INVESTIGADORAS

A investigação artística que realizámos nos projetos mencionados, socorreu-se das áreas disciplinares dos estudos de género, estudos feministas, sociologia da arte, museologia, antropologia visual, história da arte, humanidades, estudos culturais, entre outras. Defendemos que a inter e a transdisciplinaridade são fundamentais para a produção e investigação artísticas na área das artes visuais e que a investigação artística não deve estar desligada das preocupações sociais e das comunidades envolventes, na construção de uma sociedade mais justa igualitária e respeitadora das diferenças.

É disso exemplo a tese de doutoramento «Sociomuseologia e género: Imagens da mulher em exposições de museus portugueses” (Prémio APOM 2012 pela Associação Portuguesa de Museologia), da autoria de Aida Rechena, que se propôs validar duas hipóteses interligadas. Em primeiro lugar, verificar se as imagens das mulheres transmitidas pelos bens patrimoniais e expostas em museus podem ser utilizadas pelas/os profissionais da museologia para contribuir para a eliminação dos estereótipos que colocam as mulheres em situação de desvalorização social relativamente aos homens. Em segundo lugar, se os museus têm a capacidade (enquanto espaços de comunicação, representação, validação e poder) para alterar os estereótipos e as representações socialmente construídas, então poderão assumir um posicionamento, tanto teórico como prático, que lhes permita contribuir para a alteração da sociedade, nomeadamente para a promoção de uma imagem da mulher que dilua a desigualdade de género que persiste na sociedade contemporânea.

E também a tese de doutoramento em sociologia “Videoarte de mulheres: Nossos corpos, nós mesmas: Corpo, identidade e autodeterminação nas obras de videoartistas influenciadas pelos feminismos”, da autoria de Teresa Veiga Furtado. A tese teve por pano de fundo três vetores - a arte, o género, e os movimentos sociais feministas -, e os seus pensadores e académicos principais em diversos ramos da Sociologia e das Artes Visuais, bem como das Humanidades. Nesta tese, o objeto de estudo foi construído focado sobre as relações entre a videoarte de mulheres centrada no corpo na identidade e na autodeterminação, a dimensão de género e os movimentos sociais feministas, no período compreendido de 1965 a 2007, num contexto ocidental. A investigação académica sobre género e arte concretizada nas teses de doutoramento, o desenvolvimento de projetos museológicos com artistas, como a exposição “Género na Arte: Corpo, sexualidade, identidade, resistência”, e a promoção de práticas artísticas com uma perspetiva de género entre os alunos/as de belas-artes através da linha de investigação da Universidade de Évora, surgiram como ferramentas concretas para a mudança social no que respeita aos estereótipos de género, à afirmação dos direitos humanos e da dignidade das múltiplas formas socioculturais de ser pessoa.

Procura-se com estas ações que haja uma tomada de consciência das concepções estereotipadas e preconceituosas de género enquanto base fundamental na formação da personalidade dos jovens e origem estrutural das desigualdades de género entre pessoas, bem como da violência de género, sobretudo contra as mulheres, as raparigas e pessoas LGBTI+, e da enorme dimensão que tudo isto tem na construção e normalização social da desvalorização do feminino. Esta estereotipagem continua, nomeadamente, a ter expressão nas marcadas diferenças de rendimentos entre homens e mulheres, na dificuldade feminina de acesso aos lugares de topo, bem como na manutenção dos obstáculos que se colocam às mulheres relativamente à possibilidade de conciliação da vida familiar - envolvendo a execução, muitas vezes de forma exclusiva, das tarefas domésticas e do cuidar -, com a vida profissional, e, finalmente, no reconhecimento, oportunidade e visibilidade dada ao contributo delas na esfera social das ciências, artes, cultura, e política.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] O projeto foi reconhecido com a atribuição do Prémio Arco-íris Igualdade na Cultura - 2017, pela Associação ILGA PORTUGAL - Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo e o Prémio APOM - Associação Portuguesa de Museologia na categoria de Melhor Trabalho em Museologia 2018.

[2] A exposição “Género na Arte: Corpo, sexualidade, identidade, resistência” foi apresentada no Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado entre outubro 2017 e março 2018.

[3] Falamos concretamente do Curso de Licenciatura em Artes Plásticas e Multimédia e do Curso de Mestrado em Práticas Artísticas em Artes Visuais do Departamento de Artes Visuais e Design da Escola de Artes (DAVD/EA/UÉ) e do Centro de História de Artes e Investigação Artística da Universidade de Évora (CHAIA/UÉ).

[4] “Attending school then was sheer joy. I loved being a student. I loved learning. School was the place of ecstasy - pleasure and danger. To be changed by ideas was pure pleasure. But to learn ideas that ran counter to values and beliefs learned at home was to place oneself at risk, to enter the danger zone. Home was the place where I was forced to conform to someone else’s image of who and what I should be. School was the place where I could forget that self and, through ideas, reinvent myself” (hooks, 1994, p. 3).

[5] Ver também: http://www.actout.uevora.pt/actout/index.html ; https://www.arquivoteatromariamatos.pt/espetaculo/video-genero-ana-perez-quiroga-cabello-carceller-hans-scheirl-joao-pedro-vale-suzie-silver-tejal-shah-20150524; http://www.videoartegenero.uevora.pt ; https://www.youtube.com/watch?v=YpTNJrxIDb4

[6] Ver também: http://www.generonaarte.uevora.pt/concurso.html